PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
PENA DE MULTA
CULPA
Sumário

É-lhe imputável a falta de pagamento da multa de substituição se o arguido se colocou na impossibilidade de exercer uma actividade remunerada, como a sua situação de reclusão emergente da prática de um crime.

Texto Integral

Proc. Nº 262/05.7PIPRT-A.P1
7ª Secção – JL Criminal – Porto, Comarca do Porto

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

Na 7ª Secção – JL Criminal – Porto, Comarca do Porto, processo supra referido, em que é arguido/condenado B…, foi proferido Despacho com o seguinte teor:
“Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa por um período de 1 a 3 anos desde que suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta" (cfr. art.°49º, n.°3, do CP), preceito legal que é aplicável ao caso da revogação da substituição da prisão por multa (cfr. art° 43º, n.° 2, do CP.).
Como resulta do citado preceito legal para ter lugar a suspensão da execução da prisão é necessário que fique demonstrado que a razão do não pagamento da multa não é imputável ao condenado, embora tal possa ser requerido pelo Ministério Público (cfr. art.° 491°, n.°3, do CPP.).
No entanto, trata-se de um regime excecional (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de março de 2013, processo n.° 125/07.1TACDR.P1, in www.dgsi.pt) segundo o qual não basta alegar que a razão do não pagamento da multa não é imputável ao condenado, tornando-se necessário provar a factualidade que terá que ser alegada para se poder extrair tal conclusão (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de março de 2012, processo n.° 5816/09.0TAVNG, do extinto 4.° juízo criminal de Vila Nova de Gaia, de 14-03-2012, processo n.° 125/07.1TACDR.P1, este in www.dgsi.pt).
Assim, desde logo, terá que ser identificada e demonstrada a razão do não pagamento da multa desde a data de início do prazo para o seu pagamento até ao seu termo, bem como que tal razão se impõe ao condenado, isto é, que não é por culpa sua que ela se manifesta.
No presente caso a única razão que foi alegada para fundamentar a suspensão da execução da pena de prisão foi o facto de o condenado estar preso, sem possibilidade, por esse facto, de conseguir obter um rendimento que lhe permita pagar a multa em que foi condenado (cfr. fls. 405).
Na verdade, o condenado cumpre pena de prisão aplicada no processo 131/05.OPCGDM onde foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.° 204.°, n.° 2, al. e), do C.P..
Ora, compulsados os presentes autos verifica-se que o condenado que requereu o pagamento da multa em prestações, o que embora possa traduzir a afirmação da impossibilidade de pagar a multa de uma só vez ou a dificuldade em fazê-lo, o certo é que, ao mesmo tempo, traduz inequivocamente o reconhecimento de ser possível proceder ao mesmo pagamento, diferido no tempo, de forma repartida (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de março de 2013, processo n.° 125/07.1TACDR.P1, in www.dgsi.pt).
Por outro lado, a falta de pagamento da multa aplicada nos presentes autos em virtude de o arguido não poder obter rendimentos que o permitam por se encontrar a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional, pode considerar-se ser-lhe ainda imputável, dado que apesar de não depender da sua vontade a prestação de qualquer atividade remunerada por força da reclusão, a condenação que lhe deu origem pressupõe a culpa do arguido pela sua conduta ilícita.
Acresce que, do ponto de vista de política legislativa, sempre seria dificilmente aceitável que a situação de reclusão do condenado em cumprimento de pena afastasse a culpa do arguido pelo não cumprimento de pena pecuniária, pois tal solução poderia ser vista como um prémio para o condenado em prisão efetiva que tivesse pena pecuniária por cumprir, tanto mais que não é possível sujeitar a suspensão da prisão a verdadeiras condições, como imposto pelos n.° 3 do artº 49.° en.° 2, do art.° 43.°, do C.P., dado o regime prisional a que está sujeito (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de, processo n.° 295/09.4GdSTB-A.E1, in www.dgsi.pt).
Pelo exposto e ao abrigo dos citados preceitos, não suspendo a execução da pena de prisão.
Comunique, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 477.°, n.° 1, do C.P.P. e 35.°, da Portaria n.° 280/2013, de 26 de agosto, enviando certidão, com nota de trânsito em julgado, quer da sentença quer do despacho que revogou a substituição da pena de prisão por multa.
Informe, através do sistema informático (cfr. art.0 30.° da Portaria n.° 280/2013, de 26 de agosto), o processo à ordem do qual o arguido se encontra privado de liberdade que interessa a privação de liberdade à ordem do presente processo, devendo aquele esclarecer se aí vão ser ou não emitidos "mandados de desligamento e ligamento" do condenado ao presente processo”.

*
*
Deste Despacho recorreu o MºPº, formulando as seguintes conclusões:
“1º
A decisão recorrida julgou não ser de suspender a execução da pena de prisão ao arguido por não estarmos perante uma situação de facto subsumível na previsão do artigo 49.°, n.°3, do CP.
Encontra-se demonstrado nos autos que o arguido se encontra preso desde data anterior à do trânsito em julgado nestes autos proferida, sendo-lhe desconhecidos quaisquer bens ou rendimentos e estando impossibilitado de os obter legitimamente, por se encontrar em situação de reclusão desde Outubro de 2015.
Perante esta factualidade factos, o Ministério Público entende que a situação concreta cabe no desenho legal da norma mencionada.
Pelos motivos aduzidos, entendemos que foi violado o disposto no artigo 49.°, n.°3, do CP.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, por violadora do artigo 49.°, n.°3, do CP, sendo a mesma substituída por outra que suspenda a execução da pena de prisão subsidiária, mediante a imposição de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, nos mesmos do disposto do citado preceito legal”.
*
Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela procedência do recurso.
*
*
*
Colhidos os vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
*
Das conclusões, delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que o recorrente MºPº pretende a revogação da decisão recorrida, “por violadora do artigo 49.°, n.°3, do CP, sendo a mesma substituída por outra que suspenda a execução da pena de prisão subsidiária, mediante a imposição de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro”.
*
Dos autos logra-se extrair o seguinte:
- Neste processo o arguido foi condenado numa pena de 5 meses de prisão substituída por multa (desconhece-se qual o crime praticado, pois nunca é referido, nem no recurso, nem nos despachos sucessivamente proferidos);
- Encontra-se preso em cumprimento de pena, à ordem de um outro processo (também se desconhece qual o crime ou crimes praticados);
- Em Janeiro de 2016, em manuscrito dirigido ao Tribunal, terá pedido a «substituição da multa por trabalho comunitário», ou o seu pagamento «em suaves mensalidades»;
- Este requerimento, gerou uma promoção no sentido de não oposição “a substituição da multa por dias de trabalho” e um despacho, considerando tempestivo o pedido, mas indeferindo-o porque “estando o condenado preso em cumprimento de pena, falecem os pressupostos que permitem a aplicação de tal medida punitiva, a qual, a aceitar-se nos termos requeridos, seria desvirtuar a sua finalidade, uma vez que se diluía no cumprimento de outra pena - a de prisão - quando é sabido que os reclusos exercem muitas vezes diversas tarefas similares dentro dos próprios Estabelecimentos Prisionais, sem que isso assuma natureza de dias de trabalho”;
- Foi também indeferido o pagamento em prestações, por ser considerado “evidente do seu requerimento que não irá pagar as mesmas, razão pela qual será inútil estar a deferir uma facilidade de pagamento que, resulta do requerimento, não se cumprirá”;
- Posteriormente, porque a multa não foi paga, foi determinado o cumprimento da pena de 5 meses de prisão, advertindo-se que “se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão ser suspensa, por um período de um ano a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (cfr. art.º 49.º, n.º 3, do C.P. ex vi art.º 43.º, n.º 2, do C.P.)”;
- Em Abril de 2016, o arguido/condenado dirigiu um novo manuscrito ao Tribunal pedindo o pagamento da multa «em suaves mensalidades»; este pedido foi indeferido porque “já tinha decorrido o prazo peremptório estabelecido para a apresentação de requerimento para o pagamento da multa em prestações”;
- Por fim, o MºPº promoveu a suspensão da execução da pena de prisão por falta de condições por parte do arguido de proceder ao pagamento da pena de multa (substitutiva de prisão);
- Foi então proferido o Despacho sob recurso em que a promovida suspensão da execução da pena de prisão foi negada, porque a “falta de pagamento da multa aplicada nos presentes autos em virtude de o arguido não poder obter rendimentos que o permitam por se encontrar a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional, pode considerar-se ser-lhe ainda imputável, dado que apesar de não depender da sua vontade a prestação de qualquer atividade remunerada por força da reclusão, a condenação que lhe deu origem pressupõe a culpa do arguido pela sua conduta ilícita”;
- Citando-se um Acórdão da Relação de Évora, proferido em 09/09/2014, acrescenta-se que “do ponto de vista de política legislativa, sempre seria dificilmente aceitável que a situação de reclusão do condenado em cumprimento de pena afastasse a culpa do arguido pelo não cumprimento de pena pecuniária, pois tal solução poderia ser vista como um prémio para o condenado em prisão efetiva que tivesse pena pecuniária por cumprir, tanto mais que não é possível sujeitar a suspensão da prisão a verdadeiras condições, como imposto pelos n.° 3 doartº 49.° en.° 2, do art.° 43.°, do C.P., dado o regime prisional a que está sujeito”.
*
No recurso, argumenta-se que o art.º 49, n.º 3, do CP “é uma válvula de escape que visa impedir que, no limite, as pessoas cumpram pena de prisão unicamente por serem involuntariamente pobres ou estarem impedidas de auferir ou dispor de qualquer rendimento”.
Considera-se que “os dados de facto já constantes dos autos apontam claramente no sentido de o não cumprimento da multa por parte do arguido não lhe ser imputável. Na verdade, sendo-lhe desconhecidos quaisquer bens ou rendimentos e estando impossibilitado de os obter legitimamente, por se encontrar em situação de reclusão desde Outubro de 2015 (tendo a sentença proferida nos presentes autos transitado em julgado em Novembro de 2015), não vislumbramos como lhe poderia ser possível proceder ao pagamento devido”.
*
Vejamos:
O art.º 43, n.º 2, do CP, referindo-se à multa aplicada em substituição da pena de prisão, dispõe:
- “Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na Sentença.
É correspondentemente aplicável o art.º 49, n.º 3, do CP”.
Este art.º 49 (conversão da multa não paga em prisão subsidiária), n.º 3, estabelece:
- “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta”.
Porque a Jurisprudência se dividia a esse respeito, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 12/2013 foi fixada a seguinte:
"Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43.º n.os 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.º 2, do artigo 49.º, do Código Penal".
Reportando-se às fases da execução de uma pena de multa com tais características, refere-se nesse Acórdão o seguinte:
“Condenado o arguido em pena de multa de substituição, nos termos do art.º 43.º, do CP, a multa deve ser paga no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado, após notificação que lhe deve ser feita, nos termos do art.º 489.º, n.os 1 e 2, do CPP, assistindo ao arguido o direito de requerer o pagamento em prestações ou dentro do prazo de um ano, nos termos do art.º 47.º n.º 3, do CP, a substituição por dias de trabalho (art.º 490.º, do CPP), porém findo o prazo para pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento por inteiro esteja efectuado, procede-se, nos termos do art.º 491.º n.º 1, do CPP, à execução patrimonial.”
Nessa descrição, parece pressupor-se que a demonstração da impossibilidade não culposa de pagar a multa, deve ser efectuada pelo condenado, antes da decisão de cumprimento da pena principal de prisão: “exaurida esta plúrima regra procedimental, não assiste outra alternativa ao tribunal, desde que ante este se não haja comprovado previamente a impossibilidade não culposa de satisfazer a multa, que não seja a de fazer cumprir a pena de prisão substituída”.
No caso, o MºPº (aqui recorrente) aponta como causa de impossibilidade do incumprimento da multa a situação de reclusão do condenado em cumprimento de outra pena de prisão (que será até anterior à condenação aqui em causa).
Na decisão contrapõe-se – baseando-se no referenciado Acórdão da Relação de Évora – que essa situação lhe é imputável, pois foi o mesmo que nela se colocou.
Parece-nos que razão haverá neste raciocínio:
Imputar é atribuir alguma coisa a alguém. Na terminologia Penal, imputabilidade é a possibilidade de se atribuir a uma pessoa a prática de um acto ilícito e de o responsabilizar pelo mesmo.
No art.º 49, n.º 3, do CP, confere-se ao condenado o ónus de “provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável”, isto é, não lhe é atribuível.
Ora, para além de o condenado aqui não ter desenvolvido tal actividade processual, a sua situação de reclusão em cumprimento de pena, que o recorrente aponta como causa da impossibilidade do cumprimento da multa, é-lhe atribuível, uma vez que deriva da prática de factos ilícitos, culposos, tipificados como crime.
Foi o condenado que se colocou na impossibilidade de exercer alguma actividade remunerada que lhe permitisse pagar a multa substitutiva da pena de prisão aplicada.
Acrescente-se que essa mesma situação de prisão em cumprimento de pena é incompatível com a imperativa subordinação da suspensão ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, incluída na previsão do art.º 49, n.º 3.
Em conclusão, o recurso não merece provimento.
*
Nos termos relatados, decide-se julgar improcedente o recurso, mantendo-se o Despacho recorrido.
*
Sem custas.
*
Porto, 10/05/2017
José Piedade
Airisa Caldinho