NOTIFICAÇÃO
PRESUNÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Sumário

1. Permite a lei que as presunções estabelecidas nos nºs 2 e 3 do art. 254º do CPC, na redacção anterior à introduzida pelo DL. 324/03 de 27.12, sejam ilididas pelo notificado, quer quanto à ocorrência efectiva da notificação, quer quanto à data da mesma, mas neste caso, o notificado tem de provar que a notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis.
2. O prazo concedido no aviso dos CTT para o levantamento da carta deixado no apartado indicado pelo notificado é um prazo emergente de uma norma administrativa interna, uniformizando o modo de actuar do pessoal dos correios perante uma determinada situação, e que, para o destinatário, tem apenas o significado de que, não sendo a correspondência levantada no prazo fixado, a mesma será devolvida.
3. Procedendo o notificado ao levantamento da carta 9 dias depois de avisado, e nada alegando no sentido de justificar porque assim procedeu para além do facto de que levantou a carta dentro do prazo que lhe foi fixado pelos CTT, não se pode concluir que a notificação posterior ocorreu por razões que não lhe são imputáveis.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.

No processo executivo nº 122-C/1998, em 4.03.05,  P Lda. interpôs recurso do despacho proferido em 14.02.05, que indeferiu um requerimento por si dirigido ao processo.
Notificada pela secção para o pagamento da multa prescrita no art. 145º, nº 6 do CPC, veio apresentar reclamação, pedindo que seja anulada a multa aplicada.
Foi proferido o seguinte despacho:
“Fls. 372: Vem a recorrente reclamar da passagem, digo, do acto da secretaria que a notificou para pagar a multa do art. 145º, nº 6 do CPC, alegando que apenas foi notificada do despacho judicial de que interpôs recurso em 25.02.05 e que portanto, o seu requerimento de recurso entrou em juízo antes de terminado o prazo para o efeito.
Vejamos:
O despacho judicial em causa foi notificado à parte que, à data, não tinha ainda mandatário constituído, por carta enviada em 15.02.2005 – vd. fls. 353.
Nos termos do art. 254º e 255º, nº 1 CPC a notificação presume-se efectuada no terceiro dia útil posterior ao do registo, ou seja, no dia 18.02.2005.
A presunção assim estabelecida só pode ser ilidida pelo notificado, provando este que a notificação ocorreu em data posterior, por razões que não lhe sejam imputáveis.
Da documentação de fls. 374 a 376, decorre que o reclamante apenas tomou conhecimento da notificação em 25.02.05 mas decorre também que foi avisado em 16.02.2005 da existência de correspondência para entrega – vd. fls. 376.
Nada alega o reclamante sobre as razões que o levaram a levantar a carta apenas no dia 25.02 quando esta já estava disponível desde dia 16.02.
Não pode, por falta de tal alegação, considerar-se que a citação ocorreu em data posterior por causa não imputável ao citado.
Vale, nestes termos, a presunção de que a citação ocorreu no dia 18.02, sendo a partir desta data que se conta o prazo para interpor o recurso.
Tendo o requerimento de recurso entrado no Tribunal em 3.03.2005, ou seja, no 3º dia útil posterior ao termo do prazo, sem se mostrar paga a multa prevista no art. 145º do CPC, bem andou a secretaria ao notificar o recorrente para pagar a multa prevista no nº 6 daquela norma legal.
Pelo exposto, indefiro a reclamação apresentada. ...”

            Não se conformando com a decisão, dela recorreu, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
            1º - A Agravante foi notificada por carta registada com data de 15/02/05.
            2º- A Agravante foi avisada pelos C.T.T. em 16/2/05, de que tinha correspondência para ser levantada.
            3º- Dentro do prazo concedido pelos C.T.T. para levantar a correspondência referida na conclusão segunda a agravante procedeu ao levantamento da mesma, levantamento esse ocorrido em 25/2/05.
            4º- A correspondência enviada à agravante para notificação da mesma, com data de 15/2/05 não foi devolvida.
            5º- Não se tendo verificado o referido na conclusão 4ª e tendo a correspondência enviada para notificação da agravante sido levantada por esta em 25/2/05 é esta a data que deve ser tida como sendo aquela em que a agravante foi notificada.
            6º- A agravante alegou e provou que só foi notificada em 25/2/05.
            7º- A agravante após a sua notificação com data de 25/2/05 exerceu o seu direito de interpor recurso em 3/3/05, ou seja, dentro dos 10 dias prescritos na lei.
            8º- Face ao referido na conclusão 7ª não é de aplicar à agravante o normativo contido no nº 6 do art. 145º do C.P.C.
            9º- Foi violado pela douta decisão recorrida os artigos 254º, 255º e 145º, nº 6 todos do C.P.C.
            10º- O normativo contido no nº 4 do artigo 254º do C.P.C. só é de aplicar caso se verifique algum dos pressupostos vertidos no nº 3 do mesmo artigo o que não é o caso dos autos, já que a agravante procedeu ao levantamento da correspondência, que lhe foi enviada.
            11º- Deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que reconheça que a agravante interpôs recurso dentro do prazo prescrito na lei, não podendo nem devendo ser aplicado o normativo contido no nº 6 do artigo 145º do C.P.C.
Não houve contra-alegações.
A Mma Juiz recorrida proferiu despacho de sustentação.

            QUESTÕES A DECIDIR.
            Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente ( arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC ), a única questão a decidir é a de determinar em que data se deve considerar notificada a recorrente do despacho de que interpôs recurso.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Mostra-se relevante a seguinte materialidade fáctica:
1º- A notificação do despacho foi enviada à recorrente (que não tinha mandatário constituído nos autos) em 15.02.2005.
2º- Em 16.02.2005, a recorrente foi avisada pelos CTT da entrega “não conseguida” da notificação.
3º- A recorrente levantou a notificação nos CTT em 25.02.2005.
4º- O recurso deu entrada em juízo em 4.03.2005.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
            Apresentado requerimento de interposição de recurso pela recorrente, notificou-a a sessão para pagar multa nos termos do art. 145º, nº 6 do CPC [1].
            Reclamou a recorrente para o juiz titular, que indeferiu a reclamação, por entender que a recorrente apresentou, efectivamente, o requerimento de recurso dentro dos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo (contado da data em que se presume notificada), sem que tivesse pago a correspondente multa.
Não se conforma a recorrente com o teor desta decisão, por entender que, no caso, não se deveria fazer uso da presunção de notificação no terceiro dia posterior ao do envio da notificação, uma vez que a carta não foi devolvida e a recorrente demonstrou ter sido notificada em data posterior, estando o requerimento de recurso dentro do prazo, atenta a data de efectiva notificação.
Apreciemos.
O presente recurso reconduz-se à interpretação do disposto no art. 254º do CPC, mais concretamente do seu nº 4, aplicável por força do disposto no art. 255º, nº 1, parte final, do CPC [2].
À data dos factos, a recorrente não tinha mandatário constituído nos autos, pelo que a notificação lhe foi enviada para a morada que fez constar do requerimento que apresentou nos autos.
Dispõe o art. 255º, nº 1 do CPC que “Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações ser-lhe-ão feitas no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários” (sublinhado nosso).
Por seu turno, estatui o art. 254º do CPC, que regula as formalidades das notificações feitas aos mandatários, que “1. Os mandatários são notificados por carta registada, para o seu escritório ou domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal. 2. A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. 3. A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o número anterior. 4. As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis” (sublinhado nosso).
Conforme escreve Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2004, pág. 242, a alteração introduzida na redacção do artigo pelo DL. 329-A/95 de 12.12 “procura ultrapassar a manifesta inadequação da redacção do preceito, anterior à reforma, com o regime das notificações por via postal instituído pelo DL. nº 121/76 de 11/2. Assim, o nº 1 começa por eliminar a exigência do “aviso de recepção”, aliás já há muito derrogada por aquele diploma legal. O nº 2 do preceito corresponde estritamente ao estipulado no nº 3 do art. 1º do citado DL. 121/76: .... O disposto no nº 3 corresponde, no essencial, ao estipulado no preceito correspondente do CPC, na redacção anterior à reforma, articulando todavia tal regime com o preceituado no nº anterior - .... O disposto no nº 4 corresponde ao estatuído no nº 4 do art. 1º do DL. 121/76, colocando a cargo do notificado o ónus de ilidir as presunções decorrentes dos nºs 1, 2 e 3  deste art. 254º”.
Da análise do artigo resulta, sem margem para dúvidas, que, excepto na situação em que a notificação é feita pessoalmente pelo funcionário no tribunal  [3], a data que se há-de considerar como da notificação é a que a lei presume e não a da efectiva notificação [4].
Assim, se a carta não é devolvida, a notificação considera-se efectuada no terceiro dia posterior ao do registo, sendo que, se esse terceiro dia não coincidir com um dia útil, a notificação considera-se efectuada no 1º dia útil seguinte.
Se a notificação for devolvida, ou se a carta não tiver sido entregue por ausência do destinatário, junta-se o sobrescrito ao processo e a notificação presume-se feita nos termos referidos [5] .
Permite, porém, a lei que as presunções estabelecidas sejam ilididas pelo notificado, quer quanto à ocorrência efectiva da notificação, quer quanto à data da mesma.
Mas neste caso, o notificado tem de provar que a notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis.
Ou seja, ainda que se prove nos autos que a notificação foi efectuada em data posterior à presumida, a mesma só será tomada em atenção, para cômputo de qualquer prazo, se tal notificação posterior tiver ocorrido por razões não imputáveis ao notificado.
Se a notificação tiver ocorrido em data posterior à presumida por razões imputáveis ao notificado, a data que “conta”, que “vale” como de notificação é a presumida.
No caso sub judice, a recorrente demonstrou que só foi notificada no dia 25.02.05 - data em que levantou nos CTT a carta que lhe foi enviada pelo tribunal -, ou seja, em data posterior àquela em que se presumia a sua notificação, uma vez que a carta foi enviada em 15.02.05 [6].
Porém, como já referido, tal facto, só por si, não é suficiente para ilidir a presunção de notificação estabelecida na lei, uma vez que se exige que o notificado demonstre, também, que a notificação posterior à data presumida se ficou a dever a razões que não lhe são imputáveis.
Entendeu o Mmo Juiz recorrido que a reclamante nada alegou sobre as razões que a levaram a levantar a carta apenas no dia 25.02 quando esta já estava disponível desde dia 16.02.05 [7].
Alega a recorrente que o fez dentro do prazo concedido pelos C.T.T. para levantar a correspondência.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não pode proceder a pretensão da recorrente.
A carta para notificação da recorrente foi enviada para a morada indicada nos autos por aquela, no requerimento que fez juntar ao processo.
Tal morada é a de um “apartado”, ou seja, uma caixa postal numa estação de correios.
Nada obstava a que a recorrente escolhesse aquele local para receber as suas notificações.
O que é certo é que sendo um local como outro qualquer escolhido para receber as notificações, o tratamento é o mesmo quanto ao recebimento da correspondência.
Nesse apartado foi deixado, no dia 16.02.05 um aviso à recorrente de que tinha uma carta para levantar, cuja entrega não tinha sido conseguida.
Impunha-se-lhe actuar com a diligência de um bom pai de família, verificando amiúde a correspondência urgente que aí pudesse ter, e, no caso, diligenciando pelo rápido levantamento da carta.
Vem a jurisprudência dos tribunais superiores entendendo que, quem é parte num processo judicial e sabe que vai receber notificações para a prática de determinados actos, deve providenciar no sentido de haver alguém presente na residência indicada no processo, ou, pelo menos, abrir ou mandar abrir a caixa de correio para se inteirar dos avisos de registos que os correios ali depositem e proceder ao respectivo levantamento [8].
No caso, a recorrente não é parte no processo mas aí apresentou um requerimento, aguardando a notificação da decisão sobre o mesmo.
Era-lhe exigível que diligenciasse por se assegurar que, atempadamente, tinha conhecimento dessa notificação, tanto mais que o local que indicou para receber essa notificação, foi um apartado, e não a sede da empresa.
Se não o fez e só teve conhecimento do aviso deixado no dia 16.02.05 alguns dias depois, tal situação apenas a si é imputável, nada tendo alegado para justificar esse conhecimento tardio.
Mas mesmo que tenha tido logo conhecimento do aviso deixado, o que é um facto é que só 9 dias depois procedeu ao levantamento da carta, nada tendo alegado no sentido de justificar porque assim procedeu para além do facto de que procedeu ao levantamento da carta dentro do prazo que lhe foi fixado pelos CTT.
Ora, não pode a recorrente ver justificado o levantamento “tardio” da carta, com os procedimentos administrativos dos correios, conseguindo, dessa forma, o alargamento de um prazo estabelecido pela lei.
O prazo concedido no aviso para o levantamento da carta, deixado no apartado é um prazo emergente de uma norma administrativa interna, uniformizando o modo de actuar do pessoal dos correios perante uma determinada situação, e que, para o destinatário, tem apenas o significado de que, não sendo a correspondência levantada no prazo fixado, a mesma será devolvida [9].
Este prazo não altera nem colide com as normas que regulam o respectivo conteúdo ou envio.
Não é baseado-se no prazo que constava do aviso para levantamento da carta que a recorrente consegue demonstrar que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis.
Que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, não há dúvidas.
Mas que tal só ocorreu em virtude da conduta da recorrente, também não restam dúvidas face à materialidade constante dos autos e ao que supra se deixou dito.
Assim sendo, não será de atender à data efectiva da notificação, mas à data em que a mesma se presume feita, nos termos do art. 254º, nº 3 do CPC, concluindo-se que o requerimento de recurso apresentado entrou dentro dos 3 primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo e, não tendo a recorrente pago a taxa de justiça devida nos termos do art. 145º, nº 5 do CPC, bem andou a secretaria em liquidar a multa nos termos do nº 6 do referido artigo.
E bem andou, pois,  o Mmo Juiz recorrido ao desatender a reclamação, pelo que é de manter o despacho recorrido.

            DECISÃO.
            Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.
            Custas pela recorrente.
                                                                       *
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2010

Cristina Coelho
Roque Nogueira
Abrantes Geraldes
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[1] O qual dispõe que “Decorrido o prazo referido no número anterior sem ter sido paga a multa devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar multa de montante igual ao dobro da taxa de justiça inicial, não podendo a multa exceder 20 UC”.
[2] Na redacção introduzida pelo DL. 329-A/95 de 12.12, atenta a data da propositura da acção.
[3] Caso em que a data da notificação é a que constar da notificação pessoal.
[4] Ao eliminar a exigência do aviso de recepção para as notificações, com base na constatação de que “o simples registo, com as necessárias adaptações legais, garante suficientemente a segurança dessa comunicação”, como referiu expressamente no preâmbulo do DL. 121/76, tinha o legislador de estabelecer o critério para que se pudesse determinar a data da notificação.
[5] A notificação considera-se efectuada no terceiro dia útil posterior ao do registo, e se esse terceiro dia não coincidir com um dia útil, a notificação considera-se efectuada no 1º dia útil seguinte
[6] Tendo a carta sido enviada em 15.02.05, presumia-se notificada no dia 18.02.05, sexta-feira.
[7] Ao contrário do que parece entender a recorrente, o Mmo Juiz recorrido não concluiu da forma referida por aplicação do disposto no nº 4 do art. 254º CPC - carta devolvida -, mas por força do nº 3.
[8] Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 15.12.98, in CJASTJ, Tomo III, pág. 160 e ss. e da RL de 31.10.07, P. 7033/2007-4, in www. dgsi.pt.
[9] Cfr., neste sentido, o Ac. da RC de 23.01.2007, in CJ, Tomo I, pág. 8.