Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
EXECUÇÃO
CITAÇÃO
CÔNJUGE
DIVÓRCIO
PENHORA
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
REGISTO PREDIAL
OPOSIÇÃO À PENHORA
LEGITIMIDADE
EMBARGOS DE TERCEIRO
Sumário
I – No art.º 825º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil estão contemplados, para além dos casos de sociedade conjugal em vigor, também aqueles em que o executado tenha sido membro de uma tal sociedade e já o não seja por a mesma se ter dissolvido, desde que permaneça o património comum do casal, por ausência de partilha. II – Fora dessa situação, a efectivação da citação do ex-cônjuge do executado, com referência aos art.ºs 825º, n.º 1, e 864-A, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil, não inviabiliza a dedução de embargos de terceiro, por parte daquele. III – Sendo o cônjuge do executado citado para requerer a separação de bens, poderá ser caso de dedução simultânea de embargos de terceiro quanto aos bens próprios do (ex)cônjuge do executado, porventura penhorados, e de oposição à execução na parte relativa aos bens comuns ou “equiparados” que igualmente penhorados hajam sido. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação
I- Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que o Banco..., S.A. requereu contra C...., citada que foi, D..., enquanto esposa do executado, veio a mesma deduzir oposição à execução e à penhora, alegando, e em suma, que era já divorciada daquele à data do requerimento executivo, e que nada lhe aproveitou o que quer que fosse do crédito que ao Executado foi concedido pelo Exequente.
Sendo que o prédio “penhorado” foi adjudicado à oponente que o licitou no processo de inventário respectivo.
E resultando assim nula a sua citação, na qualidade de “executada” e “cônjuge” do executado, que não é.
Para além disso, o sr. Solicitador da Execução prestou junto da Conservatória do Registo Predial de Santarém a falsa declaração de que o executado estava casado com a ora Opoente no regime de comunhão de adquiridos.
Mais tendo falsificado o próprio requerimento executivo, apagando, na página 4 daquele, a palavra “divorciado”, que definia correctamente o estado civil do executado.
Do que tudo resulta a nulidade da efectuada penhora.
Conclui no sentido de que:
A) Deve ser declarada nula a citação feita pelo Sr. Solicitador de Execução à ora Oponente, como nulos devem ser considerados todos os actos que se lhe tenham seguido.
B) Deve ser declarado expressamente que contra a ora Oponente não pode prosseguir a execução.
C) Deve ser reconhecido que o prédio que foi penhorado é propriedade exclusiva da ora Oponente, pelo que sobre ele não pode ser mantida a penhora.
D) Deve ser declarada nula a penhora efectuada e nulo registo dela lavrado na Conservatória do Resto Predial de Santarém, assim como os actos posteriores.
E) Deve ser comunicado o comportamento do Sr. Solicitador de Execução à Câmara dos Solicitadores e ao Ministério público, para o adequado procedimento disciplinar e o necessário procedimento criminal contra ele.
Sendo a folhas 54 a 56, proferido despacho a indeferir “o requerido”.
E isto, assim, considerando que:
“(…)Assim sendo, não deveria ter sido “citada” para o processo executivo, aqui se dizendo que, da nota, resulta que foi citada nos termos do art.º 825 n.º 1 do C. P. Civil, não obstante a verdadeira amálgama de normas processuais que o Senhor S,.E. ali fez constar, embora omitindo o fundamental art. 864-A do C. P. Civil. O motivo por que foi efectuada a citação da requente como "cônjuge" é de fácil apreensão, uma vez que do registo predial do imóvel penhorado consta que é casada em comunhão de adquiridos com o executado.
O imóvel pode ter sido atribuído no inventário à requerente, conforme a certidão que junta.
O que é certo é que a requerente não procedeu ao registo da sua aquisição na Conservatória do Registo Predial, conforme resulta da certidão emitida dois anos depois da partilha.
Conforme resulta do art. 1º do Código do Registo Predial, o registo destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédio.
E, por isso, também é um ónus do titular do direito – in casu, da requerente – mantê-lo actualizado. Ao constatar, pelo registo predial, que o executado era casado com a requerente o Senhor S.E. procedeu à sua citação, conforme determina a lei.
De acordo com o alegado pela requerente, resulta que se encontra divorciada do executado e que o imóvel penhorado (sobre o qual, acrescente-se, recaem três penhoras anteriores) lhe terá sido adjudicado em partilha.
Ou seja, os termos em que foi citada - na condição de cônjuge - não se lhe aplicam.
E, assim, quanto à oposição, não tem a requerente legitimidade para a deduzir uma vez que, como bem refere, não é executada e nem é cônjuge do executado (caso em que é lícito também deduzir oposição, nos termos do art. 864 -A do C. P. Civil).
Por outro lado, não se afere porque considera que, ao ser citada, não poderia vir opor-se à penhora do imóvel, mediante dedução de embargos de terceiro.
Não foi pela citação que se tornou executada, nem que voltou a adquirir a condição de cônjuge do executado.
Os embargos de terceiro seriam a via adequada e legal para se vir opor à penhora de uma bem alegadamente seu, como resulta do art. 351 n.º 1 do C. P. Civil, este é o meio de defesa de alguém quando a penhora ou outro acto de apreensão ou entrega de bens "ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro."
Assim, não sendo a requerente parte na acção executiva (nem cônjuge do executado, nos termos sobreditos), como terceira, para defesa do seu alegado direito de propriedade, teria de lançar mão dos embargos de terceiro.
Repare-se – além da falta de legitimidade - que o fim da oposição à execução é a extinção, total ou parcial, da execução, conforme o art. 817 n.º 4 do C. P. Civil: " a oposição à execução visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento actual da inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto específico ou geral da acção executiva." (Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª edição, Coimbra, p. 171).
Ora, o que pretende a requerente é que seja levantada a penhora sobre um imóvel por violação do seu direito de propriedade. Não é, nem poderia ser, a extinção da execução, porquanto nenhuma execução contra si corre termos.”.
Inconformada, recorreu a opoente, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“1ª – A ora Recorrente foi citada para o processo executivo, sendo-lhe entregue duplicado do requerimento executivo e do auto de penhora e sendo logo informada de ter o prazo de 20 dias para, nos termos do n° 1 e 2 do art° 813 e al. a) do n° 3 do art° 864, ambos do CPC, pagar ou para se opor à execução e no mesmo prazo à penhora;
2ª – Também para, no mesmo prazo, indicar os direitos, ónus e encargos não registáveis que recaíssem sobre o bem penhorado, bem como os respectivos titulares, podendo requerer a substituição dos bens penhorados ou a substituição da penhora por caução, nas condições e nos termos da al. a) do n° 3 e do n° 5 do art° 834 do CPC, sob pena de condenação como litigante de má fé, nos termos gerais;
3ª – Ainda para, no mesmo prazo declarar, nos termos do n° 2 do art° 825 do CPC, se aceita a comunicabilidade da dívida, baseada no fundamento alegado, com cominação de, se nada disser, a dívida ser considerada comum, para os efeitos da execução e sem prejuízo da oposição que contra ela deduza;
4ª – Na nota de citação constou ainda que a ora Recorrente poderia efectuar o pagamento da quantia exequenda, acrescida das despesas previsíveis da execução (n° 3 do art° 821 do CPC) e dos juros e que o pagamento poderia ser efectuado no escritório do Solicitador de Execução signatário da citação;
5ª – É evidente que a ora Recorrente foi citada como Executada, que o seu estatuto é o de Executada, como se depreende inequivocamente do teor da nota de citação e de todas as disposições legais nela referidas, ou para outras por estas remetidas;
6ª – Por isso, é também evidente que a ora Recorrente, como Executada, é parte legítima para deduzir oposição à execução, como lhe garante o n° 1 do art° 813 do CPC e como até expressamente lhe foi reconhecido na citação.
7ª – Em 2009 foi penhorado o prédio que em tempos fora comum do casal constituído pelo executado C.... e pela ora Recorrente, mas que, na sequência do divórcio entre eles, ocorrido em 2001, e do inventário para separação de meações, ficou, em 2007, a pertencer exclusivamente à ora Recorrente, a quem foi adjudicado na partilha, após licitações.
8ª – Ainda que não tivesse já sido feita a separação de bens, à data da penhora não poderia ser penhorado, em execução que corresse apenas contra o C...., o prédio como constando do património comum do casal, porque, identificado ele como divorciado, só poderia ser-lhe penhorado o direito à meação que tivesse nos bens que haviam sido do dissolvido casal.
9ª – Na sequência da separação de meações, consumada em 2007, não pode manter-se, em execução apenas contra o C...., a penhora, feita em 2009, sobre um prédio que, no processo de inventário em que ocorreu a separação de meações, ficou, em 2007, a pertencer exclusivamente à ora Recorrente, sua ex-cônjuge.
10ª – A ora Recorrente tem legitimidade para se opor à penhora, nos termos do art° 863-A – cumulando-a com a oposição à execução - e não podia valer-se dos embargos de terceiro, previstos no art° 351, por ser parte na causa.
11ª – O registo da penhora só foi efectuado por ter o S.E. cometido 2 crimes que o possibilitaram, prestando falsas declarações escritas sobre o estado civil do executado C... e da ora Recorrente, e falsificando, por apagamento de dizeres, o próprio requerimento executivo, e entregando tais documentos falsificados na Conservatória do Registo Predial de Santarém, que não se apercebera dos ilícitos cometidos pelo S.E..
12ª – A penhora é nula e nulo o seu registo e de nenhum efeito, porque mero produto de actividade criminosa praticada pelo S.E..
13ª – Ao indeferir o requerimento de oposição à execução e à penhora, o M° Juiz "a quo" violou os comandos dos art°s 228, 817, 813, 864, 834, 816, 814, 825 e 863-A, todos do Código de Processo Civil.,
14ª – pelo que o seu despacho deve ser substituído por decisão que ordene o recebimento da oposição à execução e à penhora, nos termos que oportunamente foram requeridos, seguindo-se os ulteriores termos do processo.”.
Notificado para os termos da oposição e do recurso, nada disse o Exequente.
O senhor juiz a quo manteve o decidido.
II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil - é questão proposta à resolução deste Tribunal a de saber se a Recorrente carece de legitimidade para deduzir a oposição à execução e à penhora.
*
Com interesse emerge dos autos, para além do que se deixou referido em sede de relatório, que:
- A Recorrente foi citada, em 2009-05-04, “para os termos do processo executivo”, nos moldes que de folhas 19 se alcançam e aqui se dão por reproduzidos.
- No requerimento executivo respectivo, reproduzido a folhas 26 a 31, é identificado como executado, e apenas, C..., no estado civil de divorciado, cfr. folhas 29.
- No título dado à execução, uma livrança, não tem qualquer intervenção a Recorrente, mostrando-se aquele subscrito apenas pelo identificado executado, conforme folhas 32.
- Nada sendo alegado pela Exequente em sede de comunicabilidade da dívida.
- Em 2009-05-03 procedeu o S.E. à penhora do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de São Nicolau, sob o art.º ...., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º ...., conforme folhas 33, 34 e 36 a 39.
*
Vejamos.
II-1- Da legitimidade da Recorrente para deduzir oposição à execução.
1. Considerou-se na decisão recorrida, e como visto, que a estar a Recorrente divorciada do executado, não sendo executada também não é cônjuge do executado.
Não sendo pela citação que se tornou executada, nem que voltou a adquirir a condição de cônjuge do executado.
Posto o que não se lhe aplicando o art.º 864º-A do Código de Processo Civil, seriam os embargos de terceiro a via adequada e legal para se vir opor à penhora de uma bem alegadamente seu.
Contrapondo a Recorrente, e como visto, que foi citada como Executada, pelo que o seu estatuto é o de Executada, sendo assim parte legítima para deduzir oposição à execução.
Como da nota de citação de folhas 10 – cuja epígrafe é “citação de cônjuge” – se alcança, a Recorrente foi citada, com referência, designadamente, aos art.ºs 864º, n.º 3, alínea a) e 825º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
De acordo com o primeiro dos citados normativos – na redacção aqui aplicável, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março – “No mesmo prazo (de cinco dias contados da realização da última penhora, vd. n.º 2 do citado art.º) o agente de execução cita: O cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente, ou sobre bens comuns do casal, para os efeitos constantes do artigo seguinte, e, sendo caso disso, para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida nos termos do art.º 825º;”.
E nos termos do art.º 864º-A, “O cônjuge do executado, citado nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, é admitido a deduzir, no prazo de dez dias, ou até ao termo do prazo concedido ao executado, se terminar depois daquele, oposição à execução ou à penhora e a exercer, no apenso de verificação e graduação de créditos e na fase de pagamento, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, sem prejuízo de poder também requerer a separação dos bens do casal, nos termos do n.º 5 do art.º 825º, quando a penhora recaia sobre bens comuns.”.
Dispondo por sua vez o art.º 825º:
“1 – Quando em execução movida contra um só dos cônjuges, sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida.
2 – Quando o exequente tenha fundamentadamente alegado que a dívida, constante de título diverso de sentença, é comum, é ainda o cônjuge do executado citado para, em alternativa e no mesmo prazo, declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, baseada no fundamento alegado, com a cominação de, se nada disser, a dívida ser considerada comum, para os efeitos da execução e sem prejuízo da oposição que contra ela deduza.”.
Naturalmente, a errônea citação como cônjuge do executado de quem já o não é, não tem a virtualidade de repristinar um dissolvido casamento.
Do mesmo modo que a citação como executado de pessoa contra a qual não foi requerida execução não coloca a citada nessa posição processual.
E, assim, na consideração também de que há falta de citação quando tenha havido erro de identidade do citado, implicando aquela a nulidade de tudo o que se processe depois do requerimento executivo, cfr. art.ºs 194º, alínea a), 195º, n.º 1, alínea b) e 466º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Tratando-se, aquela, de nulidade arguível em qualquer estado do processo e oficiosamente cognoscível, enquanto não deva considerar-se sanada, o que apenas ocorrerá “Se o réu (…) intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação.”, cfr. art.ºs 204º, n.º 2, 202º e 196º, do Código de Processo Civil.
Sem prejuízo de, como anotam José Lebre de Freitas. João Redinha. Rui Pinto,[1] com citação de Alberto dos Reis,[2] tal erro poder “dar origem, se a pessoa erradamente citada intervier no processo, a uma situação que se assemelha à da ilegitimidade do réu (…) mas dela se distingue na medida em que o citado não é a pessoa que o autor indicou como tal na petição inicial.”.
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 16-04-2009,[3] considerado que “(…) o estatuto da Recorrente, perante o processo de Execução que pende termos e em que são Exequentes AA e Mulher e Executado o seu ex-marido CC, é de terceiro interessado, isto é, como ensinava o saudoso Prof. Castro Mendes «terceiro é aquele que não é parte, nem é elemento do tribunal enquanto tal. Se se encontra, em face do processo, na posição de completo alheamento ou indiferença é terceiro desinteressado; se está na posição de titular de interesses, em que o processo reflexamente vai interferir é terceiro interessado». (Direito Processual Civil, edição policopiada da AAFDL, 1980, 2º –6.)
Todavia, a lei apenas confere ao terceiro (quem não for parte na causa), como meio de reagir contra qualquer acto que ofenda a posse ou qualquer direito de que seja titular e que for incompatível com a diligência ordenada, a dedução de embargos de terceiro, previstos nos artºs 351º e segs. do Código de Processo Civil”.
Isto pese embora ter-se aquele tribunal debruçado sobre hipótese diversa, de execução para prestação de facto, em que não estava em causa a penhora de bens comuns ou próprios da ex-cônjuge, e em que aquela pretendia a suspensão da instância executiva.
2. Temos para nós, contudo, que uma outra abordagem, quanto a esta temática, será sustentável.
Com efeito, apesar de no citado art.º 825º, n.ºs 1 e 2, se aludir apenas à citação do cônjuge do executado, não nos deveremos ficar por uma interpretação meramente literal, sendo que o espírito da lei adjectiva contempla para além dos casos de sociedade conjugal em vigor, também aqueles em que o executado tenha sido membro de uma tal sociedade e já o não seja por a mesma se ter dissolvido, desde que permaneça o património comum do casal, por ausência de partilha.
Certo que, como ensina Oliveira Ascenção, “O princípio absoluto é o da preferência do espírito sobre a letra”,[4] com a única limitação de “que se não pode falar de um espírito que não encontre na letra um mínimo de correspondência verbal”, ainda que imperfeitamente expresso, cfr. art.º 9º, n.º 2, do Código Civil.
E, assim, nessas hipóteses, não terá aplicação o art. 826º do Código de Processo Civil, nomeadamente o segmento que, no seu n.º 1, dispõe que “na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso”, porquanto o que ocorre é a existência de uma comunhão conjugal, mantida apesar do divórcio entre os cônjuges.
Não podendo, nessa conformidade, ser considerado “terceiro” para os efeitos previstos no art. 352º do Código de Processo Civil – dedução de embargos de terceiro – o ex-cônjuge que tenha sido citado nos termos do art. 864º, nº3, al. a), do mesmo Codigo.
Na verdade:
“Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”, cfr. art.º 1403º, n.º 1 do Código Civil.
E “As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um dele”, vd. art.º 1404º do mesmo Código.
Entre as modalidades de comunhão de bens assume especial relevo “a comunhão que se estabelece entre os cônjuges, após a dissolução da sociedade conjugal e enquanto se não faz partilha, nos regimes de comunhão”.[5]
O património conjugal é integrado pelos bens comuns do casal, afectado por lei ao escopo de servir de suporte económico à sociedade conjugal.
Sendo que tal comunhão de mão comum se caracteriza e distingue da compropriedade , além do mais, pelo “facto de «o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito) que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário» (…)”.[6]
Fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados, cfr. art.º 1714º, n.º 1 do Código Civil.
Constituindo excepção a tal regra, e nomeadamente a separação judicial de bens, vd. art 1715º do Código Civil. Isto na pendência do casamento.
Após a extinção do casamento, os bens comuns do casal mantém-se nessa qualidade até ocorrer a sua divisão e partilha.
Como referem Antunes Varela e Henrique Mesquita em comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7.10.1993,[7] e no próprio Acórdão, embora em situação diversa da que vimos analisando, a comunhão só termina com a partilha dos bens.
Até lá, e como se decidiu já no Acórdão desta Relação de 04-03-2004,[8] aplicam-se-lhes todas as regras legais que os pressupõem, designadamente as insertas nos art.ºs 825º, n.º 1 e 864º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil.
Pois não é a simples extinção do vínculo conjugal que automaticamente opera a alteração do regime de bens, legal ou contratualmente fixado para o casamento.
Nem a retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio – art 1789º n.ºs 1 e 2 do Código Civil – implica que o regime dos bens deixe de ser o da comunhão, se foi esse o adoptado, para passar ao da propriedade em comum, enquanto se não tiver procedido à partilha.
O regime prescrito no citado art.º 1789º tem a ver com as relações entre os cônjuges e os respectivos e correlativos direitos/obrigações, visando evitar que um deles “seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança, que o outro venha a praticar, desde a proposição da acção, sobre valores do património comum.”.[9]
Só a partilha põe termo à comunhão podendo, ou não, dar lugar à compropriedade. Enquanto aquela não ocorrer, o regime legal de bens mantém a imutabilidade que lhe é natural, podendo terceiros valer-se das normas legais que o pressupõem, como é o caso dos citados normativos do Código de Processo Civil.
A solução assim adoptada é a única que respeita a aludida regra da imutabilidade dos regimes de bens e defende eficazmente terceiros que com algum dos membros do casal entraram em relacionamento jurídico-económico. Se a dívida é daquelas que nasceu num tempo, antes ou depois do divórcio, em que por ela respondiam os bens comuns do casal, assim continua a ser enquanto se não operar a divisão/partilha. A passagem, sem mais, ao regime de compropriedade, como efeito do divórcio, tornava a posição do terceiro credor instável e menos consistente, dificultando-lhe a realização prática do direito.
Mais que não seja, e não é pouco, ficava-lhe vedado o acesso ao instrumento consubstanciado no aludido art.º 825º, nº 1, do Código de Processo Civil, obrigando-o à penhora de metade indivisa do prédio, sem que o ex-cônjuge não executado ficasse sujeito à consequência de não requerer a separação de bens qual seja, prosseguir a execução nos bens comuns penhorados, cfr. art.º 825º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Permitindo ainda a interpretação propugnada definir a situação do cônjuge ou ex-cônjuge do executado relativamente à penhora e subsequente venda, de forma que o património comum seja separado e o não responsável pela dívida seja poupado a qualquer prejuízo, já que pelo cumprimento da obrigação, em princípio, apenas responde o património do devedor, cfr. art. 601.º do Código Civil.
3. Porém:
No caso dos autos, à data da penhora do imóvel respectivo – 2009-03-05 – bem como à data da sua citação – 2009-05-04 – e de acordo com o alegado pela Recorrente, havia sido já efectuada a partilha judicial dos bens do casal, com adjudicação do imóvel à oponente, sendo proferida sentença homologatória da partilha em 2007-05-17, transitada em julgado em 2007-06-04.
O que logo afasta a aplicabilidade dos art.ºs 825º, n.º 1, e 864-A, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil.
E se tais normativos surgem invocados na citação feita, essa circunstância, como antecipado já, não pode ter o alcance de facultar ao ex-cônjuge a utilização de um meio processual reservado a situações outras.
4. Por outro lado, também a efectivação dessa citação, diversamente do pretendido pela Recorrente, não inviabiliza a dedução de embargos de terceiro.
Nos termos do art.º 352.º do Código de Processo Civil, “O cônjuge que tenha a posição de terceiro pode deduzir embargos de terceiro relativamente aos seus bens próprios e aos bens comuns dos cônjuges que tenham sido indevidamente penhorados.”.
Referindo a propósito Lebre de Freitas[10] que “Tratando-se de bens próprios, a penhora não pode subsistir…Tratando-se de bens comuns, em dois casos não pode o cônjuge do executado embargar: a) quando tenha sido citado nos termos do art.º 825º-1 e o executado não tenha bens próprios; b) quando a penhora incida sobre bens levados para o casal pelo executado…”.
Considerando Teixeira de Sousa[11] que o cônjuge do executado é terceiro para efeitos de dedução de embargos (de terceiro) já quanto “aos direitos relativos aos bens próprios”, já quando “(…) sejam penhorados bens comuns e, além disso, o cônjuge do executado não seja citado para requerer a separação de bens (cfr. art.º 825º, n.º 1)”.
A essa situação de penhora de bens comuns sendo de equiparar, em interpretação extensiva do art.º 352º do Código de Processo Civil, e com também assinala Fernando Amâncio Ferreira,[12] a de penhora de todos os bens que só podem ser alienados e de todos os direitos que só podem ser exercidos com intervenção de ambos os cônjuges, não verificada no caso que determinou o acto lesivo.
Se tal citação tiver lugar, poderá ser caso de dedução simultânea de embargos de terceiro quanto aos bens próprios do (ex)cônjuge do executado, porventura penhorados, e de oposição à execução na parte relativa aos bens comuns ou “equiparados” que igualmente penhorados hajam sido.
Simplesmente, na tese da Recorrente, o imóvel penhorado não era já, à data da penhora, bem comum, tratando-se então de bem de exclusiva propriedade daquela, que divorciada estava já do Executado.
Posto o que, independentemente de ter sido a mesma citada nos quadros dos art.ºs 825º, n.ºs 1 e 2, e 864º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil, sempre lhe caberia, como concluído na decisão recorrida, lançar mãos dos embargos de terceiro.
Falecendo-lhe legitimidade para deduzir oposição à execução, cfr. 26º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Bem como, logo assim, para com aquela cumular oposição à penhora, cfr. art.ºs 864º-A, 863º-A e 813º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Tal como se em execução requerida contra A., por erro for citado, como executado, C, não passará este, por efeito de tal citação, a deter legitimidade para com ele prosseguir a execução.
Ou seja, ainda que citado nos quadros dos art.ºs 825º e 864º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil, o cônjuge, ou o ex-cônjuge, do executado que entenda ter a penhora recaído, e afinal, sobre bens próprios seus, que não sobre bens comuns, não poderá deduzir oposição à execução, devendo antes embargar de terceiro.
Verificando-se pois fundamento de indeferimento liminar da oposição, cfr. art.º 234º-A, n.º 1, por analogia, e 494º, alínea e), do Código de Processo Civil.[13]
*
Improcedem, dest’arte, as conclusões da Recorrente.
III – Nestes termos, acordam em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente, que decaiu totalmente.
Lisboa, 2010-03-11
(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Neto Neves)
[1] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 332. [2] In “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 2º, págs. 418-419. [3] Proc. 09B0674, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. [4] In “O direito. Introdução e teoria geral”, 13ª ed., Almedina, 2006, pág. 416. [5] Assim, P. Lima e A. Varela, in “Código Civil,Anotado”, Vol. III, 2ª Ed., pág. 350. [6] Idem, pág.347. [7] In R.L.J, Ano 126.º-311. [8] Proc. 528/2004-2, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf. [9] P. Lima e A. Varela, in “Código Civil,Anotado”, Vol. IV, Coimbrav Editora, 1992, pág. 561. [10] In “A Acção Executiva”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1997, pág. 238. [11] In “Acção Executiva Singular”, LEX, 1998, pág. 301. [12] In “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., Almedina, 2009, pág. 300. [13] Neste sentido, Lebre de Freitas, in op. cit., pág. 168.