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VENDA DE COISA DEFEITUOSA
IMÓVEL
DENÚNCIA
CADUCIDADE
PERITAGEM
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
PREÇO
Sumário
– No caso de venda de imóvel com defeitos, sendo o vendedor simultaneamente o construtor desse imóvel, são aplicáveis os prazos previstos no art. 1225º do Código Civil. – Tendo ocorrido infiltração e entrada de águas na fracção comprada e tendo o comprador denunciado de imediato a situação ao vendedor, o direito a pedir judicialmente indemnização ou eliminação dos defeitos deverá ser exercido no ano seguinte à denúncia. – Contudo, tendo a vendedora enviado um perito para apurar a existência e causa dos referidos defeitos, não é exigível à compradora exercer o mencionado direito antes de tomar conhecimento do relatório contendo as conclusões do perito em causa, até porque ignora se a vendedora, uma vez apurados tais defeitos, estará disposta a repará-los. – Datando o relatório desse perito de 21/3/2008 e tendo a compradora enviado uma carta à vendedora em 29/4/2008, enumerando os defeitos mencionados pelo perito e exigindo uma resposta da mesma vendedora até 6/5/2008 sob pena de recorrer à via judicial, o que acabou por fazer em 17/7/2008, não existe caducidade do direito da autora/compradora. – A falta de resposta da empresa vendedora, quer no prazo fixado quer posteriormente, até à entrada da acção em juízo, fez incorrer a vendedora numa situação de incumprimento definitivo, nos termos do art. 808º do Código Civil. – Incumprido definitivamente o dever de reparar os defeitos, por parte da vendedora/construtora, deverá proceder o pedido de redução do preço. – (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam no tribunal da Relação de Lisboa
Vem nos presentes autos B, Ld" pedir que seja reconhecido o incumprimento definitivo da Ré D na eliminação dos defeitos reconhecidos, procedendo-se à redução do preço no montante a liquidar em execução de sentença, e à condenação da mesma Ré a indemnizar a Aª dos prejuízos causados bem como dos danos morais sofridos.
Caso se entenda não existir incumprimento definitivo, deverá a Ré ser condenada a proceder à eliminação dos defeitos.
Alega a A. que adquiriu à R. um imóvel com defeitos, que a Ré não reparou.
Em sede de contestação, sustenta a R. que o imóvel não apresenta defeitos, assim impugnando a matéria vertida pela A. Por excepção, invoca a caducidade do direito da Aª.
O processo seguiu os seus termos, realizando-se o julgamento e vindo a ser proferida sentença que julgou procedente a excepção de caducidade, absolvendo a Ré dos pedidos.
Inconformada recorre a Aª, concluindo que:
- O regime normativo aplicável aos defeitos construtivos do prédio quando o vendedor tenha sido o seu construtor é o previsto no artigo 1225° do C.C , assim e desde logo a definição do quadro normativo aplicável foi mal determinado pelo Meritíssimo Juiz a quo, porquanto o que está em causa nos autos são defeitos construtivos num imóvel construído pelo próprio vendedor pelo que, não obstante inexistir contrato de empreitada entre as partes, o certo é que o regime aplicável é o constante a artigo 1225° do C.C e não o regime genérico de venda de coisas defeituosas previsto a artigos 914° e 916° do C.C.
- Nestes termos e de acordo com o correcto enquadramento aplicável, resulta que o regime especifico que consta do artigo 1225° tem de ser articulado e conjugado com as normas gerais que definem o regime da caducidade, em particular com o disposto nos artigos 331° nº2 (causas impeditivas de caducidade) e 329° do C.C (Começo do prazo).
- Ora, ainda nesta esteira de entendimento a realização de obras de reparação, implica desde logo o reconhecimento da existência de defeitos e como tal como causa impeditiva de caducidade nos termos do nº 2 do art. 331° do C.Civil. Vide Ac. TRL 3258/2008-7 de 13.05.2008 e 10086/2006-1 de 12.06.2007.
- No caso dos autos e perante a material de facto provada, é evidente que a denúncia dos defeitos do imóvel se verificou tempestivamente, dentro do ano seguinte à revelação dos reclamados defeitos de isolamento de água e respectivas consequências de infiltrações. Na verdade a escritura foi celebrada a 15 de Julho de 2003, e logo em Fevereiro de 2004, após reclamação efectuada pela Apelante efectuada em Dezembro de 2003, a Apelada procedeu a reparações no imóvel.
- Em Janeiro de 2005, a Apelante após novas infiltrações e manutenção dos defeitos efectuou nova denúncia, a Apelada entrou novamente no imóvel e efectuou novas reparações, porém imediatamente no ano seguinte a 10 de Fevereiro de 2006 com afluência de novas chuvas, uma vez mais a Apelante efectuou nova denúncia à Apelada o que uma vez mais gerou novas reparações e perante a sua ineficácia foi nomeado um perito para compilar os defeitos apontar as soluções técnicas de resolução definitiva dos defeitos.
- É um facto que a ocorrência de defeitos se deu dentro do prazo de garantia legal ( 5 anos); a questão que se procura dirimir com o presente recurso, para além do correcto enquadramento legal, é o da tempestividade do exercício judicial do direito de indemnização ou da eliminação dos defeitos.
- A acção não foi proposta no prazo de um ano seguinte a contar da denúncia originária, porém não pode ignorar-se a situação controvertida nos autos, pois o facto é que sendo tempestiva a primeira denúncia, relativamente ao momento inicial dos defeitos da coisa e ocorrendo estes dentro do prazo de garantia certo é que entre esse momento e o momento em que a Apelante propôs a Acção se verifica uma constante e ininterrupta cadeia de denúncias de vícios que determinaram repetidas reparações por parte da Apelada mas infrutíferas em relação à eliminação do defeito originário.
- A Apelada não partiu desde logo para a via judiciária dentro do prazo de 1 ano, contado da denúncia inicial, pois confiou legitimamente no compromisso assumido pelo vendedor/construtor aqui Apelada de que iria resolver os defeitos invocados e constatados e estarem em curso diversas intervenções técnicas aparentemente vocacionadas para tal finalidade. Curiosamente e porque de litígios análogos se tratam desde já fica citado por transcrição nossa o Acórdão do Supremo Tribunal De Justiça de 24.09.2009, 7ª Secção 2210/06.8TVPRT.S! "(. . .)Importa, desde logo, realçar que, na valoração do presente litígio e da conduta das partes , não pode deixar de se ponderar a natureza específica dos vícios da coisa: defeitos de isolamento a águas pluviais, integrando normalmente um defeito «oculto” ou não aparente, de verificação sazonal, em estrita conexão com os níveis de pluviosidade verificados, e de total remoção nem sempre fácil, dado o carácter insidioso que normalmente os defeitos de isolamento apresentam, podendo plausivelmente implicar operações e avaliações técnicas complexas e intervenções que nem sempre propiciam logo a cabal e integral reparação do vício. Sendo este o quadro factual subjacente ao litígio, é manifesto que a situação dos autos pode, desde logo, subsumir-se ao disposto no nº2 do art. 331º do CC, impedindo a caducidade o «reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido» (...)"
- Para além de ter ocorrido reconhecimento pelo vendedor dos defeitos da coisa e do consequente direito do comprador enquadrável no nº 2 do artigo 331° do C.C, não se inicia o prazo de 1 ano, contado da denuncia do defeito para agir em juízo, por carecer o Demandante Apelante, nesse momento, de interesse processual, perante a atitude do vendedor que se compromete a reparar e que ao longo do tempo repetitivamente o vai fazendo sem contudo lograr efectivar a sua remoção na totalidade e efectivamente ( artigo 329° C.C)
- Tendo sido oportunamente denunciados os defeitos e tendo a Apelada efectuado diversas tentativas de reparação, o certo é que ao nomear um perito por acordo com a Autora para levantamento e enunciação dos mesmos, criou naturalmente a convicção e a legítima expectativa de que os mesmos viriam a ser reparados. Aliás qualquer cidadão de boa fé seria levado a acreditar que atento a existência de outras reparações, e a marcação de uma vistoria para compilar todos os defeitos ainda existentes, seria com o único propósito de a Apelada de uma vez por todas resolver os problemas, pois de outra forma não precisava sequer de haver vistoria, não os aceitava e ponto final.
- Assim não pode toda a actuação da Apelada ao longo do tempo deixar de ser interpretada como o expresso assumir de que a coisa comprada padecia efectivamente - e no essencial - dos defeitos denunciados e se reconhecia o direito do comprador à remoção dos mesmos através das intervenções técnicas adequadas. No âmbito dos direitos disponíveis, o reconhecimento por parte da Apelada e a tentativa de reparar os defeitos, embora deficientemente, impede a caducidade relativamente ao direito decorrente dos vícios inicialmente notados , apenas se iniciando um novo prazo de caducidade - relativamente aos defeitos que a final subsistam, fundado precisamente no disposto a artigo 1225°, no momento em que o vendedor assuma clara recusa em proceder a novas reparações, alterando de forma cabal a posição que, originária e reiteradamente veio assumindo.
- A Apelante remeteu à Apelada uma carta admonitória em sede da qual fez uma última interpelação para a eliminação dos defeitos apurados e reconhecidos, por obras entretanto já executadas, ou na impossibilidade de eliminação dos defeitos, nomeadamente pala falta de capacidade técnica já demonstrada para o efeito pediu a Redução do preço sem prejuízo e da indemnização a resultar pela existência dos mesmos defeitos e prejuízos tidos com aqueles defeitos. E perante a falta de reacção e resposta da Apelada, contrariamente ao que sempre tinha acontecido, a Apelante percebeu que esta enjeitou as suas responsabilidades pela remoção dos defeitos e foi nesse momento que nasceu o seu interesse em agir.
- Nos termos do previsto a artigo 329º do C.C. o prazo de caducidade só começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido: Aderindo inteiramente ao entendimento expresso no Ac. do STJ de 18-5-2006 (in CJ nº 192, pag.91), “( ... ) considera-se que o prazo de caducidade só pode iniciar-se na data em que «os autores ficaram a saber que, enjeitando a ré qualquer responsabilidade pelos defeitos da obra detectados, dispunham de um ano para em juízo a convencer do contrário Antes disso, não pode com razoabilidade sustentar-se que o direito estava em condições de legalmente ser exercido (...)”. a falta do pressuposto processual «interesse em agir», por o direito invocado não estar, nesse momento, carecido de tutela judiciária, inexistindo um litígio actual e efectivo entre os contraentes - o qual, naturalmente, apenas se desencadeará no momento em que o vendedor, invertendo a posição inicialmente assumida, passar a recusar a existência e o dever de reparação dos defeitos da coisa que ainda subsistam."
16. O prazo de caducidade do direito accionado deve contar-se a partir da data da ultima interpelação da Apelante à Apelada, (29 de Abril de 2008), data em que a Autora ficou a saber que, enjeitando a Apelada qualquer responsabilidade pelos defeitos da obra detectados, dispunham de um ano para em juízo a convencer do contrário. Antes disso, não pode com razoabilidade sustentar-se que o direito estava em condições de legalmente ser exercido.
– Se as partes aguardam "um estudo para confirmar ou infirmar a existência dos defeitos e determinar as suas causas, claro está que, sem o estudo concluído e sem a definição exacta da posição dos contraentes face aos resultados obtidos, nenhum sentido faz aludir à caducidade; se esta, por assim dizer, é o morrer de um direito em consequência do esgotamento de um prazo, torna-se uma incongruência chamá-Ia à colação quando ainda não é seguro que ele, direito, tenha sequer nascido e ficado alojado na esfera jurídica do interessado. A este propósito vide acórdão do supremo Tribunal de Justiça (SJ200711270035811 http://www.dgsi.pthttp://www.dgsi.pt).
– Se a sua vontade era não aceitar e reparar os defeitos que se tornaram a revelar e denunciados em sede de segunda denúncia, que constitui para todos os efeitos uma nova denúncia, deveria, se fosse essa a sua decisão recusado expressamente e declinado responsabilidade, ou nada ter dito ou proposto, ficando a partir desse momento a Autora ciente da não aceitação e sem qualquer expectativa de resolução extrajudicial, e aí sim, começaria a correr o seu prazo para propositura de acção.
– Porém não foi esta a actuação da Ré, antes sim, optou por vistoria e estudo dos defeitos o que faz pressupor legitimamente que a sua vontade seria a da reparação, ou quanto muito diferia a sua decisão de aceitação ou não dos defeitos denunciados, para momento posterior, nomeadamente o da análise de relatório que viesse a resultar.
– Só partir desse momento nasceria o direito de acção da Autora e começaria a contar o seu prazo para a propositura da acção. Pois a Autora só constatou a não aceitação dos defeitos após a recepção do relatório e em função do teor do mesmo pela extinção do prazo conferido por carta admonitória enviada à Ré sem que esta algo respondesse.
– "0 Direito não pode estar ao serviço de quem, numa relação jurídica, viola o principio da confiança, e se quer aproveitar de uma conduta gerada pelo próprio que leva à inacção da outra parte em tempo oportuno - porque essa outra parte a Autora, não pode agir sem a Ré depois de interpelada, manifestamente lhe diga que não repara. ou os factos revelem indubitavelmente a sua recusa em fazer.
- Assim se conclui que não subjaz nos autos a verificação da excepção da caducidade do exercício do direito de acção pela Autora, invocada pela Ré, sendo manifestamente ofensiva dos princípios da boa fé e dos bons costumes tal arguição pela Ré o que consubstancia um comportamento subsumível à figura do " venire contra factum proprium", uma das formas que assume o abuso de direito, que é de conhecimento oficioso, não podendo a Ré ser premiada com essa situação, pelo que a excepção da caducidade deverá por direito e justiça improceder.
- Também e uma vez mais, com o devido respeito, considera a Apelante que o Mmo. Juiz a quo, não fez uma correcta apreciação da matéria de facto dada como provada e a respectiva aplicação das normas legais ao caso em apreço, o que legitima e fundamenta o presente recurso, na medida em que, quando a Apelante se refere a eliminação de defeitos no âmbito dos defeitos inicialmente existentes na cobertura, e dados como assentes a alínea G) e H) da base instrutória, deverá entender-se que o piso que foi removido foi o dessa cobertura, que constitui tecto da fracção aqui em causa e logradouro das fracções habitacionais existentes acima e de construção recuada face à fracção r/c dos autos, e não o piso da fracção em causa nos autos, porquanto esse continua com os defeitos invocados pelo que a resposta aos quesitos 6° a 10° não perecem em função daquelas alíneas porquanto são defeitos distintos que permanecem por reparar até hoje.
– Ora ao analisar a base instrutória, questionário de resposta à mesma e a sentença, constata-se que o Meritíssimo Juiz a quo, considerou que o piso enunciado de quesito 6° a 10º da base instrutória é o piso ( chão) da loja e armazém, o que não corresponde à verdade. As entradas de água eram pelo tecto e pelas paredes encostadas a terra e área sobre floreiras. Desde já se compreenda que, Cobertura de uma fracção é o tecto da mesma e o piso dessa cobertura, no caso em concreto, é o logradouro/terraço das fracções de construção recuada e que se situam imediatamente nos andares superiores ( trata-se de um prédio em propriedade horizontal e distribuído em vários pisos), e apenas esse piso do logradouro/terraço das fracções situadas ao nível do 1 ° andar foi reparado, o que obviamente passou a impedir que a água entrasse pelo tecto da loja sita no r/c.
- Por último, a Apelante considera que resulta da douta decisão recorrida clara contradição entre a decisão e a fundamentação que a pretende sustentar porquanto é dada como assente nova denúncia de defeitos em 2006 e consequente nomeação de perito ( alíneas D) E e F) )a fim de compilar os defeitos existentes e preparar a intervenção para eliminação dos mesmos, e em sede de sentença o Meritíssimo Juiz a quo dá como última comunicação entre as partes a denúncia e reparação efectuada em 2005.
- A fls. 41 a 43 dos autos mostra-se a comunicação da Apelante à Apelada, que lhe foi dirigida a 10.02.2006, denunciando novas infiltrações; no mesmo dia a Apelada responde via fax que vai reparar, para além de que um mês depois nomeia um Técnico a fim de relatar compiladamente todos os defeitos, apontar soluções a fim de removê-los eficientemente..
- Para além destas comunicações e reparações, ainda houve comunicação de fls. 52 a 54 efectuada em 2008 em sequência do resultado do relatório entregue pelo Perito no mesmo ano de 2008, ainda que se reporte a vistoria efectuada em 2006; o certo é que se a Apelada condicionou a eliminação dos defeitos a esta peritagem, obviamente que em 2008 quando o relatório é entregue o cenário dos defeitos existentes é se não o mesmo, será com certeza pior pelo decurso do tempo e continuação de infiltrações!
- Por ultimo não pode deixar de se apontar o facto de em sede de sentença nos factos provados nº 2, o Meritíssimo Juiz a quo, dar como provado que a Ré foi a Promotora, Construtora e Vendedora do imóvel em causa e ainda assim fazer o enquadramento jurídico do pleito nos termos em que faz e que obviamente o transporta para uma decisão inadequada e injusta por aplicação das normas erradas em que é manifesta a tábua rasa do que foi o relacionamento da Apelante e Apelada durante os 5 anos de garantia e o nascer do direito de Acção da Apelante.
A Ré contra-alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.
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Foi dado como provado que:
1 – A Aª, a 17/7/2003, adquiriu à Ré a fracção comercial designada pela letra G, localizada no piso -1 (menos um), integrada pelo alpendre localizado a norte do piso, bem como o logradouro localizado em toda a extensão da fracção no ângulo norte-leste do piso, onde se localizam os estabelecimentos exteriores identificados pelos números e toda a garagem, localizada no piso menos um, onde se situam os estacionamentos números, com a área total de 692,50 m2,….
2 - A Ré foi a Promotora da Construção e da Venda do imóvel em causa.
3 - O LREC fez o relatório e entregou à Autora em Abril de 2005 - que o deu a conhecer à R. - e o Sr F fez o seu relatório em 2008 com base numa visita em 2006, tendo a Autora contactado por diversas vezes com este técnico após a sua deslocação de Março de 2006.
4 - A Ré recebeu a carta constante de fls. 77 a 79, que aqui se dá por reproduzida.
5 - Entre as partes foram produzidas as comunicações constantes de fls. 26 a 30, 41 a 44 e 52 a 54, que aqui se dão por reproduzidas.
6 - O Sr. F, perito nomeado pela R., que se deslocou à fracção no dia 15 de Março de 2006, elaborou o relatório junto a fls. 45 a 51, que aqui se dá por reproduzido.
7 - Após a intervenção da R., em 2005, as águas que entravam pela cobertura, deixaram de existir, porquanto todo o piso da mesma foi removido, a superfície foi impermeabilizada e foi colocado novo revestimento no chão.
8 - Para além da correcção dos defeitos ao nível da cobertura que ficaram eficazmente solucionados pela R., houve trabalhos de reparação do chão do armazém e dos tectos falsos, bem como nas paredes.
9 - Dá-se por reproduzido o relatório do LREC, de fls. 31 a 40.
10 - Logo em Dezembro de 2003, a Autora apercebeu-se de defeitos de construção a nível do interior e exterior da loja, nomeadamente: tectos falsos a abrir fendas, bolhas nas pinturas de tectos e paredes, fissuras nas paredes e chão, infiltrações de água através da laje e da ventilação.
11 - A Ré, em resposta às queixas da Autora, enviou a Fevereiro de 2004 trabalhadores à loja, a fim de reparar os defeitos apontados.
12 - Os problemas de fissuras e bolhas mantiveram-se.
13 - Em 2005 ocorreram entradas de água pela laje e paredes.
14 - Tal ocorrência foi de imediato informada à empresa Ré, que enviou um mestre à loja a fim de apurar a origem da entrada da água.
15 - Quanto à falta de impermeabilização das paredes laterais do imóvel, por estarem encostadas directamente à terra, nada foi feito.
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Cumpre apreciar.
O presente recurso, além de incidir sobre parte da matéria de facto dada como assente, visa contrariar a perspectiva jurídica da sentença recorrida, ao julgar procedente a excepção de caducidade.
Estamos perante um contrato de compra e venda de um imóvel, na qual viriam a ser detectados diversos defeitos, nomeadamente os referidos no nº 10 da matéria de facto dada como provada.
Entendeu o Mº juiz a quo ser aqui aplicável o disposto no art. 913º nº 1 do Código Civil, ou seja, a coisa vendida não apresenta as qualidades asseguradas pelo vendedor e padece de vícios que dificultam a realização do fim a que a mesma se destina.
Nos termos do art. 916º do mesmo diploma, o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou falta de qualidade da coisa no prazo trinta dias após o seu conhecimento e de seis meses após a entrega da coisa.
Tratando-se de um imóvel, como é aqui o caso, os prazos serão, respectivamente, de um e cinco anos.
Por outro lado, nos termos do art. 917º “a acção de anulação por simples erro caduca (...) decorridos seis meses sobre a denúncia ...”.
Como tem sido diversas vezes salientado, o prazo de caducidade aqui estabelecido aplica-se, não apenas à acção de anulação, mas também às acções que visem a reparação ou a substituição da coisa – ver entre outros o Acórdão desta Relação de Lisboa, de 19/1/89, sumariado in BMJ nº 383, pág. 596.
Foi com base nestes preceitos que a sentença recorrida julgou procedente a excepção de caducidade invocada pela Ré. Com efeito, entendeu-se que a Aª denunciou defeitos existentes na fracção adquirida à Ré, em Dezembro de 2003 e, após obras de reparação efectuadas pela mesma e aparecimento de novos defeitos, procedeu de imediato a nova denúncia em 2005. Assim, tendo a presente acção dado entrada em juízo em 17/7/2008, há muito se esgotara o referido prazo de caducidade.
Contudo, embora estejamos indubitavelmente perante uma venda de coisa defeituosa, no caso um imóvel, o regime a aplicar no tocante à caducidade não será o do art. 917º mas antes o do art. 1225º do Código Civil.
Com efeito, foi dado como provado que a Ré foi simultaneamente a construtora e vendedora da fracção de que ora nos ocupamos (nº 1 dos factos provados).
Uma vez que deparamos com um imóvel destinado a longa duração, o direito a pedir a indemnização ou a eliminação dos defeitos deverá ser exercido no ano seguinte à denúncia, face ao disposto nos nºs 2, 3 e 4 do art. 1225º.
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Diferente é a questão de saber quando se deve considerar iniciado tal prazo de caducidade.
Após a primeira denúncia da Aª, em Dezembro de 2003, a Ré enviou, em Fevereiro de 2004, trabalhadores para reparar os defeitos na fracção em causa (nºs 10 e 11 da matéria de facto provada).
Contudo, e como foi igualmente dado como provado, os problemas de fissuras e bolhas mantiveram-se e em 2005 ocorreram entradas de água pela laje e paredes.
Tendo a Aª de imediato informado a Ré.
A Ré enviou um mestre à fracção a fim de apurar a origem da entrada de água.
A mesma Ré enviou um perito, F, que se deslocou à fracção, a solicitação da Ré, em 15/3/2006.
O referido perito elaborou um relatório que, logo no início, refere: “O presente relatório visa averiguar os defeitos da obra que existem nas instalações B (...) cuja obra foi realizada pela empresa D.”
Ou seja, o mencionado perito, a solicitação da Ré, deslocou-se à fracção em causa nos autos, com vista a apurar quais os defeitos da obra realizada pela mesma Ré.
Os diversos defeitos estão enumerados a fls. 45 a 47 do relatório.
Este relatório apenas foi elaborado em 21/3/2008.
Entre os defeitos encontrados são mencionadas diversas fissuras no Armazém de Descargas, na Sala dos Técnicos de Fotocopiadoras e na zona exterior. Também são referidos vestígios de infiltrações no Armazém Interior e no Armazém de Descarga.
Estando provado que a Ré enviou um perito ao imóvel para averiguar quais os defeitos da obra que ela própria promoveu, parece evidente que, não só reconhece a possibilidade de tais defeitos como pretende identificá-los. De resto, a carta enviada pela Ré à Aª a 10/2/2006, mostra que a Ré está ciente do problema denunciado pela Aª – fissuras e entradas de água pela laje e paredes – e que pretende descobrir a sua origem.
Refere a este respeito Pedro Romano Martinez - “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, pág. 381: “Dever-se-á admitir que o reconhecimento do defeito, com promessa de solucionar o diferendo, constitui um impedimento da caducidade, pois não está em contradição com a letra do nº 2 do art. 331º e permite evitar que se considerem como válidas situações violadoras do princípio da boa fé, designadamente da regra do não venire contra factum proprium”.
É certo que o mesmo autor sublinha que o reconhecimento do defeito tem de ser claramente expresso, não bastando, por exemplo, que o vendedor ou empreiteiro requeira uma peritagem.
Contudo, a situação de facto que se nos depara é diversa da de um requerimento de peritagem.
Perante os defeitos denunciados pela Aª em 2005, a Ré procurou averiguar qual a origem dos problemas, como resulta da carta que enviou à Aª. E para tal enviou um perito à fracção. Um requerimento de peritagem é diferente, pressupõe desacordo e como tal a escolha por cada parte de especialistas que, após verificação da situação, irão emitir um veredicto.
No caso em apreço, a Ré decidiu enviar um especialista, Agente Técnico de Arquitectura e Engenharia – ver fls. 45 – não para dirimir um conflito com a Aª mas para habilitar a própria Ré a tirar a conclusão sobre a existência dos defeitos e qual a sua origem, objectivo que, como vimos, está claramente patenteado na parte inicial do relatório do mesmo perito.
Não se vê como poderia a Aª instaurar acção judicial contra a Ré quando é esta que tem a iniciativa de enviar um especialista para averiguar a existência de defeitos da obra. Enquanto o mesmo perito os não identificar, nem a Ré pode aceitar reparar seja o que for, nem a Aª pode requerer judicialmente a eliminação de defeitos cuja natureza ainda se ignora.
Tenha-se em conta que o que a Aª denunciou foram os efeitos dessas deficiências de construção, nomeadamente a entrada de águas na sua fracção. Mas as causas, ou seja, as deficiências propriamente ditas, só seriam conhecidas a partir do momento em que o perito enviado pela Ré elaborasse o seu relatório e dele desse conhecimento às partes.
Na carta enviada à Aª em 10/2/2006, após a denúncia desta relativa à entrada de águas na fracção, a Ré evidencia a vontade de se inteirar da situação e encontrar uma solução como “forma de evitar o sucedido”.
Posteriormente, a Ré envia um perito para apurar quais os defeitos da obra.
Entendemos que estas atitudes configuram o reconhecimento da existência dos problemas denunciados, a vontade de identificar as suas causas e de as resolver.
Ou seja, ocorre a causa impeditiva da caducidade prevista no art. 331º nº 2 do Código Civil.
A não se entender assim estaríamos a abrir a porta a um estratagema fácil por parte de empreiteiros ou vendedores quando confrontados com a denúncia de defeitos: bastaria anunciar ao comprador ou dono da obra que iam enviar um perito para analisar a situação, fazer com que tal peritagem ultrapassasse os prazos de caducidade e vir depois, em flagrante má fé, invocar tal caducidade.
Quanto ao comprador ou dono da obra, ficaria de mãos atadas: não podia accionar a parte contrária – que enviara o perito – porque ainda não sabia se a mesma, uma vez conhecedora dos defeitos, procederia ou não à reparação. E quando finalmente o perito indicasse os defeitos e o vendedor/empreiteiro se recusasse a proceder a qualquer reparação, já teria decorrido o prazo para interpor a acção.
Não é aceitável uma interpretação da lei que tolere as condutas de má fé e até as facilite.
Assim, verificando-se o factor impeditivo da caducidade, o prazo desta só se inicia a partir da data do relatório do perito, 21/3/2008. A acção deu entrada em 17/7/2008, muito antes pois do decurso de um ano previsto no art. 1225º do Código Civil.
Improcede pois a invocada excepção de caducidade.
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Quanto à impugnação da matéria de facto.
Insurge-se a recorrente com a resposta dada aos quesitos 6º a 10º. O Mº juiz a quo respondeu a estes quesitos do seguinte modo: “Provado o que consta das alíneas G) e H)”.
Na fundamentação das respostas à base instrutória, referem-se os depoimentos do técnico F, Engenheiro G do Laboratório Regional de Engenharia Civil e de E, funcionário da Aª.
No seu recurso, a Aª tece diversas considerações relativamente à cobertura de que tratam os mencionados quesitos, alegando ter havido confusão do tribunal recorrido.
Contudo, não indica quais os meios de prova que deveriam ter conduzido às respostas que pretende. Aliás, nem sequer indica com clareza que tipo de respostas entende que deveriam ter sido dadas, o que não deixa de tornar a questão algo confusa, tanto mais que os quesitos em causa foram elaborados seguinte fielmente o alegado pela Aª na petição inicial.
Não tendo a recorrente dado cumprimento ao disposto no art. 690º-A nº 1 a) e b) e nº 2 do CPC, o recurso terá, nesta parte, de ser rejeitado.
Cumpre finalmente abordar a questão relativa ao mérito da própria acção.
A Aª peticiona que se reconheça o incumprimento definitivo da Ré na reparação dos defeitos, procedendo-se à redução do preço no montante a liquidar em execução de sentença, bem como condenando-se a Ré a pagar à Aª uma indemnização pelos prejuízos causados bem como pelos danos morais sofridos.
Caso não se entenda existir incumprimento definitivo, peticiona a Aª que seja a Ré condenada a eliminar os defeitos.
Apresentado o relatório do perito, em 21/3/2008, a Aª enviou, em 29/4/2008, uma carta à Ré solicitando a rápida reparação e eliminação dos defeitos que enumera, fixando um prazo para resposta da mesma Ré até 6/5/2008.
A Ré não respondeu (de resto, na sua contestação, não alega sequer tê-lo feito).
O incumprimento considera-se definitivo quando o credor, em função da mora, perder o interesse na prestação ou quando esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor – art. 808º nº 1 do Código Civil.
A carta da Aª, enumerando os defeitos referenciados no relatório do perito enviado pela própria Ré, faculta um prazo a esta um prazo para resposta, com vista à reparação dos defeitos, resposta que nunca foi dada.
Tendo em atenção que o que a Aª exige, num primeiro momento, é uma resposta da Ré, o prazo concedido, embora curto, parece razoável. Seja como for, independentemente do prazo, a Ré teve a possibilidade de responder à solicitação da Aª, aceitando reparar os defeitos ou recusando tal reparação, até 17/72008, data de propositura da acção.
Devemos assim considerar que a mencionada carta integra um prazo admonitório e que, na ausência de resposta pela Ré, o incumprimento desta se tornou definitivo.
Sendo assim, fica excluída, nos termos do próprio pedido formulado pela Aª, a pretensão de reparação dos defeitos pela Ré.
De acordo com a factualidade assente, verifica-se que, por diversas vezes, a fracção sofreu entradas de água. A Ré procedeu a trabalhos de reparação na cobertura, que, a esse nível resolveram o problema. Contudo, em 2005, ocorreram novas entradas de água pela laje e paredes – nº 13 da matéria de facto. E, no tocante à falta de impermeabilização das paredes laterais do imóvel, nada foi feito.
É evidente que uma fracção destinada a loja não pode funcionar adequadamente se estiver sujeita a inundações por entradas de água. E que a Ré se apercebeu disto é igualmente evidente, uma vez que procedeu a reparações da cobertura.
Contudo e como se viu, o problema não ficou resolvido.
Estamos perante um defeito na coisa vendida, nos termos do art. 913º do CC.
Não sendo já viável a reparação, face ao incumprimento definitivo da Ré e aos termos em que a Aª configurou a sua petição, resta apurar do mérito daquilo que foi primordialmente peticionado.
E aqui, há que dizer que não resultaram provados danos materiais ou morais que justifiquem qualquer indemnização, nos termos do art. 1223º do Código Civil.
Ou seja, não estão enumerados prejuízos concretos – por exemplo, destruição ou deterioração de bens, perda de clientes, diminuição forçada de actividade, etc. - relativamente aos quais se pudesse fundamentar o dever de indemnizar.
Uma coisa é a existência de defeitos que, pela sua natureza impedem o uso da coisa vendida para o fim normal a que está destinada, outra coisa é o apurarem-se estragos e prejuízos resultantes, mediante nexo causal, de tais defeitos.
Do mesmo modo, nada consta da factualidade provada que permita, mesmo remotamente, falar de danos extra-patrimoniais.
Pouco importa que a Aª peticione tais indemnizações, relegando para liquidação em execução de sentença o cálculo do respectivo montante. A iliquidez da obrigação é perfeitamente admissível, desde que se possa fazer a determinação dos factores constitutivos de tal obrigação. Se tais factores não ficaram provados, a obrigação, líquida ou ilíquida, não chega sequer a constituir-se.
Terá pois de improceder o pedido relativo à condenação da Ré a indemnizar a Aª.
Resta a questão da redução do preço, prevista nos arts. 911º e 1222º do Código Civil.
Como sublinha Pedro Romano Martinez (op cit, pág. 359), “não pode ser exigida a redução do preço se a contraparte estiver disposta a eliminar o defeito ou a entregar uma prestação substitutiva. (...) a redução do preço só será pedida se não forem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra”.
No caso dos autos, como vimos, a Ré não procedeu à eliminação dos defeitos, sendo tal incumprimento definitivo. Justifica-se assim a peticionada redução do preço, a qual deverá ser fixada tendo em conta a diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da fracção incorporados os mencionados defeitos.
Não existindo quaisquer elementos que nos permitam aferir tal discrepância, a redução terá de ser liquidada em execução de sentença, mediante avaliação, nos termos do art. 884º nº 2 do Código Civil.
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Conclui-se assim que:
– No caso de venda de imóvel com defeitos, sendo o vendedor simultaneamente o construtor desse imóvel, são aplicáveis os prazos previstos no art. 1225º do Código Civil.
– Tendo ocorrido infiltração e entrada de águas na fracção comprada e tendo o comprador denunciado de imediato a situação ao vendedor, o direito a pedir judicialmente indemnização ou eliminação dos defeitos deverá ser exercido no ano seguinte à denúncia.
– Contudo, tendo a vendedora enviado um perito para apurar a existência e causa dos referidos defeitos, não é exigível à compradora exercer o mencionado direito antes de tomar conhecimento do relatório contendo as conclusões do perito em causa, até porque ignora se a vendedora, uma vez apurados tais defeitos, estará disposta a repará-los.
– Datando o relatório desse perito de 21/3/2008 e tendo a compradora enviado uma carta à vendedora em 29/4/2008, enumerando os defeitos mencionados pelo perito e exigindo uma resposta da mesma vendedora até 6/5/2008 sob pena de recorrer à via judicial, o que acabou por fazer em 17/7/2008, não existe caducidade do direito da autora/compradora. – A falta de resposta da empresa vendedora, quer no prazo fixado quer posteriormente, até à entrada da acção em juízo, fez incorrer a vendedora numa situação de incumprimento definitivo, nos termos do art. 808º do Código Civil.
– Incumprido definitivamente o dever de reparar os defeitos, por parte da vendedora/construtora, deverá proceder o pedido de redução do preço.
Assim e pelo exposto: Julga-se improcedente a excepção de caducidade invocada pela Ré. Julga-se igualmente improcedente o pedido de indemnização formulado pela Aª. Julga-se procedente o pedido de redução do preço, sendo tal redução determinada pela diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da fracção com os defeitos que se comprovaram. Tal redução será determinada por liquidação em execução de sentença, mediante avaliação, nos termos do art. 884º nº 2 do Código Civil.