RECLAMAÇÃO DA CONTA
Sumário

Devem ser incluídas na conta final do processo judicial as custas aplicadas na fase administrativa pela Autoridade da Concorrência, em caso de condenação.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

RELATÓRIO
                        No âmbito do processo nº 114/08.9TYLSB, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, transitada em julgado a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de recurso, foi elaborada a respectiva conta os termos de fls. 336 dos autos.
                        Da referida conta, veio o Ministério Púbico a reclamar, (cfr. fls. 337/338), com o fundamento de que nela não foram incluídas as custas aplicadas pela entidade administrativa (Autoridade da Concorrência) e que a mesma não contemplou a divisão legal prevista, de 60% para o Estado e 40% para a Autoridade Administrativa no que respeita à coima aplicada.  
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                        A srª Escrivã plasmou nos autos a informação de fls. 341/342, reiterando a correcção da conta por si elaborada e pugnando pela improcedência da reclamação.
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                        A entidade condenada, “R…, SA” actualmente “L…, SA”, veio a fls. 345 a 347 pugnar pela defesa parcial da conta, entendendo que as custas aplicadas pela entidade administrativa não devem ser contabilizadas, mas apenas as aplicadas pelo Tribunal. Por outro lado, quanto à segunda questão suscitada, defendeu a procedência da reclamação, entendendo que a coima deveria ser repartida conforme sugerido e legalmente previsto, em 60% para o Estado e 40% para a Autoridade Administrativa.
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                        A srª Juiz do Tribunal de Comércio proferiu o despacho de fls. 351 a 355, no qual decidiu pela improcedência total da reclamação apresentada e defendeu a correcção da conta nos termos elaborados, tanto no tocante à não inclusão das custas aplicadas pela entidade administrativa, como pela não repartição da coima nos termos defendidos (60% para o Estado e 40% para a Autoridade Administrativa). 
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                        Inconformado com a decisão, recorreu o Ministério Público nos termos de fls. 358 a 367, limitando a sua discordância à primeira parte da sua reclamação inicial, ou seja, à parte em que o despacho judicial decidiu a não inclusão das custas aplicadas pela entidade administrativa na conta final.
                        Terminou, formulando as seguintes conclusões:
«1 –    O Ministério Público apresentou reclamação da conta por a mesma não incluir as custas fixadas pela entidade administrativa na decisão condenatória.
2 -       As custas são fixadas pela entidade administrativa em processo de contra-ordenação, na decisão condenatória, ao abrigo do disposto no artº 92º nº 2 do RGCO. 
3 –      Caso o arguido discorde das custas fixadas, deverá impugná-las judicialmente – artº 95º do RGCO.
4 –      De acordo com o disposto no artº 94º nº 4 do RGCO, as custas serão suportadas pelo arguido “…em caso de aplicação de uma coima ou sanção acessória…”.
5 –      Neste caso a arguida não impugnou as custas fixadas pela entidade administrativa na decisão condenatória, a qual veio a ser confirmada (com excepção do montante da coima aplicada) pelo tribunal.
6 –      Sendo definitiva a decisão de fixação das custas pela entidade administrativa, não pode o artº 97 do CCJ – quando engloba as custas administrativas na conta final em caso de rejeição do recurso de impugnação judicial – ser interpretado de modo a impedir a inclusão daquelas na conta final.
7 –      A interpretação dos preceitos legais deverá ser efectuada de acordo com o disposto no artº 9 do Código Civil, ou seja deve ser feita, pelo menos, com suporte mínimo na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, mas “ … não deve cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, sendo ainda dever do intérprete na fixação do sentido e alcance da lei, presumir que “ … o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
8 -       Não faz sentido em termos sistémicos, interpretar o artº 97 do CCJ de modo a excluir o determinado pelos artºs 92 nº 2, 94 nº 4 e 95 do RGCO e assim desconsiderar uma decisão tornada definitiva.
9 -       A actual previsão no RCJ – artº 30º nº 3 e) – de consideração na conta das quantias referentes ao pagamento das coimas e custas administrativas, deverá ser entendida como uma clarificação e não como uma evidência de uma alegada anterior proibição de inclusão desses montantes na conta final.
10 -     A exclusão das custas da entidade administrativa da conta final viola o princípio da unidade da conta, definido no artº 53º do CCJ, a qual deverá incluir todas as custas devidas no mesmo processo.
11 –    Pelo exposto, e porque o despacho recorrido viola o disposto nos artºs 92º nº 2, 94º nº 4 e 95º do RGCO e 97º do CCJ, deverá o mesmo ser revogado e substituído por outro que defira a reclamação apresentada, assim se fazendo Justiça».                                                                     
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                        A parte recorrida e condenada em custas, “L…, SA”, respondeu de forma sintética às alegações do Ministério Público (cfr. fls. 370/372), defendendo a improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
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                        Neste Tribunal, a Exª Procuradora-Geral Adjunta, não tomou posição, limitando-se a apor o seu “visto”, (cfr. fls. 382).
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                        O recurso foi tempestivo, legítimo e correctamente admitido.
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                        Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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                        FUNDAMENTOS
                        O objecto do recurso interposto pelo Ministério Público encontra-se delimitado pelo seguinte item:
 -          Saber se devem ou não ser incluídas na conta final do processo judicial, as custas aplicadas na fase administrativa pela Autoridade de Concorrência, em caso de condenação ou se devem ser excluídas da mesma.
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                         DESPACHO RECORRIDO
                         Foi o seguinte o teor do despacho recorrido:
          -              «Fls. 337 e ss.: Veio o Ministério Público reclamar da conta elaborada nos autos, nos termos do disposto no art. 60° n°2, al. e) do Código das Custas Judiciais com os seguintes fundamentos:
          -              Não foram atendidas na liquidação elaborada as custas aplicadas pela autoridade administrativa na decisão objecto de impugnação que foi parcialmente confirmada.
                         Na elaboração da conta deve atender-se ao princípio da unidade da conta elaborada após o trânsito da decisão final, englobando todas as custas devidas no processo – art. 53° Código das Custas Judiciais aplicável ex vi arts. 74° e 96° e ss. do mesmo diploma.
          -              Na liquidação efectuada não foi respeitada a divisão legalmente estabelecida no art. 31°, al. b) do Decreto-Lei n° 10/2003, de 60% para o Estado e 40% para a autoridade administrativa.
                         Pede a reforma da liquidação de forma a nela serem incluídas as custas aplicadas pela AdC e a repartição legalmente estatuída.
                         A Sra. Escrivã Contadora lavrou informação nos termos do disposto no artº 61° n° 1 do Código das Custas Judiciais, pronunciando-se no sentido do indeferimento da reclamação, porquanto:
          -              Da leitura dos preceitos aplicáveis resulta que o Código das Custas Judiciais não prevê que na conta do processo judicial se considerem as custas do processo administrativo, ao contrário do que sucede no caso de o recurso ser rejeitado – artº 97º do Código das Custas Judiciais;
          -              A divisão da coima aplicada foi efectuada de acordo com o disposto no art. 36° al. j) da Portaria n° 419-A/2009 de17/04, com referência ao art. 17° n° 2 do Decreto-Lei n° 34/2008 de 26/02, em vigor por força do disposto no art. 27°, n° 3, al. a) do Regulamento das Custas Processuais, na redacção dada pelo artº 156° n° 1 da lei n° 64-A/2008 de 31/12.
                         Notificada a arguida, responsável pelo pagamento, veio pronunciar-se no sentido da improcedência da reclamação no tocante à inclusão das custas fixadas pela autoridade administrativa, porquanto a decisão condenatória foi proferida pelo tribunal, sendo este quem fixa as custas em processo judicial, outro entendimento implicando a sua dupla condenação, em custas e sendo o art. 97º do Código das Custas Judiciais uma disposição especial, sem aplicação no caso concreto dos autos.
                         No tocante à divisão do montante da coima aplicada entende dever ser procedente a reclamação.
                         Apreciando:
                         Nos termos do disposto no art. 60° n° 1 do Código das Custas Judiciais, «Oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, o juiz mandará reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais».
                         Este mecanismo dirige-se ao erro no acto de contagem e não ao erro de julgamento em matéria de custas.
                         Inclusão das custas do processo administrativo:
                         No caso o Ministério Público entende, precisamente existir erro no acto de contagem por nele não terem sido incluídas as custas da parte administrativa e por a divisão da coima aplicada não ter sido efectuada de acordo com o previsto no Decreto-lei n° 10/2003.
                         Estabelece o art. 53° n° 1 do Código das Custas Judiciais:
          -              «A conta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção dos incidentes e dos recursos, com excepção das custas de parte e da procuradoria, salvo nos casos em que as mesmas devam ser consideradas na conta.»
                         Especificamente quanto às custas criminais, que abrangem as custas em recursos de contra-ordenação (cfr. art. 92° n° 1 do RGCOC), estabelece o art. 96º n° 3: «No caso de condenação, a liquidação é realizada após o trânsito em julgado da decisão final, no tribunal que funcionou em 1ª instância».
                         Há que aplicar as normas legais, tendo porém em atenção a natureza e características legais dos processos de recursos de contra-ordenação.
                         O processo de contra-ordenação tem, eventualmente, duas fases distintas.
                         A primeira, é a fase administrativa, que corre termos perante uma autoridade administrativa (art. 33° e 48° e ss. do RGCOC), composta, grosso modo de instrução e decisão, a qual, sendo condenatória, deverá fixar o montante das custas e determinar quem as deve suportar – art. 92° n° 2 do RGCOC. As custas abrangem, nesse caso, apenas honorários, emolumentos e encargos, não havendo lugar ao pagamento de taxa de justiça nesta fase – arts. 92° n° 3 e 93° n° 1 do RGCOC.
                         Caso a decisão seja condenatória e o arguido com ela não se conforme, pode impugná-la judicialmente por meio de recurso, a apresentar ante a autoridade administrativa que proferiu a decisão, a qual remete o mesmo ao Ministério Público que o tornará presente ao juiz, valendo este acto como acusação (arts. 59° a 62° do RGCOC). Inicia-se assim, e apenas com a remessa dos autos a juízo pelo Ministério Público, à fase judicial.
                         Assim, o processo contra-ordenacional tem sempre e obrigatoriamente uma fase administrativa e só terá fase judicial se a decisão final da autoridade administrativa for condenatória e o arguido dela interpuser recurso de impugnação.
                         No final da fase judicial, as custas a atender são apenas as custas judiciais, i.e. as custas do processo judicial, tendo em conta o disposto nos arts. 50°, 53° e 96° do Código das Custas Judiciais.
                         As custas da fase administrativa não são, por definição, custas da acção ou judiciais, já que, no momento em que foram aplicadas não havia qualquer processo judicial em curso e não é mandatório que um tal processo lhe siga.
                         E confirmando esta conclusão retirada das regras gerais verifica-se que, tal como referido pela Srª Escrivã Contadora, não existe no Código das Custas Judiciais ou no RGCOC, qualquer norma que determine a inclusão das custas da fase administrativa na fase judicial.
                         Tal raciocínio sai reforçado pelo disposto no art. 97° do Código das Custas Judiciais, onde se estabelece: «A liquidação judicial decorrente da rejeição dos recursos interpostos de decisões proferidas por autoridades administrativas em processos de contra-ordenação engloba a liquidação efectuada».
                         Deste preceito decorre que, quando o juiz rejeita o recurso interposto, nos termos do art. 63° do RGCOC, ou seja, o recurso extemporâneo ou apresentado sem respeito pelas exigências de forma, a liquidação da conta engloba a liquidação efectuada pela autoridade administrativa, englobando coima, custas e taxa de justiça – já devida por se tratar já de fase judicial. Neste sentido vide Salvador da Costa in Código das Custas Judiciais Anotado, 6ª edição, pg. 448, o qual refere que “O disposto neste artigo que versa sobre a liquidação (…) está conexionado com o estatuído no art. 63° n°l do Decreto-lei n° 433/82; de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-lei n° 244/95 de 14 de Setembro.”
                         A consagração de uma norma expressa neste sentido reforça a interpretação que vimos enunciando. Se pelas regras gerais a liquidação englobasse, em caso de condenação, sempre as custas da parte administrativa, não havia qualquer necessidade de prever expressamente que, em caso de rejeição do recurso – caso em que se toma definitiva a decisão condenatória da autoridade administrativa – aquelas custas são incluídas na liquidação, por desnecessidade. Se o legislador se viu na necessidade de especificar tal situação, então estamos ante uma norma especial, aplicável apenas às situações de rejeição de recurso. Nas demais situações, ou seja, quando o juiz conhece por despacho ou vem a proferir decisão final após a realização de audiência de julgamento, como sucedeu no caso dos autos, as custas da parte administrativa do processo não são incluídas na liquidação.
                         E tanto é assim que o novíssimo Regulamento das Custas Processuais (RCP) prevê ora no art. 30°, previsão relativa à conta, em geral que a conta definitiva abrange todas as custas da acção principal, incidentes, recursos e procedimentos anómalos, devendo, entre outros critérios, discriminar as quantias referentes ao pagamento de coimas e de custas administrativas devidas pela instrução de processos de contra-ordenação – cfr. n° 3, al. e) do RCP.
                         Ou seja, a lei alterou a sua orientação anterior, sendo que hoje em dia, nos processos a que o RCP seja aplicável (que não é o caso dos autos), as custas da fase administrativa, em caso de rejeição do recurso (art. 63° do RGCOC), não são consideradas, por nesse caso não haver lugar à elaboração de conta pelo tribunal – neste sentido o mesmo autor já citado, in Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, Maio de 2009, pg. 353.
                         Conclui-se, assim, que nesta parte improcede a reclamação apresentada, uma vez que a conta se mostra elaborada de acordo com as disposições legais aplicáveis.
                         Repartição da coima aplicada
                         Nos termos do disposto do artº 31º nº 1 al. b) dos Estatutos da Autoridade da Concorrência, aprovados pelo Decreto-Lei n° 10/2003 de 18/01, constituem receitas da Autoridade 40% do produto das coimas aplicadas pelas infracções que lhe compete investigar e sancionar, revertendo os 60% remanescentes para o Estado.
                         Entende a Digna Reclamante que este preceito foi desrespeitado.
                         Porém, sem razão.
                         Nos termos do art. 17° do Decreto-Lei n° 34/2008 de 26/02, quando venham a ser cobradas quantias, pelos tribunais, por força da condenação no pagamento de coimas, 10% do seu valor reverte para o Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, IP. Prescreve o nº 2 do preceito que as quantias que não revertam a favor do referido Instituto, são depositadas junto da Direcção Geral do Tesouro, que procederá à transferência das mesmas para as contas das respectivas entidades beneficiárias.
                         Este preceito entrou em vigor em 20/04/2009, nos termos do respectivo art. 26° n° 1 (e não art. 27° do mesmo diploma, que se refere à aplicação da lei no tempo do Regulamento das Custas Processuais e alterações às leis de processo aprovadas por este).
                         Tal implica que em todas as liquidações efectuadas após a entrada em vigor do diploma se deixa aqui de efectuar a repartição legalmente prevista, a qual, no caso, aplicará o disposto no art. 31° n° 1, al. b) dos Estatutos da Autoridade da Concorrência.
                         Tendo a conta nestes autos sido elaborada em 08/07/09, mostra-se elaborada de acordo com os preceitos legais aplicáveis, não tendo desrespeitado o normativo em causa, cuja aplicação passou a ficar a cargo de outra entidade.
                         Pelo exposto, mostrando-se a conta elaborada nos autos de acordo com as disposições legais aplicáveis, indefere-se a reclamação apresentada pelo Ministério Público.
                         Sem custas.           
                         Notifique».
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DO DIREITO
                        A arguida “R…SA”, [actualmente “L…SA”], impugnou judicialmente uma decisão condenatória da Autoridade da Concorrência, tendo o tribunal em 1ª instância e depois em sede de recurso mantido a condenação da mesma, apenas com ligeira diminuição da coima, sendo condenada pela prática de uma contra-ordenação prevista nos artº 3 nº 1 e 5 nº 2 a) do DL 370/93 de 29 de Outubro. Transitada em julgado a decisão foi elaborada a conta de fls. 336.
                   Na decisão condenatória proferida pela Autoridade da Concorrência nos presentes autos de contra-ordenação, foi a arguida condenada, pela prática da referida contra-ordenação, na coima de 8.105,46 e nas custas de 150,00.
                   O Tribunal do Comércio de Lisboa confirmou a condenação da arguida, reduzindo apenas o montante da coima única para 3.750,00.
                   Condenou também a arguida nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 5 UC (artºs 93 nº 3 e 4 do DL 433/82 de 27 de Outubro, na redacção do DL 323/01 de 17/12 e 87 nº1 c) do CCJ.
                        Em sede de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa foi negado provimento, confirmando-se na íntegra a sentença recorrida e condenou ainda a arguida nas custas, com 4UCs de taxa de justiça.
                   Conforme decorre do despacho recorrido, corroborando a informação da srª Escrivã, na referida conta não foram incluídas as custas em que a arguida foi condenada pela entidade administrativa, “por se entender que não existe no código das custas judiciais previsão legal que determine a referida inclusão, ao contrário do que se verifica para o caso da rejeição do recurso de impugnação judicial, nos termos do artº 97º desse mesmo diploma”.
                        Assim não entende o recorrente e parece-nos que com razão.
                        Vejamos.
                        O processo de contra-ordenação pode além da fase administrativa ter uma fase judicial, (cfr. artº 33º e seguintes do RGCO), caso a parte decida impugnar a decisão e recorrer nos termos legais para o Tribunal respectivo, como foi o caso.
            Porém, o regulamento das contra-ordenações consagra de forma expressa no seu artº 92º o seguinte:
«1 -     Se o contrário não resultar desta lei, as custas em processo de contra-ordenação regular-se-ão pêlos preceitos reguladores das custas em processo criminal.
2 -       As decisões das autoridades administrativas que decidam sobre a matéria do processo deverão fixar o montante das castas e determinar quem as deve suportar.
3 -       As custas abrangem, nos termos gerais, a taxa de justiça, os honorários dos defensores oficiosos, os emolumentos a pagar aos peritos e os demais encargos resultantes do processo».  

                        É pois inquestionável, que o legislador previu para o processo administrativo o pagamento de custas. E difícil de entender seria o contrário, tendo em conta o conceito de custas. Pois conforme é referido por Salvador da Costa, também invocado pelo recorrente na sua motivação: 
-          «O conceito de custas em sentido técnico-jurídico significa as despesas ou encargos judiciais com os processos de natureza cível, criminal, administrativa ou tributária, isto é, o dispêndio necessário à obtenção em juízo da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação fáctico-jurídica». (Cfr. Salvador da Costa na anotação ao artº 1 do Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado).
                        A regra geral é a de que as custas são suportadas pela parte vencida a final. O processo administrativo não é diferente, não obstante não existir na fase administrativa aquilo que nos processos judiciais é denominado por “taxa de justiça”, mas apenas custas ou encargos com o processo e demais despesas, tendo em tudo uma função idêntica. (cfr. artº 92º nº 3 e 93º nº 1 do RGCO). 
                        A interpretação dada pela Mmª Juiz “a quo”, é a de que, no caso do processo administrativo seguir para tribunal, mas o recurso não ser recebido, a conta final deverá englobar as custas administrativas, retirando tal entendimento do disposto no artº 97º do CCJ.
                        Porém, já não entende o mesmo nos casos em que a recorrente venha a impugnar judicialmente a decisão e seja condenada pelo tribunal de recurso que confirme a decisão. Isto porque em seu entender, não existe norma expressa a prever tal situação.   

                        Não perfilhamos o entendimento do despacho recorrido e temos como correcta a interpretação do recorrente quando refere expressamente a dado passo:
           -       «A situação em causa encontra-se prevista nos artº 94º nº 3 e 95 nº 1 do RGCO, onde é determinado que as custas são suportadas pelo arguido “… em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória …”  e que “… o arguido pode, nos termos gerais, impugnar judicialmente a decisão da autoridade administrativa relativamente às custas …».
                        Com efeito, a condenação em custas administrativas respeitam a encargos de administração da justiça diferente da fase judicial, mas são uma fase que teve custos, daí a sua aplicação como em qualquer normal processo, de acordo com os princípios gerais.
                        O arguido da contra-ordenação, ao recorrer da decisão que a Autoridade da Concorrência lhe aplicou poderia igualmente recorrer das custas, conforme previsão legal do RGCO, que acima citámos, mas não o fez. 
                        O Tribunal “ad quem”, manteve a condenação e aplicou uma nova condenação em custas, que respeitam agora a uma fase diferente do processo, (novos encargos, novas despesas) mas a condenação pelas custas na fase administrativa mantém-se; ela não foi revogada, dado nem ter sido objecto de impugnação.   
                        Refere o despacho recorrido que existe uma lacuna na lei por não prever a situação concreta em discussão; é certo que a lei não é taxativa, mas em nosso entender nem precisa de norma expressa para o efeito, pois decorre das regras gerais que não sendo revogadas ou reduzidas as custas aplicadas pela Autoridade da Concorrência, (que no caso concreto nem foram objecto de recurso), a condenação mantém-se e terão necessariamente de ser englobadas na conta final, sob pena de não cumprimento de uma decisão condenatória transitada.
                        Lacuna seria, deixar de englobar, sem justificação, ou apenas porque não resulta da lei com clareza, a referida condenação em custas. A interpretação dada pelo despacho recorrido ao artº 97º do CCJ não nos permite a conclusão que dele foi extraída.
                        É de subscrever ainda a argumentação do recorrente no sentido de que a não inclusão das custas aplicadas pela entidade administrativa na conta final viola o princípio da unidade da conta previsto no artº 53º do CCJ, que expressamente prevê que a conta final deve englobar todas as devidas no processo; e no caso em apreço não se vislumbra fundamento legal para excluir as aplicadas na fase administrativa.
                   O artº 30º do RCJ veio dizer taxativamente que a conta deve englobar tudo, (coimas e custas administrativas), mas não se pode extrair desta clarificação da lei, a conclusão de que antes não as poderia englobar, pensamos até, que inculca justamente o inverso.    
                        Concluímos assim pela procedência do recurso.
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                        Na reclamação inicial apresentada em relação à conta, o recorrente invocou ainda a questão da inobservância da repartição da coima. Todavia, tal não veio posteriormente a ser objecto de recurso, pelo que não é matéria de apreciação obrigatória.
            No entanto, sempre diremos que se nos afigura correcta a interpretação dada no despacho judicial no tocante a esta matéria, pois nos termos do artº 17° do Decreto-Lei n° 34/2008 de 26/02, tal repartição veio a ser determinada noutros moldes, prevendo no caso de condenação no pagamento de coimas, que 10% do seu valor reverta para o Instituto de Gestão Financeira da Justiça e que as quantias que não revertam para tal Instituto, sejam depositadas junto da Direcção Geral do Tesouro, que procederá à transferência das mesmas para as contas das respectivas entidades beneficiárias.
                         Tendo o referido preceito entrado em vigor em 20.04.2009, e a conta nestes autos sido elaborada em 08.07.2009 a decisão proferida nesta parte não merece qualquer censura.

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                        DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes em julgar procedente o recurso e determinam a revogação do despacho recorrido o qual deverá ser substituído por outro que ordene a reforma da conta de modo a incluir as custas aplicadas pela Autoridade da Concorrência na fase administrativa do processo. 
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Sem custas. 
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Lisboa 03 de Março de 2010[1]

A. Augusto Lourenço
João Carlos Lee Ferreira
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[1] - Elaborado e revisto pelo relator.