RECURSO
ADMISSIBILIDADE
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DO RECURSO
RECLAMAÇÃO
DESPACHO
TEMPESTIVIDADE
SUBIDA DO RECURSO
Sumário

I – A única questão que, ao abrigo do artigo 688.º do Código de Processo Civil, se suscita no âmbito da presente reclamação é a seguinte: deveria ou não o tribunal que proferiu o despacho reclamado ter admitido a Apelação interposta pela Ré e, nessa sequência, determinado a subida imediata desse recurso a este Tribunal da Relação de Lisboa, por a admissibilidade e subida do mesmo somente com o recurso da decisão final importar a inutilidade absoluta da sua impugnação judicial, conforme determina o artigo 691.º, número1, alínea m) do mesmo diploma legal?
O referido despacho, apesar de aceitar a existência da nulidade principal prevista no artigo 199.º do Código de Processo Civil e que havia sido arguida pela Ré (erro na forma do processo), considerou que não havia razão para anular quaisquer dos actos praticados nos autos (designadamente, a oposição da Ré ao Requerimento Injuntivo), dado não se verificar qualquer diminuição das garantias das partes, tendo, por outro lado, encarado como extemporânea a contestação/reconvenção apresentada pela Ré como resposta à petição inicial corrigida e, nessa medida, ordenado o seu desentranhamento dos autos.
II – Um eventual acolhimento dos argumentos desenvolvidos no recurso em questão, em momento prévio ao da Apelação da sentença final, implicará a anulação de todo o processado posterior ao despacho revogado ou alterado pelo Tribunal da Relação de Lisboa e uma tramitação diferente da acção a partir daí, sem que se vislumbre – para além desse retrocesso adjectivo, do tempo acrescido que a pendência da acção terá e dos transtornos que tal situação causa ás partes e aos demais intervenientes processuais –, qualquer prejuízo irremediável, irrecuperável, definitivo e absoluto para a parte Reclamante.
III – A intempestividade a que alude o despacho reclamado não se prende com a sua extemporaneidade – ou seja, com a sua interposição fora do prazo legal – mas antes com a sua inoportunidade ou apresentação prematura, dado só haver lugar a tal impugnação em sede do recurso de Apelação que vier a ser interposto da sentença final, nos termos do artigo 691.º, número 3 do Código de Processo Civil.
IV – Logo, andou bem o tribunal da 1.ª instância ao não admitir o recurso de Apelação interposto pela Ré e aqui Reclamante, dado as questões nele suscitadas deverem ser levantadas no quadro do recurso da sentença final, nos termos e para os efeitos do artigo 691.º, número 3 do Código de Processo Civil (ou do número 4, caso não haja lugar a recurso da decisão final).
JES)

Texto Integral

DECISÃO SUMÁRIA NOS TERMOS DO ARTIGO 688.º, NÚMERO 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


I – RELATÓRIO

TRANSPORTE DE CRIANÇAS E ADULTOS, LDA., identificada a fls. 14, veio apresentar, no dia 17/10/2008, na Secretaria Geral de Injunções de Lisboa um requerimento de natureza injuntiva, a que foi atribuído o número ..., mediante o qual pretendia a notificação de TRANSPORTES DE PASSAGEIROS, LDA., igualmente identificada a fls. 14, para lhe pagar o montante de Euros 145.147, 02, a título de capital, a quantia de Euros 20.211,37, a título de juros de mora à taxa de 11,20% e vencidos desde 7/7/2007 e ainda a importância de Euros 336,00 a título de taxa de justiça, sendo aquela importância emergente do contrato de franchising celebrado em 21/8/2005, tendo para o efeito sido emitida a competente factura.
Alegou, para o efeito e na parte que interessa, o seguinte:
“A Requerente é uma Sociedade Comercial que tem por objecto, entre outros, o transporte de crianças e adultos.
No âmbito da sua actividade comercial celebrou com a Requerida em 2001/08/21, 2020/05/29, 2004/08/31 e 2006/04/01, contratos de Franchising e respectivas adendas aos mesmos, em 2006/05/29.
Acontece que, em violação do disposto nos artigos 22.º e 23.º do contrato de franchising, a Requerida procedeu à resolução dos mencionados contratos.
Na sequência dessa resolução, foi emitida à Requerida pela Requerente a factura 21/2007, de 2007/07/07, com vencimento na mesma data, no valor de Euros 145.147,49.
Apesar de insistentemente interpelada para pagar, a Requerida não liquidou qualquer quantia, pelo que desde já, se reclamam os respectivos juros de mora que à presente data, ascendem à quantia de Euros 20.211,37.
Valor ao qual deve somar-se a quantia de Euros 336,00, a título de taxa de justiça já paga.”
*
Efectuada a notificação da requerida TRANSPORTES DE PASSAGEIROS, LDA., veio esta apresentar a oposição constante de fls. 16 a 31, defendendo, por um lado, a nulidade dos contratos de franchising, como questão prévia, e, por outro, impugnando os factos consubstanciadores da pretensão formulada ou contrapondo uma versão diferente dos mesmos, pedindo a final que fosse julgado improcedente o pedido da Requerente, com a sua absolvição do pagamento do montante peticionado por aquela, dado não possuir qualquer fundamento legal.
Face a tal oposição, vieram os autos de injunção a ser remetidos para as Varas Cíveis de Lisboa, tendo aí sido distribuídos à 11.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secção, como acção declarativa de condenação com processo ordinário número .....
No quadro dessa acção ordinária, veio o juiz do processo a proferir, a fls. 48 e com data de 11/03/2009, o seguinte despacho de aperfeiçoamento:
Nos termos do art. 508.º n.º 3 do C.P.C., convido a Autora a, no prazo de dez dias, juntar os documentos nos quais foi reduzido a escrito os invocados contratos e apresentar novo articulado no qual complete a petição inicial, alegando os factos dos quais se possa extrair que as partes celebraram os invocados contratos de franchising; esclarecendo a conclusão de que a comunicação da resolução por parte da requerida viola estipulação contratual; e esclarecendo o apuramento do valor de € 145.147,49.
*
A Requerente TRANSPORTE DE CRIANÇAS E ADULTOS, LDA., em cumprimento desse despacho, veio, a fls. 50 a 57, juntar articulado corrigido, onde formulou pedido idêntico ao do Requerimento de Injunção.
A Requerida, notificada desse novo articulado, veio apresentar, para além da contestação/reconvenção de fls. 67 a 150, requerimento onde, pelos fundamentos ali alegados, conclui da seguinte forma (fls. 59 a 63):
“Nestes termos, requer-se a V. Exa. que:
- Julgue verificada a existência de erro na forma do processo especial utilizado pela Autora, verificado na sequência do convite de V. Exa. para efeitos de apresentação de requerimento de aperfeiçoamento dos parcos factos constantes da injunção e, em consequência;
- Anule a oposição apresentada pela Ré, notificando-a para apresentar nova peça processual, desta feita, contestação, sendo certo que esta o fará deduzindo o respectivo pedido reconvencional, como constitui seu direito processual”.
Face a tais contestação/reconvenção e requerimento da Ré, veio o tribunal reclamado a proferir, com data de 21/05/2009 e a fls. 65 e 66, o seguinte despacho:
Estranha-se o facto de a Ré afirmar que se verificou o erro na forma do processo na sequência do despacho que convidou a Autora a aperfeiçoar a petição, uma vez que, na oposição deduzida, a Ré reconhece que a Autora peticionou o pagamento de uma indemnização (cf. artigo 35 da oposição).
O facto de a Autora ter recorrido à injunção em vez de recorrer ao processo comum não era impeditivo de a Ré ter deduzido reconvenção (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 2006, processo 5904/2006-7).
Assim, e atento o disposto no art.º 199.º do C.P.C., porque podem ser aproveitados sem diminuição das garantias da Ré, não se anula a petição nem a oposição.
Pelo exposto, indefiro a requerida anulação da oposição e a requerida notificação da Ré para apresentar nova contestação.
O prazo para a Ré exercer o contraditório relativamente ao aperfeiçoamento da petição por parte da Autora é de 10 dias (arts. 508.º, n.º 4 e 153.º do C.P.C.).
Assim, por ser extemporânea (cf. documento comprovativo da notificação à parte contrária de fls. 57), ordeno o desentranhamento da contestação apresentada a 13 de Maio de 2009 e respectivos documentos e a sua restituição à parte respectiva.
Custas do desentranhamento pela Ré, fixando a taxa de justiça em 2 UCs.
Notifique a Autora para, no prazo de dez dias, juntar documento comprovativo da notificação à parte contrária dos documentos enviados pelo correio a 31 de Março de 2009.
*
A Ré, notificada desse despacho, veio a fls. 152 e seguintes, interpor recurso de Apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto no número 2 do artigo 691.º-A e 692.º do Código de Processo Civil, tendo formulado, para o efeito, as seguintes conclusões:
(…)
*
O tribunal da 1.ª instância proferiu, com data de 9/07/2009 e a fls. 176 e 177, o despacho do seguinte teor, na parte que nos interessa:
“Indefiro o requerido pela Ré a 6 de Julho de 2009, uma vez que a alteração ao art. 145.º do C.P.C. introduzida pelo DL 34/2008, de 26 de Fevereiro, não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que não se aplica aos processos iniciados antes do dia 20 de Abril de 2009 e respectivos recursos, nos termos do art. 272 n.º 1 da L 34/2008 – redacção dada pela L 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não se compreendendo a invocação pela Ré do disposto no n.º 2 do citado art. 27°.
Nos termos do art.º 691.º, n.º 2, alínea m) do C.P.C., "cabe... recurso de apelação das... decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil".
Recurso cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil é apenas aquele cujo resultado, seja ele qual for, devido à impugnação apenas com o recurso da decisão final, já não pode ter qualquer eficácia dentro do processo, mas não aquele cujo provimento possibilite a anulação de alguns actos, por ser esse o risco próprio ou normal dos recursos diferidos (Acórdãos Doutrinais do STA 160.º, 557).
Assim e nos termos do artigo 685.º-C, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil, indefiro o requerimento de interposição do recurso apresentado a 15 de Junho de 2009, por o mesmo ser intempestivo.
Custas pela recorrente.
Notifique.”
*
A Ré e recorrente, inconformada com tal despacho, veio apresentar, a fls. 2 e seguintes, a presente Reclamação, nos termos e para os efeitos do artigo 688.º do Código de Processo Civil, aí tendo afirmado, em síntese, o seguinte:
“Ao abrigo do novo regime recursório, introduzido pelo DL. 303/2007, qualquer eventual reacção de uma decisão interlocutória será, em regra, impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final, ressalvadas as excepções previstas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 691 ° do Código de Processo Civil.
Uma dessas alíneas, concretamente e com interesse para a matéria in casu, a alínea m) possibilita o recurso de apelação de decisões tina impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
Por concretização legislativa abriu-se a possibilidade de interposição de recursos interlocutórios em situações em que o recurso cego à regra geral conduziria à absoluta inutilidade de uma eventual decisão favorável obtida logo por via do recurso.
A Ré, ora Reclamante, não olvidou o regime especial previsto nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 691°, concretamente, na alínea m) do dispositivo, sendo certo que interpôs o mesmo por, com o devido respeito, considerar que a situação em causa se enquadra no mesmo, conforme infra aduzirá.
Colocando de parte o efeito normal, pelo menos previsível de qualquer recurso, leia-se, uma eventual inutilização de parte do processado, por verificação de um qualquer vicio, ainda que nesta se inclua a sentença final e afastando-nos de tal argumento, que não invocámos por conhecer a doutrina e jurisprudência maioritária formada (vide v.g. Acórdão STJ, de 2.7.98; Acórdão RP, de 12.12.1989; Ac. RC, de 11.3.1998), a verdade é que a Ré, ora Reclamante considera que a não apreciação do recurso por si interposto, sem ser com o recurso que eventualmente venha a ser interposto com a decisão final, conduzirá ao vazio, a lugar nenhum.
Isto porque, ao não ser conhecido o recurso interposto do despacho do Tribunal a quo que de forma pouco clara parece reconhecer o erro na forma de forma utilizada pela Autora (Injunção), mas que decidiu não anular a oposição apresentada pela Ré, ora Reclamante e, em consequência, notificar a mesma para apresentar nova peça processual (contestação), salvaguardando os seus direitos de defesa, onde se insere o direito de deduzir pedido reconvencional, no prazo de 30 dias, tal importará para a Ré, ora Reclamante (independentemente do direito de vir a recorrer a final) a apresentação de uma nova acção judicial, onde discutirá o mesmo direito de resolução contratual entretanto carreado para a lide para a Autora e o quantum indemnizatório devido pela violação dos termos contratuais por parte da Autora.
Ou seja, a faculdade de dedução de pedido reconvencional juntamente com a apresentação de nova contestação (ressalvados os requisitos processuais de admissibilidade do mesmo) ao ser afastada pelo Tribunal a quo nesta fase tão embrionária dos autos, afastando a possibilidade de tal decisão ser sindicada por V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, importará não uma inacção da Ré, ora Reclamante, mas a apresentação de uma nova lide, onde se discutirá o incumprimento contratual da Autora e legais consequências, in casu, o direito de indemnização.
Independentemente da Ré, ora Reclamante poder vir a entender recorrer a final do despacho, entretanto em crise, a verdade é que, ainda que os seus intentos revidendos merecessem concordância por parte deste Tribunal Superior, a verdade é que apresentada nova acção (conforme constitui um direito da Ré, ora Reclamante), tal decisão não faria qualquer sentido, pois outra via já havia sido entretanto encetada,
Crê-se seriamente e depois de uma análise intelectual do dispositivo normativo, pouco desenvolvido é certo, que a matéria dos autos configura uma situação em que uma impugnação relegada para a decisão final careça de corpus.
Aderindo às sábias palavras do Venerando Juiz Desembargador Salazar Casanova, “não nos devemos, porém, esquecer que as realidades da vida nem sempre estão tingidas apenas por corres primárias, não surpreendendo, assim, que as suas expressões jurídicas se projectem com os mais variados matizes.” (in Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, processo 3947/03-8).
Efectivamente, a matéria in casu é jovem, senão mesmo embrionária, considerando também a jovialidade do novo regime recursório. No entanto, cremos que o legislador não pretendeu afastar de todo a possibilidade de recurso de decisões interlocutórias, pois se assim fosse bastava a exclusão da alínea m) v.g.
A manutenção deste dispositivo, agora ligado à possibilidade de recurso imediato ou não (em relação ao anterior regime do artigo 734.º, n.º 1 alínea c) importa, no nosso modesto entendimento, a aferição casuística da utilidade ou inutilidade do recurso da decisão a fina/ ou imediatamente.
Conforme supra aduzido, entende a Ré, ora Reclamante que a não apreciação do recurso por si apresentado, relegando o mesmo para o recurso que vier a ser interposto da decisão final acarreta a total inutilidade de apreciação da questão cujo juízo revidendo se reclamou uma vez que o ordenamento jurídico possibilita a apresentação de nova acção (ao invés da dedução de pedido reconvencional nos autos em causa).
É certo que com tal atitude em nada se contribui para a redução de pendência nos Tribunais, de fomento de decisões contraditórias sobre a mesma matéria, no entanto, tal é uma faculdade legal, que terá de ser certamente ponderada pela Ré.
Para além da invocação generalista de rejeição do recurso com fundamento no artigo 685.º-C n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil, que como é consabido pode assentar em inadmissibilidade de recurso, intempestividade e falta de condições do recorrente para o acto, o Tribunal a quo, conclui, expressamente que indefere o requerimento de interposição de recurso apresentado a 15 de Junho de 2009 por o mesmo ser intempestivo.
Crê-se que tal referência, certamente, terá sido invocada por lapso, uma vez que carece de qualquer fundamento. Senão vejamos:
- O despacho judicial que mereceu um juízo revidendo foi notificado à Ré em 28 de Maio de 2009;
- O recurso de apelação apresentado tinha como prazo limite normal o dia 12 de Junho de 2009 (sexta-feira);
- O recurso de apelação foi apresentado no dia 15 de Junho de 2009 (1.º dia útil após o termo do prazo, tendo sido liquidada a multa prevista no artigo 145°, n.º 5), logo, o recurso não podia ser rejeitado com fundamento em intempestividade, conforme consta do despacho reclamado.
Carece assim, também, de fundamento de rejeição a propalada intempestividade.
Desta sorte, deverá proceder a presente reclamação e ser julgado admissível o recurso interposto, ordenando V. Exa., Venerando Juiz Desembargador-Relator ao Tribunal a quo a remessa do processo principal, o que se requer.”
*
O tribunal reclamado manteve o despacho reclamado (fls. 178).
*
Cumpre apreciar e decidir.
*
II – APRECIAÇÃO DA QUESTÃO
A única questão que, ao abrigo do artigo 688.º do Código de Processo Civil, se suscita no âmbito da presente reclamação é a seguinte: deveria ou não o tribunal que proferiu o despacho reclamado ter admitido a Apelação interposta pela Ré e, nessa sequência, determinado a subida imediata desse recurso a este Tribunal da Relação de Lisboa, por a admissibilidade e subida do mesmo somente com o recurso da decisão final importar a inutilidade absoluta da sua impugnação judicial, conforme determina o artigo 691.º, número1, alínea m) do mesmo diploma legal?
O tribunal da 1.ª instância entendeu que, atendendo ao teor do despacho recorrido e ao objecto do recurso interposto pela Reclamante, não se verificava uma situação de inutilidade absoluta, podendo e devendo tal discordância com o referido despacho ser suscitada no quadro da Apelação da sentença final.
O referido despacho, apesar de aceitar a existência da nulidade principal prevista no artigo 199.º do Código de Processo Civil e que havia sido arguida pela Ré (erro na forma do processo), considerou que não havia razão para anular quaisquer dos actos praticados nos autos (designadamente, a oposição da Ré ao Requerimento Injuntivo), dado não se verificar qualquer diminuição das garantias das partes, tendo, por outro lado, encarado como extemporânea a contestação/reconvenção apresentada pela Ré como resposta à petição inicial corrigida e, nessa medida, ordenado o seu desentranhamento dos autos.
Tal decisão judicial impõe que se recorra dele imediatamente, sob pena de uma futura apreciação e julgamento pelo tribunal de recurso, conjuntamente com a Apelação da sentença final, das questões nele suscitadas não terem qualquer efeito útil e válido na economia do litígio em presença?
Analisando devida e rigorosamente a questão, sem perder de vista o que a nossa melhor doutrina e jurisprudência afirmam a esse respeito, afigura-se-nos que a resposta é, manifestamente, negativa, pois um eventual acolhimento dos argumentos desenvolvidos no recurso em questão, em momento prévio ao da Apelação da sentença final, implicará a anulação de todo o processado posterior ao despacho revogado ou alterado pelo Tribunal da Relação de Lisboa e uma tramitação diferente da acção a partir daí, sem que se vislumbre – para além desse retrocesso adjectivo, do tempo acrescido que a pendência da acção terá e dos transtornos que tal situação causa ás partes e aos demais intervenientes processuais –, qualquer prejuízo irremediável, irrecuperável, definitivo e absoluto para a parte Reclamante.
António Santos Abrantes Geraldes, em “Recursos em Processo Civil – Novo Regime – Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, Almedina, Dezembro de 2007, páginas 182 e 183, em anotação ao artigo 691.º, número 1, alínea m) do Código de Processo Civil (na redacção que resultou da reforma de 2007, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, com entrada em vigor em 1/01/2008 e com aplicação aos processos instaurados após essa data, como é o caso desta acção):
“m) Decisões cuja impugnação com a decisão final seja absolutamente inútil.
Com este preceito o legislador abriu a possibilidade de interposição de recursos intercalares em situações em que a sujeição à regra geral importaria a absoluta inutilidade de uma eventual decisão favorável obtida em sede de recurso.
O advérbio empregue (“absolutamente”) marca bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos aos que anteriormente se previam no art.º 734.º, n.º 1, alínea c), para efeitos de determinar ou não a subida imediata do agravo.
Empregue a mesma expressão, agora para efeitos de delimitação dos casos em que pode ou não interpor-se imediatamente recurso, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso decretado em momento ulterior não passará de uma "vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção.
Verificada uma qualquer situação de absoluta inutilidade da im­pugnação relegada para momento ulterior, sob pena da verificação do caso julgado.
O recurso é interposto no prazo de 15 dias (n.º 5). Sobe em separado e, em regra, com efeito meramente devolutivo (arts. 691.º-A, n.º 2 e 692.º, n.º 1), não estando, por isso, fechada a possibilidade de ser re­clamado o efeito suspensivo se acaso a execução da decisão for causa de prejuízo considerável, nos termos do art.º 692.º, n.º 4.”
Este mesmo autor, ao nível das notas que complementam o excerto acima reproduzido, refere ainda que “decidiu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 16-3-93, BMJ 425.º/142, que a restrição prevista na lei quanto à subida imediata dos agravos (e, agora, quanto à recorri­bilidade imediata) "não ofende o princípio constitucional da igualdade, expressando tal regime uma opção legislativa, baseada na tutela da celeridade processual, que não se pode configurar como injustificada, irrazoável ou arbitrária", bem como que “É pacífica a jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-5-97, BMJ 467.º/536, segundo a qual "a inutilidade...há-de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inu­tilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso”. Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 14-1-03. CJ, tomo 1, página 10, um recurso torna-se absolutamente inútil nos casos em que, a ser provido, o recorrente já não pode aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao efeito que se quis alcançar.
O advérbio implica que a inutilidade corresponda ao próprio resultado do recurso, o que não se confunde com a mera possibilidade de anulação ou de inutilização de um certo processado (cfr. o Acórdão do STJ, de 14-3-79. BMJ 285.º/242, o Acórdão da Relação do Porto, de 24-5-84. CJ, tomo III, pág. 246, e o Acórdão da Relação de Coimbra. de 4-12-84. CJ. tomo V. pág. 79).”
Importa dizer, por outro lado, que a intempestividade a que alude o despacho reclamado não se prende com a sua extemporaneidade – ou seja, com a sua interposição fora do prazo legal – mas antes com a sua inoportunidade ou apresentação prematura, dado só haver lugar a tal impugnação em sede do recurso de Apelação que vier a ser interposto da sentença final, nos termos do artigo 691.º, número 3 do Código de Processo Civil.
Logo, andou bem o tribunal da 1.ª instância ao não admitir o recurso de Apelação interposto pela Ré e aqui Reclamante, dado as questões nele suscitadas deverem ser levantadas no quadro do recurso da sentença final, nos termos e para os efeitos do artigo 691.º, número 3 do Código de Processo Civil (ou do número 4, caso não haja lugar a recurso da decisão final).
III – DECISÃO
Sendo assim, pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente Reclamação, deduzida pela Ré TRANSPORTES DE PASSAGEIROS, LDA., ao abrigo do disposto no artigo 688.º do Código de Processo Civil, mantendo-se o despacho reclamado, nos seus precisos moldes.
Custas a cargo da Reclamante.
Lisboa, 5 de Março de 2010
(José Eduardo Sapateiro)