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CONTRATO
RENOVAÇÃO
DECLARAÇÃO TÁCITA
PROPOSTA NEGOCIAL
Sumário
I - A declaração tácita é constituída por um “comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo. II - Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa. III - Tratando-se de declaração receptícia, a declaração há-de valer com o sentido que um declaratário razoável (normalmente esclarecido e diligente), colocado na concreta posição do real destinatário, lhe atribuiria (impressão do destinatário). IV - O recebimento silente de uma proposta negocial não equivale a uma aceitação - aprovação sem que se prove a ocorrência que qualquer comportamento do receptor que, à luz das concepções dominantes, traduza ou revele, com toda a probabilidade, uma intenção de adesão aos termos de tal proposta. V – Não existe renovação do contrato, ainda que de forma tácita, quando resulta provado que a exequente/aqui embargada declarou, pelo menos por três vezes, renovar o contrato, não se tendo provado qualquer resposta por parte da executada. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam nesta secção cível os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
1.1. Por apenso aos autos de processo de execução para pagamento de quantia certa, , que C, S.A. intentou contra S, Lda; Ó, F e mulher M; L e mulher D vieram F e M deduzir embargos de executado.
Alegam, em síntese que:
- a livrança que constitui título executivo foi entregue à exequente sem que estivessem preenchidos a data de emissão, data de vencimento, local de pagamento e valor;
- o preenchimento da livrança foi abusivo, pois os embargantes apenas concederam o seu aval para o período inicial do contrato subjacente à emissão da mesma, ou seja, seis meses, com início em 25 de Junho de 1998;
- o contrato celebrado com a exequente previa que os avalistas apresentassem uma declaração escrita em que se obrigassem a manter o aval após o período inicial do contrato, o que nunca foi feito;
- em 5 de Dezembro de 1998, decorridos os primeiros seis de vigência do contrato, não se verificava uma situação de incumprimento;
- os juros peticionados estão mal calculados, por excesso.
Terminaram, requerendo a improcedência dos embargos.
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1.2. Notificada, a embargada apresentou contestação (fls.43 a 49), na qual sustenta:
- a livrança dada à execução foi entregue à embargada no âmbito de um contrato de abertura de crédito em conta corrente;
- os embargantes avalizaram a referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no contrato, dando o seu consentimento ao respectivo preenchimento;
- em 16 de Setembro de 1998 a conta corrente de capital apresentava o saldo devedor de Esc. 10.000.000$00 (€ 49.879,79), não tendo sido efectuada qualquer entrega para amortização do capital em dívida;
- a C considera como data de início do contrato a data da primeira utilização de crédito, ou seja, 6 de Julho de 1998, razão pela qual considera essa mesma a data da emissão da livrança, terminando o período contratual em 6 de Janeiro de 1999;
- a "S" nunca apresentou pedido de renovação do contrato, pois em 19 de Setembro de 1998 já tinha atingido o limite do crédito;
- os juros estão correctamente calculados.
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1.3. Foi realizada audiência preliminar, elaborado despacho saneador e organizados os factos provados e a base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal proferido a decisão de facto de fls.389 a 392, sem reclamações.
Foram apresentadas alegações de direito.
A fls. 435 a 445 foi proferida sentença onde se decidiu:
Julgar parcialmente procedentes por provados os presentes embargos que F e M intentaram contra C, S.A., determinando-se o prosseguindo da acção executiva para pagamento da quantia de Esc.10.078.082$00 (€50.269,26), acrescida de juros, contados desde 26/10/2000 (data de vencimento aposta na livrança) até à data de entrada da execução, ou seja, 29/5/2003, à taxa 7% até 30/4/2003 (portaria n.º 263/99, de 12.04) e à taxa de 4%, desde essa data, até ao pagamento (portaria n.º 291/03, de 08.04).
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1.4. Inconformados com tal sentença dela recorreram os embargantes a fls. 456 e a embargada a fls. 454.
Por despacho de fls. 507 após este Tribunal ter remetido os autos à 1.ª instância foi proferido despacho a julgar o recurso apresentado pela embargada deserto por falta de motivação.
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1.5. A fls. 461 encontram-se juntas as alegações dos embargantes que terminam com as conclusões transcritas: 1.ª - Entre uma sociedade terceira e a recorrida foi celebrado em 25 de Junho de 1998 um contrato de abertura de crédito em conta corrente. 2.ª - Esse contrato foi celebrado por prazo certo de seis meses. 3.ª - E no mesmo contrato os embargantes garantiram as obrigações da dita sociedade, tendo entregue à embargada uma Iivrança em branco, que poderia ser preenchida em caso de incumprimento. 4.ª - O mencionado contrato foi renovado três vezes e o seu prazo final veio a ser 26 de Setembro de 2000. 5.ª - Nas renovações não participaram os embargantes. 6.ª - As mesma renovações resultam de declaram expressa do embargando e da aceitação tácita da sociedade, tudo resultando em comportamentos concludentes de uma e de outra. 7.ª - O facto provado XXIII deverá ser interpretado no seu real sentido, i.e., que a S nunca apresentou um pedido formal (escrito) de renovação do contrato, mas aceitou a renovação do mesmo, que efectivamente foi realizada e proposta pela embargada - aliás a tal conclusão nos leva a experiência da vida, as presunções judiciais. 8.ª - Por estarmos no âmbito das relações imediatas entre o exequente tomador da livrança e os embargantes que nela figuram como avalistas é possível a este últimos discutir a relação subjacente e a repercussão desta na relação cambiária. 9.ª - Assim sendo, o contrato e as obrigações garantidas pelos embargantes foram transformados razão pela qual estes não podem ser chamados a garantir uma obrigação que não é aquela para a qual deram o ser aval: restituição de 10.000.000$00 na data inicial de vencimento (25 de Dezembro de 1998). 10.ª - Assim, os acordos pelos quais a embargada e a sociedade acordaram as renovações do contrato de mútuo implicam a extinção da garantia prestada, pois a garantia apenas foi dada pelo período inicial de 6 meses e não para as suas renovações, para as quais teriam sempre se existir declarações negociais dos garantes. 11.ª - De outro modo seria aceitar que a obrigação de garante assumida pelos embargantes era indeterminada no tempo, realidade que por si só gera uma típica nulidade da relação jurídica. 12.ª - A julgar de outro modo, a sentença recorrida vez uma mal interpretação das normas jurídicas que se extraem dos art.ºs 406°, 218.º, 217.º.1, 236°, 280° e 400° do Código Civil. Termos que em deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue procedente o presente recurso e consequentemente procedentes os embargos e absolva os embargantes do pedido executivo apresentado pela embargada e aqui recorrida. Mas V.Exas Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa melhor decidirão fazendo a necessária Justiça.»
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1.6. A fls. 483 encontram-se juntas as alegações da embargada que terminam com as conclusões transcritas: 1.ª - Os recorrentes constituíram-se avalistas na Livrança entregue à recorrida para garantia do contrato de abertura de crédito corrente celebrado em 25.06.1998, pelo prazo de 6 meses, entre esta e a executada "S Lda", a qual poderia ser preenchida em caso de incumprimento. 2.ª A parte devedora no contrato e subscritora da Iivrança "S Lda" uiilizou a totalidade do crédito contratado (10.000.000$00), entre 06 ,Julho 06 1998 e 16 de Setembro de 1998, sem que nunca tenha sido pago. 3.ª – Após 16 de Setembro de 1998, a conta corrente de capital não teve quaisquer movimentos quer a crédito quer a débito. 4.ª - Tendo o contrato sido celebrado em 25.06.1998, com duração de 6 meses (cfr. clausula 4.ª), prazo "findo o qual a executada" S", não amortizou o saldo devedor, é inequívoco que incumpriu o mesmo. 5.ª - Face a tal incumprimento poderia a recorrida preencher a livrança entregue em branco, apondo-lhe o montante igual ao do saldo devedor na conta corrente, juros e demais encargos apurados à data do encerramento da conta acrescido de todos os encargos de natureza. 6.ª - A lei não fixa qualquer prazo para o preenchimento da livrança com vencimento em branco sendo lícito à recorrida preencher a livrança, na data em que o fez, opondo-lhe o montante correspondente ao capital 10.000.000$00, acrescido de juros contados à taxa de 9,5% desde 25 de Dezembro de 199, até 25 de Janeiro (30 dias após encerramento da conta). 7.ª - Como bem referiu o tribunal "a quo" não houve qualquer renovação ou celebração "ex novo" de contrato que impossibilite o preenchimento da livrança dada à execução e exima os recorrentes da obrigação assumida. 8.ª - A declaração unilateral de prorrogação do contrato visou, tão só, protelar o preenchimento da livrança com o objectivo de extrajudicialmente recuperar o seu crédito. 9.ª - A possibilidade de renovação do contrato dependia da verificação cumulativa de diversos pressupostos, sendo essencial a apresentação pela parte devedora, de um pedido, por escrito, de renovação do contrato, com antecedência mínima de 15 dias em relação ao termo do período contratual! pedido por parte da parte devedora (S Ld.ª), não foi formulado, bem como, necessariamente, não foi comunicada por escrito, pela C, a aceitação do pedido de renovação, nem a aceitação da nova taxa de juro pela parte devedora. 10.ª - Existindo um contrato validamente celebrado, tem força obrigatória entre as partes nenhuma se pode afastar unilateralmente daquilo a que se obrigou, conforme determina o art.º 406.º, do CC e só pode modificar-se por acordo entre as mesmas, como tal, estando expressa a manifestação de vontade traduzida no acordo celebrado no que concerne à sua renovação, resulta do mesmo sem margem para dúvidas que qualquer renovação dependeria de uma vontade expressa nos precisos termos. 11.ª - Por força do disposto no art.º. 281.º do C.C, não é admissível " in casu", qualquer declaração tácita no sentido da parte devedora " S Ld.ª”, acordar na renovação do contrato. 12.ª - Sem prejuízo do referido, de igual modo, não existiu, qualquer comportamento que possa determinar a aceitação tácita pela parte devedora, muito menos "aproveitamento da concessão do crédito por prazo renovado ", como referem os recorridos na sua nova tese, porquanto, a totalidade do crédito foi utilizada até 16.09.2009 (dentro dos seis meses), e não após qualquer renovação ou celebração de novo contrato inexistentes como vimos. Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso de apelação interposto e, consequentemente, confirmada na integra a douta decisão recorrida, com as respectivas consequências legais. Assim decidindo, se fará JUSTiÇA.»
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1.7. Os Senhores Desembargadores tiveram visto dos autos.
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2. Fundamentação
2.1. Factos provados em 1.º instância
2.1.1. - A Exequente, como caixa económica, é uma instituição de crédito, que exerce a actividade bancária, nomeadamente a concessão de crédito (alínea A) dos Factos Provados).
2.1.2. - Os autos de execução aos quais se encontram apensos os presentes embargos, intentados por F e M contra C, para pagamento da quantia de €71.974,61 têm como título executivo uma livrança, no valor de Esc.10.905.812.20, na qual figura com subscritora a executada "S , Ld.ª" e da qual é a exequente portadora (alínea B) dos Factos Provados).
2.1.3. - Na livrança referida na alínea anterior foi aposta a data de emissão de 6/7 /1998, data de vencimento 26/10/2000 e, como local de pagamento…, C.
(alínea C) dos Factos Provados).
2.1.4. - No verso da livrança consta a assinatura dos ora Embargantes precedida da frase "por aval ao subscritor", que foi aposta em data anterior a 06/07/1998 (alínea D) dos Factos Provados).
2.1.5. - Exequente e Executados Ó, L e D celebraram o acordo constante do documento junto a fls. 17 a 22 destes autos, datado de 25/06/1998 através do qual a primeira abriu um crédito em conta corrente, até ao montante de 10 milhões de escudos à executada "S , Lda" destinada a dar apoio à sua tesouraria (alínea E) dos Factos Provados).
2.1.6. - Nos termos da cláusula 2.ª do acordo referido na alínea anterior, o contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses, renovável por sucessivos e iguais períodos com a verificação das seguintes condições:
a) Apresentação pela Parte Devedora à C, de um pedido, por escrito, de renovação do contrato com uma antecedência mínima de 15 dias em relação ao termo do período contratual ou suas renovações;
b) A aceitação pela C do pedido de renovação, a qual será comunicada à Parte Devedora, por escrito, indicando o valor da taxa de juro para a renovação:
c) A aceitação da nova taxa de juro pela Parte Devedora;
d) A apresentação, conjuntamente com o pedido de renovação, pelos avalistas, de declaração escrita em que se obriguem a manter o aval pelo período da renovação, a efectuar por carta registada com aviso de recepção ou telecópia (fax) (alínea F) dos Factos Provados).
2.1.7. - Na cláusula 3.ª do referido acordo ficou estipulado que:
Um - O capital efectivamente utilizado vence juros à taxa nominal anual de 9,5%;
Três - Os juros são trimestrais e pagos postecipadamente;
Cinco - Em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual, se a C recorrer a juízo para recuperação dos seus créditos, será devida, além dos juros remuneratórios, uma indemnização com natureza de cláusula penal, do montante que resultar da aplicação da taxa de 4% ao ano, calculada sobre o capital em divida, desde a data da mora (alínea G) dos Factos Provados).
2.1.8. - Nesse mesmo acordo ficou ainda estipulado que:
Um - Em caso de incumprimento do contrato, a C e a Parte Devedora
acordam expressamente que as obrigações desta última serão substituídas, mediante novação, por uma obrigação cambiária constante de uma livrança em branco. a qual neste acto é entregue à C, subscrita pela Parte Devedora e avalizada pessoalmente pelos segundos e terceiros outorgantes.
Dois - A livrança será oportunamente preenchida quando a C o entender, com a indicação do montante, que será de igual valor ao do saldo devedor na conta corrente, juros e demais encargos, apurados na data do encerramento da conta que coincidirá, em caso de não renovação, com a data do termo do período contratual, acrescido de todos e quaisquer encargos de natureza fiscal.
Três - A livrança é domiciliada em …. e é pagável no trigésimo dia contado da data de encerramento da conta.
Quatro - A C poderá acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros
contados à taxa nominal anual, desde a data do vencimento da conta até ao vencimento da livrança, e esta vencerá juros à taxa legal (alínea H) dos Factos Provados).
2.1.9. - Ainda nesse acordo ficou a constar no número cinco da cláusula 6.ª que os executados acordam expressamente avalizar a referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma nos termos da presente cláusula (alínea I) dos Factos Provados).
2.1.10. - Os Embargantes nunca fizeram ou entregaram à Embargada qualquer declaração de avalizar a livrança para sucessivas renovações do contrato referido em V (alínea J) dos Factos Provados).
2.1.11. - Por cartas datadas de 30/06/2000, endereçadas aos Embargantes e que se encontram juntas a fls. 23 e 25, a Embargada informou que: "Na qualidade de avalista do contrato acima identificado informamos que não iremos proceder à sua renovação no próximo dia 06/07/2000 (...).
Solicitamos, assim, o contacto ou comparência de V Exa. neste balcão com a urgência possível e até à data de 06/ 07/2000, data a partir da qual o contrato acima identificado ficará em incumprimento se não for amortizado, bem como pagos os respectivo juros."
Nessas cartas a Embargada enviou ainda a cópia da carta que havia enviado a executada "S - " e cuja cópia se encontra a fls. 24 (alínea L) dos Factos Provados).
2.1.12. - A embargada enviou ao Embargante, a carta datada de 26/09/2000, cuja
cópia consta a fls. 27, informando que o contrato referido em V – 2.1.5. - foi resolvido
dado o incumprimento das obrigações dele emergentes (alínea M) dos Factos Provados).
2.1.13. - Os Embargantes enviaram à Embargada as cartas cujas cópias constam a fls. 28, 29, 30, 31, 32, 34, 35, 36 e 37, comunicando que não se consideravam devedores de qualquer quantia (alínea N) dos Factos Provados).
2.1.14. - Em 16/9/98, a conta corrente apresentava um saldo devedor a título de capital de Esc.10.000.000$00 (alínea O) dos Factos Provados).
2.1.15. - A livrança dada à execução não foi paga em 26/10/2000, nem em data posterior (alínea P) dos Factos Provados).
2.1.16. - Os elementos referidos em III – 2.1.3. - foram apostos pela Embargada, na livrança, pelo menos no dia 26/09/2000 (resposta ao quesito 1°).
2.1.17. - A Embargada declarou sucessivamente renovar o contrato, quer em
19/01/1999, quer em 20/07/1999 e, por último, em 05/01/2000, conforme documentos n.ºs 4 a 7, juntos pelos Srs. Peritos a fls. 330 a 348 dos autos (resposta ao quesito 3°).
2.1.18. - A Embargada interpelou os Embargantes para o pagamento do valor da livrança (resposta ao quesito 4°).
2.1.19. - A executada "S" utilizou a totalidade do crédito contratado
(Esc.l0.000.000$00) entre 6 de Julho de 1998 e 16 de Setembro de 1998 (resposta ao quesito 5°).
2.1.20. - Após 16 de Setembro de 1998 a conta corrente de capital não teve quaisquer movimentos quer a crédito quer a débito (resposta ao quesito 6°).
2.1.21. - A partir dessa data e até hoje, não foi efectuada qualquer entrega para amortização do capital em dívida (resposta ao quesito 7°).
2.1.22. - A data da primeira utilização de crédito foi em 6 de Julho de 1998 (resposta ao quesito 8°).
2.1.23. - A "S" nunca apresentou pedido de renovação de contrato (resposta ao quesito 9°).
2.1.24. - A "S" não pagou o capital e foi pagando os juros pela sua utilização, prometendo que brevemente pagaria o capital (resposta ao quesito 1 0°).
2.1.25. - Os embargantes, enquanto terceiros outorgantes, subscreveram o acordo constante do documento junto a fls. 17 a 22 destes autos, datado de 25/06/1998 através do qual a primeira abriu um crédito cm conta corrente, até ao montante de 10 milhões de escudos à executada "S destinada a dar apoio à sua tesouraria (provado por documento).
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3. Fundamentação
Como se sabe e de acordo com o preceituado nos art.ºs 684, n.º 3 e 690, n.º 1, do C.P.C. o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2, do art.º 660, do mesmo diploma.
Assim, a questão a decidir resume, pois, a saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva os embargantes do pedido executivo apresentado pelo embargado.
Segundo os recorrentes o contrato no qual garantiram as obrigações da sociedade contraente, tinha um prazo de seis meses, tendo sido o contrato renovado por três vezes, em cujas renovações não participaram, pelo que nada garantiram.
Sendo que as renovações resultaram de declaração expressa do embargado e da aceitação tácita da sociedade contraente.
Opinião oposta é defendida pelo recorrido.
Vejamos
Como resulta das conclusões de recurso a questão fulcral, para a chave da solução, consiste em saber se houve renovação de contrato, já que segundo os recorrentes, houve aceitação tácita da sociedade contraente.
Tendo presente que a questão em apreço, passa por saber se houve ou não aceitação tácita e consequentemente renovação do contrato, cabe, antes de mais fazer algumas referências jurídicas a respeito de tal matéria.
Na verdade, parece poder definir-se a declaração negocial como " todo o comportamento de uma pessoa ( em regra, palavras escritas ou faladas ou sinais ) que, segundo os usos da vida, convenção dos interessados ou até, por vezes, disposição legal, aparece como destinado ( directa ou indirectamente ) a exteriorizar um certo conteúdo de vontade negocial, ou em todo o caso o revela e traduz ", sendo que, para tal, esse comportamento deve ser visto de fora, deve ser considerado exteriormente ( art. 236º, nº1, do C. Civil ). ( Manuel de Andrade, in " Teoria Geral da Relação jurídica ", vol. II, Reimpressão, Coimbra, 1992, pag.122.
Nada impedindo - aliás o princípio da liberdade declarativa o afirma - que a declaração negocial possa ser feita por qualquer forma expressa ou tácita ( art. 217º do C. Civil ).
A declaração tácita é admitida como modalidade de declaração negocial, a par da declaração expressa – “feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade” -, definindo-a a lei como aquela que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam” – art. 217º-2 C. Civil.
Declaração expressa e declaração tácita têm, em regra, o mesmo valor.
A declaração tácita será, então, constituída por um “comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo” (P. PAIS DE VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, 2.ª ed., 298), ou, nas palavras de MOTA PINTO “Teoria Geral”, 3.ª ed. 425), “quando do seu conteúdo directo se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas torna cognoscível, a latere, um auto-regulamento sobre outro ponto – em via oblíqua, imediata, lateral”.
Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.
Há-de, porém, tratar-se de “comportamentos positivos, compreendidos com um valor negocial e que neles se não vislumbre uma finalidade directamente dirigida ao negócio jurídico em causa” (C. FERREIRA DE ALMEIDA, “Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico”, II, 718).
Os comportamentos que podem servir de suporte à declaração negocial tácita integram matéria de facto, que vem fixada pelo tribunal “ a quo”. Se eles integram ou não uma declaração negocial tácita é questão de direito, a resolver em sede de interpretação, segundo os critérios acolhidos pelo art. 236º C. Civil.
Tratando-se de declaração receptícia, a declaração há-de valer com o sentido que um declaratário razoável (normalmente esclarecido e diligente), colocado na concreta posição do real destinatário, lhe atribuiria (impressão do destinatário).
Do mesmo modo, a determinação do comportamento concludente, “que deve ser visto como elemento objectivo da declaração tácita”, faz-se, tal como na declaração expressa, por via interpretativa.
Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se comtoda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que “a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido do auto-regulamento tacitamente expresso seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade”, devendo ser “aferida por um critério prático”, «baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende» (RUI DE ALARCÃO, (“A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, I, 192); Ac. STJ de 16/01/07 – Proc. n.º 4386/06-1 e de 04/11/04, Proc. 05A1247-ITIJ).
Resta, agora, à luz dos princípios enunciados, tomar posição sobre a concludência dos factos disponíveis e seu significado enquanto declaração negocial.
A declaração negocial tácita deve deduzir-se de factos que “com toda a probabilidade a revelem” (artigo 217º nº 1 do CC).
O Prof. Mota Pinto ensinava que deste preceito resulta que “a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido de auto regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade” (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., 425).
A univocidade dos “facta concludentia” deve ser aferida por um critério prático que não de acordo com um critério estritamente lógico.
Há que buscar um grau de probabilidade da vida da pessoa comum, de os factos serem praticados com determinado significado negocial, ainda que não seja afastada a possibilidade de outro propósito. (cf. Prof. Rui de Alarcão, in “A confirmação dos negócios anuláveis”, I, 192; v.g. o Acórdão do STJ de 21 de Maio de 1998, CJ/STJ II, 97; e o Prof. Manuel de Andrade, que refere “aquele grau de probabilidade que baste na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões”, apud “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1953, 81).
Como julgou o Acórdão do STJ de 28 de Janeiro de 1999 – 98B1082 – “o recebimento silente de uma proposta negocial não equivale a uma aceitação - aprovação sem que se prove a ocorrência que qualquer comportamento do receptor que, à luz das concepções dominantes, traduza ou revele, com toda a probabilidade, uma intenção de adesão aos termos de tal proposta.”
Feitos estes considerados cabe aplicá-los ao caso em apreço.
Dos factos provados resulta que os recorridos deduziram os presentes embargos contra a exequente (C) a qual contêm como título executivo uma livrança, no valor de 10.905.812$20, na qual figura como subscritora a executada "S , Ld.ª" e da qual é a exequente portadora, na livrança foi aposta a data de emissão de 6/7 /1998 e data de vencimento 26/10/2000 e, como local de pagamento …., C.
No verso da livrança consta a assinatura dos ora Embargantes precedida da frase "por aval ao subscritor", que foi aposta em data anterior a 06/07/1998.
Resulta também que exequente (C) e Executados Ó, L e D celebraram o acordo constante do documento junto a fls. 17 a 22 destes autos, datado de 25/06/1998 através do qual a primeira abriu um crédito em conta corrente, até ao montante de 10 milhões de escudos à executada "S, Lda" destinada a dar apoio à sua tesouraria (alínea E) dos Factos Provados), nos termos da cláusula 2.ª do referido acordo ficou referido que o contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses, renovável por sucessivos e iguais períodos com a verificação das seguintes condições:
a) Apresentação pela Parte Devedora à C, de um pedido, por escrito, de renovação do contrato com uma antecedência mínima de 15 dias em relação ao termo do período contratual ou suas renovações;
b) A aceitação pela C do pedido de renovação, a qual será comunicada à Parte Devedora, por escrito, indicando o valor da taxa de juro para a renovação:
c) A aceitação da nova taxa de juro pela Parte Devedora;
d) A apresentação, conjuntamente com o pedido de renovação, pelos avalistas, de declaração escrita em que se obriguem a manter o aval pelo período da renovação, a efectuar por carta registada com aviso de recepção ou telecópia (fax).
Resulta ainda também que a “S “ nunca apresentou pedido de renovação do contrato e que os embargantes nunca fizeram ou entregaram à exequente/aqui embargada qualquer declaração no sentido de avalizar a livrança para sucessivas renovações do contrato. Além disso, resulta ainda que a exequente/aqui embargada declarou renovar o contrato, quer em 19/11/1999, quer em 20/7/1999 e, por último em 5/1/2000.
Destes factos resulta em primeira linha que a renovação do contrato dependia de vários requisitos, a saber: a) Apresentação pela Parte Devedora à C, de um pedido, por escrito, de renovação do contrato com uma antecedência mínima de 15 dias em relação ao termo do período contratual ou suas renovações; b) A aceitação pela C do pedido de renovação, a qual será comunicada à Parte Devedora, por escrito, indicando o valor da taxa de juro para a renovação:c) A aceitação da nova taxa de juro pela Parte Devedora; d) A apresentação, conjuntamente com o pedido de renovação, pelos avalistas, de declaração escrita em que se obriguem a manter o aval pelo período da renovação, a efectuar por carta registada com aviso de recepção ou telecópia, requisitos não observados, pelo que, nesta vertente não é possível afirmar que houve renovação do contrato.
Face a estes factos afigura-se-nos que as partes contraentes, só aceitaram renovar o contrato dentro dos requisitos expressamente aceites e referidos no contrato, pelo que, afastaram a hipótese de qualquer aceitação tácita.
Mesmo que assim não fosse, temos para nós, não ter havido qualquer aceitação tácita da “S”, como veremos.
Resulta provado que a exequente/aqui embargada declarou, pelo menos por três vezes, renovar o contrato, não se tendo provado qualquer resposta por parte da “S” quanto a tal proposta, provando-se apenas que a “S” não pagou o capital, pagando apenas juros da utilização do mesmo, que utilizou na totalidade, entre 6 de Julho de 1998 e 16 de Setembro de 1998, não tendo movimentado a conta corrente, desde então – 16/9/1998 -), quer a crédito quer a débito.
Face a estes factos verificamos que a “S” utilizou o capital em causa dentro dos meses aludidos no contrato e que não efectuou o pagamento no prazo estipulado na cláusula 4.ª do contrato, incumprindo o mesmo.
Agora, a questão consiste em saber se pelo facto da exequente/aqui embargada ter referido por três vezes que renovava o contrato, sem qualquer resposta da “S”, tal implica da sua parte uma aceitação tácita da renovação, como pretendem os recorrentes, ou se pelo contrário assim não é como defendido na sentença recorrida e advogado pela recorrida.
Como já dissemos, para haver declaração tácita tem de existir factualidade de onde resulte essa intenção, pois o recebimento silente de uma proposta negocial não equivale a uma aceitação - aprovação sem que se prove a ocorrência que qualquer comportamento do receptor que, à luz das concepções dominantes, traduza ou revele, com toda a probabilidade, uma intenção de adesão aos termos de tal proposta.
Tendo presente aos factos supra aludidos, em nossa opinião, não se verifica qualquer facto que traduza ou revele, com toda a probabilidade, da aceitação tácita, da renovação.
Na verdade, a “S” utilizou o montante aludido no contrato dentro dos 6 meses contratados, após tal utilização, e mesmo depois da exequente ter referido renovar o contrato a “S” não mais movimentou a conta corrente quer a débito quer a crédito. Ou seja, não praticou qualquer facto de onde se possa tirar a ilação de uma probabilidade forte de ter aceite a renovação do contrato. Nem se diga que pagou juros, pois não é deste pagamento que se pode tirar a ilação da probabilidade de aceitar a renovação do contrato.
Assim, pelo exposto, advogamos a tese defendida na sentença recorrida quando entende que não houve a renovação de qualquer contrato, pelo que não vemos razão para a alterar.
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4. Decisão
Nos termos expostos julga-se improcedente a apelação e por consequência mantemos a sentença recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.