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REGISTO PREDIAL
RECUSA
CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO
IMPUGNAÇÃO
Sumário
I- A aquisição de bens em execução beneficia da dispensa do trato sucessivo por força do n.º 2 do art.º 34 (última parte) já que é sempre consequência de penhora anteriormente inscrita. II- o Ex.mo Senhor Conservador na sua função parajudicial de qualificação tem o poder-dever de, respeitando o título judicial, fazer interpretação correctiva do mesmo quando o resultado é inequívoco por forma a admitir a registo actos que sem essa favorável interpretação nele não teriam ingresso. (V.G.)
Texto Integral
Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
AGRAVANTES/REQUERENTES DE ACTO DE REGISTO PREDIAL: B... e C...
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Com os sinais dos autos.
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Inconformados com a decisão de 7/05/09 que julgou improcedente o recurso do despacho de recusa do pedido de registo predial e de cancelamento das inscrições de penhoras proferido pelo Snr. Conservador da ... Conservatória do Registo Predial de Almada D..., dela agravaram os recorrentes em cujas alegações concluem:
1. A sentença recorrida fez errónea interpretação do direito aplicável aos actos levados a registo predial de aquisição e de cancelamento de ónus;
2. Já quando do primeiro pedido de registo, PROVISÓRIO E POR DÚVIDAS, de aquisição do direito a 4/6 indivisos do prédio dos autos, com fundamento no facto do acto requerido “não estar titulado no documento apresentado nem tinha sido apresentada licença de utilização do prédio”, tal registo não deveria ter ficado PROVISÓRIO E POR DÚVIDAS, porquanto o título apresentado foi uma escritura pública que a lei assim o impõe (art.º 875 do Código Civil), por se tratar de um bem imóvel, ainda que adquirido em compropriedade (art.ºs 1403, n.º 1 e 1404 do Código Civil) e parcialmente, nela apenas estar declarado que “(…) vende (…) o correspondente a 4/6 indivisos do prédio(…)” visto que o seu significado é o mesmo que (…) vende o direito a 4/6 indivisos do prédio(…)” e, muito menos, porque não havia sido apresentada a LICENÇA DE UTILIZAÇÃO, já que a lei DISPENSAVA essa apresentação por se tratar de uma venda de (parte) de um bem imóvel feita por NEGOCIAÇÃO PARTICULAR, decorrente de acção executiva, conforme determina o disposto no n.º 6 do art.º 905 do C.P.C.;
3. E muito menos o Senhor Conservador deveria ter recusado o segundo pedido do mesmo registo de aquisição parcial do prédio (direito a 4/6 indivisos) apresentado pelos recorrentes dois meses depois daquele primeiro ter CADUCADO, nos termos do art.º 11 do C.R.P, por terem decorrido mais de 6 meses sem que aquele primeiro referido registo (que havia sido feito provisório e por dúvidas) tivesse sido convertido em definitivo e removidas as dúvidas, não obstante, a certidão da ESCRITURA PÚBLICA que fora apresentada neste segundo registo de aquisição parcial de imóvel já havia sido corrigida à feição da exigência do Senhor Conservador, com o aditamento à margem da palavra “direito” a 4/6 indivisos, bem como, a falta de apresentação de licença de utilização, era, e ainda hoje o é, repita-se, legalmente inexigível (art.º 905, n.º 6 do C.P.C.).
4. Um registo predial (comercial ou de outra ordem) que tenha CADUCADO pelo decurso do prazo por imperativo legal (art.º 11.º do supracitado Código do Registo Predial), jamais poderá produzir efeitos SOBRE O QUE QUER QUE SEJA, muito menos nos subsequentes registos, é exactamente a mesma coisa quando ocorre a CADUCIDADE do direito pelo decurso do prazo, e a pessoa não o aproveitou enquanto esteve nas condições em que esteve em vigor.
5. PELO QUE, é ilegal usar um registo predial cuja CADUCIDADE foi observada por LEI;
6. No mesmo erro incorre a sentença recorrida que, erroneamente, escudando-se, diz, na “violação do princípio da legitimação” que, como se vê, inequivocamente, nunca existiu falta de legitimação do registo (vide trato sucessivo do mesmo), sendo incongruente com a posição que foi assumida no douto PARECER do MINISTÉRIO PÚBLICO, também a este especial propósito;
7. Estava, pois, legalmente vedado ao Senhor Conservador, e agora à sentença que o sufragou, FUNDAMENTAR a RECUSA do último REGISTO, ora em RECURSO, da PLENA PROPRIEDADE do prédio dos autos, bem como, a RECUSA do CANCELAMENTO dos ÓNUS, com os mesmos fundamentos do primeiro e segundo registos feitos pelos ora recorrentes, em face de tudo quanto supra se alegou a esse especial propósito, que, aliás, aqui se dá por reproduzido;
8. UM registo CADUCADO não pode produzir efeitos em qualquer registo posterior, como é o caso daquele que ora se recorre;
9. O 3.º pedido de REGISTO ora em crise, formulado em 29.02.2008, ACUMULA dois ACTOS DE REGISTO, o primeiro ACTO pede o Registo de Aquisição da PLENA PROPRIEDADE do prédio por aquisição de 4/6 indivisos, em compropriedade, tendo como suporte a CERTIDÃO da ESCRITURA já rectificada por AVERBAMENTO, onde se acrescentou a palavra “direito” e pela complementaridade com a aquisição dos restantes 2/6 indivisos (do mesmo prédio), com base na CERTIDÃO DA SENTENÇA de HOMOLOGAÇÃO DA PARTILHA, e, por isso, não deveria ter sido recusado; e o segundo ACTO de REGISTO, feito no mesmo impresso, relativo ao CANCELAMENTO DOS ÓNUS, respeitantes às inscrições G-1 e G-2, igualmente não deveria ter sido recusado em face de lhe servir de base uma CERTIDÃO JUDICIAL do despacho a ORDENAR tal cancelamento, sendo os sobreditos TÍTULOS todos VÁLIDOS prescritos por lei;
10. E, o mesmo se diga (não podia o Senhor Conservador recusar o registo em crise), com base na de apresentação de LICENÇA E UTILIZAÇÃO do prédio quando, na verdade, ela é DISPENSADA, por Lei, nas vendas ocorridas por NEGOCIAÇÃO PARTICULAR (art.º 905, n.º 6 do C.P.C.);
11. A sentença, ao interpretara, como interpretou, o direito aplicado aos factos e documentos idoneamente emitidos por Notário e Tribunais reconhecidos por Lei, violou frontalmente as normas e princípios nela contidos seguintes:
· Art.º 874 do Código Civil – Direito de Propriedade – compra e venda;
· Art.º 875 do Código Civil – Eficácia da Escritura Pública como Título bastante;
· Art.º 1403 do Código Civil – Direito de Compropriedade;
· Art.º 671, n.º 1, do C.P.C. –Eficácia da sentença com força obrigatória fora do processo;
· Art.º 905, n.º 6, do C.P.C. – Direito à dispensa da Licença de Utilização; e
· Art.ºs 1.º; 2.ª, alíneas a) e x); art.º 9, n.º 2, alínea a); 10.º; 11.ª por inteiro; 13.º; 15.ª; 68.º; 91º e 93.º todos do Código do Registo Predial – direitos ao registo de propriedade plena, sua publicidade para segurança do comércio jurídico imobiliário, legitimação de direito, de renovação de novo registo após a verificação da caducidade do anterior registo.
Pelo que, o REGISTO dos dois questionados actos de aquisição de propriedade plena do prédio, e o cancelamento dos identificados ónus (penhoras e arresto anteriores à venda judicial na modalidade de negociação particular) deverão ser ACEITES pelo senhor Conservador, retroagindo os seus efeitos à data da sua apresentação, concretamente a 29 de Fevereiro de 2008, revogando-se a sentença recorrida, fazendo-se como sempre JUSTIÇA.
Recebido o recurso, elaborado o projecto que por correio electrónico foi enviado aos Meritíssimos Juízes-Adjuntos foram os autos com vistos legal aos mesmos que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do recurso.
Questão a resolver: Saber se andou bem ou mal o Ex.mo Senhor Conservador do Registo Predial em recusar o registo do acto.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos que nos termos da lei de processo não vem impugnada:
1. Em 29/02/2008, através da apresentação n.º ..., os recorrentes requisitaram o registo da plena propriedade a seu favor, em compropriedade, por sucessão e compra do prédio descrito na ficha n.º ..., freguesia da Charneca da Caparica.
2. Os recorrentes instruíram o pedido de registo mencionado no ponto antecedente com os seguintes documentos:
a) Certidão do despacho, transitado em julgado em 01/03-2007, proferido no processo de inventário judicial que coreu termos pelo .. juízo cível do Tribunal Judicial de Almada sob o n.º ..., cuja cópia foi junta aos autos a fls. 21 a 26 e que aqui se dá por reproduzida;
b) Certidão da sentença homologatória da partilha, transitada em julgado em 26-04-2007, proferida no processo identificado em a), cuja cópia foi junta aos autos a fls. 28 a 32 e que aqui se dá por reproduzida;
c) Certidão da Escritura Pública de 26/07/2005, rectificada em 28-03-2006, cuja cópia foi junta aos autos a fls., 34 a 38 e aqui se dá por reproduzida.
d) Certidão do teor matricial do prédio indicado em 1.., supra emitida pelo Serviço de Finanças respectivo, cuja cópia foi junta aos autos a fls. 40 e aqui se dá por reproduzida;
3. Em 29-02-2008, através das apresentações n.ºs 17 e 18, os recorrentes requisitaram o cancelamento das inscrições prediais de penhoras ... e ... referentes ao prédio indicado em 1., supra.
4. Os recorrentes instruíram o pedido de registo mencionado no ponto antecedente com certidão do despacho proferido no processo n.º ..., do ... juízo cível do Tribunal de Família e de Menores e Juízos Cíveis de Sintra, cuja cópia foi junta aos autos a fls. 50-53 e aqui se dá por reproduzida.
5. Por despacho proferido pelo Conservador da .. Conservatória do Registo Predial de Almada foi recusada a requisição a que se reporta a acima referida apresentação 16, com os seguintes fundamentos: 1. O acto requerido não está titulado nos documentos apresentados. A escritura confirma a transmissão de 4/6 e não o direito inscrito “quinhão hereditário”. 2. Não foi apresentada licença de utilização. O registo foi antes provisório por dúvidas e as dúvidas não foram removidas.
6. Por despacho proferido pelo Conservador da ... Conservatória do Registo Predial de Almada, foram recusadas as requisições a que se reportam as acima referidas apresentações 17 e 18 com os seguintes fundamentos: “ A certidão judicial apresentada não refere os encargos a cancelar”; “Tem de constar cancelamento das penhoras ... e ...”
7. Através da inscrição ..., apresentação 10/011207, foi efectuado o registo de aquisição, sem determinação de parte ou direito, a favor de E... e dos aqui recorrentes, por “dissolução por morte da comunhão conjugal quanto ao primeiro e sucessão hereditária quanto a todos de F....”
8. Através da inscrição ..., apresentação 01/050819, foi efectuado o registo, provisório por dúvidas, da aquisição de 4/6 do prédio indicado no ponto 1., supra, a favor dos aqui recorrentes, por compra por negociação particular em execução movida contra G....
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Convidado para tal pelo Relator o recorrente juntou cópia certificada do despacho qualificação que determinou a inscrição ..., Ap.... com o teor de fls. 141/142 despacho, cujo teor global, salvo erro ou omissão, é o seguinte: “Dúvidas 1. O acto referido – aquisição de 4/6 não foi inscrito previamente em nome do transmitente. O prédio encontra-se registado em comum e sem determinação de parte ou direito. 2. Na escritura não se faz referência à licença de habitação. 34 n.º.2 e 79 do CRgP(…)”
Na certidão também junta relativa ao despacho sobre a apresentação 16/18 de 29/02/2008 onde os Recorrentes pedem a aquisição de plena propriedade a favor de B... e sua irmã C... em compropriedade, ele solteiro maior e ela divorciada, por sucessão e compra em o cancelamento das inscrições prediais das penhoras ... e ... e em que juntaram certidão do despacho transitado em julgado de 01-03-2007 no processo de inventário judicial n.º ... do .. juízo Cível de Almada, certidão da sentença de homologação da PARTILHA, transitada em julgado em 26/04/2007, emitida pelo mesmo juízo, certidão da escritura pública de 26/07/05, rectificada em 28/03/2006, certidão do teor matricial emitido pelos Serviços de Finanças de Almada – em 2/04/07 e ainda a certidão do ... juízo Cível de Sintra a ordenar o cancelamento das penhoras, datada de 20-02-2006 consta o despacho qualificação de recusa com o seguinte teor salvo erro ou omissão: Ap16-Recusado: 1- O acto requerido não está titulado nos documentos apresentados. A escritura confirma a transmissão de 4/6 e não o direito inscrito “quinhão hereditário”. 2-Não foi apresentada licença de utilização. O registo foi antes provisório por dúvidas e as dúvidas não foram removidas. (art.ºs 69, n.º 1, al b) e e) do CRgP. Ap17e17: Recusados: A certidão judicial apresentada não refere os encargos cancelados. Art.º 69, n.º 1, alínea B) do CRgP.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539).
A decisão recorrida e em oposição ao Parecer do Ministério Público que pugnava pela procedência do recurso e pela falta de sustento legal do despacho de recusa de inscrição da aquisição e de cancelamento da penhora, julgou improcedente o recurso com base nas seguintes considerações em suma: “(..)Contudo no despacho recorrido afirma-se que a escritura confirma a transmissão de 4/6 do prédio dos autos, sendo certo que dúvidas não podem existir relativamente à aquisição de 2/6 em sede de inventário judicial (…) De resto, no despacho recorrido não foi apontada qualquer circunstância concreta que possa sustentar a recusa pelo facto de o direito dos recorrentes não se encontrar titulado nos documentos apresentados. Ora, na falta de indicação de norma jurídica que fundamentou a recusa e considerando que se afirmou nesse despacho que “ a escritura em causa não transmite o direito inscrito “quinhão hereditário”, concluo que a recusa de fundou não na falta de titulação do direito dos recorrentes, mas, tão só, na violação do princípio da legitimação do registo, plasmado no supra transcrito art.º 9, n.º 1 do Código de Registo predial. Na verdade decorre dos factos acima elencado que o imóvel em causa está registado, sem determinação de parte ou direito, a favor de E... e dos aqui recorrentes, sendo certo que estes últimos no âmbito de uma execução movida contra o mencionado E..., adquiriram 4/6 do imóvel e não o direito registado a favor dele (quota hereditária). Tendo em conta que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termso em que o registo o define -vide o art.º 7.º do citado Código tem razão O Sr. Conservador ao considerar que o direito transmitido não é o mesmo que se encontra registado. Importaria, pois, que tivesse sido previamente requerido o registo de aquisição, por partilha judicial de 4/6 do prédio em causa a favor de E.... POR outro lado, dispõe o art.º 69, n.º 1 do Código do Registo predial, que o registo deve ser recusado quando o mesmo já tiver sido lavrado como provisório por dúvidas e estas nãos e mostrarem removias. No caso sub iudice havia já sido efectuado o registo provisório por dúvidas quanto à aquisição de 4/6 a favor dos recorrentes, pelo que o registo foi, e bem, recusado. Quanto aos restantes 2/6 apesar de como ficou dito, os documentos apresentados com o pedido titulares o direito dos Recorrentes (como aliás, ocorre relativamente aos outros 4/6) tendo em conta o princípio da instância – vide o já citado art.º 41 . o registo não poderia ter sido lavrado oficiosamente apenas nessa parte. Pelo exposto importa julgar o recuso improcedente quanto a esta matéria, mantendo-se o despacho de recusa do registo de aquisição a favor dos recorrentes, pois que previamente ao registo pretendido, terá de ser requerido o registo de 4/6 a favor do outro contitular, atento o princípio da legitimação. No que concerne à recusa das apresentações 17 e 18 parece-me evidente que o despacho judicial, ao mandar cancelar as inscrições ... e ... se reporta às penhoras delas constantes, uma vez que inexistem quaisquer outras inscrições no prédio dos autos referenciados como ... e ....(…) Contudo, uma vez que foi recusado o registo da aquisição a favor dos recorrentes parece-me aconselhável que estas penhoras não sejam canceladas antes daquele ser efectuado(…)”
Em suma a sentença recorrida manteve o despacho de recusa do Ex.mo Conservador, fundado numa outra razão, qual seja no princípio da legitimação, ou seja porque os recorrentes não requereram previamente em nome do outro co-titular o registo de 4/6 que se encontram titulados.
Contra tal se rebelam os recorrentes em suma dizendo:
As certidões juntas aos autos titulam inequivocamente o direito de propriedade plena sobre a totalidade do único bem imóvel que foi objecto de partilhas.
O Snr Conservador não pode exigir para registar os direitos sucessórios em questão que a sentença homologatória do mapa de partilhas use melhor expressão escrita.
Os 4/6 vendidos através da escritura pública em que H... intervém como encarregado judicial da venda por negociação particular já haviam sido penhorados no processo de execução supra identificado e neste vendidos por negociação particular a um terceiro mas que os filhos exerceram tempestivamente o direito de remissão tendo a escritura sido feita com eles.
É ilegal usar um registo predial cuja caducidade foi observada por lei pelo decurso dos 6 meses do art.º 11 do CRgP.
Por força do disposto no art.º 905/6 do C.P.C. nas vendas ocorridas do negociação particular é dispensada a licença de utilização.
Existe título para o cancelamento dos ónus das penhoras.
O despacho de recusa de que se recorre fundamenta-se de direito nas alíneas b) e e) do art.º 69 do CRgP.
Estatui o art.º 69/1/b: “ O registo deve ser recusado quando for manifesto que o facto não está titulado.”
O art.º 69/1/2 por seu turno: “O registo deve ser recusado quando o registo já tiver sido lavrado como provisório por dúvidas e estas não tiverem sido removidas.”
Por isso falta de título e falta de remoção das dúvidas de anterior registo provisoriamente lavrado por elas.
Há depois um outro fundamento escrito que a propósito da Ap16 não se encontra fundamentado na lei qual seja o de que o título da escritura de transmissão confirma a transmissão de 4/6 e não do quinhão hereditário inscrito e bem assim a alegada falta de licença de utilização.
A apreciação constante do despacho do senhor Conservador remete-nos para a matéria da qualificação do pedido do registo que constitui o Capítulo V (art.ºs 68 a 74) do Título III epigrafado “Do Processo de Registo” do Código do Registo Predial.
Dispõe o art.º 68 do CRgP que “Compete ao conservador apreciar a viabilidade do pedido de registo em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos.”
Conjuga-se este principio da legalidade com o princípio da instância (art.º 41 do CRgP segundo o qual o registo efectua-se a pedido dos interessados em impresso próprio, salvos os casos de oficiosidade). A actividade oficiosa do Conservador como a do Juiz não constitui a regra e, por isso, apenas tem lugar quando existe comando legal que a consinta, o que não impede que mesmo nos casos de oficiosidade do registo este possa ser pedido. A requisição do registo deve ser assinada pela apresentante e conter a identificação e a indicação dos factos e dos prédios a que respeita o pedido bem como a relação dos documentos entregues (art.º 42 do CRgP), só podendo ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem (art.º 43 do CRgP). O registador tem de analisar o conteúdo do documento e confrontá-lo com o que a lei prescreve e só admite a registo se estiver conforme com ela. A viabilidade do pedido do registo terá em primeira linha de ser apreciada em função do que apropria lei estabelece. É necessário que o conservador verifique se o pedido é procedente se existe ou não alguma disposição legal impeditiva para que o registo venha a ser lavrado nos termos em que foi solicitado.[2]
Deverá o Conservador dirigir a sua atenção em três direcções. A identidade do prédio, na legitimidade dos interessados e na validade (formal e substancial) dos títulos apresentados. A apreciação dos títulos é a mais delicada das vertentes da função qualificadora, já que só devem ser admitidos os actos que sejam substancialmente válidos, ou seja o ingresso do acto no registo está dependente da validade do negócio causal e ainda da capacidade para dispor do transmitente.[3]
Um dos fundamentos de direito invocado para a recusa foi o da alínea b) do n.º 1 do art.º 69 do CRgP: ser manifesto que o facto não está titulado nos documentos juntos. O facto a inscrever - propriedade plena dos recorrentes sobre o prédio - não estaria titulado nos documentos juntos.
O registo é sempre feito com base em documentos que legalmente comprovam os respectivos factos e título em sentido formal, significa, o próprio documento. Se é notória a inexistência do título o acto não pode ser registado, mesmo que provisoriamente, sendo necessário que a falta seja óbvia, não estando compreendidos os casos em que existe título deficiente, mas que apesar disso pode ainda ser considerado como tal.[4]
Mediante a Apresentação Ap...., cota ..., foi inscrita sobre o prédio dos autos a “aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de E..., viúvo; C..., divorciada; e de B... (…)- dissolução por morte da comunhão conjugal quanto ao primeiro e sucessão hereditária quanto a todos de F...”
Esta inscrição, é patente, foi feita ao abrigo do disposto no art.º 37 do CRgP, relativa à contitularidade de direitos e cujo número um assim reza: “O meeiro ou qualquer dos herdeiros pode pedir, a favor de todos os titulares, o registo de aquisição de bens e direitos que façam parte da herança indivisa”.
Sobre o prédio passou pois a incidir essa comunhão de direitos consequente da abertura da sucessão por morte da mencionada F....
Ora, no caso que nos ocupa os Recorrentes para a inscrição da propriedade plena sobre o imóvel por sucessão e por compra juntaram por um lado as certidões do processo de inventário judicial n.º ... relativas à forma à partilha por morte de F... (cfr. fls. 214/215) em que o único bem é o prédio aqui em causa, do qual resulta serem os herdeiros E..., viúvo, cuja meação e quota na herança adquiriram “por remissão na venda judicial por escritura pública de 26/de Junho de 2005”, e os filhos ora recorrentes a quem cabe a quota disponível e 1/3 da quota disponível e a meação “que não foram objecto de venda” quotas que se dividem em duas partes iguais, a sentença final homologatória do mapa de partilha com adjudicação aos interessados dos respectivos quinhões, constando do mapa de partilha que “do total da herança, 4/6 (quatro sextos) que pertenceriam ao cônjuge sobrevivo E...(…) foram penhorados e vendidos no processo de execução judicial n.º ... que correu termos no ... juízo Cível do Tribunal Judicial de Sintra, no qual os filhos C... e B... exercera o direito de remissão na referida venda adquirindo por escritura pública lavrada a 26/07/2005(…) os direitos que caberiam ao inventariado(…)os restantes 2/6 (dois sextos) e tendo em conta o valor atribuído na conferência de interessados (…) adjudicando-se cada uma dela aos filhos da inventariada”; por outro, juntaram a certidão da escritura de compra e venda de 26/07/2005, da qual resulta que H..., “intervindo na qualidade de encarregado judicial por douto despacho de oito de Março de dois mil e quatro, da venda por negociação particular e em representação com poderes para o acto, conforme tudo verifiquei em face da certidão judicial passada (…) pelo Tribunal de Família e de Menores e Juízos Cíveis de Sintra, ... juízo(…) vende a B... (…) e C...(…) livre de quaisquer ónus e encargos, (…) o correspondente a quatro sextos indivisos do prédio urbano sito na ...Charneca da Caparica, Almada, (…) (três sextos que constituem a meação do executado, E..., e um sexto do quinhão hereditário, provenientes da herança ainda por partilhar), por óbito da sua mulher e mãe deles ora compradores (…) disseram os segundos outorgantes que aceitam a venda(…)”. No que concerne ao pedido de inscrição do cancelamento das inscrições de penhora ... e ... juntaram certidão e cópia do despacho de 20/10/2005, proferida na referida acção executiva do qual consta “Realizada a escritura determino o cancelamento das inscrições prediais .. e ..., que incidem sobre o prédio, do qual o executado era comproprietário.”
O que é manifesto é precisamente o contrário do afirmado pelo Ex.mo Conservador, ou seja, que os títulos existem.
Já relativamente ao outro fundamento de recusa, o da alínea e) do n.º 1 do art.º 69 do CRgP louvou-se o Ex.mo Conservador para fundamentar a sua recusa na existência de registo anterior lavrado como provisório por dúvidas e estas não se mostrarem removidas.
Trata-se da matéria de facto dada como provada em 8., mais especificamente a inscrição ..., Ap..... Foi feita a inscrição por dúvidas da aquisição de 4/6 a favor dos ora recorrentes.
Tal inscrição foi feita mediante apresentação datada de 19/08/05.
Como bem refere o recorrente, o prazo de vigência do registo provisório é de seis meses, salvo disposição em contrário, devendo a caducidade ser anotada no registo, logo que verificada (art.º 11, n.ºs 3 e 4 do CRgP). Aquele primeiro registo provisório foi-o apenas por dúvidas e não também por natureza nos termos do art.º 92 do CRgP, pelo que o prazo de vigência foi de seis meses, tendo a notificação do despacho de qualificação ocorrido em 20/10/05, pelo que caducou em 19/02/2006.
É certo que a caducidade não foi anotada.
O fundamento do instituto da caducidade é a necessidade da certeza jurídica e é por isso que a caducidade se dá só quando a lei prevê, mas então, opera automática e objectivamente, sem atender às circunstâncias e aos motivos próprios de cada caso, devendo ser oficiosamente conhecida (art.º 333 do CCiv) e quando tal acontece ser anotada no registo.[5]
Relativamente aos fundamentos da recusa, as hipóteses são unicamente aquelas que o art.º 69/1 do CRgP prevê e unicamente ela, aparte a situação em que por falta de elementos ou pela natureza do acto o registo não puder ser efectivado provisório por dúvidas (n.º 2 do art.º 69 do CRgP)[6].
Que o registo poderia ser feito provisório e por dúvidas é patente tanto que o Ex.mo Senhor Conservador já assim o efectivara em 2005. Todavia, o que não pode é o Ex.mo Senhor Conservador prevalecer-se da fundamentação constante dum anterior registo lavrado provisório e por dúvidas cujos efeitos caducaram e cuja caducidade tinha o senhor Conservador de conhecer oficiosamente e anotá-la também oficiosamente no registo - podendo e devendo fazê-lo até aquando do despacho de qualificação do último registo pedido.
Mas mesmo que assim se não entendesse sempre se diria que o fundamento jurídico invocado -art.ºs 34/2 e 79 do CRgP se não verificam. O art.º 34/2 epigrafado “Princípio do trato Sucessivo” estatui: “No caso de existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido ou de mera posse é necessária a intervenção do respectivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito.” Também o n.º 1: “O registo definitivo de aquisição de direitos nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 9 ou de constituição de encargos por negócio jurídico depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite ou onera.”
Prende-se o art.º 34 com o art.º 9. epigrafado “legitimação de direitos sobre imóveis.”
Dispõe o n.º 1: “Os factos de que resulte transmissão de direitos ou de constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem os adquire ou contra a qual se constitui o encargo”.
Com o princípio do trato sucessivo (art.º 34 do CRgP) entende-se que cada titularidade se deve apoiar na anterior, a inscrição do direito do transmitente depende da prévia inscrição do direito do transmitente, ou seja cada adquirente só pode inscrever o seu direito se o receber de quem anteriormente já figurava no registo, o que permite que a história do prédio seja feita sem interrupções estabelecendo-se uma cadeia sucessiva e ininterrupta de alienantes para adquirentes; sendo o princípio da legitimação para titular uma aquisição ou constituir um encargo é necessário que o transmitente ou onerante disponha de registo, prove ter previamente obtido a seu favor a inscrição do direito.
O Ex.mo Senhor Conservador, aquando da inscrição de aquisição dos 4/6 lavrou despacho de qualificação de recusa com o seguinte teor: “Dúvidas 1. O acto referido – aquisição de 4/6 não foi inscrito previamente em nome do transmitente. O prédio encontra-se registado em comum e sem determinação de parte ou direito. 2. Na escritura não se faz referência à licença de habitação. 34 n.º.2 e 79 do CRgP(…)”
É certo que na inscrição de 2001 da transmissão do prédio para o pai e filhos em virtude da morte da mencionada F..., “sem determinação de parte ou direito” cumpre a regra própria da comunhão hereditária e da sua indivisão: não se trata de compropriedade é uma comunhão indivisa.
O art.º 34 é um comando dirigido ao Conservador de cuja inobservância resulta a nulidade do registo definitivo (art.º 16/e do CRgP). Todavia, o registo do pedido com violação do trato sucessivo deve ser registado como provisório por dúvidas em conformidade com o disposto no art.º 70 do CRgP e nunca ser recusado como fez o Ex.mo Senhor Conservador.[7]
Seria de exigir a inscrição intermédia no registo predial, de 4/6 indivisos, por se tratar da definição de um quinhão hereditário, lavrando o Ex.mo Senhor Conservador o registo por dúvidas?
Estatui o n.º 2 do art.º 9 do CRgP que se exceptua do disposto no número anterior a venda executiva.
Estão excluídos do n.º 1 do art.º 34 do CRgP todos os factos de aquisição que não tenham sido titulados com urgência nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 9, bem como a hipoteca judicial ou legal, a penhora, o arresto e todas a demais providências cautelares a acção e dum modo geral a constituição de encargos não titulada por negócio jurídico. Quanto à aquisição de bens em execução a mesma também beneficia da dispensa do trato sucessivo por força do n.º 2 do art.º 34 (última parte) já que é sempre consequência de penhora anteriormente inscrita.[8]
Ora no caso dos autos foram levadas ao registo várias “penhoras do direito de G...” e até “um arresto do direito de G...”, tendo umas inscrições caducado outras mostrando-se vigentes como é o caso das Ap ... (arresto convertido em penhora) e Av...- Ap....
Ou seja o Ex.mo Senhor Conservador não teve nenhuma dúvida em levar ao registo as mencionadas penhoras e arresto do direito do mencionado G..., tanto que assim se encontram inscritas e válidas. A venda no processo de execução é consequência dessas penhoras razão pela qual a própria lei dispensa o trato sucessivo.
Não podia o Ex.mo Senhor Conservado deixar de inscrever a propriedade plena dos recorrentes (4/6 + 2/6) no registo.
No tocante à licença de utilização ela é dispensada por lei na venda em acção executiva por negociação particular como é o caso dos autos, resulta do disposto no n.º 6 do art.º 905 do C.P.C e o Ex.mo Senhor Conservador não podia deixar de ignorar.
Por último quanto ao pedido de cancelamento das inscrições prediais das penhoras ..., ..., o despacho judicial manda efectivamente cancelar essas inscrições ... e ... sem referir que se trata das penhoras.
O art.º 888 do C.P.C. estatui que após o pagamento do preço e do imposto devido pela transmissão o agente de execução promove o cancelamento dois registos dos direitos reais que caducam nos termos do n.º 2 do art.º 824 do CCiv e não sejam de cancelamento oficioso pela conservatória.
O art.º 58/1 do CRgP dispõe que o cancelamento dos registos de penhora, arresto e outras providências cautelares nos caos em que a acção já não esteja pendente, faz-se com base na certidão passada pelo tribunal competente que comprove essa circunstância e a causa, ou ainda nos processos de execução fiscal a extinção ou não existência de dívida à Fazenda Pública.
O art.º 58/2 do CRgP estatui, por seu turno que no caso de venda judicial em processo de execução de bens penhorados ou arrestado só após o registo daquela se podem efectuar os cancelamentos referidos no número anterior. POR último o n.º 5 do art.º 101 do CRgP estatui que a inscrição de aquisição em processo de execução de bens penhorados determina o averbamento oficioso de cancelamento dos registos que forem judicialmente mandados cancelar, sendo estes últimos gratuitos por força até do art.º 14/c do Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado.
Certo é que o despacho não indica os factos registados tão-só as inscrições ... e ... –se bem lemos a certidão do registo predial todas as cotas são ... e ..., sejam aquisições sejam penhoras, sejam arrestos convertidos em penhora - o que não respeita o disposto no art.º 93 do CRgP segundo o qual a letra G é utilizada para inscrição de aquisição ou reconhecimento de propriedade sendo as letras C e F usadas para inscrição da hipoteca ou diversas (penhoras).
Ora no caso que nos ocupa parece patente que se trata das penhoras e o arresto convertido em penhora em conformidade com o disposto no art.º 824/2 do cCiv.
A este resultado deveria ter chegado o Ex.mo Senhor Conservador na sua função parajudicial de qualificação que lhe impõe o poder-dever de respeitando o título judicial fazer interpretação correctiva do mesmo quando o resultado é inequívoco por forma a admitir a registo actos que sem essa favorável interpretação nele não teriam ingresso.[9]
Procede assim totalmente o recurso. IV- DECISÃO
Em conformidade procede o recurso, revoga-se a decisão recorrida e pelo que se revoga s despacho do Ex.mo Conservador e se determina sejam lavrados os registos pretendidos correspondentes à apresentação recusada.
Sem custas, cumprindo-se oportunamente o disposto no n.º 4 do art.º 147 do CRgP.
Lxa., 11/3/2010 João Miguel Mourão Vaz Gomes Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves
[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pelo DL 303/2007 de 24/08 atenta a circunstância de o recurso contencioso nos termso dos art.ºs 140, 141 e 146 do CRgP ter entrado em juízo em Maio de 2008 como resulta documentado e o disposto no art.º 11 e 12 do mencionado diploma; ao Código referido pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem. [2] Mouteiro Guerreiro in Noções de Direito Registral (predial e Comercial), Coimbra Editora, 1994, pág. 85, equipara esta função de qualificação à função jurisdicional e por assim ser diz qe o registo publica titularidades e não documentos; citando Oliveira Ascensão, (Direitos Reais, 4.ª edição, pág. 331) para quem o Conservador exerce uma função para judicial, o Conservador tem o encargo de julgar a legalidade dos títulos a validade dos actos e a capacidade dos outorgantes. [3] Autor e obra citados, pág. 87 [4] Mouteiro Guerreio, obra citada pág.149. [5] Mouteiro Guerreio obra citada pág. 92. [6] Autor e obra citada pág. 148. [7] Parecer do Conselho Técnico da D.G.R.N. in Boletim dos Registo e do Notariado, n.º 12, Maio de 1986, pág. 9 citado por Isabel Perisra Mendes Código do Registo Predial, 16.ª edição , 2007,pág. 236 em anotação ao art.º 34. [8] Isabel Pereira Mendes, obra citada pág. 240. [9] Mouteiro Guerreio, obra citada págs. 88/89.