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EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL
INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DE SOLOS
AVALIAÇÃO
PERITAGEM
Sumário
I - Os solos de reserva agrícola nacional (RAN) são áreas non aedificandi, nas quais são interditas todas as acções que diminuam ou destruam as potencialidades para o exercício da actividade agrícola das terras e solos, tais como operações de loteamento e obras de urbanização. II - Estas restrições inviabilizam a faculdade dos proprietários dos terrenos, incluídos nestas áreas, os destinarem à construção de edifícios urbanos, eliminando a expectativa dos mesmos de desafectação destes a fim de serem destinados ao mercado da construção imobiliária. III - Um solo apto para construção é aquele que apresenta condições materiais e jurídicas que permitam a construção. IV - Estando a parcela expropriada, nos presentes autos, em solo que integra a reserva agrícola nacional não é de calcular o seu valor, para efeitos indemnizatórios, por referência à construção que nela seria possível efectuar – se não tivesse sido sujeita a expropriação – mas sim tendo em atenção a sua classificação como solo para outros fins. V - O valor do solo para outros fins deve resultar: i) da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuados na freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada; ii) na impossibilidade de aplicar o critério referido em i), do cálculo tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes, o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo. VI - A utilização, como critério de avaliação, do valor de aquisição de prédios (dos expropriados) com as mesmas características em expropriações anteriores, apenas pode ser utilizado se houver identidade essencial das parcelas em confronto. VII - As deficiências da peritagem – com a consideração do preço de aquisição de uma outra parcela, sem que se possa afirmar identidade entre essa parcela e a ora expropriada e sem decisão que, na falta dessa identidade, tenha mandado atender ao preço de aquisição dessa parcela – tornam a avaliação imprestável para efeitos de fixação de justa indemnização. VIII - Essa insuficiência justifica a ampliação da matéria de facto com nova avaliação da parcela expropriada, expurgada da consideração do preço de aquisição de parcela sem identidade, bem como da possibilidade de destinar a mesma a construção.
Texto Integral
I- Relatório
Nestes autos de expropriação em que é expropriante EP – Estradas de Portugal, E.P.E., e expropriados “A” e “B”, realizada vistoria ad perpetuam rei memoriam, decidiram, por unanimidade, os árbitros fixar em € 112.490,00 o valor da indemnização devida pela expropriação.
Para tanto, em síntese, consideraram que a parcela expropriada se encontra, de acordo com as plantas do plano director municipal, em área rural para fins agrícolas de policultura, que integra a reserva agrícola nacional, que devendo o valor do solo para outros fins ser calculado de acordo com o artigo 27°, n.º 1, do Código das Expropriações, não tendo sido disponibilizados dados para esse cálculo, o valor se deveria calcular de acordo com o disposto no n.º 3 desse artigo, que, apesar do exposto, os terrenos, face à sua localização, tem um valor superior, não só pela possibilidade da sua utilização como parque de exposição de índole publicitária ou de equipamentos, máquinas agrícolas, ou de quaisquer outras actividades, como também por se encontrarem próximo de núcleo urbano, e assim admitiram que a parcela podia possibilitar, depois de deduzidos encargos, uma renda anual de € 1,40 por metro quadrado que capitalizaram à taxa 8%, que consideraram normalmente utilizada nestes casos, para estabelecer o valor unitário do solo em € 17,50 por metro quadrado e consequentemente, considerando a área expropriada de 6.428 metros quadrados, estabeleceram em € 112.490,00 (6.428x17,50) o valor da indemnização.
Os expropriados interpuseram recurso da decisão arbitral para alegarem, essencialmente, que a indemnização estabelecida é manifestamente inferior ao valor real e corrente praticado na zona e que fica muito aquém do valor de € 33,45 por metro quadrado que, em Outubro de 2000, lhes foi pago pela expropriação, efectuada por acordo, de uma parcela também qualificada de solo rústico, com 559 metros quadrados, integrada no mesmo prédio, pelo que entendem que a subavaliação em que incorre o acórdão arbitral deve ser corrigida para uma indemnização de € 240.792,88 correspondente à área expropriada de 6.428 m2 ao preço de € 37,46 por metro quadrado, ou seja aquele valor de € 33,45 por metro quadrado actualizado à data da declaração de utilidade pública da expropriação, e que mesmo atendendo, em exclusivo, à fórmula de cálculo que foi utilizada pelos árbitros, não poderá deixar de concluir-se que é excessiva a taxa de capitalização que foi aplicada ao rendimento líquido anual para obtenção do valor unitário do solo, resultando num valor de capitalização muito inferior ao real, pois tal taxa para os solos agrícolas deverá ser de 4%, como é consensual, assim se obtendo uma indemnização de € 224.980,00, para terminarem pedindo dever a indemnização devida pela expropriação ser fixada naquele valor de € 240.792,88.
A expropriante respondeu alegando, em síntese, que as parcelas expropriadas em 2000 constituíam solos aptos para construção e, como tal, foram negociadas como áreas com aptidão urbana, enquanto a parcela em causa se encontra inserida na reserva agrícola nacional, se caracteriza como solo apto para outros fins e que, como os árbitros não utilizaram para cálculo da indemnização o rendimento fundiário, isto é o rendimento obtido a partir de rendimentos de culturas agrícolas, não se justifica a taxa de capitalização de 4% aplicável a estes rendimentos, antes os árbitros atribuíram um rendimento excepcional ao solo na ordem de € 1,40 por metro quadrado e por ano, pelo que consideraram uma taxa de capitalização de 8%, concluindo por dever ser mantida a indemnização fixada no acórdão arbitral.
Efectuada a avaliação os peritos, por unanimidade, em relatório conjunto responderam aos quesitos apresentados pelos expropriados e pela expropriante e atribuíram o valor de € 242.335,60 à indemnização pela expropriação da parcela em causa a preços à data da declaração de utilidade pública da expropriação.
Para tanto, essencialmente, consideraram que a parcela, inserida na reserva agrícola nacional, de acordo com o disposto no artigo 25° do Código das Expropriações, deve ser classificada como solo apto para outros fins, que não o da construção, e para procederem à sua avaliação, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 27° do Código das Expropriações, tiveram em conta a envolvência da parcela num perímetro de 300 metros, em que existe habitação colectiva, moradias e armazéns, servida de todas as infra-estruturas, estrada alcatroada, esgotos domésticos e pluviais, luz, telefones, gás, com excepção de passeios, e assim estabeleceram o valor da parcela, depois de arredondamento, em € 37,70 por metro quadrado (€ 21,84+€ 14,40+€ 1,50), resultantes de uma percentagem de 30% para habitação, no valor de € 21,84 por metro quadrado, de uma percentagem de 40% para armazéns, no valor de € 14,40 por metro quadrado, e ainda de uma percentagem de 30% para cultura de sequeiro que, partindo para o efeito do valor de € 5,00 por metro quadrado, consideraram em € 1,50 por metro quadrado, que aplicados à área da parcela, 6.428 m2, conduziram ao valor de € 242.335,60.
A expropriante ponderando, em síntese, que os peritos, não obstante classificarem o solo como apto para outros fins, referirem que a parcela integra a reserva agrícola nacional e que teriam de proceder á avaliação de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 27° do Código das Expropriações, procedem erradamente à avaliação como se o solo fosse apto para a construção utilizando uma metodologia semelhante à estipulada pelo artigo 26°, n.º 12, do Código das Expropriações, e formando o preço unitário do solo, reservado para a actividade agrícola, mediante a consideração de percentagens de 30% para habitação e de 40% para armazéns e de só de 30% de solo para culturas de sequeiro, e ponderando ainda que para estas culturas indicam o valor de € 5,00 por metro quadrado, sem justificar essa indicação, manifestamente exagerada e, praticamente, impossível de justificar com base no rendimento dessas culturas, requereu que os peritos esclarecessem os aspectos acima referidos e, em consequência, reformulassem o seu relatório de avaliação com base no preconizado na lei, designadamente aplicando o prescrito no n.º 3 do artigo 27° do Código das Expropriações.
Os expropriados responderam, em síntese, para considerar que os peritos classificaram de forma clara o solo expropriado como solo apto para outros fins e, unanimemente, atribuíram-lhe o valor, que nada impede, para salvaguarda do princípio da justa indemnização, que os peritos recorram, ainda que analogicamente, a todos os critérios referenciais que a lei estabelece para todas e cada uma das categorias de solos, nem o facto da parcela expropriada integrar a reserva agrícola nacional pode obstar em definitivo ao cálculo da indemnização com base nos critérios previstos no artigo 26°, n.º 12, do Código das Expropriações, não se podendo ignorar, nem desconsiderar, que a parcela é servida de todas as infra-estruturas, nomeadamente, estrada alcatroada, esgotos domésticos e pluviais, luz, telefone e gás.
Foi proferido despacho que ordenou que os peritos prestassem os esclarecimentos requeridos, designadamente que esclarecessem o cálculo utilizado na avaliação do metro quadrado da parcela e respectivo fundamento.
Os peritos esclareceram que a avaliação contém duas ideias distintas, na primeira, baseada no n.º 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, equipararam uma zona de produção a uma zona verde devido ao enquadramento da parcela numa envolvente praticamente construída embora com usos diversificados, na segunda, baseada no n.º 1, encadeado com o n.º 3, ambos do artigo 27º do Código das Expropriações, consideraram a existência de um valor de aquisição oficial de € 33,45 por metro quadrado, actualizado para € 37,70, pago pelo Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR), conforme documento que anexam, e ainda que o valor unitário atribuído ao solo para cultura de sequeiro foi considerado bastante acima do corrente porque a proximidade da parcela ao MARL reduz drasticamente os custos de exploração.
Produzidos estes esclarecimentos foi proferido despacho que ordenou a notificação das partes para alegarem nos termos do artigo 64º do Código das Expropriações.
Após vieram os expropriados ampliar o pedido para € 242.335,60 e apresentaram as suas alegações pedindo a revogação do acórdão arbitral e a fixação da indemnização nesse valor de € 242.335,60, enquanto a expropriante alegou para defender a manutenção da indemnização fixada no acórdão arbitral.
Foi proferido despacho a admitir a aludida ampliação do pedido e, seguidamente, na sentença decidiu-se julgar procedente o recurso interposto pelos expropriados e, em consequência, fixar em € 242.335,60 a indemnização, a atribuir pela expropriação da parcela, a actualizar, desde 22 de Julho de 2004, data da publicação da declaração de utilidade pública, de acordo com o disposto no artigo 24°, n.ºs 1 e 2 do Código das Expropriações.
Para tanto ponderou-se, essencialmente, cumprir concluir, como fizeram os peritos unanimemente, que a parcela expropriada é constituída por solo apto para outros fins, que o juízo dos peritos, reforçado por ter sido tomado por unanimidade, se revela ajustado ao disposto no artigo 27°, n.ºs 1 e 3, do Código das Expropriações, tendo tomado em consideração, por um lado, a existência de um valor de aquisição oficial pago pelo ICOR de € 33,4 5 por metro quadrado, que actualizado corresponde a cerca de € 37,70 por metro quadrado, e, por outro lado, factores como o rendimento possível do solo, atentas as suas características e aptidão, a configuração do terreno, as culturas predominantes na região, as benfeitorias e construções implantadas no terreno, a natureza, estado de conservação, número e capacidade produtiva das árvores existentes no terreno, e assim dever ser fixada a indemnização no valor, a actualizar, de € 242.335,60.
A expropriante interpôs recurso de apelação desta decisão, terminando a alegação de recurso com as seguintes conclusões:
1ª- O artigo 23° do Código das Expropriações define um princípio elementar para a determinação do valor da indemnização, ao estabelecer que esta é fixada em função dos factos (e circunstâncias) registadas no momento em que é produzida a declaração de utilidade pública;
2ª- Os peritos, atendendo a esses factores e aplicando a legislação em vigor, designadamente o PDM de Vila franca de Xira, que integrava o prédio em RAN, classificaram a parcela a expropriar como solo apto para outros fins, por aplicação do artigo 25° do Código das Expropriações;
3ª- Não é verdade que o Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) tenha, em Outubro de 2000, pago € 33,45/m2, por solo rústico, tal como alegam, reiteradamente os expropriados;
4ª- Ao aceitar tal como válido sem se pronunciar sobre as explicações apresentadas pela entidade expropriante, o tribunal a quo cometeu uma nulidade, por omissão de pronúncia (al. d) do n.º 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil);
5ª- Dado que não foi possível obter os dados necessários para proceder ao cálculo conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 27°, o valor do solo da parcela devia ser calculado de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo;
6ª- Com efeito, os peritos deveriam ter tido em atenção o rendimento efectivo ou possível do solo, no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do mesmo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo;
7ª- Os peritos ao invés de seguirem a metodologia de avaliação estipulada no n.º 3 do artigo 27°, com o cálculo do rendimento possível de obter naquele solo, utilizam uma metodologia semelhante à estipulada no n.º 12 do artigo 26° para solos de verde urbano ou zona verde, aplicável apenas a solos aptos para construção, não a solos para outros fins e inseridos na RAN, ainda que os mesmos se situem na proximidade de um perímetro urbano ou industrial;
8ª-Afigura-se errado classificar o solo da parcela como para outros fins e de seguida avaliá-lo como se fosse um solo apto para a construção (n.º 12 do artigo 26° do Código das Expropriações de 99);
9ª- Afigura-se igualmente errado que na formação do preço unitário de um solo da RAN, que se trata de um regime que visa preservar os melhores solos do país para a actividade agrícola, se considere: 30% de solo para habitação; 40% de solo para armazéns e só 30% de solo para culturas de sequeiro.
Termos em que pretende a alteração da sentença.
Nas contra-alegações os expropriados formulam as seguintes conclusões:
1ª- A nulidade por omissão de pronúncia é o antitético do dever de pronúncia consagrado no artigo 660º, n.º 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua consideração, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução dada a outras;
2ª- A douta sentença impugnada conheceu de todas as questões essenciais à decisão, sendo certo que a matéria a que o recorrente faz referência como estando em situação de non liquet – a problemática de saber se o valor pago pelo ICOR em Outubro de 2000 (de 33,45 m2/m2) se destinou ao pagamento de solos rústicos ou urbanos – não se reconduz ao conhecimento do pedido, da causa de pedir ou a matéria de excepção nunca podendo gerar nulidade da decisão mesmo que o tribunal sobre a mesma não emitisse pronúncia (o que não sucedeu);
3ª- Ao contrário do que parece pretender o recorrente, o tribunal não está obrigado a emitir pronúncia expressa e individualizada sobre toda e cada uma das questões apresentadas pelas partes aos peritos;
4ª- Basta atender à matéria de facto alinhada nos pontos 14, 15 e 16 da douta sentença recorrida para se concluir sem margem para qualquer dúvida que o tribunal a quo decidiu a matéria que o recorrente afirma não ter decidido, tendo julgado no sentido de que o valor pago pelo ICOR em Outubro de 2000 (de 33,45 /m2) se destinou ao pagamento de solos rústicos, inexistindo por isso qualquer tipo de vício ou irregularidade omissiva a imputar à decisão recorrida – vd. pontos 14, 15 e 16 da sentença;
5ª- No relatório pericial unânime apresentado junto do tribunal a quo, os peritos consideraram, entre outros factores e elementos de relevo para a determinação do valor dos solos (que qualificaram como solos aptos para outros fins que não construtivos), os decorrentes da aplicação directa da metodologia estabelecida no artigo 27º do Código das Expropriações, o que se afigura resultar claro do relatório pericial e respectivos esclarecimentos;
6ª- Nada impede que na avaliação de um terreno rústico, para além do critério previsto no artigo 27º do Código das Expropriações, os peritos recorram, ainda que por analogia, a todos os demais referenciais que a lei estabelece para todas e cada uma das categorias de solos, desde que por essa via sirvam o propósito de alcançar objectivamente uma avaliação justa do bem a expropriar;
7ª- Os critérios que a lei estabelece para a determinação do valor dos bens expropriados – de prédios urbanos e de prédios rústicos – têm de ser entendidos, sob pena de inconstitucionalidade, como simples pontos de referência, destinando-se tão-só à obtenção de um padrão de cálculo e sem intenção de pôr limites à justa indemnização (cfr. José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, 1997, pág. 167 e jurisprudência aí citada), pelo que improcede o erro de direito que o recorrente vem imputar ao relatório pericial e à sentença recorrida;
8ª- Como resulta das respostas dos Senhores Peritos aos quesitos dos expropriados e se encontra documentado nos autos, o ICOR – a quem sucedeu a EP aqui recorrente – no ano de 2000, quando o mesmo prédio expropriado e estando então em causa, também, solos rústicos inaptos para construção – cfr. respostas dos peritos aos quesitos 6º, 7º e 8º dos expropriados e pontos 14, 15 e 16 da matéria de facto – avaliou e pagou tais solos à razão de € 33,45/ m2 – o mesmo valor que, actualizado, serviu de base à fixação da indemnização por parte da sentença recorrida;
9ª- Improcede o erro de julgamento imputado pelo recorrente à sentença recorrida, não enfermando esta, nem o relatório pericial em que esta se suporta, de qualquer erro na fixação do valor indemnizatório da parcela expropriada, sendo certo que nada existindo nos autos que possa contrariar o entendimento técnico da avaliação efectuada unanimemente pelos peritos do tribunal, da entidade expropriante e da expropriada, com especial preparação técnica para o efeito, o tribunal, em princípio, embora livremente, deve acolher aquele entendimento técnico (cfr., entre outros, o Ac. TRL 3/12/2009, processo no 588/04.7TBSSB.L1-8, in www.dgsi.pt);
10ª- Ao vir alegar ser "totalmente falso que o Instituto para a Conservação Rodoviária (ICOR) tenha, em Outubro de 2000, pago € 33,45/m2 por solo rústico, tal como alegam reiteradamente os expropriados" (vd. pág. 6 das alegações de recurso e conclusão 3ª), estribando aí um erro de direito que imputa à sentença recorrida na fixação do valor indemnizatório, a recorrente falta conscientemente à verdade fazendo-o com dolo ou, pelo menos, com negligência grave, pois não pode ignorar que à data foram por si expropriadas duas parcelas desse mesmo prédio – uma urbana (parcela 23.1) paga a € 82/m2 e uma rústica (parcela 23) paga a € 33,45/m2;
11ª- Ao produzir tal alegação, que não pode deixar de saber ser falsa, o recorrente litiga de má fé, devendo enquanto tal ser condenado em multa e indemnização, ex vi dos artigos 456º e 457º do Código de Processo Civil;
12ª- A recorrida pode juntar documentos com a sua alegação destinados a fazer prova da litigância de má fé em que actua o recorrente, manifestada na sua alegação – o que esta faz com as presentes contra-alegações juntando aos autos os documentos adiante anexos.
Termina pedindo a manutenção da sentença e a condenação da recorrente como litigante de má fé e na consequente multa e indemnização em quantia a arbitrar segundo o prudente critério do tribunal.
II- Fundamentação
Na sentença recorrida foi considerada como provada a matéria de facto que, seguidamente, se indica:
1- Por despacho n.º 14717-A/2004, de 29 de Junho de 2004, do Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, publicado na II Série do Diário da Republica, n.º 171, de 22 de Julho de 2004, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de um conjunto de parcelas de terreno e ocupações temporárias, necessárias à execução da obra da E.N. 115-5 – ligação MARL ao IC2 –, tendo a declaração de utilidade pública com carácter de urgência sido renovada e rectificada pelo despacho n.º 24262-C/2005, de 7 de Novembro de 2005, publicado na II Série do Diário da República, n.º 226, de 24 de Novembro de 2005;
2- Do referido despacho inclui-se a parcela n.º 1, terreno com a área de 6.428m2, a destacar de um prédio rústico, sito na freguesia de Vialonga, concelho de Vila Franca de Xira, inscrito na matriz predial rústica na freguesia de Vialonga, sob o artigo ..., da Secção BB (parte), do 2° Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira, Alverca do Ribatejo, e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n.º ..., Livro …, a fls. 5, sob a ficha .../...;
3- Os expropriados “A” e “B” eram proprietários da parcela n.º 1 expropriada;
4- O auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam foi realizado em 16 de Agosto de 2004;
5- A entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela em questão em 11 de Maio de 2005;
6- A parcela expropriada, à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, confrontava a Norte com estrada, a Sul com “C” e outros, a Nascente com “A” e a Poente com “D” , Lda., Herdeiros de ... e outros;
7- A parcela expropriada, à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, possuía a área de 6.428 m2, com a configuração de uma faixa com cerca de 130 m de comprimento e uma largura média de 50 m, encontrando-se integrada em solos de origem basáltica, de textura franco-argilosa, da classe B/C de capacidade de uso, com boa aptidão para a produção de culturas arvenses de sequeiro, mas com potencialidade para aproveitamento com culturas regadas;
8- A parcela expropriada era praticamente plana, estava inculta e revestida de vegetação espontânea de natureza herbácea;
9- A parcela expropriada confinava com a E.N. 115-6 e com a variante de Vialonga;
10- A parcela expropriada não possuía benfeitorias, nem infra-estruturas urbanísticas, no entanto nas imediações do prédio, nomeadamente a E.N. 115-5, via asfaltada, que confronta com o prédio do Norte dispunha de: a) rede de abastecimento domiciliário de água; b) rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão e iluminação pública; c) rede de saneamento; d) rede de drenagem de águas pluviais; e) rede telefónica;
11- À data da DUP a parcela expropriada estava inserida em Reserva Agrícola Nacional – RAN de acordo com o PDM de Vila Franca de Xira;
12- A parcela expropriada é servida por acesso rodoviário, com pavimentação alcatroada, rede de água potável, saneamento, com colectores, energia eléctrica, esgotos pluviais e de águas negras, com ligação a ETAR, gás e telecomunicações telefónicas;
13- A parcela expropriada situa-se a 200 metros do MARL;
14- O prédio de que faz parte a parcela expropriada é o mesmo prédio que já foi objecto de expropriação por parte do ICOOR no âmbito da beneficiação da EN 115-5 entre o km = + 900 e km 3+000 (MARL) ao abrigo da DUP no DR da II Série n.º 186, de 11/8/99;
15- A parcela desse prédio que foi então expropriada tinha a área de 559 m2, tendo o ICOOR pago aos expropriados o valor de € 18.697,40;
16- Os solos da citada parcela não tinham aptidão construtiva, nem eram solos aptos para construção.
Como resulta do disposto nos artigos 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Sendo assim no recurso cumpre apreciar se se verifica a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia e se se justifica o cálculo da indemnização constante da avaliação e aceite na sentença, designadamente por a parcela expropriada ter sido classificada como solo para outros fins e ter sido avaliada como se fosse um solo apto para a construção.
Ponderando o disposto nos artigos 660º, n.º 2, 1ª parte, 668º, n.º 1, al. d), e 690º-A do Código de Processo Civil não se verifica tal nulidade.
Com efeito ainda que se pudesse afirmar que o tribunal aceitou que a parcela indicada no ponto 15 supra fosse constituída por solo rústico, a questão não seria de omissão de pronúncia, antes seria de impugnação da matéria de facto.
Por outro lado, mais precisamente, sucedeu que na sentença, aliás como na avaliação, se tomou em consideração, contra a posição defendida pela recorrente, o preço de aquisição dessa parcela para a formação do juízo sobre a indemnização.
Assim esta ponderação não releva da invocada nulidade, diferentemente a questão consiste em apreciar se essa matéria foi justamente ponderada para estabelecer a indemnização.
Passando a esta apreciação verifica-se que na avaliação os peritos, considerando estar a parcela inserida na reserva agrícola nacional à data da declaração de utilidade pública, classificaram a parcela como solo apto para outros fins.
Na sentença igualmente se entendeu haver «que concluir que, como os senhores peritos fizeram unanimemente, que a parcela expropriada é constituída por solo apto para outros fins.».
Também as partes não questionaram esta classificação.
Em todo o caso cabe referir que os artigos 8º, n.º 1, al. a), e 9º, n.ºs 2, als. b), c) e d), e 3, do Decreto-Lei n.º 196/98, de 14 de Junho, vigentes à data da declaração de utilidade pública, determinavam que os solos da reserva agrícola nacional (RAN) deviam ser exclusivamente afectos à agricultura e assim proibiam todas as acções que pudessem diminuir ou destruir as suas potencialidades agrícolas, designadamente obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações, sem prejuízo de habitações para fixação em regime de residência habitual dos agricultores em explorações agrícolas viáveis, desde que não existissem alternativas válidas de localização em solos não incluídos na reserva agrícola nacional, de habitações para utilização própria e exclusiva dos seus proprietários e respectivos agregados familiares, quando se encontrassem em situação de extrema necessidade sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna e daí não resultassem inconvenientes para os interesse tutelados com a instituição da reserva agrícola nacional, de vias de comunicação, seus acessos e outros empreendimentos ou construções de interesse público, desde que não houvesse alternativa técnica economicamente aceitável para o seu traçado ou localização.
Com o Decreto-Lei n.º 73/2009, de 14 de Junho, como decorre do disposto nos seus artigos 20º, 21º e 22º, os solos da reserva agrícola nacional (RAN) continuam afectos à agricultura, são áreas non aedificandi, neles são interditas todas as acções que diminuam ou destruam as potencialidades para o exercício da actividade agrícola das terras e solos, tais como operações de loteamento e obras de urbanização, sem prejuízo de se poderem verificar utilizações não agrícolas, quando não exista alternativa viável fora das terras ou solos da reserva agrícola nacional no que respeita às componentes técnica, económica, ambiental e cultural, devendo localizar-se nas terras e solos classificadas como de menor aptidão e quando esteja em causa, nomeadamente, a construção ou ampliação de habitação para residência própria e permanente de agricultores em exploração agrícola, a construção ou ampliação de habitação para residência própria e permanente dos proprietários e respectivos agregados familiares, com os limites de área e tipologia estabelecidos no regime da habitação a custos controlados em função da dimensão do agregado, quando se encontrem em situação de comprovada insuficiência económica e não sejam proprietários de qualquer outro edifício ou fracção para fins habitacionais, desde que daí não resultem inconvenientes para os interesses tutelados com a instituição da reserva agrícola nacional, obras de reconstrução e ampliação de construções já existentes, desde que estas já se destinassem e continuem a destinar-se a habitação própria, obras de construção, requalificação ou beneficiação de infra-estruturas públicas rodoviárias.
Estas «restrições inviabilizam a faculdade dos proprietários dos terrenos incluídos nas áreas de reserva agrícola nacional de os destinarem à construção de edifícios urbanos»[1] ou, de outro modo, a «pertença de um terreno à Reserva Agrícola Nacional implica praticamente a eliminação do direito do proprietário a nele construir edificações urbanas e, bem assim, a de qualquer expectativa razoável de desafectação do mesmo, a fim de, libertado dessa vinculação, ser destinado ao mercado da construção imobiliária.»[2].
Deste modo pode-se afirmar que um «solo apto para construção é, assim, aquele que apresenta condições materiais e jurídicas que permitam a construção»[3]
Sendo assim, ponderando o disposto nos artigos 23º, n.º 1, e 26º, n.º 1, do Código das Expropriações, não é possível calcular o valor do solo da parcela em causa nesta expropriação, porque integrada na reserva agrícola nacional, por referência à construção que nela seria possível efectuar, se não tivesse sido sujeita a expropriação, num aproveitamento económico normal de acordo com as leis e os regulamentos em vigor.
Consequentemente, face ao disposto no artigo 25º, do Código das Expropriações, não resta senão também aceitar a classificação da parcela expropriada como solo para outros fins.
O valor do solo para outros fins, de acordo com o disposto no artigo 27º, n.º 1, do Código das Expropriações, deve resultar da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica.
Para o caso de não ser possível aplicar o antecedente critério de avaliação por falta de elementos, estabelece o n.º 3 do artigo 27º, n.º 1, do Código das Expropriações, que o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.
Cumpre relevar que o valor do solo para outros fins deve começar por ser apurado entre prédios com as mesmas características e que, assim, a utilização, como critério de avaliação, de «outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo» não pode servir, quando se comparem valores de aquisição de prédios, para subverter a exigência da sua identidade de características.
Na avaliação os peritos, como esclareceram e resulta do documento que anexaram aos esclarecimentos que prestaram, no cálculo da indemnização devida pela expropriação da parcela em causa consideraram os elementos constantes dos pontos 14 a 16 supra, ou seja existência de um valor de aquisição oficial de € 33,45 por metro quadrado (3.748.500$00 = € 18.697,40: 559m2), actualizado para € 37,70, pago pelo Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR).
Simplesmente não está provado, nem sequer está alegado pelos expropriados, que a parcela indicada no ponto 15 supra estivesse integrada na reserva agrícola nacional à data da declaração de utilidade pública que lhe respeita.
Consta, diga-se, da vistoria ad perpetuam rei memoriam que o prédio, de que foram extraídas as parcelas expropriadas, a dos autos e a indicada no ponto 15 supra, se encontra inserido na reserva agrícola nacional.
Todavia, ponderando o disposto no artigo 349º do Código Civil, esta constatação não permite concluir que a parcela indicada no ponto 15, à data da respectiva declaração de utilidade pública, 11/8/99, integrasse, só por ter sido extraída do prédio, a reserva agrícola nacional.
Com efeito é sabido que se pode verificar que o mesmo prédio tenha parte do seu solo incluído na reserva agrícola nacional, tendo outra parte livre dessa reserva.
Consta do ponto 16 supra que o solo dessa parcela não tinha aptidão construtiva, nem era solo apto para construção.
Esta afirmação, totalmente conclusiva, não corresponde a qualquer das categorias de solo previstas no artigo 25º do Código das Expropriações.
Por outro lado da circunstância do prédio ser rústico, visto o disposto no artigo 204º, n.º 2, do Código Civil, nada se retira para classificar como solo para outros fins a parcela indicada no ponto 15 supra.
Com efeito nada impede que o prédio rústico, isto é uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, possa ser classificado como apto para construção do acordo com os critérios do Código das Expropriações.
Deste modo nada demonstra que a parcela indicada no ponto 15 supra, à data da declaração de utilidade pública que lhe respeita, devesse ser classificada como solo para outros fins dentro do critério do artigo 25º do Código das Expropriações.
Consequentemente, não se podendo afirmar a parcela indicada no ponto 15 supra como solo para outros fins, não se podendo afirmar esta identidade essencial para efeitos de cálculo da indemnização devida pela expropriação, o preço de aquisição dessa parcela, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 27º do Código das Expropriações, não deve servir como circunstância objectiva a considerar no cálculo da indemnização devida pela expropriação da parcela em causa.
Consequentemente na avaliação os peritos utilizaram, incorrectamente, o preço de aquisição da parcela indicada no ponto 15 supra como critério da avaliação.
Cabe, aliás, referir, ponderando o disposto no artigo 23º, nº 5, do Código das Expropriações, que nem sequer se decidiu dever o preço de aquisição dessa parcela ser utilizado na avaliação.
Efectivamente, visto o disposto no artigo 660º, n.º 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil, a sentença considerou esse elemento, mas não ponderou a questão da sua utilização como critério de avaliação para se decidir pela sua consideração e, aliás, os expropriados no requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral não formulam devido requerimento a solicitar tal decisão, limitam-se, apenas, a alegar a ocorrência dessa aquisição para demonstrarem a alegada subavaliação da parcela expropriada.
Estando a parcela expropriada classificada como solo para outros fins, face ao disposto no artigo 26º, n.º 1, do Código das Expropriações, não deve a possibilidade de nela construir, designadamente a possibilidade de a destinar na proporção de 30% para habitação e na proporção de 40% para armazéns, intervir para proceder à avaliação do valor do seu solo para cálculo da indemnização devida pela expropriação.
Na verdade «só devem avaliar-se os solos como aptos para construção quando, do ponto de vista físico e legal, é possível e admissível construir nesses terrenos, sem ficcionar uma potencialidade que os mesmos não têm, não podem ter, nem se perspectiva, como possibilidade próxima ou imediata, que a possam vir a ter.»[4].
Aliás nem é possível avaliar o valor do solo da parcela expropriada para cálculo da indemnização devida pela expropriação tomando em consideração o disposto no artigo 26º, n.º 12, do Código das Expropriações, que estabelece que sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos ser calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela objecto de expropriação.
Esta disposição visa «salvaguardar as legítimas expectativas dos expropriados adquirentes de prédios que na altura da respectiva aquisição podiam utilizá-los na construção de imóveis e em função disso porventura tenham por eles pago o preço conforme com essas circunstâncias e que, por virtude dos referidos planos, deixaram de lhes poder dar essa utilização.
Por isso, não interfere o mencionado normativo com a avaliação dos terrenos em geral para efeito de expropriação, designadamente em razão de restrições da sua utilização em termos de urbanização ou de construção.»[5].
Efectivamente esta disposição trata «de solos que, não fosse a sua nova afectação por algum dos referidos planos gerais, regionais ou municipais de ordenamento do território, integrar-se-iam, dadas as suas componentes objectivas, na classificação de solo apto para a construção.
Em consequência, por virtude da não verificação da necessária similitude situacional, não pode aplicar-se à avaliação da parcela de terreno expropriada em causa, por analogia o normativo do nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações.»3.
É precisamente o caso dos autos, pois nada demonstra quaisquer expectativas dos expropriados frustradas com a inclusão da parcela expropriada na reserva agrícola nacional a proteger com a aplicação do critério valorativo constante do artigo 26º, n.º 2, do Código das Expropriações.
Aliás nem os expropriados sequer alegam que a parcela expropriada, antes da sua inclusão na reserva agrícola nacional, se encontrava em condições de ser classificada como solo apto para construção de acordo com os critérios do Código das Expropriações.
De resto já se decidiu «julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição, as normas contidas no nº 1 do artigo 23° e no nº 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999), quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação»[6].
Consequentemente na avaliação os peritos, como esclareceram, incorrectamente equipararam a parcela a uma zona verde para utilizar o artigo 26º, nº 12 do Código das Expropriações, como critério da avaliação.
A peritagem, assim, não procede à avaliação da parcela como solo para outros fins, verdadeiramente omite a sua avaliação de acordo com os critérios previstos no artigo 27º do Código das Expropriações, para a estabelecer de acordo com critérios próprios de cálculo da indemnização do solo apto para construção, designadamente previstos no n.º 12 do artigo 26º do Código das Expropriações.
Deste modo as deficiências da peritagem, como a consideração do preço de aquisição da parcela indicada no ponto 15 supra, sem que se possa afirmar identidade entre essa parcela e a parcela expropriada em causa e sem decisão que, na falta dessa identidade, tenha mandado atender ao preço de aquisição dessa parcela, e a possibilidade de destinar a parcela expropriada a construção, ainda que ao abrigo do disposto no artigo 26º, n.º 12, do Código das Expropriações, tornam a avaliação imprestável para fixar a justa indemnização.
Com efeito o critério remanescente aplicado na avaliação, ou seja a valorização da parcela em € 1,50 por metro quadrado, partindo para o efeito do valor de € 5,00 por metro quadrado, decorrente da utilização da parcela na percentagem de 30% para cultura de sequeiro, não foi idealizado para ser utilizado por si só.
Sem o concurso dos demais critérios, as percentagens de utilização da parcela em 30% para habitação e em 40% para armazéns, esse critério torna-se insubsistente.
De resto a simples aplicação do valor de € 5,00 por metro quadrado á área da parcela expropriada redundaria num valor indemnizatório inferior ao fixado na arbitragem, enquanto a sua consideração ponderada, a título de exemplo, às taxas de 4% e 5%, indicadas pelos expropriados como adequadas para solos agrícolas, redundaria num valor indemnizatório superior ao peticionado resultante de preços de € 125,00 e € 100,00 por metro quadrado (€ 5,00:0,04, € 5,00:0,05). Nada demonstra, aliás, que essas taxas sejam adequadas ao rendimento apurado na arbitragem em atenção à utilização da parcela como parque de exposição de índole publicitária ou de equipamentos, máquinas agrícolas, ou de quaisquer outras actividades e que nela foi considerado à taxa de capitalização de 8%.
A este propósito cabe referir que os peritos consideraram elevada a taxa de capitalização de 8% aplicada a riscos inerentes a um rendimento do solo com possibilidade de arrendamento e outras utilizações não agrícolas, mas não indicaram que taxa de capitalização seria então a adequada para aplicar ao rendimento indicado na arbitragem.
Acresce que os peritos consideraram irrelevante responder a quesitos que inquiriam sobre a existência de sinais de aproveitamento agrícola nas parcelas expropriadas, das culturas nela existentes, das culturas mais adequadas ao solo da parcela tendo em conta a sua configuração, acessos, clima, características do solo e os aproveitamentos predominantes na zona envolvente, como consideraram prejudicada resposta a quesito que inquiria da taxa de capitalização que entendiam, justificadamente, dever ser aplicada para o cálculo do rendimento líquido anual.
A peritagem mostra-se, por falta de resposta a estas questões, incompleta.
A propósito das apontadas deficiências importa ter presente «que são os árbitros e peritos que com os seus conhecimentos técnicos em melhor posição se encontram para dizer da justa indemnização. Os seus laudos unânimes devem em princípio, porque envolvem questões técnicas, ser considerados um indicador seguro do que seja a justa indemnização, devendo por regra ser acatados, a menos que ocorra violação de lei, ou não forneçam nem contenham todos os elementos necessários à fixação da indemnização.»[7].
Certamente por isso, visto o disposto no artigo 61º, n.º 2, do Código das Expropriações, a peritagem é diligência instrutória de realização obrigatória, pelo que o tribunal não pode deixar de promover a supressão das apontadas deficiências, que aliás a expropriante requereu aquando dos esclarecimentos que apresentou à consideração dos peritos, as quais acabam por resultar no caso dos autos, em que a sentença acolheu a peritagem, na falta de elementos para fixar a justa indemnização que, ponderando o disposto no n.º 3 do artigo 25º do Código das Expropriações, sempre cumpre alcançar com o concurso oficioso do tribunal.
Essa insuficiência de elementos justifica, considerando o disposto no artigo 712º, n.º 4, do Código de Processo Civil[8], a ampliação da matéria de facto com nova avaliação da parcela expropriada, com os mesmos ou diferentes peritos, de acordo com os critérios do artigo 27º do Código das Expropriações, expurgada das apontadas deficiências da consideração do preço de aquisição da parcela indicada no ponto 15 supra e da possibilidade de a destinar a construção, ainda que ao abrigo do disposto no artigo 26º, n.º 12, do Código das Expropriações, com resposta às questões ou quesitos acima indicados, sem prejuízo do tribunal, ao abrigo dos seus poderes de direcção e inquisitórios, colocar as questões que repute adequadas para a decisão, e, em consequência, cumpre anular os actos dependentes da integral realização da avaliação como as alegações produzidas pelas partes nos termos do artigo 64º do Código das Expropriações, a sentença e actos subsequentes.
Resta referir, em face do disposto no artigo 456º, n.ºs 1 e 2, Código de Processo Civil, e como decorre dos fundamentos desta decisão no tocante à consideração do preço de aquisição da parcela indicada no ponto 15 supra, que não pode proceder a pretendida condenação da expropriante como litigante de má fé. Efectivamente, mais do que a alegação constante da conclusão 3ª das alegações da expropriante, estava por esta colocada a questão da possibilidade da consideração daquele preço na formação do valor achado na avaliação.
III- Decisão
Pelo exposto anulam as alegações produzidas pelas partes nos termos do artigo 64º do Código das Expropriações, bem como os demais actos subsequentes dependentes da integral realização da avaliação, incluindo a sentença recorrida, com excepção do requerimento e despacho que conheceu da ampliação do pedido, para que se prossiga, com a avaliação da parcela expropriada com observação dos critérios do artigo 27º do Código das Expropriações e com suprimento, como referido, das aludidas deficiências e questões necessárias para a decisão.
Improcede a pretendida condenação da expropriante como litigante de má fé.
Custas pela parte vencida a final.
Processado em computador.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2010
José Augusto Ramos
João Aveiro Pereira
Manuel Marques
---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Ac. S.T.J., de 20/4/2006, processo 06B1092, www.dgs.pt. [2] Ac. T.C. n.º 243/2001, de 23/5/2001 vww.tribunalconstitucional.pt. [3] Ac. R.C., de 16/9/2008, processo 1793/03.9TBAND.C1, www.dgs.pt. [4] Ac. R.C., de 16/9/2008, processo 1793/03.9TBAND.C1, www.dgs.pt. [5] Ac. S.T.J., de 20/4/2006, processo 06B1092, www.dgs.pt. [6] Ac. T.C. n.º 275/2004, de 20/4/2004, vww.tribunalconstitucional.pt. [7] Ac. R.C., de 16/9/2008, processo 1793/03.9TBAND.C1, www.dgs.pt. [8] Vd. a propósito Ac. R.P., de 28/5/1987, C.J. 1987, III, 173, Ac. R.E, de 6/2/1992, C.J. 1992, I, 273,Ac. R.L., de 23/3/1995, C.J. 1995, II, 88.