INDEMNIZAÇÃO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
Sumário

I. Nos termos do art. 64º/7 do Decreto-Lei N.° 291/2007, de 21 de Agosto (na redacção do DL 153/08, de 6/8), os pedidos de indemnização relativos a perdas de rendimentos, em consequência de lesões sofridas em acidentes de viação, quer na fase de regularização extrajudicial, quer na fase judicial, devem ser feitos com base nos rendimentos que constarem das declarações oportunamente apresentadas para efeitos de IRS, no que respeita a salários e outras remunerações provenientes do trabalho.
II. Na indemnização devida por danos futuros, o grau de incapacidade sofrido pelo sinistrado será o primeiro, e quiçá, mais relevante elemento de ponderação a não perder de vista para arbitramento de uma indemnização adequada ao caso em juízo, já que o maior ou menor grau de desvalorização estará na ordem directa da menor ou maior capacidade de ganho, bem como do maior ou menor prejuízo para a progressão na carreira.
III. Outro elemento de toda a relevância será a idade do lesado à data do sinistro, já que a indemnização a fixar não pode deixar de tomar em linha de conta a esperança de vida profissional activa da vítima e até da própria esperança da sua existência para além do termo da actividade laboral.
IV. A indemnização por danos não patrimoniais será fixada segundo o prudente arbítrio do julgador, mas sem deixar, no seu julgamento, de tomar em consideração determinados elementos objectivos que no caso se verifiquem, tal como a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias do caso.
(Sumário do Relator - PR).

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I. OBJECTO DO RECURSO.
No Tribunal Cível da Comarca de Almada, A intentou a presente acção declarativa contra Companhia de Seguros B, alegando, em resumo, que sofreu um acidente de viação imputável a culpa do condutor segurado da ré, que lhe provocou danos patrimoniais e não patrimoniais, pelo que pede que a ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização global de € 97.500,00 (2.500 + 75.000 + 20.000), acrescida de juros de mora.
A ré, apresentou contestação, na qual aceitou a responsabilidade indemnizatória mas contestou a indemnização pedida, que considera exageradamente quantificada.
Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador, especificada a matéria assente e elaborada a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar à A a indemnização de € 77.500,00 acrescida de juros de mora.
Inconformada com a decisão, veio a R. interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - O concreto depoimento de que o metm.º juiz “a quo” se socorreu para dar como provado que a recorrida auferia um rendimento mensal de € 1.000,00, foi o depoimento do seu marido;
2ª – A A. conjuntamente com seu marido fizeram declarações de rendimentos para efeitos de i.r.s., referentes aos anos de 1999 e 2000;
3ª - Tais declarações foram juntas pela recorrida após tal ter sido requerido pela recorrente;
4ª - Através das declarações de rendimentos da A e de seu marido, verifica-se que ela auferiu, apenas, rendimentos por trabalho dependente;
5ª - A média mensal que auferiu durante os meses de 2000, em que trabalhou, anteriores à data do acidente foi superior à média mensal que declarou ter auferido no ano de 1999, respectivamente, de € 652,52 e € 595,59;
6ª - As declarações de rendimentos, para efeitos de i.r.s., juntas aos autos pela recorrida, opõem-se à prova que serviu de fundamentação ao metm.º juiz “a quo” para responder ao quesito formulado no nº. 28 da base instrutória, tendo esta resposta como concreto fundamento o depoimento do marido da A.;
7ª - Dado o disposto no artigo 376.º do código civil, em conjugação com o disposto na alínea b) do art.º. 712.º do código de processo civil, impõe-se que a resposta ao quesito 28 deve ser modificada por este venerando tribunal, passando nela a figurar o rendimento médio mensal auferido pela recorrida no ano de 2000, que foi de € 652,52, em substituição do valor de € 1.000,00 que nela consta;
8ª - Em face da idade da recorrida à data do acidente, que era de 36 anos, do grau de desvalorização de 15% por incapacidade permanente parcial de que ficou afectada, a recorrente entende que deve ser substituído o valor arbitrado pelo metm.º juiz “a quo” para ressarcimento dos danos patrimoniais, devendo ser atribuído por este venerando tribunal, a esse título, o valor de € 20.000,00 que constitui um valor equitativo como determina o artigo 494º do código civil e se mostra em consonância com a jurisprudência dos tribunais superiores;
9ª - A recorrida sofreu traumatismo da coluna cervical, tendo andado em tratamento cerca de três meses;
10ª - A referida lesão produziu-lhe dores que se quantificam entre 3 e 4 numa gradução de 1 a 7, conforme parecer do Instituto de Medicina Legal;
11ª - As referidas dores determinam a existência de danos não patrimoniais para cujo ressarcimento a ora recorrente entende que deve ser fixado o valor de € 7.500,00, com referência à data da decisão, em substituição do que foi arbitrado pelo metm.º juiz “a quo” que se entende ser manifestamente excessivo;
12ª -   O metm.º juiz “a quo” violou o disposto nas disposições legais que se mencionaram para cada uma das questões colocadas a este venerando tribunal.  
Nestes termos,
E, nos demais de direito que este venerando tribunal doutamente suprirá, deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a sentença recorrida, condenando-se a recorrente a pagar à recorrida a quantia de € 30.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral cumprimento sobre o valor de € 22.500,00 e desde a prolação da decisão sobre o valor de € 7.500,00, como é de justiça.
A A. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento do mesmo, cumpre decidir.
As questões a resolver são as de saber:
- Se a matéria de facto deve ser alterada;
- Se as indemnizações por danos futuros e por danos morais devem ser reduzidas.
II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 28/09/2000, pelas 14,40 horas, no sentido Sul-Norte da A2, a cerca de oitocentos metros das portagens da Ponte 25 de Abril, Concelho de Almada, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …MF, conduzido e propriedade da ora Autora e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …LG, conduzido por C.
2. O veículo MF circulava pela via de trânsito mais à esquerda, porquanto pretendia passar a circular na via destilada a possuidores de identificador de via verde.
3. O veículo conduzido pela Autora seguia à frente do veículo LG e foi embatido na traseira do lado direito pelo lado esquerdo dianteiro do LG.
4. No dia, hora e local mencionados, quando o veículo da A. já se encontrava a circular na via destinada aos utilizadores da via verde, esta verificou que os veículos que seguiam à sua frente travaram e imobilizaram-se na via de trânsito, pelo que a A travou e imobilizou igualmente o seu veículo, tendo o embate descrito ocorrido quando o veículo da A já se encontrava imobilizado.
5. Ao verificar que os veículos à sua frente estavam parados na via de trânsito o conduzir do veículo LG não conseguiu imobilizar o seu veículo no espaço livre e disponível, embatendo no veículo da A como descrito.
6. No momento do embate chovia encontrando-se a estrada molhada.
7. Cerca de hora e meia após o acidente a A sentiu dores na zona do externo e coluna cervical e durante a noite seguinte sentiu dores em todo o corpo que não lhe permitiram dormir.
8. No dia seguinte sentiu dificuldades de concentração e dificuldades de permanecer sentada e em pé.
9. As dores descritas agudizaram-se no dia 30/09/00 não tendo a A mais uma vez conseguido dormir e sentiu diminuição nos movimentos desequilíbrio ao andar, tonturas e vómitos.
10. Em consequência directa do embate descrito em C) a A sofreu traumatismo cervical com prolapsos discais em C4-C-5 e C-5-C-6.
11. Foi-lhe prescrito o uso de colar cervical e medicamentação.
12. A A foi acompanhada pelo serviço ambulatório do Hospital de Santiago do Outão entre Outubro de 2000 e Fevereiro de 2002, tendo sido submetida a sessões de fisioterapia.
13. Permaneceu em repouso absoluto no seu domicílio entre 30/09/00 e 10/10/00.
14. A Autora mantém actualmente cervicalgia com períodos de agudização acompanhados de rigidez e espasmo muscular.
15. Em consequência das lesões sofridas no embate descrito foi atribuído à Autora uma incapacidade permanente parcial de 10% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades e de 5% pelos danos futuros previsíveis.
16. À data da petição a A exercia profissionalmente a actividade de assistente universitária e advogada.
17. Em consequência do acidente não lhe foi possível cumprir mais nenhum júri de orais da época de recurso de Setembro no âmbito do contrato de trabalho que a liga à Dinensino.
18. A A estava designada para cumprir no dia 3/10/00 escala no Tribunal Judicial de Setúbal, onde não pode comparecer, tendo sido substituída por outra advogada.
19. Ainda em consequência das lesões descritas a A não pôde dar mais aulas de formação na Albifor, tendo sido substituída por outros colegas.
20. Em virtude da sua impossibilidade de trabalhar nos termos supra descritos a A deixou de receber quantia não inferior a € 2.500.
21. Antes do acidente descrito, no exercício das diversas actividades profissionais por si desenvolvidas, a A auferia 1.000 mensais.
22. Em consequência das lesões descritas a A não pode fazer grandes deslocações de carro pois sente dores intensas na coluna vertical que a obrigam a parar, tendo deixado de aceitar ser mandatária em processos que implicassem grandes deslocações.
23. Está impossibilitada de permanecer durante longos períodos de tempo em pé e sentada e deixou de poder dar o mesmo número de horas de aulas que dava anteriormente.
24. Durante o período em que esteve acamada e que teve que se deslocar ao hospital a A teve que recorrer a auxílio de amigos por não se poder deslocar sozinha e por não poder conduzir.
25. Durante esse período de tempo não pode realizar as lides domésticas.
26. Sofreu abalo psicológico por não poder cumprir os compromissos profissionais assumidos.
27. O facto de estar prestes a realizar prova de agregação na Ordem dos Advogados, sem que a sua saúde lhe permitisse a preparação adequada provocou-lhe receio de reprovar.
28. A A ficou abalada por não se ter inscrito e frequentado o curso de mestrado na faculdade de Direito de Lisboa como planeara.
29. As lesões descritas provocaram sofrimento e dores à A.
30. Em consequência das lesões descritas e sequelas daí resultantes, a A deixou de poder praticar ginástica, correr, andar de bicicleta, fazer grandes caminhadas, andar de barco de recreio, dançar, o que implicou problemas de afirmação pessoal.
31. A autora continua a sofrer dores e mau estar, que na escala de 1 a 7 se quantificam entre 3 e 4.
32. A Autora suspendeu a inscrição na Ordem dos Advogados e cessou funções de docência universitária.
33. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula … LG foi transferida para Ré mediante contrato de seguro titulado pela apólice n° 03 1/1216672.
34. A Ré procedeu ao pagamento da reparação dos estragos sofridos pelo veículo ME
III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.
- Quanto à alteração da matéria de facto:
Pretende a Seguradora Recorrente se altere a decisão da matéria de facto quanto à remuneração auferida pela Recorrida à data do acidente, alegando, como se viu já, que o concreto depoimento de que o juiz “a quo” se socorreu para dar como provado que a recorrida auferia um rendimento mensal de € 1.000,00, foi o depoimento do seu marido.
 Mas, acrescenta, as declarações de rendimentos, para efeitos de i.r.s., juntas aos autos pela recorrida, opõem-se à prova que serviu de fundamentação para responder ao quesito formulado no nº. 28 da base instrutória, pois que através daquelas declarações verifica-se que a média mensal que auferiu durante os meses de 2000, em que trabalhou, anteriores à data do acidente foi de € 652,52.
Assim, conclui que dado o disposto no artigo 376.º do código civil, em conjugação com o disposto na alínea b) do art.º. 712.º do código de processo civil, impõe-se que a resposta ao quesito 28 deve ser modificada, passando nela a figurar o rendimento médio mensal auferido pela recorrida no ano de 2000, que foi de € 652,52, em substituição do valor de € 1.000,00 que nela consta.
Ora, da fundamentação às respostas produzidas sobre a base instrutória, verifica-se que foi aduzida a seguinte fundamentação quanto à resposta ao artigo 28º, onde se interrogava do valor da remuneração da Recorrida:
“A prova dos pontos 27 e 28 baseou-se na análise dos depoimentos referidos, conjugada com o que resulta dos documentos de fls. 341 e seguintes (declarações de rendimentos de 1999 a 2001), à luz de critérios de razoabilidade e experiência, concretamente, ponderou-se que o marido da autora referiu como aproximado o rendimento mensal de € 1.000,00 e que a testemunha K... referiu que a ora autora auferia só na Albifor € 25,00 por hora. Se considerarmos que o período de incapacidade temporária para o trabalho habitual foi, segundo o relatório do IML, de 28.9.00 a 31.10.00 e depois com 50% de incapacidade até 14.2.01, temos de aceitar como plausíveis os valores alegados”.
Da fundamentação produzida, constata-se que o rendimento mensal de € 1.000,00 auferido pela autora à data do acidente foi considerado provado não apenas com base nas declarações do marido da mesma autora, mas também em outros elementos de prova, ou seja, as declarações de rendimentos que a Recorrente pretende que sejam tomadas como prova plena, foram conjugadas com os depoimentos das testemunhas, designadamente da …. e tudo aferido por critérios de razoabilidade e de experiência para o juiz recorrido concluir por aquele valor.
É certo que as declarações de rendimentos fazem prova plena, nos termos do art. 376º/1 do CC, do valor que a autora declarou para o fisco, mas não de que a autora não tenha auferido rendimentos superiores.
É certo também que a recente Lei do Seguro Obrigatório, aprovada pelo Decreto-Lei N.° 291/2007, de 21 de Agosto, veio estabelecer no seu art. 64º/7 (na redacção do DL 153/08, de 6/8) que "para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal".
A alteração introduzida veio estipular, para efeitos de apuramento do rendimento mensal da vítima, a regra de que tal rendimento deve apurar-se através dos proventos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados.
O que significa que após a entrada em vigor daquele normativo, os pedidos de indemnização relativos a perdas de rendimentos, quer na fase de regularização extrajudicial, quer na fase judicial, devem ser feitos com base nos rendimentos que constarem das declarações oportunamente apresentadas para efeitos de IRS, no que respeita a salários e outras remunerações provenientes do trabalho.
Sucede, todavia, que esta norma não é ainda aplicável ao caso da Recorrida, uma vez que o acidente de que foi vítima se verificou no ano 2000 e a lei não tem efeito retroactivo.
Assim sendo não se encontra justificação para se alterar a decisão da matéria de facto, designadamente quanto aos rendimentos do trabalho da Recorrida à data do acidente, que definitivamente se considera fixada de acordo com a decisão da 1.ª instância.
Quanto à indemnização por danos futuros:
Alega a Recorrente que em face da idade da recorrida à data do acidente, que era de 36 anos, do grau de desvalorização de 15% por incapacidade permanente parcial de que ficou afectada, deve ser substituído o valor arbitrado pelo tribunal “a quo” para ressarcimento dos danos patrimoniais e ser atribuído, a esse título, o valor de € 20.000,00, que diz ser um valor equitativo e se mostrar em consonância com a jurisprudência dos tribunais superiores.
Ora, como se sabe, a lei, quanto aos danos patrimoniais, manda atender, entre outros, aos danos futuros desde que sejam previsíveis (art. 564º/2 do CC), nos quais, pela sua previsibilidade, não se poderão deixar de incluir os decorrentes da redução da capacidade de ganho resultante de acidente.
Com efeito, a diminuição da capacidade permanente para o trabalho constitui um dano futuro de natureza patrimonial, cuja reparação se justifica independentemente de na prática envolver ou não uma perda efectiva ou imediata da remuneração auferida. Isto porque a desvalorização funcional sofrida, em última análise, sempre poderá comportar para o lesado um esforço suplementar no exercício da profissão e até prejuízo para a ascensão na carreira.
Assim, o grau de incapacidade sofrido pelo sinistrado será o primeiro, e quiçá, mais relevante elemento de ponderação a não perder de vista para arbitramento de uma indemnização adequada ao caso em juízo, já que o maior ou menor grau de desvalorização estará na ordem directa da menor ou maior capacidade de ganho, bem como do maior ou menor prejuízo para a progressão na carreira.
Outro elemento de toda a relevância será a idade do lesado à data do sinistro, já que a indemnização a fixar não pode deixar de tomar em linha de conta a esperança de vida profissional activa da vítima e até da própria esperança da sua existência para além do termo da actividade laboral.
Certa jurisprudência tem vindo a tomar a idade dos 65 anos, enquanto idade limite da vida activa, como a idade a tomar em consideração para o cômputo da indemnização a arbitrar. Mas uma outra se tem pronunciado no sentido de não ser correcto considerar uma determinada idade como limite da vida activa, porquanto, atingida a mesma, o lesado poderia, quiçá se não fosse o acidente, ter continuado a trabalhar e, em todo o caso, poderá continuar a viver ainda por muitos anos, tendo, nessa medida, direito a auferir um rendimento equivalente à pensão que receberia se não tivesse sida afectado na sua capacidade de ganho.
Propendemos para esta última solução. Na verdade, vem ganhando corpo a corrente da jurisprudência que entende que no cálculo dos danos futuros se deve ter em consideração, não apenas a esperança média de vida activa da vítima, mas também a própria esperança média de vida, uma vez que, como é sabido, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude de entrar na situação de reforma, sendo que em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens é de cerca de 73 anos, e tem tendência para aumentar e a das mulheres ultrapassa já a barreira dos oitenta anos.
Veja-se neste sentido o douto aresto de 31.03.2004, segundo o qual, conforme jurisprudência corrente e recente do STJ, no cálculo dos danos futuros, deve ter-se em conta a esperança média de vida e não a esperança de média activa do lesado (65 anos)[1].
E esta posição faz todo o sentido, pois que se se procura, com a indemnização a fixar, ressarcir a diminuição da capacidade de ganho e se esta diminuição não deixará de repercutir-se no montante da pensão que o lesado virá a usufruir na situação de reforma, será também justo e equitativo que a mesma indemnização seja abrangente dessa parcela da vida, tanto mais sendo normalmente a mais desajudada e carecida de algum auxílio devido ao parco valor das reformas[2].
Outro elemento que não pode deixar de ser considerado é o valor da retribuição auferida pelo lesado, valor que deve ser o correspondente ao salário líquido auferido à data do acidente, nele se integrando todas as prestações com carácter de regularidade[3].
Por outro lado, não se poderá esquecer que, por via de regra, o salário auferido pelo sinistrado está sujeito a uma evolução ao longo do tempo no sentido da sua bonificação (salvo os casos de topo de carreira), mas que não pode de antemão ser ponderada para qualquer processo de cálculo a realizar. Servirá outrossim para contrabalançar o aparente benefício de o lesado receber antecipadamente a indemnização e não se veja motivo para que por este facto se reduza o montante a arbitrar.
Em todo o caso não será de negligenciar a situação de o lesado por força da sua condição ser detentor de uma perspectiva de carreira profissional de futuro promissor e que tenha sido comprometida em função das sequelas decorrentes do acidente.
Revertendo ao caso dos autos, temos que a autora/sinistrada, ora Recorrida, ficou afectada de uma incapacidade permanente para o trabalho de 15%, sendo que tinha à data do acidente 36 anos de idade e auferia uma remuneração mensal líquida de € 1.000,00.
A redução da sua capacidade de ganho, tomando em consideração aquela remuneração, traduz-se em cerca de € 2100,00 anuais (€ 1000,00x14x0,15). Se atendermos à sua esperança de vida de 44 anos (80-36) encontraríamos um capital de € 92.400,00 e que não deveria ser reduzido pelo facto de ser recebido de uma só vez para compensar o sinistrado de aquele capital não ser o resultado da evolução salarial futura.
Aliás este capital de € 92.400,00 a uma taxa de juros anual de 2,3%, que não andará longe da praticada presentemente pelas instituições bancárias nos depósitos a prazo, produziria um rendimento anual de € 2125,00, valor correspondente, ou aproximado ao acima achado de € 2100,00 para traduzir o valor anual da redução da capacidade de ganho.
Daí que se poderia apontar para aquele capital como indemnização a arbitrar à autora/sinistrada.
É certo que, como se diz no douto aresto do STJ de 19.2.2004, a decisão relativa ao montante indemnizatório da perda da capacidade de ganho exige ponderação subordinada, em último termo, à equidade, ou seja, uma ponderação casuística, concreta, e prudencial desse dano. Mas também se não deve cingir à simples equidade, isto é, à singela referência à justiça em concreto ou do caso concreto, devendo, como função meramente indicativa ou auxiliar, atender-se também aos cálculos baseados em tabelas financeiras, pois, na falta de melhor ou mais sólido critério, não pode deixar de reconhecer-se a esses cálculos função orientadora[4].
Por nós entendemos que nem será necessário recorrer a sofisticadas fórmulas financeiras[5] para se chegar a um valor razoável da avaliação a efectuar da redução da capacidade de ganho da vítima, bastando apenas entrar em linha de conta com os elementos de ponderação que acima se deixaram mencionados, e efectuar as lineares operações matemáticas que os cálculos importam, temperados é certo pela equidade, que não poderá ser um aleatório palpite para a situação, mas a busca da solução mais justa em face da sua especificidade e da consciência do julgador.
Como acima se viu, o tribunal recorrido fixou em € 60.000,00 a indemnização a suportar pela seguradora recorrente (Ré) a título de danos futuros, sendo que esta entende que a indemnização deveria ter sido de € 20.000,00, ainda que partindo para o seu cálculo de uma retribuição mensal de € 652,52 e não do valor de € 1000,00, fixado pelo tribunal recorrido e que aqui se mantém.
Porém, em face de quanto exposto se deixou, só se pode concluir que o valor fixado pelo tribunal recorrido não se mostra exagerado e, a pecar, não será por excesso mas antes por defeito[6].
Quanto à indemnização por danos morais:
Alega a Recorrente que a recorrida sofreu traumatismo da coluna cervical, tendo andado em tratamento cerca de três meses e a referida lesão produziu-lhe dores que se quantificam entre 3 e 4 numa graduação de 1 a 7, conforme parecer do Instituto de Medicina Legal. As referidas dores determinam a existência de danos não patrimoniais para cujo ressarcimento a ora recorrente entende que deve ser fixado o valor de € 7.500,00, com referência à data da decisão, em substituição do que foi arbitrado pelo tribunal “a quo” que se entende ser manifestamente excessivo.
Ora, quando há obrigação de indemnizar, como no caso se verifica, ela é extensível aos danos não patrimoniais, como elucida o n.º 1 do art. 496º do CC, ao dizer que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que o n.º 3 do mesmo preceito, reportando-se à mesma indemnização, acrescenta que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias referidas no art. 494º...», ou seja, ou grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
 Decorre dos preceitos citados que a indemnização pelos danos não patrimoniais será fixada segundo o prudente arbítrio do julgador, mas sem deixar, no seu julgamento, de tomar em consideração determinados elementos objectivos que no caso se verifiquem, tal como a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias do caso.
Como refere Galvão Telles, os danos não patrimoniais, também chamados danos morais, são aqueles “prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afectado; nem passa a valer menos nem deixa de valer mais.
Há a ofensa de bens de carácter imaterial — desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral”[7].
No mesmo sentido alvitra Menezes Cordeiro que há dano moral quando a situação vantajosa prejudicada tenha simplesmente natureza espiritual[8].
 Dentro desta concepção, o ressarcimento por danos não patrimoniais não tem a natureza de uma verdadeira indemnização, dado não ser uma exacta contrapartida pelo dano, representando antes uma compensação a atribuir ao lesado por prejuízos por este sofridos, que não têm reparação directa através de satisfações de natureza pecuniária. Deste modo se justifica que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração[9].
Com a reparação por danos não patrimoniais tem-se em vista compensar de alguma forma o lesado, proporcionando-lhe os meios económicos que constituam, de certo modo, um refrigério para as mágoas e adversidades que sofrera e que, porventura, continue a suportar.
Mas essa efectiva compensação apenas será conseguida se a atribuição em numerário for de algum alcance económico e não meramente simbólica.
E em matéria de tal natureza, como aconselha A. Varela[10], será ainda de atender aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência. Obviamente, com vista a um tratamento, quanto possível, de igualdade de situações análogas.
Assentes estes princípios, importa saber se a indemnização atribuída à Recorrida no caso dos autos, por danos não patrimoniais, se mostra adequada pelo valor atribuído de € 15.000,00 ou se será mais conforme um valor mais reduzido, quiçá o de € 7.500,00, como defende a Recorrente.
Ora, vejamos os factos.
Em consequência das lesões descritas a A não pode fazer grandes deslocações de carro pois sente dores intensas na coluna vertical que a obrigam a parar, tendo deixado de aceitar ser mandatária em processos que implicassem grandes deslocações. Está impossibilitada de permanecer durante longos períodos de tempo em pé e sentada e deixou de poder dar o mesmo número de horas de aulas que dava anteriormente.
Por outro lado, durante o período em que esteve acamada e que teve que se deslocar ao hospital a A teve que recorrer a auxílio de amigos por não se poder deslocar sozinha e por não poder conduzir e durante esse período de tempo não pode realizar as lides domésticas.
Acresce que sofreu abalo psicológico por não poder cumprir os compromissos profissionais assumidos e o facto de estar prestes a realizar prova de agregação na Ordem dos Advogados, sem que a sua saúde lhe permitisse a preparação adequada provocou-lhe receio de reprovar. E ficou abalada por não se ter inscrito e frequentado o curso de mestrado na faculdade de Direito de Lisboa como planeara.
Além disso, as lesões descritas provocaram sofrimento e dores e em consequência das mesmas e sequelas daí resultantes, a A deixou de poder praticar ginástica, correr, andar de bicicleta, fazer grandes caminhadas, andar de barco de recreio, dançar, o que implicou problemas de afirmação pessoal.
Por último, a autora continua a sofrer dores e mau estar, que na escala de 1 a 7 se quantificam entre 3 e 4, sendo que suspendeu a inscrição na Ordem dos Advogados e cessou funções de docência universitária.
Ora, em face desta facticidade, entende-se que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, ao fixar a indemnização no montante de € 15.000,00.
É que apesar da incapacidade permanente atribuída à Recorrida ser de apenas 15%, a mesma sofreu lesões e ficou com sequelas muito marcantes, pois que a afectam e a limitam nas deslocações, causando transtornos e impedimentos para o exercício da sua actividade profissional, associadas ao abalo psicológico por não poder cumprir os compromissos profissionais assumidos e de não ter conseguido frequentar um curso de mestrado na faculdade de Direito de Lisboa como planeara e ainda a sofrimento e dores que sofreu e que ainda a atormentam e a acompanharão pela vida fora. Sendo que tais lesões e sequelas lhe causaram e continuarão a causar sofrimento físico e psicológico, que de futuro hão-de ser maiores, numa pessoa que à data do acidente tinha apenas 36 anos de idade.
Do que se conclui que o valor compensatório atribuído à Recorrida, de € 15.000,00, a título de indemnização por danos morais não se pode considerar excessivo e deve ser mantido.
Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
IV.  DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2010. 
FERNANDO PEREIRA RODRIGUES
MARIA MANUELA GOMES
Olindo Santos Geraldes

[1] Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[2] Note-se, todavia, que nos termos da Portaria n.º 377/2008, de 26/05 (que veio estabelecer critérios para procedimentos de proposta razoável quanto à valorização do dano corporal), estabelece-se que “para cálculo do tempo durante o qual a prestação se considera devida, presume-se que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade”, sugerindo, assim, esta idade limite para a indemnização por dano patrimonial futuro. A Portaria não é aplicável ao caso dos autos. De resto, em parte limita-se a regular propostas de indemnização.
[3] Saliente-se que nos termos do art. 64º/7 da LSO (Decreto-Lei N.° 291/2007, de 21 de Agosto, na redacção do DL 153/08, de 6/8) “Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear -se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal”.
[4] Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[5] Há quem recorra à seguinte fórmula: C = P x (1: i-(1+i): ((1+i)N x i )) + P x (1+i)-N, onde C representa o capital a depositar no 1º ano (ano 1); P a pensão a pagar anualmente; i a taxa de juro e N o número de anos em que a prestação se manterá.
A Portaria n.º 377/2008 apresenta fórmula diferente:
ANEXO III
Método de cálculo do dano patrimonial futuro
1 — Fórmula de cálculo:
DPF = {[(1 – ((1 + k)/(1 + r))^n)/(r -k)] × (1+r)} × p
sendo: p = prestações (rendimentos anuais); r (taxa juro nominal líquida das aplicações financeiras)
= 5 %; k (taxa anual de crescimento da prestação) = 2 %.
[6] Uma nota final para dizer que o caso dos autos, se lhe fosse aplicável a Portaria n.º 377/2008, entrada em vigor em 27 de Maio de 2008, integraria um caso de indemnização por dano à integridade física (dano biológico), a ressarcir nos termos da tabela constante do ANEXO IV à mesma Portaria.
[7] In Direito das Obrigações, 7.ª edição, pg. 378.
[8] In Direito das Obrigações, 1980, 2.º, pg. 285.
[9] Vd. Vaz Serra in R.L.J., Ano 113º, pág. 104.

[10] In Das Obrigações em Geral, 10ª edição, pág. 607.