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CAUSA DE PEDIR
FALTA
ININTELIGIBILIDADE DA CAUSA DE PEDIR
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
IMPROCEDÊNCIA
Sumário
1- Há falta de causa de pedir quando não são alegados os factos em que se funda a pretensão do autor ; há insuficiência da causa de pedir quando aqueles factos são alegados, mas são insuficientes para determinar a procedência da acção. 2- A falta de causa de pedir ou a sua ininteligibilidade acarretam a ineptidão da petição. 3- A consequência da falta de causa de pedir é a absolvição da instância ou o indeferimento liminar da petição, nos casos em que ainda é admissível (artº 234º-A do Código de Processo Civil). A consequência da insuficiência da causa de pedir continua a ser a improcedência da acção. 4- A falta de causa de pedir relativamente ao pedido reconvencional não é susceptível de ser suprida mediante um despacho de aperfeiçoamento.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :
I – Relatório
1- “A, S.A.” apresentou requerimento de injunção contra “B, Ldª” com vista a ser-lhe conferida força executiva para desta obter o pagamento de 41.903,46€, com fundamento na falta de pagamento de vinte e três facturas.
2- A requerida deduziu oposição, arguindo a ineptidão do requerimento inicial por falta de causa de pedir, excepcionando o cumprimento defeituoso da requerente, mais alegando ter celebrado com esta um contrato de “franchising” o qual não foi cumprido, provocando o colapso financeiro da requerida.
3- Devidamente notificada para o efeito, a requerente juntou nova petição inicial e documentos.
4- A requerida apresentou contestação e deduziu pedido reconvencional, pretendendo a condenação da requerente a pagar-lhe a quantia de 50.000 € “a título de responsabilidade civil contratual”.
5- A requerente apresentou réplica, mantendo tudo quanto disse no requerimento inicial.
6- Foi, então proferido saneador-sentença com o seguinte teor :
“O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
A presente acção teve origem em injunção requerida (em 18-VI-07) por “A, SA” contra “B, Ldª” – sendo pedida a notificação da R. para pagar a quantia total de 41 903,46€ (referente a 23 facturas).
Citada em 30.VII-07 (fls. 5), a R. deduziu oposição – arguindo ineptidão por falta de causa de pedir, excepcionando o “cumprimento defeituoso” da A. (se bem se compreende), e alegando ter celebrado com a A. um “contrato de franchising” (que a A. incumpriu, provocando o “colapso financeiro”).
Notificada para o efeito (fls. 35), a A. juntou petição inicial (fls. 37 a 43) e documentos (fls. 52 a 128) ; notificada (fls. 129), a R. apresentou contestação ; a A. “replicou”.
Face ao teor da nova p.i. apresentada, não há nulidades que invalidem todo o processado (nomeadamente, falta de causa de pedir) – sendo certo que não se verifica a nulidade arguida nos artigos 1º a 7º da contestação, uma vez que não se verificou qualquer impedimento ao exercício da defesa (CPC 201.º/1).
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
*
Uma vez que não foram alegados factos concretos (“danos e prejuízos graves, nunca inferiores a 50 000,00€”), apenas conclusões (“formação devida, exigível e adequada”, “quando necessária”; “no tempo adequado”, “qualidade aceitável e expectável” ; “know-how adequado e suficiente” ; “acima dos preços de mercado”), decide-se – ao abrigo das regras dos artigos 501.º/1 e 274.º/2 do CPC – não admitir o pedido reconvencional.
* * *
MATÉRIA DE FACTO ASSENTE
Consideram-se provados, por documentos e por acordo das partes (CPC 490.º/2/3), os seguintes factos :
A) Em Janeiro de 2006 A (‘Master Franchisador’) e R. (‘Franchisado’) assinaram o “CONTRATO DE FRANCHISING – A” junto a fls, 56 a 91 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
B) No âmbito do contrato supra, a A. forneceu à R. as coisas descritas nas seguintes facturas :
a) n.º “1”, vencida em 16_VII-06, no valor de 66 390,28€ (fls. 92-93) ;
b) n.º “2”, vencida em 18-VII-06, no valor de 2 147,22€ (fls. 99-101) ;
c) n.º “3”, vencida em 15-IX-06, no valor de 4 184,08€,(fls.104 a 106) ;
d) n.º “4”, vencida em 22-II-07, no valor de 665,50€ (fls. 116).
C) A R. entregou à A. a quantia de 43.460,40 € (fls. 94 a 98) para pagamento da factura a) supra.
D) No âmbito do contrato supra, a A. emitiu e enviou à R. as seguintes facturas (relativas a “Royalties” e “Publicidade”) :
a) n.º “5”, vencida em 16-IX-06, no valor de 623,53€ (fls. 102) ;
b) n.º “6”, vencida em 16-IX-06, no valor de 302,50€ (fls. 103) ;
c) n.º “7”, vencida em 15-X-06, no valor de 623,53€ (fls. 107) ;
d) n.º “8”, vencida em 15-X-06, no valor de 302,50€ (fls. 108) ;
e) n.º “9”, vencida em 18.XI-06, no valor de 623,53€ (fls.109) ;
f) n.º “10”, vencida em 18-XI-06, no valor de 302,50€ (fls. 110) ;
g) n.º “11”, vencida em 17-XII-06, no valor de 623,53€ (fls. 111) ;
h) n.º “12”, vencida em 17-XII-06, no valor de 302,50€ (fls. 112) ;
i) n.º “13”, vencida em 1-I-07, no valor de 302,50€ (fls. 113) ;
j) n.º “14”, vencida em 3-I-07, no valor de 623,53€ fls. 114) ;
k) n.º “15”, vencida em 18-I-07, no valor de 302,50€ (fls. 115) ;
l) n.º “16”, vencida em 22-II-07, no valor de 623,53€ (fls. 117) ;
m) n.º “17”, vencida em 22-II-07, no valor de 302,50€ (fls. 118) ;
n) n.º “18”, vencida em 16-III-07, no valor de 623,53€ (fls. 119) ;
o) n.º “19”, vencida em 16-III-07, no valor de 302,50€ (fls. 120) ;
p) n.º “20”, vencida em 13-IV-07, no valor de 623,53,€ (fls. 121) ;
q) nº “21”, vencida em 13-VII-07, no valor de 302,50€ (fls. 122) ;
r) n.º “22”, vencida em 15-V-07, no valor de 623,53€ (fls. 123) ; e
s) n.º “23”, vencida em 15-V-07, no valor de 302,50€ (fls. 124).
E) A R. não pagou os valores constantes das facturas descritas de a) a s) da alínea D) supra, e b) a d) da alínea B).
F) Em 29 de Março de 2007 a ora R. assinou e entregou à ora A. o documento junto a fls. 125-126 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
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Não há factos controvertidos com interesse para a decisão da causa, conforme se decidiu ao não admitir a reconvenção : apesar de ter fundado inicialmente a sua oposição na falta de causa de pedir, a R. acaba também por não alegar factos concretos, apesar da nova oportunidade – não havendo lugar a um novo convite ao aperfeiçoamento, pois a R. poderia ter tomado posição individualizada (CPC 488.º, e 490.º/1) perante os factos alegados pela A.
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Direito
Face à simplicidade da matéria de facto, conclui-se que a R. deve ser obrigada a cumprir as obrigações definidas nas cláusulas 7.1 e 7.2 do contrato A) – sendo devidos juros, nos termos da cláusula 7.2.1.
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Decisão
Pelo exposto, condena-se a R. a pagar à A. a quantia de trinta e oito mil quinhentos e sessenta e três euros e quarenta e cinco cêntimos, acrescida de juros de mora comerciais contados desde as datas de vencimento das facturas em dívida.
Custas pela R. (CPC 446.º).
Registe e notifique (CPC 512.º e 259.º)”.
7- Desta decisão interpôs a requerida, “B, Ldª”, recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões :
“a) A Ré e ora Recorrente suscitou a nulidade de todo o processado por ausência de causa de pedir ;
b) O douto Acórdão do TRL apreciando idêntico caso, declarou que a ineptidão do requerimento inicial conduz à excepção dilatória da nulidade de todo o processo e, consequentemente, à absolvição da instância ;
c) Os vícios apontados ao Requerimento de Injunção mantiveram-se na designada “nova petição” ;
d) A ausência da causa de pedir prejudicou, gravemente, a defesa da Ré, limitando-se esta a invocar as vicissitudes porque passou o contrato ;
e) O Tribunal “a quo” deveria ter reconhecido a existência da excepção dilatória da nulidade de todo o processo e absolvido a Ré, ora Recorrente, da instância ;
f) A Autora e ora Recorrida beneficiou de uma segunda oportunidade para formular, de novo, a sua pretensão ; a Ré e ora Recorrente não foi notificada para corrigir as imprecisões e insuficiências do pedido reconvencional, como determina o art° 508° do C P. Civil ;
g) Todavia, o pedido reconvencional assenta em factos concretos expostos no art° 21 ° do contraditório ;
h) A matéria de facto dada como Assente é matéria controvertida pelo que só por erro foi declarada Assente, cf. art° 20° e sgs. do contraditório.
Termos em que deve o presente Recurso ser dado como procedente e, consequentemente :
a) ser declarada a ineptidão do requerimento de injunção e da designada “nova petição” e a Ré e ora Recorrente ser absolvida da instância ; ou,
1. ser admitido o pedido reconvencional, prosseguindo a instância ;
2. ser declarado que os factos das als. D) e seguintes da matéria dada como Assentes são controversos pelo que deve ser ordenada o prosseguimento da instância com a produção de prova e julgamento.
8- A recorrida não apresentou contra-alegações (ver fls. 235).
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II – Fundamentação
a) A matéria de facto dada como provada na decisão sob recurso é a seguinte :
1- Em Janeiro de 2006 A. (‘Master Franchisador’) e R. (‘Franchisado’) assinaram o “Contrato de Franchising – A” junto a fls, 56 a 91 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
2- No âmbito do contrato supra, a A. forneceu à R. as coisas descritas nas seguintes facturas :
a) Nº “1”, vencida em 16/7/2006, no valor de 66.390,28 € (fls. 92 e 93) ;
b) Nº “2”, vencida em 18/7/2006, no valor de 2.147,22 € (fls. 99 e 101) ;
c) Nº “3”, vencida em 15/9/2006, no valor de 4.184,08 € (fls.104 a 106) ;
d) Nº “4”, vencida em 22/2/2007, no valor de 665,50 € (fls. 116).
3- A R. entregou à A. a quantia de 43.460,40 € (fls. 94 a 98) para pagamento da factura 2. a) supra.
4- No âmbito do contrato supra, a A. emitiu e enviou à R. as seguintes facturas (relativas a “Royalties” e “Publicidade”) :
a) Nº “5”, vencida em 16/9/2006, no valor de 623,53 € (fls. 102) ;
b) Nº “6”, vencida em 16/9/2006, no valor de 302,50 € (fls. 103) ;
c) Nº “7”, vencida em 15/10/2006, no valor de 623,53 € (fls. 107) ;
d) Nº “8”, vencida em 15/10/2006, no valor de 302,50 € (fls. 108) ;
e) Nº “9”, vencida em 18/11/2006, no valor de 623,53 € (fls.109) ;
f) Nº “10”, vencida em 18/11/2006, no valor de 302,50 € (fls. 110) ;
g) Nº “11”, vencida em 17/12/2006, no valor de 623,53 € (fls. 111) ;
h) Nº “12”, vencida em 17/12/2006, no valor de 302,50 € (fls. 112) ;
i) Nº “13”, vencida em 1/1/2007, no valor de 302,50 € (fls. 113) ;
j) Nº “14”, vencida em 3/1/2007, no valor de 623,53 € fls. 114) ;
k) Nº “15”, vencida em 18-I-07, no valor de 302,50 € (fls. 115) ;
l) Nº “16”, vencida em 22/2/2007, no valor de 623,53 € (fls. 117) ;
m) Nº “17”, vencida em 22/2/2007, no valor de 302,50 € (fls. 118) ;
n) Nº “18”, vencida em 16/3/2007, no valor de 623,53 € (fls. 119) ;
o) Nº “19”, vencida em 16/3/2007, no valor de 302,50 € (fls. 120) ;
p) Nº “20”, vencida em 13/4/2007, no valor de 623,53 € (fls. 121) ;
q) Nº “21”, vencida em 13/7/2007, no valor de 302,50 € (fls. 122) ;
r) Nº “22”, vencida em 15/5/2007, no valor de 623,53 € (fls. 123) ;
s) Nº “23”, vencida em 15/5/2007, no valor de 302,50 € (fls. 124).
5- A R. não pagou os valores constantes das facturas descritas em 4- a) a s), supra, e 2- b) a d), supra.
6- Em 29/3/2007 a R. assinou e entregou à A. o documento junto a fls. 125 a 126 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
b) Como resulta do disposto nos artºs. 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação da recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação da recorrente as questões em recurso são :
-Saber se o requerimento inicial é nulo, por falta de indicação da causa de pedir.
-Saber se o pedido reconvencional deduzido pela recorrente devia ter sido admitido.
-Saber se os factos das alíneas D) e seguintes da matéria dada como Assente são controversos (pelo que, assim sendo, deverá o processo prosseguir com a produção de prova e julgamento).
c) Ora, “in casu” estamos perante um procedimento de injunção relativo a transacção comercial, ao qual é aplicável o Decreto-Lei nº 269/98 de 1/9 (e as suas subsequentes alterações), bem como o disposto no artº 7º do Decreto-Lei nº 32/2003 de 17/2 (por via do qual foi transposta a Directiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, relativa a medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais), na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 107/2005, de 1/7, o qual estipula no seu nº 1 que “o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”.
E acrescenta o nº 2 de tal normativo que “para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação do procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum”.
d) Feito este pequeno intróito, vejamos em primeiro lugar a última das suscitadas questões (saber se os factos das alíneas D) e seguintes da matéria dada como Assente são controversos), porquanto a solução da mesma terá necessária influência no tratamento das restantes (que, curiosamente, a recorrente colocou “ab initio” nas suas alegações).
Como é sabido, na contestação cabe tanto a defesa por impugnação como por excepção (cf. artº 487º nº 1 do Código de Processo Civil), sendo que “o réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor” (cf. artº 487º nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
Dispõe o artº 490º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “ónus de impugnação”, que :
“1- Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição.
2- Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito.
3- Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.
4- Não é aplicável aos incapazes, ausentes e incertos, quando representados pelo Ministério Público ou por advogado oficioso, o ónus de impugnação, nem o preceituado no número anterior”.
Relativamente à redacção anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12/12, constatam-se, relativamente àquele último, normativo, diversas alterações de monta.
Assim, e desde logo, temos que, no nº 1 do mesmo, se substituiu a anterior expressão “perante cada um dos factos”, por “perante os factos”, com esta última “se intentando suprimir a anterior exigência da impugnação especificada, que dava título à epigrafe do artigo” (cf. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pg. 296).
No nº 2 suprimiu-se o advérbio especificadamente (“impugnados especificadamente”) e o adjectivo manifesta (“manifesta oposição”).
Foi, ainda, suprimido o anterior nº 3 (“não é admissível a contestação por negação”).
E, finalmente, foi eliminado um nº 5, que havia sido introduzido pela reforma intercalar de 1985, e segundo o qual a impugnação podia “fazer-se, total ou parcialmente, por simples menção dos números dos artigos da petição inicial em que se narram os factos contestados”.
O que se pretendeu com tais alterações foi atenuar o, por vezes, excessivo rigor formal do ónus de impugnação especificada, sem que, todavia, tal implique que se dispense a parte de tomar posição clara, frontal e concludente, sobre as alegações de facto feitas pela parte contrária. Deste modo. a impugnação não tem hoje de ser feita facto por facto, individualizadamente, podendo ser genérica (cf. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pg. 298, e Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, nota ao artº 490º, I).
E também nada impõe, actualmente, como no domínio anterior ao da reforma de 1995, que a impugnação seja motivada representando aquela, apenas, uma modalidade possível de impugnação, por contraponto à impugnação simples, ou por mera negação, modalidade que se verificará quando o réu apresenta uma contra-versão dos factos, incompatível com a do autor.
Posto isto, passemos a analisar o caso concreto.
Consta da petição inicial que a causa de pedir assenta num contrato de “franchising”, segundo o qual a requerente passou a fornecer bens e serviços à requerida, agora recorrente, os quais implicavam o respectivo pagamento. Com vista a tais pagamentos, a requerente, agora recorrida, emitiu diversas facturas que juntou aos autos. Essas não foram pagas na totalidade.
Invoca, pois a requerente, um incumprimento contratual.
Ora, a verdade é que a recorrente, em ambas as contestações que apresentou (uma respeitante ao primeiro requerimento inicial e a outra relativa ao requerimento inicial aperfeiçoado) aceita ter celebrado com a recorrida um contrato de “franchising”. E tanto assim é que até vem dizer na sua impugnação que, a ter havido violação contratual, a mesma é de imputar à demandante.
Só a final, e quase de passagem, vem a recorrente afirmar que ou não recepcionou as facturas trazidas a juízo, ou, pelo menos, inexiste menção às mesmas nos respectivos registos (da própria recorrente, presume-se). Tal expressão pretensamente impugnatória em si nada adianta, não só porque nada nega como, no fundo, até atribui à própria recorrente alguma incúria e desorganização a nível de registo de entrada de documentação.
Deste modo, teremos de concluir como na decisão ora sob recurso, onde se refere que “não há factos controvertidos com interesse para a decisão da causa”, que “a R. acaba também por não alegar factos concretos” e que “a R. poderia ter tomado posição individualizada perante os factos alegados pela A.”.
Assim sendo, teremos de considerar que não assiste razão à recorrente na sua terceira conclusão.
e) Regressando, então, à ordem pela qual a recorrente coloca as suas questões, analisemos a primeira, ou seja, há que apreciar a verificação, nos autos uma situação de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial (falta de causa de pedir, nos termos do disposto no artº 193º nºs. 1 e 2, al. a) do Código de Processo Civil).
O artº 193º nºs. 1, 2, al. a) e 3 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “ineptidão da petição inicial”, estatui o seguinte :
“1 – É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 – Diz-se inepta a petição :
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir ;
(...)
3 – Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
Por seu turno, o artº 467º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil exige que na petição, com que propõe a acção, o autor exponha os factos e as razões de direito que servem de fundamento aquela, ou seja, que articule factos concretos, objectivos e individualizados que, constituindo a causa ou causas de pedir, sustentem lógica, suficiente, adequada e juridicamente os pedidos formulados na mesma acção.
O Dr. António Santos Abrantes Geraldes, em “Temas da Reforma do Processo Civil”, I Volume, 2ª edição revista e ampliada, Almedina, a pgs. 188 e seguintes aborda a temática da causa de pedir, referindo, a páginas 194 e 195, os seguintes aspectos como suas características gerais :
“a) Existência (artigo 193.º, número 2, alínea a) ;
b) Inteligibilidade (artigo 193.º, número 2, alínea a) ;
c) Facticidade, revelada fundamentalmente através da alegação de factos da vida real em vez de puros conceitos ;
d) Concretização, que evite a simples afirmação conclusiva ou carregada de um sentido puramente técnico-jurídico ;
e) Probidade, ou seja, deve assentar num conjunto de factos verdadeiros e na legítima convicção que tais factos permitem extrair a conclusão correspondente ao pedido ;
f) Compatibilidade com o pedido ou com outras causas de pedir alegadas em termos de acumulação real ;
g) Juridicidade, reportando-se a factos jurídicos, ou seja, com relevância jurídica ;
h) Licitude, derivada da alegação de um conjunto de factos relativos a uma situação jurídica tutelada pelo direito”.
Ora, o que interessa apreciar é se, no caso vertente, a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir.
A causa de pedir é o facto jurídico de que emerge a pretensão do autor (artº 498º nº 4 do Código de Processo Civil).
Há falta de causa de pedir quando não são alegados os factos em que se funda a pretensão do autor.
Há insuficiência da causa de pedir quando aqueles factos são alegados, mas são insuficientes para determinar a procedência da acção.
“Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta” (cf. Prof. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, pg. 372).
A falta de causa de pedir ou a sua ininteligibilidade acarretam a ineptidão da petição (artº 193º nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
A consequência da ineptidão da petição inicial é a nulidade de todo o processado, que constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso geradora da absolvição da instância (artº 193º nº 1, 493º nºs. 1 e 2, 494º al. b) e 495º, todos do Código de Processo Civil).
Como refere Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pgs. 354 e 355), reportando-se ao artº 508º do Código de Processo Civil, fora da previsão do preceito estão os casos em que a causa de pedir ou a excepção não se apresentem identificadas, mediante a alegação de elementos de facto suficientes para o efeito, casos esses que são de ineptidão da petição inicial (…) ou de nulidade da excepção, nomeadamente por exclusiva utilização de expressões de conteúdo técnico/jurídico.
Naqueles casos, tem de ser proferido imediatamente despacho saneador que absolva o réu da instância pela verificação da excepção dilatória de nulidade de todo o processado.
Se o autor indica os factos constitutivos do seu direito, mas os mesmos não são suficientes para assegurar a procedência da acção, pode então o juiz convidá-lo a completar a causa de pedir, ao abrigo do disposto no artº 508º nºs. 1, al. b) e 3 do Código de Processo Civil. Se o autor não corresponder satisfatoriamente ao convite do Juiz, tem este de proferir decisão sobre o mérito da causa, julgando a acção improcedente.
Já no regime anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei 329-A/95 de 12/12 se entendia que a ineptidão da petição inicial não podia ser suprida, dando lugar imediatamente ao indeferimento liminar e que só a petição irregular ou deficiente podia ser aperfeiçoada (artºs. 481º e 482º do Código de Processo Civil, na redacção então vigente), tal como se entendia que no caso de insuficiência da causa de pedir, a acção “naufragava” (cf. Prof. José Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., pgs. 394 e 395).
No regime actual, a consequência da falta de causa de pedir é a absolvição da instância ou o indeferimento liminar da petição, nos casos em que ainda é admissível (artº 234º-A do Código de Processo Civil). A consequência da insuficiência da causa de pedir continua a ser a improcedência da acção.
A Jurisprudência tem vindo a entender que a omissão do despacho ao convite ao aperfeiçoamento é uma irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa e por isso constitui uma nulidade, nos termos do artº 201º nº 1 do Código de Processo Civil.
Tal sucede nitidamente nos casos em que o Juiz se apercebe de insuficiências ou imprecisões do articulado susceptíveis de conduzir a uma decisão prejudicial à parte que o apresentou e não formula o convite ao aperfeiçoamento, proferindo desde logo decisão desfavorável com fundamento em tais insuficiências (neste sentido ver, por exemplo, o Acórdão da Relação do Porto de 18/9/2003, consultado em www.dgsi.pt).
Assim, o Juiz que se apercebe que a causa de pedir está invocada na petição inicial de forma insuficiente e em vez de convidar o autor a suprir as deficiências e imprecisões da petição inicial, julga a acção improcedente logo no despacho saneador com fundamento naquelas insuficiências imprecisões, comete a nulidade prevista no artº 201º nº 1 do Código de Processo Civil.
Assim, derivando a pretensão de um incumprimento contratual, a causa de pedir há-de corresponder à descrição sucinta dos factos que consubstanciam o acordo das partes e o incumprimento por parte do requerido.
No caso dos autos, o Tribunal “a quo”, entendendo que se estaria perante um caso de mera insuficiência de causa de pedir (e não de ausência total de falta de pedir), determinou o aperfeiçoamento do requerimento inicial, ao abrigo do estipulado no artº 17º nº 3 do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98 de 1/9.
E tal despacho foi cumprido pela requerente/recorrida.
Analisada a petição inicial, já aperfeiçoada afigura-se-nos que, “in casu”, se mostram cumpridas as exigências derivadas do texto e princípios legais, em atenção, inclusive aos propósitos simplificadores que presidiram ao regime da providência de injunção, entendendo-se que a requerente/recorrida alegou todos os factos de que dependia o reconhecimento do seu direito.
Na verdade consta da mencionada peça processual que a obrigação em causa resulta de um contrato de “franchising”, de acordo com o qual a requerente passou a fornecer bens e serviços à requerida/recorrente, os quais implicavam o respectivo pagamento. Com vista a tais pagamentos, a requerente/recorrida emitiu diversas facturas que juntou aos autos e das quais a requerida teve pleno conhecimento. Tais facturas não foram pagas na totalidade. O valor em dívida (capital e juros) ascende a 43.418,16 €. Existe, pois, um incumprimento contratual, ficando deste modo viabilizada a conclusão de que a requerida/recorrente é mesmo devedora das quantias pedidas.
Não se vislumbra, pois, que a petição inicial seja inepta.
f) No que diz respeito à segunda das enunciadas questões (determinar a admissibilidade ou não do pedido reconvencional deduzido pela recorrente) :
Esta questão entronca directamente na anteriormente tratada, uma vez que o Tribunal “a quo” entendeu que, quanto à demanda reconvencional inexistia falta de causa de pedir.
E inexistindo esta, como já acima se salientou, tem de ser proferido imediatamente despacho que absolva o réu da instância pela verificação da excepção dilatória de nulidade de todo o processado.
Ora, tal como a recorrente formulou a sua pretensão reconvencional, é óbvio que inexiste causa de pedir.
Afirma aquela que o pretenso incumprimento processual por parte da recorrente se traduziu “em danos e prejuízos graves, nunca inferiores a 50.000 € que ora se reclamam” (artº 25º da contestação).
Mas a verdade é que não basta pedir, é necessário fundar o pedido num facto concreto que juridicamente possa viabilizar esse pedido.
A causa de pedir representa na acção o substrato material a que o juiz reconhecerá ou não força jurídica bastante para desencadear as consequências jurídicas adequadas. Por isso deverá ser descrita de forma clara e de modo a ser capaz de mobilizar as virtudes jurídicas latentes em função da situação jurídica em causa. Daí que houvesse, no presente caso, que demonstrar um nexo de causalidade, critério redutor do conjunto de danos sofridos, segundo os princípios da causalidade adequada, ou seja, a ligação dos prejuízos com o acto censurável a título de culpa. Em suma, a causa de pedir é o facto produtor de efeitos jurídicos apontado pela requerida (no pedido reconvencional) e não a qualificação jurídica que esta lhe emprestou ou a valoração jurídica que a mesma entende atribuir-lhe.
Ora, na verdade a recorrente não descreve nem os danos nem as razões jurídicas resultantes do contrato que a levam a entender que tem direito à indemnização solicitada.
Por isso, não vemos como se poderia mandar aperfeiçoar uma peça processual que se mostra de tal modo inquinada que, a nosso ver, não teria aperfeiçoamento possível para produzir os efeitos pretendidos pela recorrente.
Nem se diga que se utilizou um critério diverso para recorrente e recorrida, que a recorrente apelida de “desigualdade de tratamento processual”.
Permitimo-nos seguir aqui de perto o Acórdão do S.T.J. de 20/5/2004, consultado na “internet” em www.dgsi.pt, no qual se pode ler :
“Se é salutar a cooperação entre as partes, também se afigura importante a criação e desenvolvimento de uma cultura judiciária de responsabilidade, e de saber, que não tenha no juiz, o limite corrector dessa responsabilidade (ou irresponsabilidade : inconsciente ou provocada) ou desse saber, (ou ignorância : inconsciente ou provocada), quando se está perante uma clara ausência de um preceito legal, e de processo, que permita contar com a ajuda dos outros, suprindo faltas processuais graves, essenciais ao objecto do conhecimento, exactamente do que se pede ao tribunal, que conheça”.
E continua o referido Acórdão : “Em desfavor destas – das pessoas – vulgariza-se o princípio, igualmente respeitável, da preclusão processual civil, agravando o factor da incerteza do tempo da definição do direito ; e introduz-se uma pedagogia processual negativa, a benefício do arbítrio ao convite, do uso e do abuso, sem critério, que em nada abona a confiança, a celeridade e a prontidão da justiça, acabando por conferir a esta, a imagem perigosa geradora do “deixar andar” ou do “erra que o Juiz corrige!”.
O princípio da cooperação tem assim de ser temperado pelo princípio da responsabilidade das partes, não podendo estas esperar que o Juiz tudo venha a suprir (tanto mais que o Juiz não pode ser visto como o depositário da sabedoria infinita, que tudo sabe e tudo resolve, suprindo as lacunas das partes).
As partes devem ser responsabilizadas pelos actos que praticam em juízo.
Assim sendo, e em conclusão, bem andou o Tribunal “a quo” ao não admitir o pedido reconvencional.
g) Em suma, impõe-se a improcedência das questões suscitadas e, consequentemente, do recurso.
h) Sumariando :
-Há falta de causa de pedir quando não são alegados os factos em que se funda a pretensão do autor ; há insuficiência da causa de pedir quando aqueles factos são alegados, mas são insuficientes para determinar a procedência da acção.
-A falta de causa de pedir ou a sua ininteligibilidade acarretam a ineptidão da petição.
-A consequência da falta de causa de pedir é a absolvição da instância ou o indeferimento liminar da petição, nos casos em que ainda é admissível (artº 234º-A do Código de Processo Civil). A consequência da insuficiência da causa de pedir continua a ser a improcedência da acção.
-A falta de causa de pedir relativamente ao pedido reconvencional não é susceptível de ser suprida mediante um despacho de aperfeiçoamento.
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III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas : Pela recorrente (artigo 446º do Código do Processo Civil).