EMBARGOS DE TERCEIRO
TERCEIRO
CONCEITO JURÍDICO
DONATÁRIO
DOAÇÃO
ARRESTO
Sumário

I – O terceiro embargante tem legitimidade para requerer a declaração da caducidade do arresto por si embargado.
II – O Dec.-Lei n.º 533/99, de 11.12, na parte em que aditou um n.º 4 ao art.º 5.º do Código do Registo Predial, é lei interpretativa.
III – Não são terceiros, para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 5.º do CRP, o adquirente, por doação, de um imóvel e o credor do doador que obteve o arresto desse imóvel.
IV – O direito do donatário do imóvel prevalece sobre o direito do arrestante credor do doador, se a doação for anterior ao arresto, ainda que o arresto seja inscrito no registo predial antes da doação.
(JL)

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
1. Em 22.12.1998 C... deduziu embargos de terceiro por apenso ao procedimento cautelar de arresto que Banco, S.A. instaurou contra D.... e mulher E.....
2. A embargante alegou, em síntese, que o arresto decretado ofende a propriedade e a posse da requerente sobre a fracção autónoma “E”, correspondente ao 4.º andar do n.º ...., em Lisboa, que adquiriu por escritura de doação, e sobre vários móveis, que constituem o seu recheio.
3. Requereu que os identificados bens fossem excluídos do arresto.
4. Os embargos foram parcialmente recebidos, quanto ao imóvel e alguns bens móveis e foi determinada a restituição provisória da posse desses bens à embargante.
5. O embargado Banco, S.A. contestou os embargos, pugnando pela manutenção do arresto. Quanto ao imóvel, aceitou que a embargante é sua proprietária, com base na escritura de doação que a embargante mencionou na petição de embargos, mas alegou a prevalência do arresto sobre esse direito, na medida em que a inscrição no registo predial da providência ocorreu antes da inscrição da mencionada aquisição.
6. Após diversas vicissitudes processuais, em 8.6.2005 e em 22.6.2005 a embargante requereu que o tribunal declarasse a caducidade do arresto, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 389.º do CPC. Para tanto, alegou que a acção principal se encontrava parada havia mais de 30 dias por culpa do requerente do arresto.
7. O Banco, S.A. opôs-se ao requerimento, negando que a paragem da acção principal lhe fosse imputável.
8. Em 16.9.2005 foi proferido despacho em que se indeferiu a requerida declaração de caducidade da providência, por se entender que a requerente, na qualidade de embargante de terceiro, não tinha legitimidade para deduzir tal pretensão.
9. A embargante agravou desse despacho, agravo esse a que, por decisão da Relação de Lisboa, foi fixado efeito meramente devolutivo e subida diferida.
10. Após a realização de julgamento, em 04.3.2009 foi proferida sentença em que se julgou os embargos parcialmente procedentes e consequentemente decidiu-se:
a) Declarar que C.... é proprietária da fracção autónoma designada pela letra "E", correspondente ao 4º andar do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ...., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha nº ...., da freguesia de São João de Brito e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo ....;
b) Ordenar o levantamento da penhora [quereria dizer-se “arresto”] sobre o referido imóvel e bem assim sobre as verbas nº 1, nº 2, 2-A, 3, 7, 8, 9, 13, 15, 23, 24, 25, 31, 33, 34, 47, 48, 86, 87, 88, 89, 90, 71, 77, 104, 105, 107, 108, 112, 113, 114, 118, 144, 145, 146 e 148, 149 do auto de arresto, realizado nos autos de providência cautelar apensa;
c) Ordenar o cancelamento do registo da penhora [quereria escrever-se “arresto”] do imóvel referido em a).
11. O Banco, S.A. apelou da aludida sentença (na parte atinente ao imóvel), apelação essa que foi admitida nos termos adequados.
12. Na contra-alegação da apelação a apelada/embargante declarou manter interesse no julgamento do agravo que interpusera.
Foram colhidos os vistos legais.
Nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art.º 710.º do CPC, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.8. (diploma que não é aplicável a estes autos - art.º 11º nº 1 do Dec.-Lei n.º 303/2007), os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada. A razão de ser desta norma é evidente: se o agravante conseguiu o que pretendia na sentença, em princípio não tem interesse na apreciação do agravo que havia interposto antes de ter dela conhecimento. Porém, pode suceder, como é o caso destes autos, que a procedência do agravo mantenha, ainda assim, interesse para a agravante/apelada: é que a sentença que julgou os embargos de terceiro apenas lhe deu parcial razão (os embargos não procederam quanto a alguns bens móveis); a declaração de caducidade do arresto, que é o fim tido em vista no requerimento cujo indeferimento a agravante impugnou, proporcionar-lhe-ia a totalidade do efeito pretendido através da dedução dos embargos.
Assim, e em conformidade com a regra geral prevista na 1.ª parte do n.º 1 do art.º 710.º do CPC, apreciar-se-á em primeiro lugar o agravo e depois, se for o caso, a apelação, face à respectiva ordem de interposição (art.º 710.º n.º 1 do CPC).
Agravo
A agravante/embargante apresentou alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1. Da procedência da pretensão apresentada pela recorrente — declaração de caducidade de determinada providência cautelar — resulta para a mesma manifesta utilidade, uma vez que da medida cautelar decretada, e cuja caducidade se pretende ver declarada, resulta e continua a resultar a lesão dos interesses patrimoniais da requerente, ora recorrente, situação que levou à dedução de embargos de terceiro, os quais ainda não foram julgados.
2. O interesse na declaração de caducidade da providência cautelar é equivalente ao interesse na procedência da pretensão apresentada nos autos de embargos, pois de ambos resulta o levantamento da providência cautelar.
3. Razão pela qual a requerente da declaração de caducidade é parte legítima.
4. Nos termos do art° 753° do CPC, este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa poderá conhecer do mérito da pretensão de declaração de caducidade apresentada, o que se requer.
5. A julgar de outro modo, o Digníssimo Juiz a quo fez uma má interpretação e aplicação da norma jurídica que se extrai do art° 26° do CPC.
Não houve contra-alegações.
O tribunal a quo sustentou o seu despacho.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões a apreciar neste recurso são as seguintes: se a embargante de terceiro tem legitimidade para requerer a declaração de caducidade da providência cautelar; em caso de resposta positiva, se deve ser declarada a caducidade da providência.
O circunstancialismo relevante que se mostra apurado é o supra descrito nos nºs 1 a 12 do relatório.
O Direito
O despacho recorrido sustentou-se na ilegitimidade da embargante de terceiro para requerer a caducidade da providência decretada sobre os bens dos quais arroga a posse e propriedade. Aí se escreveu que os embargantes de terceiro “são terceiros naqueles autos e por isso embargaram com o intuito de o tribunal declarar a posse ou propriedade sobre os bens arrestados o que ainda não ocorreu.”
Vejamos.
No âmbito da reforma do processo civil empreendida em 1995/1996 (Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12.12 e Dec.-Lei n.º 180/96, de 25.9) o legislador retirou os embargos de terceiro da categoria dos processos especiais, onde eram tratados como acção possessória (art.º 1037.º e seguintes) e incluiu-os no âmbito dos incidentes de intervenção de terceiro (art.º 351.º e seguintes). Perspectivou-se os embargos de terceiro como “verdadeira subespécie da oposição espontânea, caracterizada por se inserir num processo que comporta diligências de natureza executiva (penhora ou qualquer outro acto de apreensão de bens) judicialmente ordenadas, opondo o terceiro embargante um direito próprio, incompatível com a subsistência dos efeitos de tais diligências” (cfr. preâmbulo do Dec.-Lei n.º 329-A/95). Pese embora os embargos de terceiro mantenham a sua anterior estrutura de acção declarativa (recebidos os embargos, que são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o acto ofensivo do direito do embargante, as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor, incluindo no que concerne à contestação – artigos 353.º e 357.º do CPC), “considerou-se que, em termos estruturais, o que realmente caracteriza os «embargos de terceiro» não é tanto o carácter «especial» da tramitação do processo através do qual actuam – que se molda essencialmente pela matriz do processo declaratório, com a particularidade de ocorrer uma fase introdutória de apreciação sumária da viabilidade da pretensão do embargante -, mas a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante” (preâmbulo do Dec.-Lei n.º 329-A/95).
Os embargos de terceiro assumem-se, pois, como uma das modalidades de modificação subjectiva da instância (art.º 270.º alínea b) do CPC), adicionando-se o terceiro embargante às “partes primitivas” (conforme se lhes refere o art.º 357.º do CPC) da causa em que foi ordenado o acto ofensivo do direito do embargante.
Afigura-se que esta perspectiva ilumina a resolução do problema sub judice.
O arresto pode vir a caducar, seja nos casos especialmente previstos no art.º 410.º do CPC, seja pelas razões previstas (para todas as providências cautelares) no art.º 389.º do CPC. Uma das situações que, nos termos do art.º 389.º do CPC, fundamenta a extinção do arresto, é a paragem do processo principal por mais de 30 dias, por negligência do requerente (alínea b) do n.º 1 do art.º 389.º do CPC). Ora, se se verificar uma situação destas e o bem arrestado pertencer ao terceiro embargante (sem que tal esteja ainda confirmado em sede de embargos), seguramente nenhuma das partes primitivas tomará a iniciativa de desencadear a declaração de caducidade (sendo certo que é discutível que o juiz o possa fazer oficiosamente – cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, páginas 58 e 59; Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, 2.ª edição, Almedina, pág. 286 e seguintes; acórdão da Relação de Coimbra, 4.12.2007, processo 1268/04.9TBACB-B.C1).
O terceiro embargante tem todo o interesse em suscitar a questão da caducidade da providência, modo que é de extinção do acto judicial que alegadamente oprime o seu direito. E tem do seu lado a legitimidade que lhe advém da sua qualidade de terceiro autorizado a intervir no processo em defesa dos seus direitos.
O despacho recorrido não deve, pois, subsistir.
Nos termos da regra da substituição ao tribunal recorrido (art.º 715.º do CPC), haveria que apreciar se se verifica a invocada situação fundamentadora da caducidade do arresto (paragem do processo principal por mais de 30 dias, por negligência do requerente). Contudo, nestes autos de recurso não constam os necessários elementos para apreciar essa questão, pelo que cabe à primeira instância decidi-la (art.º 715.º, n.º 2, parte final, do CPC).
Se esta Relação se encontrasse em posição de conhecer da questão da caducidade do arresto e julgasse verificada tal causa de extinção dessa providência, ficava prejudicada a apreciação dos embargos de terceiro. Porém, não é esse o caso (ou seja, não é possível confirmar, em sede de agravo, que o arresto deve ser declarado extinto por caducidade). Assim, haverá que conhecer da apelação, a fim de se averiguar se o tribunal a quo andou bem ao ordenar o levantamento do arresto que incide sobre o imóvel. Isto sob pena de se prejudicar a embargante com o prolongamento da indefinição da situação jurídica do imóvel, que se arrasta desde 1998. No caso sub judice, negar a apreciação da apelação, a pretexto de uma relação de prejudicialidade com o agravo, atentaria contra o espírito do regime previsto no art.º 710.º do CPC, que visa evitar que o provimento do agravo afecte o interesse do agravante sempre que este possa obter ganho de causa na apelação (é esse também o espírito subjacente à previsão da segunda parte do n.º 3 do art.º 288.º do CPC: a procedência de determinadas questões prévias, no caso dessa norma a verificação de excepção dilatória, não obsta a que se conheça do fundo da causa, se tal for favorável à parte cujo interesse é tutelado pela excepção). Se a sentença dos embargos for confirmada (quanto à parte impugnada, obviamente), a eventual procedência do incidente de declaração da caducidade do arresto apenas produzirá efeitos em relação aos móveis sobre os quais ainda subsista o arresto (sendo certo que esse efeito limitado da declaração de caducidade já se verificará em relação ao levantamento do arresto dos móveis ordenado na sentença, que nesta parte transitou em julgado).
Apelação
O apelante/embargado apresentou alegações em que formulou as seguintes conclusões:
A. Entendeu o Tribunal a quo que a Apelada adquiriu o direito de propriedade não só através de negócio jurídico, nomeadamente por contrato de doação, como ainda – e simultaneamente – através do instituto da usucapião.
B. Interpretação que, salvo o devido respeito, não poderá lograr face ao enquadramento legal vigente, porquanto as duas formas de aquisição do direito de propriedade não poderão operar simultaneamente na esfera jurídica do mesmo sujeito.
C. A Apelada adquiriu o direito de propriedade do imóvel em causa, através de doação efectuada pelos Executados D... e mulher E...., celebrada por escritura pública de 06.06.1975.
D. A usucapião consiste num «modo de aquisição originária de direitos reais, pela transformação em jurídica duma situação de facto, de uma mera aparência, em benefício daquele que exerce a gestão económica da coisa», conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, na anotação ao artigo 1287.°, Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, p. 64.
E. Assim, havendo na posse uma actuação correspondente ao exercício do direito de propriedade, «o titular aparente pode tornar-se titular verdadeiro se a sua situação se protair por períodos demarcados por lei» [negrito nosso] – Oliveira Ascensão, Direito Civis, 5.a Edição, Coimbra Editora, p. 106.
F. Quer isto dizer que, através da usucapião, opera uma transformação da situação fáctica de posse numa situação jurídica, que se consubstancia na aquisição jurídica e originária do direito real de propriedade, em detrimento do proprietário actual do bem em questão.
G. Estando o direito de propriedade já na titularidade da Apelada, não poderá operar o instituto da usucapião como forma de constituição originária de um direito real na esfera jurídica daquele mesmo sujeito.
H. Pelo que, não se verificando a aquisição do direito de propriedade por usucapião, não é aplicável o disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 5.° do Código do Registo Predial (doravante designado abreviadamente "C.R.P.") ao caso em apreço.
I. Por outro lado, entendeu o Tribunal a quo que «o titular beneficiário de um arresto registado não assume a qualidade de terceiro, para que lhe seja lícito opor-se ao efeito translativo da doação de um bem, posteriormente arrestado, ainda que essa doação não tenha sido registada antes do registo do arresto», com base no entendimento perfilhado no Acórdão Uniformizador de 10.07.1999.
J. O imóvel ora em discussão foi arrestado a favor da Apelante por despacho de 27.11.1998, tendo sido esse facto devidamente registado através da inscrição ......
K. Apenas em data posterior àquela, foi a aquisição por doação a favor da Apelada registada, através da inscrição ...., não obstante tal facto estar sujeito a registo predial, nos termos do artigo 2.°, alínea a) do C.R.P.
L. Nos termos do artigo 1.° do C.R.P., a função essencial do registo predial consiste na publicidade da situação jurídica dos prédios, de modo a salvaguardar a segurança do comércio jurídico imobiliário — trata-se da denominada "fé pública registal".
M. Conforme refere — e bem — Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4.a Edição, Quid Juris, p. 122, dado o carácter público do registo, o qual é efectuado por serviços públicos do Estado, «é, pois, compreensível que os particulares confiem no registo e na sua correcção e possam razoavelmente admitir que ele traduz, de modo exaustivo, a realidade substancial da situação jurídica dos prédios».
N. Continua afirmando que «para o sistema ser coerente, esta confiança – a chamada pública registal – tem de envolver uma tutela dos interesses daqueles que fundam os seus actos na realidade registal».
O. A Apelante, na defesa dos seus direitos e interesses, confiou nos factos registados na conservatória do registo predial, na medida em que o sujeito que figurava no registo como titular do imóvel em causa era o ora Executado e sua mulher.
P. O arresto que a ora Apelante requereu tinha como finalidade primordial prevenir a ocultação de bens pertencentes aos Executados, como forma de impedir o pagamento das dívidas destes perante aquela.
Q. Considerando a especial natureza da figura do arresto, como garantia de conservação patrimonial, não se poderá considerar que o Acórdão Uniformizador de 10.07.1999, cujo entendimento foi perfilhado pelo Tribunal a quo, seja aplicável ao presente caso.
R. Uma eventual frustração da confiança da Apelada que não registou a aquisição da propriedade do imóvel ao deparar-se «surpreendentemente, com o objecto da compra a pertencer a outrem, por efeito (constitutivo) de um registo, com a agravante de poder perder-se o valor do preço escrupulosamente pago», não justifica a desprotecção da confiança depositada pela Apelante, de boa fé, no registo predial.
S. A lei conferiu à Apelante um meio para salvaguardar ou promover a conservação da garantia patrimonial do seu crédito, nomeadamente através do arresto, que foi devidamente registado e publicitado, de acordo com as regras do registo predial.
T. Mais do que garantir o cumprimento de obrigações, o arresto como escopo a protecção do comércio jurídico, sustentada no princípio basilar da boa fé.
U. Nesse sentido, a ponderação do conceito de terceiros para efeito de registo predial terá de ter em consideração a especificidade de cada caso, de cada figura jurídica que a lei confere aos sujeitos para protecção dos seus direitos e interesses, não podendo ser aplicada, sem mais, a um conjunto de situações distintas.
V. O Acórdão Uniformizador de 10.07.1999, cujo entendimento foi perfilhado pelo Tribunal a quo, não é, assim, aplicável ao presente caso, na medida em que o mesmo teve por objecto uma situação de oponibilidade de negócio de compra e venda não registado relativamente a uma penhora anteriormente registada sobre o mesmo bem imóvel.
W. Nos presentes autos, estamos perante situação diversa do caso analisado no mencionado Acórdão, porquanto a Apelada adquiriu a propriedade sobre o imóvel através de doação, não tendo tido qualquer dispêndio com a dita aquisição.
X. Veja-se a declaração de voto do Juiz Conselheiro José Martins da Costa, quando refere, citando Vaz Serra, que «a noção de terceiros "tem de ser depreendida da finalidade das disposições legais que sujeitam os actos a registo e que ela pode variar consoante essa finalidade"», concluindo que «da parte decisória do presente acórdão deveria constar apenas que "o exequente que nomeia bens à penhora e o anterior adquirente desses bens não são terceiros para efeito do registo predial "».
Y. Acresce que não pode a Apelante aceitar a desprotecção da sua confiança adveniente do registo predial por o seu direito não ter tido origem num acto de disposição voluntário do titular inscrito, na medida em que o seu direito advém de um mecanismo legal, que a lei atribuiu para defesa dos interesses e direitos do credor e, em geral, para a defesa da confiança e a segurança do comércio jurídico.
Z. Na senda do Prof. Carvalho Fernandes, dir-se-ia que tão digno de tutela é aquele que adquire um direito com a intervenção voluntária do titular inscrito, como aquele a quem a lei permite obter um registo sobre o mesmo prédio sem essa intervenção.
AA. E, note-se, a dupla alienação voluntária efectuada pelo titular inscrito do direito de propriedade implica, do mesmo modo, uma aquisição “non domino”, mas que, neste caso, no Acórdão Uniformizador, já se admite a prevalência deste direito.
BB. Revela-se, ainda, demasiado oneroso – senão mesmo impossível – exigir que a Apelante, ao invés de confiar na fé pública registal, tivesse de confirmar se os titulares registados tinham efectivamente posse do imóvel em causa, ou se apenas residiam naquele imóvel não por serem proprietários do mesmo, mas por bondade da ora Apelada, uma vez que a Executada que figurava no registo predial como proprietária também residia no imóvel.
CC. Acresce que a ninguém aproveita o desconhecimento da lei, conforme disposto no artigo 6.° do C.C., pelo que, salvo melhor opinião, não singra o argumento de que a falta de registo pode derivar da ingenuidade do sujeito que, formalizado o negócio através de escritura pública, confia que já cumpriu com todas as formalidades necessárias à transmissão do imóvel.
DD. Caso contrário, corre-se o sério risco de privilegiar aqueles que não publicitam os actos de transmissão de bens imóveis, encapotando a verdadeira titularidade dos direitos reais a eles referentes, em detrimento dos terceiros de boa fé que confiaram na fé pública conferida legalmente ao registo predial.
EE. A Apelante se pautou, sempre, o seu comportamento pela boa fé, baseando-se na confiança e na segurança do comércio jurídico conferida pela fé pública registal.
FF. Aliás, conforme a declaração de voto vencido do Juiz Conselheiro Lúcio Teixeira: «a preocupação da protecção da boa fé do adquirente, retirada da publicidade fáctica da sua aquisição conhecida pelo aproveitador da falta do respectivo registo, agora expressa no novo acórdão de fixação de jurisprudência, pode dispensar-se pelo simples funcionamento das regras do abuso de direito do artigo 334.° do C.C. [...]», concluindo que «Tanto bastará para evitar o atropelo das leis do registo ou o favorecimento imerecido do adquirente negligente ou até enganador, ainda que às vezes inocente, dos ditos "terceiros "».
GG. Face ao supra exposto, entende a Apelante, salvo melhor opinião, que as funções do registo predial impõem que o conceito de terceiros se estenda àqueles cujo direito, adquirido ao abrigo da lei, sem intervenção voluntária do titular inscrito, tenha este mesmo titular como sujeito passivo, já havia alienado, sem que o adquirente tenha registado a aquisição.
HH. Devendo, em todo o caso, ser considerado o princípio basilar do ordenamento jurídico português assente na boa fé, na medida em que a confiança do sujeito de boa fé não poder ser quebrada em prol de uma negligência ou mesmo má fé de quem não regista o seu direito.
II. Finalmente, considera a Apelante não ser aplicável ao presente caso o n.° 4 do artigo 5.° do C.R.P., introduzido pelo Decreto-Lei n.° 533/99, de 11 de Dezembro, ao abrigo do princípio geral da não retroactividade das leis, consagrado no artigo 12.° do C.C.
JJ. Ao julgar da forma como consta no Acórdão recorrido, o Tribunal a quo violou, assim, o art. 1287° e 12° do Cód. Civil e, bem assim, os arts. 1°, 5°, n.°s 1 e 2, e 6° do Cód. de Reg. Predial.
O apelante terminou pedindo que seja concedido provimento ao recurso.
A apelada contra-alegou, sem formulação de conclusões, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
FUNDAMENTAÇÃO
A questão a apreciar neste recurso é se o arresto decretado sobre o imóvel possuído e pertencente à apelada/embargante deve prevalecer, em virtude da anterioridade temporal da sua inscrição no registo predial.
Pelo tribunal a quo foi dada como provada a seguinte
Matéria de Facto
1 - A fracção autónoma designada pela letra "E", correspondente ao 4º andar do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ...., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha nº ...., da freguesia de São João de Brito e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo ..., mostra-se inscrita a favor de C...., através da inscrição ...., tendo sido adquirida por doação de D... e mulher E...., efectuada em 06/06/1975.
2 - A referida fracção autónoma foi arrestada por despacho de 27/11/1998 e tal arresto mostra-se registado através da inscrição .....
3 - Os bens que constam das verbas 24, 47, 48, 86, 87, 88, 89, 90, 144, 146, 148, 149, 2-A, 9, 3 e 2, encontravam-se na fracção identificada na al. A).
4 - A fracção "E" foi adquirida por D...., requerido na providência cautelar de arresto, em 08.02.1971, por compra a F..., G..., H... e I....
5 - A embargante é proprietária e possuidora dos bens móveis que constituem as verbas nº 1, nº 2, 2-A, 3, 7, 8, 9, 13, 15, 23, 24, 25, 31, 33, 34, 47, 86, 87, 88, 89, 90, 71, 77, 104, 105, 107, 108 , 112, 113, 114, 118, 144, 145, 146 e 148 do auto de arresto.
6 - A embargante reside com a mãe e com os irmãos e com o filho, todos em conjunto, no 4º e 5º andares do prédio referido em A).
Por ser pertinente e estar documentado nos autos, dá-se ainda como provado que:
7. À data do arresto referido em 2 a fracção arrestada encontrava-se inscrita a favor de F..., casado com J..., G..., casado com K..., H...., casado com L... e I...., solteira, pela ...., por arrematação do edifício onde se integra a fracção.
8. A inscrição do arresto no registo, mencionada em 2, foi provisória por natureza, nos termos das alíneas n) do n.º 1 e a) do n.º 2 do art.º 92.º do Código de Registo Predial.
O Direito
O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor (art.º 619.º nº 1 do Código Civil e art.º 406º n.º 1 do Código de Processo Civil).
Trata-se de um procedimento que visa proteger a expectativa do credor relativamente à garantia geral da satisfação do seu crédito, constituída pelo património do devedor (art.º 601º do Código Civil), mediante a apreensão judicial de bens, pertencentes ao devedor, tidos como suficientes para, se necessário for, obter em execução, em regra através da respectiva alienação, o pagamento do respectivo crédito (artigos 817.º do Código Civil, 406º nº 2, 408º nº 2 e 872º do Código de Processo Civil).
Por conseguinte, o arresto deve incidir sobre bens pertencentes ao requerido na providência, putativo devedor do requerente.
No caso de o arresto incidir sobre bens pertencentes a outrem que não o devedor, tem aquele a possibilidade de reagir mediante a dedução de embargos de terceiro, através dos quais fará valer o seu direito e obterá o levantamento da providência que indevidamente afectou o seu património (artigos 351.º e 358.º do CPC).
No caso vertente, é pacífico que o arresto abrangeu um imóvel e alguns bens móveis que não pertenciam aos requeridos, devedores do ora apelante, mas sim à embargante.
É também aceite pelas partes que a embargante acedeu à titularidade do direito de propriedade do imóvel através de escritura notarial outorgada em 06.6.1975, através da qual os pais da embargante doaram à filha o referido imóvel (artigos 1316.º, 1317.º alínea a), 408.º nº 1, 954.º alínea a) do Código Civil). Por sua vez os doadores haviam adquirido a propriedade do imóvel a F..., G..., H... e I... através de contrato de compra e venda celebrado em 08.02.1971 (art.º 879.º alínea a) do Código Civil). A titularidade destes últimos vendedores estava inscrita no registo predial, assim como o está actualmente a favor da embargante. Assim, a embargante gozava e goza da presunção de titularidade do direito de propriedade sobre o referido prédio urbano prevista no art.º 7.º do Código do Registo Predial.
O arresto da fracção autónoma foi efectuado na sequência de despacho proferido em 27/11/1998, ou seja, quando o imóvel já não pertencia aos requeridos.
Porém, tanto a aquisição da propriedade do imóvel por parte da embargante como o arresto estão sujeitos a registo (artigo 2.º n.º 1 alíneas a) e n) do CRP, na redacção anterior à introduzida pelo Dec.-Lei n.º 116/2008, de 4.7, sendo certo que este último fez transitar a previsão da obrigatoriedade do registo do arresto para a alínea e) do n.º 1 do art.º 3.º do CRP).
E, nos termos do disposto no art.º 5.º, n.º 1, do CRP, os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do registo.
Ora, quando o arresto foi registado, ainda não se encontrava inscrita no registo predial a doação ora invocada pela embargante.
Dir-se-ia, assim, que a doação não pode ser invocada pela embargante, em termos de afectar o arresto, tanto mais que a inscrição no registo efectuada pela embargante, por ser posterior à do arresto, é afectada pela regra da prioridade do registo prevista no art.º 6.º, n.º 1 do CRP.
Tudo passa pela interpretação a dar ao conceito de “terceiro” contido na previsão do n.º 1 do art.º 5.º do CRP.
A este respeito, como é sabido, a doutrina e a jurisprudência dividiram-se entre uma definição de “terceiro” tida como “restrita” e outra mais “ampla”.
A definição mais ampla apela para a segurança do comércio jurídico imobiliário, visada pela publicidade dada à situação jurídica dos prédios pelo registo predial (art.º 1.º do CRP).
O conceito mais restrito dá maior prevalência à realidade substantiva face à realidade registral, atendendo a que, conforme resulta do disposto no art.º 4.º do CRP, no nosso país o registo não é constitutivo (ressalvado o caso da hipoteca) e além disso é relativamente frequente a disparidade entre o teor do registo predial e a situação efectiva dos direitos reais sobre imóveis.
O conceito mais restrito assenta na formulação dada por Manuel de Andrade (Teoria geral da relação jurídica, vol. II, pág. 19, Coimbra, Almedina, 6.ª reimpressão, 1983): “terceiros para efeitos de registo predial são as pessoas que do mesmo autor ou transmitente adquiram direitos incompatíveis (total ou parcialmente) sobre o mesmo prédio”. Assim, serão terceiros entre si pessoas que tenham comprado ao mesmo vendedor um prédio urbano, em momentos diferentes. Nos termos conjugados do disposto no nº 1 do art.º 6º e nº 1 do art.º 5º do CRP, prevalecerá a situação daquele que inscrever o seu direito em primeiro lugar. Se este for o adquirente em primeiro lugar, o registo é consolidativo; se for o adquirente em segundo lugar, o registo é aquisitivo, pois a sua foi uma aquisição a non domino – dá-se aqui uma aquisição registal ou tabular (cfr, v.g., Seabra Lopes, Direito dos registos e do notariado, 4ª edição, Outubro 2007, Almedina, pág. 459). Já não serão terceiros entre si, por exemplo, o comprador de um imóvel e o exequente que o nomeou à penhora, em execução movida contra o vendedor. Na verdade, o exequente nada recebeu do vendedor. Do mesmo modo, segundo esta tese, para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 5.º do CRP o requerente de arresto não é terceiro em relação ao comprador do imóvel arrestado, em arresto decretado para garantia de crédito invocado contra o vendedor: o requerente nada recebeu do requerido, apenas beneficia de uma garantia do seu crédito prevista na lei e decretada pelo tribunal. Assim, se à data do arresto o imóvel já havia sido transmitido a outrem pelo devedor, o direito do adquirente prevalece sobre o do requerente do arresto.
O conceito mais amplo de terceiro foi consagrado no acordão de uniformização de jurisprudência do STJ, n.º 15/97, de 20.5.1997 (publicado no D.R., I série-A, de 4.7.1997, pág. 3295 e ss), nos seguintes termos: “terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente”.
À luz desta concepção, todas as situações supra descritas integrariam a previsão do n.º 1 do art.º 5.º do CRP, podendo dar origem a aquisições registais ou tabulares.
Trata-se de matéria muito controvertida, que respeita a relevantes interesses que se contrapõem.
Reflexo do que se disse foi a inusitada prolação, dois anos depois do acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ n.º 15/97, de um acórdão em sentido contrário, o acórdão de uniformização de jurisprudência, do STJ, n.º 3/99, de 18.5.1999 (publicado no D.R., I série-A, de 10.7.1999, pág. 4354 e ss). Aí se unificou a jurisprudência com a seguinte fórmula: “terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa”.
Consagrou-se, aqui, o conceito restrito de terceiro. E, consequentemente, nesse acórdão julgaram-se procedentes embargos de terceiros deduzidos contra penhora efectuada sobre um imóvel após este ter sido vendido aos embargantes pelo executado, mas em que a penhora havia sido registada antes da venda.
Conforme resulta do supra exposto e contrariamente ao sustentado pela apelante, a solução defendida no acórdão do STJ n.º 3/99 é plenamente aplicável às situações de arresto de imóveis já não pertencentes ao requerido à data da sua concretização: tanto o arresto como a penhora têm a natureza de uma apreensão, atingindo a posse ou um outro qualquer direito incompatível de quem é seu titular. O arresto tem uma função cautelar ou preventiva em direcção à futura penhora, antecipando esta, assegurando - nos casos em que haja um receio justificado - que a penhora não seja apenas uma miragem ou uma ilusão jurídica, mas esteja garantida (nestes termos, cfr. acórdão do STJ, de 29.11.2005, processo 04B4484, internet, dgsi-itij). Conforme expende Abrantes Geraldes (Temas da reforma do processo civil, IV volume, Almedina, 2001, pág. 190), “o arresto constitui uma penhora antecipada, exercendo uma função meramente instrumental relativamente ao processo de execução.
As divergências patenteadas na jurisprudência levaram o legislador a intervir. Conforme se escreve no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 533/99, de 11.12, “aproveita-se, tomando partido pela clássica definição de Manuel de Andrade, para inserir no artigo 5.º do Código do Registo Predial o que deve entender-se por terceiros, para efeitos de registo, pondo-se cobro a divergências jurisprudenciais geradoras de insegurança sobre a titularidade dos bens.”
Assim, no art.º 5.º do CRP foi aditado um n.º 4, com a seguinte redacção:
Terceiros, para efeito de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
Trata-se de lei interpretativa, que se integra na lei interpretada (art.º 13º n.º 1 do Código Civil), pelo que o seu teor é aplicável ao caso presente (neste sentido se tem manifestado a jurisprudência: cfr.,v.g., acórdãos do STJ, de 6.6.2002, processo 02B1320; de 11.12.2003, processo 03B3488; de 30.4.2003, processo 03B996; de 01.6.2006, processo 06B1656; de 26.6.2008, processo 08B182 - todos na internet, dgsi.itij).
Consequentemente, o arresto sobre o imóvel não pode prevalecer sobre o direito da embargante, devendo ser levantado, pois à data da sua efectivação já não existia na esfera jurídica dos requeridos, mas sim na da embargante.
Face ao exposto, improcedem e/ou são irrelevantes as considerações expendidas pela apelante nas conclusões I) a JJ) do seu recurso. De todo o modo, sempre se dirá, no que concerne à confiança alegadamente depositada pela apelante no registo, que esta não podia crer, face à publicidade registral, que o bem arrestado pertencia aos requeridos: é que, conforme consta nos autos e supra se deu como provado, o imóvel não estava registado em nome dos requeridos. E seguramente que a situação da embargante não merece menor protecção pelo facto de ter adquirido o imóvel por doação do que por compra: basta constatar que a aquisição ocorrera 23 anos antes do arresto e que a embargante vive com o filho no aludido imóvel (além da mãe e irmãos).
A prevalência do direito da embargante por força da aquisição por via da doação torna irrelevante a questão da aquisição por usucapião mencionada nas conclusões A) a H) da apelação. Mas sempre se acrescentará que, efectivamente, não cabia na sentença ponderar tal forma de aquisição da propriedade do imóvel, pela seguinte razão: a usucapião não foi invocada na petição de embargos, nem aí foram alegados os factos que a desencadeiam, ou seja, actuação sobre o imóvel, com a intenção ou convicção de ser seu proprietário, de forma pública e pacífica, durante pelo menos 15 anos (artigos 1251.º, 1259.º, 1260.º, 1261.º, 1262.º, 1263.º, 1266.º, 1287.º e 1296.º, 1ª parte, do Código Civil) – factos esses que, de resto, não se mostram sequer provados.
Mas, como se disse, tal não obsta à improcedência da apelação.
DECISÃO
Pelo exposto:
1.º Dá-se provimento ao recurso de agravo e consequentemente revoga-se o despacho recorrido e determina-se que o tribunal a quo aprecie se se verifica a situação alegadamente fundamentadora da caducidade do arresto, invocada pela embargante;
2.º Julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas do agravo ficarão a cargo de quem ficar vencido no incidente de apreciação da caducidade do arresto.
As custas da apelação são a cargo do apelante.
Lisboa, 14.01.2010
Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves
Ana Paula Boularot (vencida, conforme declaração de voto em anexo)

DECLARAÇÃO DE VOTO

As razões da minha discordância da decisão plasmada no Acórdão residem na circunstância de entender que o conhecimento do Agravo, pelo seu provimento, a fim de ser conhecida no Tribunal recorrido a questão da caducidade, impede, por ora, o conhecimento da Apelação.
No caso sub júdice, ao contrário do que se defende no Acórdão, as regras insertas no artigo 710º, nº1, primeira parte e 2 do CPCivil, têm plena aplicação já que a infracção cometida – não conhecimento da caducidade – influiu no exame e decisão da causa, pelo que o provimento do Agravo leva, necessariamente, à impossibilidade de ser conhecida a Apelação e por anulação dos trâmites subsequentes ao despacho revogado.
Se não.
A regra geral que deflui daquele normativo é a de que os recursos de Agravo e de Apelação são conhecidos pela ordem da sua interposição, sendo que a Lei impõe o conhecimento dos Agravos interpostos pelo Apelado apenas no caso de a sentença não ser confirmada.
In casu, a sentença foi confirmada, tendo sido julgados procedentes os embargos no que tange a alguns dos bens arrestados (imóvel e alguns móveis).
Só que, a Embargante/Apelada, havia embargado de terceiro em relação a mais bens e o arresto teve uma abrangência mais vasta.
Daqui resulta que embora a sentença possa ser confirmada, o não conhecimento da caducidade influirá no exame da causa, já que, no caso de a mesma vir a ser declarada, será levantado o arresto decretado quanto a todos os bens, o que retirará a utilidade aos embargos deduzidos provocando a sua extinção.
Pensamos que, por isso, o interesse manifestado pela Embargante/Apelada, no conhecimento do Agravo interlocutório por si interposto.
A decisão plasmada no Acórdão de dar provimento ao Agravo – que implica o conhecimento pelo Tribunal recorrido da questão da caducidade em termos globais e a anulação do processado subsequente, cfr José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, vol 3º, 92 – e de julgar improcedente a Apelação – que implica confirmar a sentença recorrida que levanta o arresto em relação a alguns bens, mostra-se contraditória, uma vez que não se pode estar, por um lado, a anular os termos processuais subsequentes à questão da caducidade e por outro a declará-los válidos.
Nestes termos, daria provimento ao Agravo ficando em consequência prejudicado o conhecimento da Apelação.
(Ana Paula Boularot)