1. O cálculo da velocidade de circulação de um veículo está dependente de vários factores, nomeadamente da atenção e reflexos do condutor (tempo de reacção), das condições da via, estado do veículo (travões pneus) do volume do veículo e da carga, entre outros e não apenas do rasto de travagem.
2. Não é exigível que o condutor de um veículo preveja o surgimento de outro que inopinadamente saia da sua faixa de rodagem para o lado direito e sem nada o fazer prever virar à esquerda
3. Os condutores que circulem na via pública têm de ceder passagem aos veículos que aí circulem em manobra de urgência devidamente assinalada.
4. A manobra de mudança de direcção tem de ser sinalizada, antes de ocupar o eixo da via.
5. Com a aproximação de um veículo prioritário devidamente identificado na sua marcha de ultrapassagem não podem os veículos que o precedem mudar de direcção.
(Sumário da Relatora)
Alegou que no dia 15 de Abril de 2003, pelas 18.00 horas, na Rua G… ocorreu um acidente de viação entre o veículo automóvel de matrícula AU sua propriedade e o veículo matrícula SS propriedade da Associação …., seguro na R. O A. conduzia o AU, na faixa da direita, sentido O…/P… e ao aproximar-se do entroncamento com a Rua J…, porque pretendia mudar de direcção à esquerda, tomou as devidas precauções, iniciando a referida manobra; quando já se encontrava a meio da manobra, foi embatido pelo veículo SS o qual vinha no mesmo sentido de marcha, em ultrapassagem e sem sinalização de emergência.
Do acidente resultaram danos no seu veículo, que levaram à sua paralisação por um período de 178 dias.
Conclui ter o acidente ocorrido, única e exclusivamente, devido ao comportamento temerário e pouco cuidadoso do condutor do SS, sobre o qual impende mesmo uma presunção de culpa, enquanto condutor por conta de outrem.
Citada a R., contestou, impugnou a versão do acidente constante na petição inicial, alegando que o condutor do AU não tomou as devidas precauções quando pretendeu mudar de direcção. Por seu turno o SS seguia com a sinalização de emergência, imprimia ao veículo uma velocidade não superior a 50 km/hora, não contribuindo de forma alguma para o acidente.
Foi elaborado despacho saneador, abstendo-se o tribunal da selecção da matéria de facto dada a simplicidade da mesma.
Procedeu-se à audiência de julgamento, com observância do formalismo legal e a acção foi julgada improcedente.
Não se conformando com a decisão interpôs recurso o A. e nas suas alegações concluiu:
- devem ser aditados à matéria de facto provada dois itens com o seguinte teor:
1 – O veículo SS circulava a uma velocidade superior a 50Km / hora;
2 – Na rotunda, depois da zebra nasce um traço contínuo que se estende pela Rua G…, separando as duas faixas de circulação, e vai até ao entroncamento com a Rua J….;
- o item da matéria de facto provada onde consta “ O veículo matrícula SS circulava com a sinalização de emergência accionada” deve ser alterado para: “O veículo matrícula SS, circulava sem sinalização de emergência”;
- o acidente ocorreu, única e exclusivamente, devido ao comportamento temerário e pouco cuidadoso do condutor do veículo SS, que violou, entre outros, os artigos 38°, 41° e 64° do Código da Estrada em vigor em 15/04/2003;
- no que toca à matéria de facto referida na dita alínea B), ainda assim deve considerar-se que o condutor do veículo SS foi o culpado do acidente, por violação do nº 2 do art. 64° da C. Estrada. Factos
O A. é dono e legítimo possuidor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, três portas, marca…., matrícula AU.
A Associação ….. é a proprietária do veículo automóvel ligeiro marca …., matrícula SS, que utiliza diariamente no exercício das suas funções e dele retira proveitos e vantagens.
O A., em 15 de Abril de 2003, pelas 18.00 horas, ao volante do veículo automóvel matrícula AU circulava na Rua G…..
E fazia-o na faixa direita da via, sentido O/P, pretendendo virar à esquerda no entroncamento desta via, com a Rua J…..
Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, o veículo ligeiro com a matrícula SS, conduzido pelo R., circulava pela faixa esquerda da Rua G…., no mesmo sentido de marcha que o veículo conduzido pelo A.
O veículo matrícula SS efectuava a ultrapassagem simultânea dos veículos que se encontravam em fila na faixa direita dessa mesma via, atrás do veículo do A.
Junto ao entroncamento da Rua G…, com a Rua J…., o veículo matrícula SS, embateu com o lado direito frente na parte lateral esquerda traseira do veículo do A.
Antes do embate o veículo matrícula SS fez uma travagem de 15,60 metros.
O veículo matrícula SS iniciou a ultrapassagem dos veículos automóveis a seguir à rotunda que se encontra ao início da Rua G…..
O veículo matrícula SS circulava com a sinalização de emergência accionada.
O embate causou no veículo do A. amolgadelas na ilharga traseira, porta bagagens, guarda-lamas, espelho retrovisor do lado esquerdo, vidro da porta, embaladeira, pilar da porta e fechaduras.
O A., após o acidente, transportou o seu veículo para a oficina de C.
A R. procedeu à peritagem do veículo da A., ficando a mesma condicional.
A reparação do veículo do A. importou em € 1.000,92 (mil euros e noventa e dois cêntimos).
O A. para além da reparação ainda liquidou € 890,00 (oitocentos e noventa euros) do depósito na oficina.
E IVA à taxa de 19%, no montante de € 359,27 (trezentos e cinquenta e nove euros e vinte e sete cêntimos).
O A. utilizava diariamente o veículo automóvel para ir e vir para o trabalho e para todas as deslocações diárias, incluindo fim-de-semana.
O veículo AU esteve imobilizado de 16 de Abril de 2003 a 11 de Outubro de 2003.
A proprietária do veículo matrícula SS transferiu para a R. a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com aquele veículo, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ……., válida para o período de 1 de Abril de 2003 a 1 de Abril de 2004.
Houve contra alegações defendendo a manutenção da decisão
Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento
II – Apreciando
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
São duas as questões colocadas pelo apelante: a alteração da matéria de facto e, após tal desiderato, a procedência do pedido.
A pretendida alteração da matéria de facto prende-se com a velocidade do SS e a sua sinalização de marcha urgente, com as sequelas daí emergentes.
Vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art. 655º do C.P.C.), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas. Acresce que o princípio da livre apreciação das provas só cede perante situações de prova legal, que fundamentalmente se verificam nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais.
No domínio da prova testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação das provas - art. 396º do CC - segundo a convicção que o julgador tenha formado acerca de cada facto - art. 655º, nº1 - sem embargo, naturalmente, do dever de as analisar criticamente e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida - art. 653º, n.º 2, do CPC.
Em face da impugnação da matéria de facto importa apreciar se procede a sua pretensão com a requerida alteração das respostas à matéria de facto.
Vejamos
Pretende o apelante que se de como provado que:
1- O veículo SS circulava a uma velocidade superior a 50Km / hora.
2 – Na rotunda, depois da zebra nasce um traço contínuo que se estende pela Rua G…., separando as duas faixas de circulação, e vai até ao entroncamento com a Rua J…..
B) O item da matéria de facto provada onde consta " O veículo matrícula SS circulava com a sinalização de emergência accionada " deve ser alterado para " O veículo matrícula SS, circulava sem sinalização de emergência "
C ) O acidente ocorreu, única e exclusivamente, devido ao comportamento temerário e pouco cuidadoso do condutor do veículo SS, que violou, entre outros, os artigos 38°, 41° e 64° do Código da Estrada em vigor em 15/04/2003.
A pretendida alteração da matéria de facto prende-se com a velocidade do SS que o apelante defende ser superior a 50 km/h além da falta de sinalização de emergência, que defende não existia no momento que antecedeu o acidente.
Mas, salvo o devido respeito, tal pretensão não colhe. Por um lado, as testemunhas que indicou, nada sabiam do acidente e não o presenciaram, quer a testemunha L quer o J. O único que estava no local, apenas ouviu o estrondo e foi para casa. Não teve a curiosidade de ver como ficava o amigo, nem se precisava de ajuda. Ou seja, não observou o desenrolar do acidente, apenas viu o resultado da sua ocorrência. E quando instado pela parte contrária não confirmou o depoimento que tinha feito anteriormente. E confirmou que apenas ouviu a travagem e o estrondo, nada sabia nem presenciou da dinâmica do acidente e como tal nada podia explicar.
Por outro lado, não há prova nos autos de que estivesse ali um traço contínuo no local do acidente. E, também não se fez prova de que o veículo SS, não circulasse com sinal de emergência. Pelo contrário, o veículo vinha fazendo a ultrapassagem de vários veículos tendo percorrido já 50m sinalizou a sua marcha e não houve nenhum incidente registado, como os outros veículos que estavam em fila e ultrapassou. Estes veículos ultrapassados circulavam atrás do apelante. Mais uma razão para estar atento ao que se estava a passar na via e consequentemente não podia iniciar uma manobra de mudança de direcção sem a sinalizar e por outro lado, sem primeiro ceder a passagem ao veículo que aí circulava com sinal de emergência. Aliás, esta era visível uma vez que, a via se desenrolava no local em recta e com boa visibilidade.
Ora, não se provando que tivesse sinalizado a sua mudança de direcção, nem que se tivesse aproximado do eixo da via, só a si e à sua conduta de condutor imprevidente pode imputar as consequências da mesma. Mas acima de tudo, devia estar atento à circulação de um veículo prioritário e ceder passagem, além de ser um imperativo legal impunha-se como acto de civismo e cidadania.
Defende o apelante que com tal rasto de travagem impunha-se tirar a conclusão de que a ambulância circulava a mais de 50/km. A única testemunha que referiu a velocidade foi o condutor R, condutor do SS. As outras nada sabiam sobre este facto. O condutor referiu: “ que não ia muito depressa pois tinha acabado de desfazer uma rotunda e iniciado um ultrapassagem”.
A distância de travagem alcança-se pela fórmula
[(V:10)2]: 2
Nessa fórmula V corresponde à velocidade.
Se a velocidade (km/h) distância de travagem (m)
30 km/h 4,5 m
50 km/h 12,5 m
70 km/h 24,5 m
90 km/h 40,5 m
Os valores acima mencionados apenas são válidos em condições de travagem óptimas.
A distância de travagem depende:
- Do estado da via (chuva, neve, gelo, qualidade do revestimento, etc.);
Da configuração dos locais (subida, descida, etc.);
- Do estado dos pneus;
- Do estado dos travões;
- Do volume do veículo;
- Da carga.
Desconhecemos qual a velocidade que era permitida para aquele local. No entanto, a velocidade não pode aferir-se só pelo rasto de travagem. O cálculo da velocidade de circulação de um veículo está dependente de vários factores, nomeadamente da atenção e reflexos do condutor (tempo de reacção), das condições da via, estado do veículo (travões pneus). Podemos concluir que a velocidade devia ser aproximadamente de 50Km.
Não existe prova nem elementos que nos levem a aditar o pretendido pelo apelante de que o SS circulava a uma velocidade superior a 50km/h.
2 – Na rotunda, depois da zebra nasce um traço contínuo que se estende pela Rua G…., separando as duas faixas de circulação, e vai até ao entroncamento com a Rua J…..
Se circulava em situação de emergência o seu condutor estava desobrigado de observar as regras de trânsito, já tinha percorrido cerca de 50m em ultrapassagem a outros dois veículos, sem ter ocorrido qualquer situação de perigo.
O condutor do SS referiu que tinha três viaturas à sua frente e não as podia ultrapassar sem passar o traço contínuo (mais referiu que no local do embate já não estava assinalado, tendo ultrapassado as duas viaturas anteriores em marcha de urgência devidamente assinalada). Nem este depoimento pode ser destruído pela testemunha que estava no local, que quando instada pelo mandatário da parte contrária, referiu que só ouviu a travagem e o embate. Não soube precisar como se desenrolou o acidente que não viu.
Nem as al. B) e C) podem ser alteradas como pretende e defende o apelante. Ou seja, não se provou a falta de sinalização, também não se podia responder afirmativamente ao art. 16 e bem se andou na resposta que foi dada de harmonia com todos os elementos de prova careados para os autos.
Não se provando factos que importem culpa do condutor do SS, também dela não resulta responsabilidade pelo risco, que fica afastada com a culpa do A. na produção do acidente.
O A. pretende a condenação da R. no pagamento da quantia de € 7.680,19, acrescida dos juros de mora legais, contados a partir da citação, pelos prejuízos sofridos em consequência do acidente de viação dos autos.
Fundamentou o seu pedido na responsabilidade civil emergente para a R. do acidente de viação, em que alega ter sido único e exclusivo culpado o condutor seu segurado, em virtude de, à data dos factos, a responsabilidade civil por acidentes de viação ocorridos com o referido veículo, estar para esta transferida, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 60.3181910.
O A., em 15 de Abril de 2003, pelas 18.00 horas, ao volante do veículo automóvel matrícula AU circulava na Rua G…..
E fazia-o na faixa direita da via, sentido O/P pretendendo virar à esquerda no entroncamento desta via, com a Rua J….
Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, o veículo ligeiro com a matrícula SS, conduzido pelo R pela faixa esquerda da Rua G…., no mesmo sentido de marcha que o veículo conduzido pelo A.
O veículo matrícula SS efectuava a ultrapassagem simultânea dos veículos que se encontravam em fila na faixa direita dessa mesma via, atrás do veículo do A.
Junto ao entroncamento da Rua G…., com a Rua J…., o veículo matrícula SS, embateu com o lado direito frente na parte lateral esquerda traseira do veículo do A.
Antes do embate o veículo matrícula SS fez uma travagem de 15,60 metros.
O veículo matrícula SS iniciou a ultrapassagem dos veículos automóveis a seguir à rotunda que se encontra ao início da Rua G…..
O veículo matrícula SS circulava com a sinalização de emergência accionada.
Impõe o art. 64/1 do C.E. 1 – Os condutores de veículos que transitem em missão urgente de socorro ou de polícia assinalando adequadamente a sua marcha podem, quando em missão o exigir, deixar de observar as regras de trânsito, mas devem respeitar as ordens dos agentes reguladores de trânsito.
2- Não podem porém, os referidos condutores, em circunstância alguma, pôr em perigo os demais utentes da via.
E por fim impõe o art. 65 do CE – “Qualquer condutor deve ceder a passagem aos condutores dos veículos referidos no art. anterior… sempre que as vias em que tais veículos circulem se encontrem congestionadas, devem os demais condutores encostar-se o mais possível à direita, ocupando se possível a berma”.
O apelante nas circunstâncias descritas, não cedeu passagem ao veículo que aí circulava em manobra de urgência devidamente assinalada, e ainda iniciou uma manobra de mudança de direcção sem a assinalar, como estava obrigado a fazer. Ou seja, criou objectivamente uma situação de perigo com culpa exclusiva.
Não é exigível que o condutor de um veículo em marcha prioritária preveja o surgimento de outro que inopinadamente saia da sua faixa de rodagem para o lado direito ocupando a faixa de rodagem daquele e sem nada o fazer prever virar à esquerda, não assinalando tal manobra, ainda travou mas não pode evitar o acidente.
Em conclusão, sem a pretendida alteração da matéria de facto não pode o recorrente ver deferida a sua pretensão de procedência da apelação.
Concluindo
1.O cálculo da velocidade de circulação de um veículo está dependente de vários factores, nomeadamente da atenção e reflexos do condutor (tempo de reacção), das condições da via, estado do veículo (travões pneus) do volume do veículo e da carga, entre outros e não apenas do rasto de travagem.
2. Não é exigível que o condutor de um veículo preveja o surgimento de outro que inopinadamente saia da sua faixa de rodagem para o lado direito e sem nada o fazer prever virar à esquerda
3. Os condutores que circulem na via pública têm de ceder passagem aos veículos que aí circulem em manobra de urgência devidamente assinalada.
4. A manobra de mudança de direcção tem de ser sinalizada, antes de ocupar o eixo da via.
5 Com a aproximação de um veículo prioritário devidamente identificado na sua marcha de ultrapassagem não podem os veículos que o precedem mudar de direcção.
III – Decisão: em face do exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão impugnada.
Custas pelo apelante
Lisboa, 21 de Janeiro de 2010
Catarina Arêlo Manso
Ana Luísa Geraldes
António Valente