PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
ACUSAÇÃO
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO
Sumário

I - A assumpção da qualidade de arguido, operada no artigo 57º, nº 1 do C.P.P. tem de ser entendida como só se verificando com a notificação ao suspeito, da acusação contra si deduzida e não, com a simples prolação da acusação.
II - A mera dedução da acusação não se equipara à constituição de arguido, para efeito de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal.

Texto Integral

Acordam em conferência na 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO.

C…, Assistente nos autos acima referenciados, e ali melhor identificado, não se conformando com o despacho que declarou a extinção do procedimento criminal contra o denunciado P…, vem do mesmo interpor recurso.

Apresenta as CONCLUSÕES que vão transcritas na parte que releva para a apreciação da matéria em recurso:
“a) o despacho recorrido considerou não existir qualquer causa interruptiva da prescrição, não fundamentando porém essa asserção face à existência de acusação deduzida nos autos;
b) o artigo 57º nº. 1 do Código de Processo Penal preceitua que assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem foi deduzida uma acusação;
c) assim deduzida contra alguém, opera-se ipso jure ou ipsa vi legis a constituição de arguido;
d) por sua vez estatui o art.º 121º do Código Penal que a prescrição interrompe-se com a constituição de arguido.
Por todo o exposto,
E com o mui douto suprimento de V.Exªs deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, ordenando-se a sua substituição por outro que receba a acusação e designe dia para julgamento.”.

Na primeira instância o Mº.Pº pronunciou-se, emitindo o parecer que se resume e se transcreve no seu essencial:
“Desçamos ao caso concreto.
Invoca o Recorrente a falta de fundamentação do despacho recorrido, por omissão, por não ter apreciado a acusação deduzida e a consequente investidura do denunciado como arguido, como causa interruptiva da prescrição, padecendo, por isso, do vício da nulidade.
É pacífico que qualquer decisão judicial deve ser fundamentada, de facto e de direito.
Ora, o douto despacho recorrido, mostra-se, na nossa opinião, suficientemente fundamentado no que concerne à indicação de que in casu não se verifica qualquer circunstância interruptiva ou suspensiva dos prazo prescricional de dois anos, não se afigurando necessário, salvo melhor opinião, apreciar individualmente cada uma das causas previstas nos artigos 120º e 121° do Código Penal.
Acresce que ainda que assim não se entendesse a falta de fundamentação nos termos pugnados pelo Recorrente não configuraria qualquer nulidade, porque não se encontra expressamente prevista no art° 97º, nem tão pouco nos artigos 119° e 120º, todos do Código de Processo Penal.
Donde, resta concluir que a invocada nulidade quanto muito configuraria uma mera irregularidade, nos termos do disposto no art° 123° do citado Código.
Dispõe o n° 1 do art° 123° do CPP que: “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.”
A irregularidade é um vício formal que tem natureza residual e que é sanável com mais facilidade do que a nulidade.
A este propósito refere o Prof. Germano Marques da Silva que “O acto irregular, como o acto nulo, mas ao contrário do acto inexistente, produz os efeitos típicos do acto perfeito enquanto a irregularidade não for declarada.” E acrescenta, “(..) A irregularidade é uma espécie de invalidade menos grave que as demais - inexistências e nulidades - e, por isso, a lei admite que o vício se possa sanar com mais facilidade.” - in Curso de Processo Penal, II, Verbo, 2 Edição, 1999, pág. 82 e 83.
Ora in casu também não se vislumbra qualquer irregularidade, pois, repete-se, o despacho recorrido mostra-se suficientemente fundamentado.
Pelo exposto, resta concluir pela não verificação da invocada nulidade, ou de qualquer outro vício.
2 — Da ilegalidade da declaração de prescrição do procedimento criminal
E é aqui que intercede a segunda questão.
O ora Recorrente entende que a Exma Juiz a quo não ponderou a circunstância de, in casu, o sujeito contra quem foi deduzida a acusação particular ficar investido na qualidade de arguido, ope legis, nos termos do disposto no art° 57°, n° 1 do Código de Processo Penal e, em consequência, se dever considerar verificada a causa de interrupção prevista no art° 121º do Código Penal — constituição como arguido.
Creio que, também aqui, sem razão.
Vejamos.
Compulsados os autos constata-se o ora Recorrente apresentou queixa contra P… por factos praticados em 16/07/2007, susceptíveis de integrar, em abstracto, o crime de difamação, previsto e punido, pelos artigos 180°, n° 1, 182° e 184°, todos do Código Penal.
Tal ilícito é punido com pena de prisão até 9 meses ou com pena de multa até 360 dias.
Não foi possível ao longo do inquérito — não obstante as mais diversas diligências —, proceder à constituição como arguido do denunciado, nos termos do disposto no art° 58º nº1, al. a) do Código de Processo Penal.
O Recorrente, na sua qualidade de assistente, deduziu acusação particular em 16/04/2009 (cfr. fls. 64 e seguintes).
A mesma não mereceu o acompanhamento do Ministério Público, conforme se alcança do despacho de fls. 74 e seguintes, datado de 20/04/2009.
Nos termos do disposto do art° 57° do Código de Processo Penal o denunciado, por via da dedução da acusação particular, assumiu a qualidade de arguido.
Todavia, não foi possível proceder à notificação pessoal da acusação ao arguido, nem tão pouco à recolha de Termos de Identidade e Residência, por não ter sido localizado.
Ora, revelando-se infrutíferas as diligências de notificação foram os autos remetidos à distribuição, nos termos do disposto no art° 283°, n° 5 do Código de Processo Penal.
Por força do disposto no art° 118°, n° 1, al. d) o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, neste tipo de ilícito, logo que sobre a prática dos factos tiverem decorrido dois anos, uma vez que a pena, em abstracto, não atinge um ano de prisão.
A questão que se coloca é saber se com a dedução de acusação, seja ela particular ou pública, e com a passagem do denunciado a arguido, ope legis, se deve considerar interrompido o prazo prescricional, nos termos do disposto no art° 121°, n° 1, al. a) do Código Penal.
Dispõe o art° 57° do Código de Processo Penal que:
“1. Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal.
2. A qualidade de arguido conserva-se durante o decurso do processo.
3. É correspondentemente aplicável o disposto nos n°s 2 a 6 do artigo seguinte.”
O art° 58° do citado Código estabelece em que circunstâncias é obrigatória a constituição de arguido e define os formalismos a que deve obedecer tal acto.
E o art° 59° do mesmo Código indica outras formas de constituição de arguido e respectivas formalidades.
Estas disposições legais visam garantir o direito de defesa do arguido, enquanto sujeito processual, bem como instituir os deveres a que se encontra sujeito.
Por força do disposto no citado art° 57°, passa a arguido, se ainda não o for, todo aquele contra quem é deduzida acusação ou contra quem for requerida a instrução.
Da leitura deste preceito importa realçar o seu elemento literal. Com efeito, a norma não refere a “constituição” como arguido, mas sim que “assume” a qualidade de arguido aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida a abertura de instrução.
Pretende o legislador, no primeiro caso, uma vez que existe a probabilidade séria do mesmo vir a ser condenado — por existirem indícios suficientes da prática do delito (art° 283° do CPP) —, acautelar a sua posição processual através de um estatuto próprio.
No segundo caso, o legislador considerou que era pertinente rodear de cautelas a posição do interveniente, uma vez que se vai entrar numa fase processual que tem por finalidade comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter a causa a julgamento (art° 286° do CPP).
A assumpção da qualidade de arguido nestas duas situações não carece de declaração — ao contrário do que sucede nos artigos 58° e 59° do Código Penal —, resultando automaticamente do facto de ter sido deduzida acusação ou do requerimento de abertura de instrução, tratando-se de uma consequência necessária da prática de um destes autos.
Nas situações previstas na norma em apreço não se exige um acto formal, material e solene, resultando a investidura na qualidade de arguido da necessidade de acautelar, em face da possibilidade de vir a ser sujeito a julgamento ou de vir a ser pronunciado, consoante a fase processual seguinte, o respectivo direito de defesa.
Pelo contrário, a constituição como arguido prevista nos artigos 58° e 59° do citado Código exige um acto formal, material e documentado, presidido por Magistrado ou órgão de policial criminal, no uso de competência delegada, no qual o suspeito é confrontado com os factos que constituem o objecto da queixa ou participação e com a informação dos direitos e deveres que lhe assistem, estando, ainda, sujeito à obrigação de prestar Termo de Identidade e Residência — medida de coacção mínima prevista no nosso sistema processual penal.
Donde, na minha perspectiva, importa distinguir a assumpção da qualidade de arguido, que opera ope legis, da constituição como arguido que resulta de um despacho do Ministério Público, enquanto titular do inquérito, fundado na existência de uma forte suspeita da prática de crime e efectuada nos termos dos mencionados artigos 58° ou 59º do Código de Processo Penal.
Feita esta distinção a questão que se coloca é saber se a constituição como arguido a que alude o art° 118°, n° 1, al. a) do Código Penal — como circunstância que interrompe o decurso do prazo prescricional —, abrange também as situações previstas no art° 57° do Código de Processo Penal ou se, pelo contrário, se refere à constituição formal, material e solene de arguido em que o mesmo é informado dos factos objecto dos autos e que lhe são imputados e advertido dos direitos e deveres que lhe assistem.
Creio, salvo melhor opinião, que apenas o segundo entendimento é defensável. Com efeito, não obstante o denunciado passar a arguido com a dedução de acusação, não me parece defensável, ao contrário do propugnado pelo ora Recorrente, que tal circunstância revista a dignidade formal e solene do acto de constituição como arguido e, por isso, com virtualidade para interromper o decurso do prazo prescricional.
Ora, in casu, o denunciado ficou investido na qualidade de arguido por força da dedução de acusação, todavia, até hoje, o arguido não tomou qualquer contacto com os autos, admitindo-se como provável, que não tenha conhecimento dos mesmos.
Nestas circunstâncias não poderia ser submetido a julgamento, mostrando-se imprescindível realização de diligências tendentes à sua localização e só no caso das mesmas se revelarem ineficazes é que se iniciariam os procedimentos tendentes à sua declaração como contumaz — art° 335° do Código de Processo Penal —, circunstância que nos termos do disposto no art° 121º do Código Penal, interromperia o decurso do prazo prescricional.
Donde, impõe-se concluir que no momento em que os autos foram conclusos à Exma a quo, em 20/07/2009 (cfr. fls. 124), já o procedimento criminal se encontrava prescrito, por terem decorrido dois anos sobre a data da prática dos factos sem que tenha ocorrido qualquer circunstância suspensiva ou interruptiva do decurso do prazo.
Neste sentido veja-se o Ac. da Relação de Lisboa de 02/10/2002 onde se pode ler que:
“1 — A prescrição do procedimento criminal tem natureza predominantemente substantiva.
II— Á aquisição da qualidade de arguido está dependente da comunicação ao visado dos correspondentes deveres.
III — A mera dedução da acusação não se equipara à constituição de arguido, para efeito de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal. “— in http://www. dgsi.pt/jtrl.nsf.
Acresce que a falta de notificação da acusação particular e do despacho do Ministério Público de não acompanhamento ao arguido implica que não se verifique a suspensão do decurso do prazo a que alude o art° 120º, n° 1, al. b) do Código Penal, nem a respectiva interrupção, nos termos do art° 121°, n° 1, al. b) do mesmo Código.
Neste sentido veja-se o Ac. da Relação de Coimbra de 18/10/2006, onde se sumaria, em 3 que: “O prazo prescricional, contado desde a data do cometimento dos factos, não se interrompe com um novo interrogatório, mesmo pelos factos, não se interrompe com um novo interrogatório, mesmo pelos factos novos, mas apenas com a notificação da acusação.”
Termos em que se impõe concluir, tal como concluiu a Exma Juiz a quo, que o procedimento criminal nos presentes autos se extinguiu, por prescrição, no dia 16/07/2009.
Por todo o exposto, bem andou a Exma Juiz a quo ao proferir o douto despacho recorrida, não se vislumbrando qualquer vício ou a violação de qualquer norma jurídica, mormente as previstas nos artigos 57°, 119º, 120° e 123° do Código de Processo Penal e no art° 121°, n° 1, al. a) do Código Penal.
Termos em que deverá o recurso ser
julgado improcedente e manter-se a decisão
recorrida.
No entanto, V. Exas, decidindo, farão,
como sempre,
JUSTIÇA!”
O denunciado pronunciou-se, concluindo da seguinte forma.
1-O recurso deve ser liminarmente rejeitado pois nas conclusões do recurso apresentado pelo assistente, não constam as normas jurídicas violadas nem o sentido em que as normas deveriam ter sido interpretadas violando o artigo 412°, n° 2, do Código de Processo Penal.
2- A constituição de arguido por via da dedução de acusação prevista no artigo 57°, n° 1 do Código de Processo Penal ocorria ope legis na redacção anterior às alterações introduzidas com a Lei n° 59/98 de 25 de Agosto.
3- Na redacção actual do artigo 57° do CPP está plasmado de forma clara e inequívoca que a constituição de arguido por via da dedução de acusação, para ser eficaz, teria de seguir o formalismo previsto no corpo do artigo 58°, designadamente nos n°s 2, 3 e 4.
4- O artigo 58°, n°s 2, 3 e 4 do CPP explicita de forma clara e concisa que a constituição de arguido opera-se “através de uma comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária, de que a partir daquele momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal”.
5- A notificação da acusação tem de ser obrigatoriamente notificada ao denunciado e ao seu defensor (artigo 283, n° 5, e 277°, n° 3 do CPP).
6- Assim mera dedução de acusação não é susceptível de interromper de forma automática a prescrição, sendo exigível a notificação ao denunciado da acusação.
7- A prescrição do procedimento criminal tem natureza predominantemente substantiva.
8- A aquisição da qualidade de arguido está dependente da comunicação ao visado dos correspondentes deveres.
9- Não ocorreu nenhum facto interruptivo ou suspensivo da prescrição pelo que o despacho recorrido não merece qualquer censura ou reparo.
10- A acusação seria sempre nula pois o assistente veio deduzir acusação particular pelo crime de difamação agravado nos termos do artigo 184° do Código Penal.
11- O crime de difamação agravado não é um crime particular mas sim um crime semi- público, nos termos do artigo 188° do Código Penal, não tinha o Assistente legitimidade para deduzir acusação por esse crime, a qual caberia em exclusivo ao Ministério Público.
12- O Ministério Público não tinha legitimidade para efectuar a correcção da qualificação jurídica pois tal não está previsto no artigo 285°, n° 4 do CPP.
13- Está vedado ao Ministério Público efectuar quaisquer correcções ainda para mais num elemento fundamental da acusação (artigo 283°, n°3, alínea e) do CPP) como é a sua qualificação jurídica.
14- Deveria ter assim o Ministério Público notificado o assistente para deduzir nova acusação ao invés de a ter corrigido.
15- Deduziu assim o Assistente uma acusação por um crime pelo qual tinha falta de legitimidade para o fazer (artigo 48° e 50º do CPP), sendo a cominação a nulidade insanável e que é invocável a todo o tempo (artigo 119°, alínea c) do CPP a contrario).
Termos em que se conclui pela rejeição do recurso por falta de indicação das normas jurídicas violadas, ou se assim não se entender, pela sua improcedência.
Destarte
V. Exas, Venerandos Desembargadores, no mais douto e sapiente critério, farão como é hábito a melhor e mais esclarecida Justiça.”

Neste Tribunal, no visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

Corridos os vistos, em conferência, cumpre decidir.


Antes de mais cumpre tomar posição sobre a questão suscitada na resposta ao recurso, em que se alega dever o recurso ser rejeitado por não observar o disposto no nº. 2 do artigo 412 do C.P.P., ao não se indicarem as normas jurídicas violadas e o sentido em que deveriam ser interpretadas as normas.
Verificamos que do texto do requerimento de interposição do recurso é perfeitamente perceptível o sentido da questão colocada ao Tribunal de recurso; as normas consideradas e cuja interpretação é posta em causa no recurso, bem como as disposições considerdas violadas na decisão em recurso são citadas e referenciadas no contexto da motivação. Assim sendo, entendemos que é suficiente e explícita a motivação, muito embora se reconheça que a mesma não prima pelo rigor formal prescrito na citada norma do artigo 412 do C.P.P. (neste sentido, Ac.S.T.J. de 21/1/99- SASTJ nº. 27-80), inexistindo razão para a rejeição liminar do recurso.

II- MOTIVAÇÃO.

É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Ac do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série-A, de 28.12.95).

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão colocada resume-se a saber:
-- se a dedução da acusação opera de imediato e sem mais a constituição de arguido e
-- se essa qualidade assim determinada é causa de interrupção da prescrição nos termos da alínea a) do nº. 1 do artigo 121 do Código Penal.
Vejamos, de forma abreviada, a tramitação dos presentes autos.
C…, advogado, requereu a instauração de procedimento criminal contra P…, também advogado, alegando que este, no dia 16 de Julho de 2007 enviou ao Dr. L… um e-mail, no qual apelidava o recorrente de “filho da puta” e informava que enviara para o denunciante uma mensagem “a dizer que fosse levar no cú”.
Não obstante as várias diligências efectuadas nos autos, não se conseguiu proceder a interrogatório do denunciado, pelo que o Mº. Pº. alegando “perigo de prescrição do procedimento criminal”, declarou encerrado o inquérito – cfr. fls. 58- despacho datado de 1/4/2009. Nesse despacho o Mº.Pº. exarou o seguinte: “ Em nosso entender, foram recolhidos indícios suficientes da prática, pelo denunciado, de tal delito”, referindo-se ao ilícito de difamação.
Deduziu então o Assistente a acusação particular que se encontra nos autos - fls. 64 a 66, a qual o Mº.Pº acompanhou em despacho proferido em 20/4/2009, acrescentando alguns factos ( contrariamente ao que, certamente por lapso, é alegado supra, em resposta do Mº.Pº. ao recurso). Nesse despacho o Mº.Pº. exarou ainda o seguinte: “ Notifique-se o denunciado da acusação particular contra ele deduzida. Comunique àquele que, com a dedução da acusação, assume a qualidade de arguido nestes autos, com os direitos e deveres previstos no artigo 61 do C.P.P.( artº. 57-1 do C.P.P.). Solicite ao OPC a notificação do denunciado com MUITA URGÊNCIA, atento o perigo de prescrição. Deverá também o mesmo ser submetido a T.I.R.”
Este despacho não foi notificado ao denunciado e, em 15/7/2009 os autos foram remetidos à Distribuição, o que ocorreu em 16/7/2009.
Por despacho judicial, proferido em 20/7/2009, foi declarado extinto o procedimento criminal, por decurso do prazo prescricional, considerando o Sr. Juíz a inexistência de factos interruptivos ou suspensivos da prescrição, que se iniciara em 16/7/2007.
É desta decisão que vem interposto o presente recurso.
Cumpre assim apreciar e decidir.
Adiante-se desde já que seguiremos de perto o entendimento plasmado no acórdão desta Relação, exarado no processo nº.0042073RL2, de 02-10-2002- publicado em www.dgsi.pt., onde foi sumariado:
“I - A prescrição do procedimento criminal tem natureza predominantemente substantiva.
II - A aquisição da qualidade de arguido está dependente da comunicação ao visado dos correspondentes deveres.
III - A mera dedução da acusação não se equipara à constituição de arguido, para efeito de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal.”
Com efeito, no caso, foi denunciada a prática do crime de difamação p.p. no artigo 180 do C.Penal.
Para este ilícito, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de dois anos, atento o que se acha disposto no artigo 118 nº. 1 a) do C.Penal. Nos termos do disposto no artigo 119 do mesmo diploma legal, o prazo inicia-se no momento da prática dos factos, interrompendo-se nas situações previstas no artigo 121 do citado diploma. Nos termos daquele no nº. 1 a) uma das causas de interrupção é justamente, com a constituição de arguido e outra a alínea b) com a notificação da acusação, para citar apenas as que interessam ao caso em apreço.
Não há dúvidas de que a constituição de arguido é causa da interrupção da prescrição e, também dúvidas não há de que a dedução da acusação confere a qualidade de arguido ao denunciado ou suspeito.
Analisando este preceito, o seu nº. 3 reza que : “é correspondentemente aplicável o disposto nos nºs. 2 a 6 do artigo seguinte”. Nesta sequência literal, o artigo 58º do C.Penal nas disposições referidas, regula a constituição de arguido, exigindo-se determinado formalismo, ali expresso.
Significa então que, após, não a prolação simples da acusação, mas após a notificação da dedução da acusação, a lei passa a conferir ao até ali suspeito, a qualidade de arguido, ou seja, passa a conferir-lhe os direitos e deveres estabelecidos nos artigos 60 e 61 do Código de Processo Penal, que até àquele momento não tinha. Como refere Maia Gonçalves (anotação ao C.P.P. 17ª ed.-187) : “direitos e deveres, que na sua globalidade constituem um autêntico estatuto do arguido”.
Já na revisão do C.Penal, em 1989 se discutiu na respectiva Comissão, entre o Sr.Prof Figueiredo Dias e o Sr. Procurador Geral da República, a questão da acusação ser causa de interrupção e também da suspensão da prescrição criminal, havendo assim a dupla utilização de um facto; tendo a comissão acordado na introdução do termo “notificação” da acusação, que ainda se verifica na redacção actual, dado que frequentemente as acusações permanecem muito tempo sem serem levadas ao conhecimento dos visados e a omissão do termo notificação poder causar alguma confusão.- “Actas e Projecto da Comissão de Revisão”- 1993.
Circunstância esta que vem confirmar o entendimento que sufragamos, quanto ao artigo 57-1 e 3 do C.P.P., devendo pois concluir-se que a assumpção da qualidade de arguido, operada naquela norma tem de ser entendida como só se verificando com a notificação ao suspeito, da acusação contra si deduzida e não, com a simples prolação da acusação. O que, em, nosso entender, não contraria o vertido na norma do nº. 1 do artigo 57 do C.P.P.
A notificação da acusação sempre interromperia o prazo prescricional, nos termos da alínea b) do nº. 1 do artº.121 do C.P.; no caso esta vai coincidir com a aquisição do estatuto de arguido, pelo denunciado, uma vez que ainda não fora constituído antes (o que poderia ter acontecido por ordem judicial ou a pedido do próprio suspeito) daquela.
Com este entendimento, apoiado no seguimento da jurisprudência desta 9ª. secção da Relação supra citada, se tem de concluir que se não verifica a alegada ilegalidade do despacho recorrido.
E, neste entendimento, forçoso é concluir que a fundamentação daquele despacho é suficiente, com a referência à inexistência de causa de interrupção ou suspensão da prescrição, não se exigindo ao Juíz que fizesse uma apreciação de todas as circunstâncias que poderiam levar à interrupção ou à suspensão da prescrição.
Com o entendimento supra e que foi o seguido pelo Tribunal recorrido, no caso, verificou-se o decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal, de 2 anos, desde a data dos factos até ao dia em que os autos foram recebidos na distribuição, no Tribunal; pelo que, em despacho posterior a essa data, o Sr.Juíz conheceu, como lhe competia da verificação da prescrição, que declarou, com a consequente extinção do procedimento criminal.
Nenhum reparo há a fazer ao despacho recorrido, que se deverá manter.
E, assim concluindo, fica prejudicada a apreciação de outras questões suscitadas pelo denunciado (através do Defensor nomeado), na resposta ao requerimento do recurso.

III – DECISÃO.

Acordam os juízes da 9ª Secção do Tribunal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente assim confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2010

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – artº 94º, nº 2 do C.P.Penal)

Maria do Carmo Ferreira
Moisés da Silva