DESPESAS DE CONDOMÍNIO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
PERMILAGEM
ENCARGOS DE CONSERVAÇÃO DE PARTES COMUNS
CONDÓMINOS
Sumário

I - A “disposição em contrário” prevista no art. 1424º do Código Civil na redacção anterior ao DL 267/94 de 25/10 só pode ser o título constitutivo da propriedade horizontal ou o acordo posterior de todos os condóminos reduzido a escritura pública nos termos do art. 1419º nº 1 do Código Civil
II - Pelo facto de ser comproprietária da “casa da porteira” está a apelada obrigada a comparticipar em todas as despesas referentes à conservação e fruição com os elevadores, escadas e hall de entrada.
III – Mas não pode ser obrigada a comparticipar nessas despesas por simples aplicação da permilagem correspondente à sua fracção autónoma como se esta se encontrasse na mesma situação que as restantes, pois não pode ser servida dos elevadores, das escadas e do hall de entrada.
IV - A solução para determinar a medida da comparticipação da apelada passa então por ter em conta que são 10 as habitações – as 9 fracções autónomas dos condóminos apelados e a “casa da porteira” - que beneficiam dos elevadores, escadas e hall de entrada.
V – Assim, 9/10 das despesas são da responsabilidade exclusiva dos condóminos apelantes, nelas comparticipando cada um de acordo com as permilagens das respectivas fracções; e 1/10 das despesas são da responsabilidade de todos os condóminos, incluindo pois a apelada.
(sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
“A” – Indústria ... Lda instaurou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H” e Administrador do Condomínio do prédio sito na Av. ... n.° 00, 00-A, 00-B e 00-C, em Lisboa, pedindo:
a) Seja anulada a deliberação em que se fixaram os valores das quotas de condomínio para o ano de 2007;
b) seja anulada a deliberação que determinou que a fracção “A” deve cerca de 26,000,00 € e que fixou os valores constantes do mapa anexo à acta da reunião;
c) Sejam declaradas prescritas todas as eventuais dívidas da A. com mais de 5 anos;
d) Seja reconhecida e declarada a não obrigatoriedade da proprietária da fracção “A” de contribuir para as despesas e encargos inerentes a determinadas partes comuns do prédio e pagamento de serviços de interesse comum, relativos aos elevadores, hall de entrada e escadas e outras partes comuns do prédio que a A. não utiliza porque não pode utilizar;
e) Seja reconhecido e declarado que de despesas e encargos comuns dos anos transactos, a proprietária da “fracção” A só terá que suportar as que dizem respeito a impostos e taxas relacionadas com o imóvel, nomeadamente IMI e esgotos, seguros relacionados com o imóvel, avença, correio, fotocópias, selos e demais despesas relacionadas com a gestão do condomínio;
f) Seja reconhecido e declarado que a fracção “A” tem o mesmo direito que os demais condóminos à utilização da garagem.
g) Sejam os RR. condenados a entregar à A. a chave/comando de abertura do portão da garagem/parqueamento;
h) Seja reconhecido e declarado que a proprietária da fracção “A” não tem que suportar despesas, encargos ou pagamento de serviços de interesse comum relativos ao parqueamento/garagem, até que a Administração lhe dê acesso àquele espaço e se possa servir deste;
i) Seja reconhecido e declarado que, no ano de 2007, e para futuro o apuramento do valor da comparticipação anual da fracção “A”, bem como as despesas e encargos extraordinários, terão de ser devidamente descriminados e terão de ser calculados com exclusão das despesas e encargos inerentes a determinadas partes comuns do prédio e pagamento de serviços de interesse comum, relativos aos elevadores, hall de entrada e escadas e outras partes comuns que a A. não utiliza porque não pode utilizar;
j) Seja reconhecido e declarado que a A. tem direito a 35% do valor das receitas, nomeadamente, da renda mensal paga pelo arrendamento da casa da porteira, facto a ter em consideração no apuramento das despesas e encargos transactos e na fixação da quota relativa à fracção “A”.
Alegou, para tanto e em síntese:
- é proprietária da loja - fracção A - do prédio sito na Av. ... 00, à qual corresponde a percentagem de 35% do valor do prédio;
- essa fracção não tem acesso ao interior do prédio;
- não usa as escadas, nem os elevadores, nem as luzes do prédio;
- no dia 9.2.2007 realizou-se a assembleia de condóminos na qual não esteve presente;
- impugna, por serem ilegais e injustas duas deliberações: aquela em que se deliberou o valor das quotas de condomínio para o ano de 2007, nomeadamente o valor de € 1.817,06 relativo à fracção A e aquela em que se deliberou que a Autora deve cerca de 26.000 €;
- os débitos ao condomínio estão sujeitos ao prazo prescricional de 5 anos e no quadro anexo à acta constam débitos desde o ano 1990 a 2006, pelo que se alguma dívida existisse nunca se poderia peticionar o montante de “cerca de 26.000,00€” pois todas as quantias anteriores a 2002 estão prescritas;
- não deve suportar as despesas com as partes comuns que não usa por impossibilidade objectiva, nomeadamente elevadores, hall e escadas; também não deve suportar as despesas com a garagem/parqueamento, por impossibilidade de facto pois há mais de 15 anos que é impedido o acesso;
- a casa da porteira está arrendada, tendo a A. direito a 35% da respectiva renda; essa receita da A. deve ser usada para suportar apenas os encargos que recaiam sobre a fracção A e não todas as despesas e encargos com as partes comuns;
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Os RR contestaram separadamente.
O R. “G” excepcionou a sua ilegitimidade, impugnou o alegado pela A. e excepcionou a caducidade do direito de requerer a anulação das deliberações tomadas até 9 de Fevereiro de 2007, invocando, em síntese:
- na assembleia de condóminos de 3/3/1984 ficou estipulado, com voto favorável da A., que o produto do arrendamento com a casa da porteira seria destinado às despesas de administração ordinária e o remanescente quando o houver será destinado ao fundo de maneio que servirá para obras de conservação e beneficiação das partes comuns;
- o regulamento do condomínio foi aprovado em 3/3/1984 conforme acta nº 1, documento nº 3, com voto favorável da A.;
- a A. é comproprietária da casa da porteira que é fracção comum, destinada ao arrendamento urbano e que tem acesso a elevadores, escadas, luzes do prédio e limpeza das escadas, pelo que a A. está obrigada a contribuir na proporção da sua permilagem para as respectivas despesas;
- a acção de anulação da deliberação caduca no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação pelo que a A. está vinculada ao deliberado nas deliberações anteriores;
- o prazo de prescrição dos débitos ao condomínio é de 20 anos; mas entendendo-se que o prazo é de 5 anos, deve a A. o pagamento de 2000 e 2001 no valor total de 12.409 € pois reconheceu que deve esse pagamento conforme doc. 5, tendo-se interrompido a prescrição nos termos do art. 325º nº 1 do Código Civil.
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O condomínio impugnou nos mesmos termos que o R. “G” e deduziu reconvenção na qual alegou que é credor da A. no valor total de 41.714 €, do qual 38.714 € é referente a quotas do condomínio e quotizações para o fundo comum de reserva e conta poupança condomínio e 3.000 € é referente a obras de conservação efectuadas no prédio.
As RR. “F”, “E”, “B”, “C”, “D” impugnaram e excepcionaram a caducidade do direito de requerer a anulação das deliberações tomadas até 9 de Fevereiro de 2007 nos mesmos termos que o R. “G”.
A R. “H”, excepcionou a sua ilegitimidade e impugnou e excepcionou a caducidade do direito de requerer a anulação das deliberações tomadas até 9 de Fevereiro de 2007 nos mesmos termos que o R. “G”.
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A Autora replicou e excepcionou a ilegitimidade do condomínio.
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No saneador foi julgada inadmissível a reconvenção, foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade suscitada pelos RR “G” e “H” bem como a excepção de ilegitimidade passiva do condomínio e foi relegado para final o conhecimento das excepções de caducidade e prescrição.
Feita a selecção da matéria de facto assente e controvertida, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e decidiu-se a matéria de facto por despacho de fls. 1046/1047.
Foi depois proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência decidiu:
«a) Anula-se a deliberação da assembleia de condóminos do dia 9.2.2007 exarada em acta da mesma data, deliberação que fixa as quotas a pagar anualmente e que se consubstancia no seguinte “Assim, serão estes os valores a pagar anualmente pelos Srs. Condóminos proprietários: Fracção A – € 1.817,06; Fracção B – € 467,31; Fracção – C/O – € 726,76; Fracção E – € 311,43; Fracção F – € 415,33; Fracção G – € 311,43; Fracção H – € 415,33; Fracção I/J – € 726,76; Limpeza das escadas – € 153,75; Avença – € 153,75.”
b) Declaram-se prescritas as dívidas da A. ao condomínio dos anos de 1990 a 1995, 1996, 1997 (o remanescente), 1998, 1999, 2000, 2001 e 2002 dívidas a que se reporta o documento mencionado nos pontos 11 e 12 dos factos provados.
c) Declara-se que a A. não está obrigada a contribuir para as despesas de conservação e fruição e encargos com os elevadores, com as escadas (o que inclui a respectiva iluminação) e hall de entrada, não abrangendo esta declaração as despesas com a limpeza que dela ficam excluídas, tudo sem prejuízo de futuras alterações do título constitutivo da propriedade horizontal ou do regulamento do condomínio.
d) Reconhece-se e declara-se que a A. (fracção A) tem direito igual aos demais condóminos à utilização da garagem do prédio.
e) Condenam-se os RR a entregar à A. a chave/comando do portão da garagem.
f) Declara-se que a A. não tem que suportar as despesas de conservação e fruição relativas à garagem até que lhe seja entregue a mencionada chave e tenha a possibilidade de aceder à garagem.
g) No mais absolvem-se os RR do pedido
Custas por A. e RR fixando-se, respectivamente, a seguinte proporção, 20% e 80%».
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Não se conformando apelaram todos os Réus tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:
1) O regulamento de condomínio foi aprovado pela unanimidade dos presentes a 3 de Março de 1984,
2) De entre os presentes estava a ora recorrida,
3) Foi nesta data deliberado e consignado que o regulamento tinha por objecto definir o regime jurídico da propriedade horizontal do prédio sito na Av. ..., 00, 00-A, 00-C e B, em Lisboa,
4) Nos termos do artº 3.º - São comuns as seguintes partes do edifício:
c) Entradas, vestíbulos, escadas, patamares e corredores de uso comum a dois ou mais condóminos;
e) Elevadores e garagens,
5) Estabelece o artº 5.º do Regulamento do condomínio que: 1 - Para efeitos de conservação das partes comuns nos termos do artº 3 do presente regulamento, obrigam-se os condóminos a participar na proporção das permilagens estabelecidas no artº 2, exceptuando as das garagens que serão suportadas em partes iguais por todos os condóminos. 2 - As quotas da comparticipação nas despesas comuns são as correspondentes às permilagens estabelecidas para cada fracção,
6) Conforme consta do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, os artigos 1421º e 1424º, ambos do C.C. sofreram alterações, sendo-lhe dada nova redacção que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1995,
7) Dispõe o artº 12º do C.C. “1 - A lei só dispõe para o futuro (...) 2- Quando a lei dispõe sobre as condições da validade substancial ou formal de quaisquer factos ou seus efeitos, entende-se (...) que só visa os factos novos.
8) Tal como referem Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil anotado - Vol. 1 pág. 61) previnem-se no n° 2, em primeiro lugar os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos, ou referentes aos seus efeitos. Assim, por exemplo, as condições de validade de um contrato (capacidade, vícios de consentimento, forma, etc), bem, como os efeitos da respectiva, invalidade, têm de aferir-se pela lei vigente ao tempo que o negócio foi celebrado.
9) O douto Tribunal a quo a aplicar a lei ora vigente ao regulamento de condomínio aprovado a 3 de Março de 1984, viola o disposto no artº 12º do C.C.
10) Com efeito, nos termos do artº 12.º do C.C. impunha-se ao douto tribunal aferir se a deliberação tornada na assembleia ora em crise, era válida à luz da lei vigente à data da aprovação do regulamento do condomínio.
11) Nesta data dispunha o artº o artº 1421º do C.C. “2) Presumem-se ainda comuns:
b) Os ascensores;
12) A enumeração do nº 2 era apenas presuntivamente comuns, porém, essa presunção pelo que podia ser ilidida.
13) Recorrentes e a recorrida ao deliberarem a inserção dos ascensores como parte comum no regulamento pretenderam afastar a presunção ilidível estatuída no nº 2.
14) Os recorrentes e a ora recorrida ao deliberarem a inserção dos ascensores no regulamento do condomínio como parte comum no regulamento pretenderam afastar a presunção ilidível estatuída no n.º 2.
15) Por outro lado, o artº 1421º, do C.C. não era estabelecido em seu favor, mas antes representava um encargo, o de participarem nas despesas de toda e qualquer parte comum.
16) Acresce que dispunha o 1424º do C.C. “1- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e serviços de interesse comum são pagos pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
2- Porém, as despesas relativas aos diversos lanços do prédio que sirvam exclusivamente alguns dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
3 - Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por ele possam ser servidas.
17) Como esta norma tinha carácter supletivo, por força do princípio da autonomia da vontade os condóminos poderiam estabelecer qualquer outra forma de comparticipação nas despesas de manutenção e conservação das partes comuns.
18) Só na falta de disposição negocial, vigorava, como regra supletiva o previsto nos nºs 1, 2 e 3.
19) Decorre igualmente deste artigo que a lei não coarctava a assembleia o poder de deliberar a repartição de encargos da forma que melhor aprouvesse os condóminos, sendo também que não impunha que em caso de ter sido aprovado mediante disposição do regulamento do condomínio, qualquer especificação e justificação dos critérios que determinaram a sua imputação,
20) É entendimento dominante que as regras deliberativas que compõem o regulamento de um condomínio têm eficácia propter rem, vinculando todos aqueles que se encontram integrados na organização condominal,
21) Estas regras criam verdadeiras obrigações para todos os condóminos os quais ficam vinculados, por serem titulares de um direito real integrado no estatuto do direito real da propriedade horizontal.
22) Enquanto não houver deliberação da assembleia que directa, ou indirectamente revogue as normas do regulamento elas impõem-se ao administrador e condóminos e produzem os seus efeitos até que sejam efectivamente revogadas (tal como a norma jurídica é susceptível de ser revogada, mas até que o seja não deixa de ser imperativa).
23) Conjugando o supra exposto com a matéria de facto dada como provada, dúvidas não haverá que a deliberação tomada pela assembleia geral não violou o disposto no art. 1424º, do C.C.
24) Posto isto, a deliberação que imputa à recorrida as despesas referentes à comparticipação com os ascensores e conservação /fruição, das escadas interiores do prédio, insere-se na previsão do regulamento do condomínio.
25) Acresce que, a recorrente é comproprietária na proporção de 35% da fracção correspondente ao lº dto, tal como resulta da Escritura Pública da constituição da propriedade horizontal,
26) Decorre da referida Escritura que o 1º dtº tem entrada pelo nº 00, tem acesso a elevadores e escadas, e destina-se ao arrendamento urbano.
27) Para além de proprietária também é senhoria ( a par dos outros condóminos),
28) Os deveres dos condóminos sobre as partes comuns, “a contrario sensu” regulam-se, em tudo o que não seja contrário às normas sobre a propriedade horizontal e pelas regras da compropriedade (arts. 1420º e 1422º ambos do C.C).
29) Estatui o nº 3 do artigo 1078º, do C.C. (...) “os encargos e despesas referentes à administração, conservação e fruição de partes comuns do edifício, bem como o pagamento de serviços de interesse comum, correm por conta do senhorio”, pelo que está obrigada a comparticipar na proporção da sua permilagem nas despesas referentes à conservação e fruição das partes comuns do edifício, bem como pelo pagamento de serviços de interesse comum.
30) A 2 de Maio de 2007, deduziu o recorrente Condomínio do prédio sito na Av. ... n.º 00, reconvenção, na qual pedia a condenação da ora recorrida no pagamento das quotas de condomínio em atraso desde 1984 até à presente data.
31) Tal peça foi enviada por correio registado,
32) Decorre do art. 24 da matéria de facto provada, que as quotas de condomínio são pagas trimestralmente e antecipadamente, sendo a 1ª quota trimestral paga até 8 de Julho.
33) Nos termos do artº 323º do C.C. a prescrição foi interrompida a 8/5/2007, pelo que as dívidas referentes a 2002 não se encontravam prescritas.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao recurso, assim se fazendo a costumada
Justiça
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A Autora contra-alegou defendendo a confirmação do decidido.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC) sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- lei aplicável à data da deliberação que aprovou o Regulamento do Condomínio
- se o Regulamento do Condomínio contém disposições em contrário ao que prevê o art. 1424º do Código Civil sobre a contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento do serviços de interesse comum
- se a recorrida, como comproprietária e senhoria da parte comum correspondente à “casa da porteira” está obrigada a comparticipar na proporção da sua permilagem nas despesas referentes à conservação e fruição com os elevadores, com as escadas e hall de entrada
- se não está prescrita a dívida da recorrida por quotas de condomínio referente ao ano de 2002 por se ter interrompido a prescrição com a dedução da reconvenção
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III – Fundamentação
A) Os factos
Na sentença recorrida vem dado como provado:
1 - Encontra-se inscrita pela Apresentação 01/... a aquisição a favor de “A” – Indústria ..., Limitada” por compra do rés-do-chão entrada pelos nºs 00-B e 00-C do prédio urbano sito na Avenida ..., em Lisboa, freguesia de B..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de B..., sob o artigo ... e descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº .../....
2 - O referido prédio encontra-se constituído em propriedade horizontal por escritura notarial outorgada no ... Cartório Notarial de Lisboa, em 19 de Outubro de 1978, a fls. 79 a 82 v.º do livro de notas para escrituras diversas nº ...-C e inscrita na ... Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob a inscrição F-1 com apresentação .../....
3 - À fracção autónoma referida em A) corresponde a permilagem de 350 a que correspondem 35 votos.
4 - A fracção “A” corresponde a uma loja sita no rés-do-chão com entrada pelos nºs 00-B e 00-C, que tem acesso apenas pela via pública, não tendo acesso para o interior do prédio.
5 - A fracção “A” não tem acesso e não utiliza os elevadores, as escadas e as luzes do prédio.
6 - Nunca foi entregue à autora a chave da porta da entrada do prédio.
7 - No dia 09.02.2007 realizou-se uma assembleia-geral ordinária de condóminos onde estiveram presentes os condóminos da fracção B – “B”; fracção C/D – “I” em representação de “C”; fracção E – “D”; fracção F – “E”; fracção G – “F”; fracção H – “G” e fracção I/J – “H”.
8 - A Autora não esteve presente na assembleia de condomínio referida na alínea anterior nem se fez representar.
9 - Datada de 09.02.2007, foi exarada acta do condomínio, sempre do descrito prédio urbano, a “Acta nº 3”, correspondente a uma assembleia de condóminos onde constava na ordem de trabalhos: “1 – Aprovação de despesas e receitas de 2006; 2 – Discussão e aprovação do orçamento para 2007; 3 – Pagamentos em atraso; 4 – Eleição do administrador do condomínio; 5 – Outros assuntos”.
10 - Consigna-se que resulta da acta referida na alínea anterior o seguinte: (...). Foi na presente assembleia-geral ordinária entregue aos Srs. Condóminos relatório detalhado das despesas e receitas realizadas em 2006 (cf documento junto em acta). Após vários esclarecimentos e discussão foram as despesas efectuadas e receitas obtidas aprovadas por 650 votos a favor, 0 contra e nenhuma abstenção. Ponto 2 Foi igualmente entregue relatório referente ao orçamento previsto para 2007, conforme documentos juntos à acta. A administração informou os Srs. Condóminos que as despesas orçamentadas são apenas despesas ordinárias, já que de acordo com o relatório de Dezembro de 2006 a conta fundo comum de reserva apresentava um saldo negativo de € 2.641,35 e que de acordo com o orçamento para 2007, apresentará no final do ano um saldo negativo de € 1.883,92. Assim, de acordo com o supra referido, a realizarem-se obras extraordinárias, as mesmas serão pagas na proporção das permilagens. (...). Após debate deliberaram por unanimidade, os condóminos actualizar as quotas pagas anualmente para o fundo comum de reserva e conta poupança condomínio na percentagem de 2,5%. Assim, serão estes os valores a pagar anualmente pelos Srs. Condóminos proprietários: Fracção A – € 1.817,06; Fracção B – € 467,31; Fracção – C/O – € 726,76; Fracção E – € 311,43; Fracção F – € 415,33; Fracção G – € 311,43; Fracção H – € 415,33; Fracção I/J – € 726,76; Limpeza das escadas – € 153.75; Avença – € 153,75. Após vários esclarecimentos e discussão foi o orçamento de 2007 aprovado com 600 votos a favor, 0 contra e nenhuma abstenção. Ponto 3 Foram os Srs. Condóminos proprietários informados que não obstante várias interpelações, a proprietária da fracção A desde 1984 apenas efectuou dois pagamentos para o fundo comum de reserva. Apesar da proprietária ter constituído as duas caixas de esgotos (situação essa que até à presente data não foi comunicada à administração) deve cerca de € 26.000,00, cf. documento junto à acta. Igualmente foi explicado aos condóminos que o valor fixado é de € 50,65, ou seja a cada 10% de permilagem corresponde o valor de € 50,65. Após tomarem conhecimento do valor em dívida, deliberaram os Srs. Condóminos proprietários por unanimidade proceder judicialmente contra a proprietária da fracção A.”
11 - Consigna-se que resulta do documento anexo à acta referida em I), junto a fls. 54, designado por “Receitas do condomínio – 2007” e sob a epígrafe “Dívida da fracção A” a quantia de € 2.481,78 referente aos anos de 1990 a 1995 e 1998 a 2006.
12 - Consigna-se que resulta do documento anexo à acta referida em I), junto a fls. 54, designado por “Receitas do condomínio – 2007” e sob a epígrafe “Dívida da fracção A” a quantia de € 25.527,68 que corresponde a uma quota anual no valor de € 1.595,48 relativamente aos anos de 1990 a 2006.
13 - No dia 12.03.2007, a Autora recebeu fotocópia de seis páginas da acta da assembleia referida em I) e documento a ela anexo.
14 - Consigna-se que resulta da última linha e primeira de fls. 50 e 51 o seguinte: “Foram igualmente esclarecidos os Senhores Condóminos Às despesas do ano transacto acrescido da taxa de inflação de 4,5%”.
15 - A Autora emitiu e enviou à Administração do Condomínio e este recebeu em 16.03.2007, a carta datada de 14 de Março de 2007, junta a fls. 55, de onde consta assinaladamente o seguinte: “Assinalamos a recepção da fotocópia da Acta da Assembleia de Condóminos realizada no dia 9 de Fevereiro p.p. que agradecemos. Porém, a leitura do respectivo texto revela que, por não haver concordância entre o final da 2ª página e o início da 3ª, provavelmente, lhe falta uma página, ou o texto está truncado, por erro de transcrição ou má execução da fotocópia. O sentido e a compreensão do seu conteúdo estão, por isso, prejudicados. Vimos, pois, solicitar o envio de uma nova via do texto da acta, depois de cuidadosamente conferido. Claro está que, para os devidos efeitos legais, a consideraremos recebida na data da recepção da V. resposta, ou seja, do texto completo da acta.”
16 - Dá-se por integralmente reproduzido o conteúdo do documento junto a fls. 37 a 46 designado por “Regulamento do Condomínio”.
17 - Estabelece o artigo 2º do Regulamento do Condomínio que “O prédio identificado no artigo 1º, divide-se nas seguintes fracções autónomas, a que correspondem as permilagens que seguem:
Fracção Autónoma Andares Permilagem Votos
A R/C 350 35
(…)
18 – Estabelece o artigo 5° do Regulamento do Condomínio que “1. Para efeitos de conservação das partes comuns, nos termos do artigo 3º do presente regulamento, obrigam-se os condóminos a participar na proporção das permilagens estabelecidas no artigo 2º, exceptuando as das garagens que serão suportadas em partes iguais por todos os condóminos. As quotas da comparticipação nas despesas comuns são as correspondentes às permilagens estabelecidas para cada fracção.”
19 - Estabelece o artigo 32º do Regulamento do Condomínio que “O parqueamento far-se-á da seguinte forma: 1. A cada fracção corresponderá apenas um carro, independentemente da permilagem. 2. Os condóminos ocuparão obrigatoriamente, à chegada, os lugares disponíveis e por ordem sucessiva de 1-9”.
20 - Estabelece o artigo 33º nº 1 do Regulamento do Condomínio que “1. As garagens, situadas nas caves estão afectadas ao uso dos condóminos das fracções autónomas determinadas no artigo 2º, sendo partes comuns nos termos do artigo 3º”.
21 - Datada de 03 de Março de 1984, foi exarada acta do condomínio, sempre do descrito prédio urbano, junta a fls. 136 e 137, correspondente a uma assembleia de condóminos daí constando “Para aprovação do exarado em 1, pelos condóminos presentes foi considerado haver de resolver uma questão prévia a qual se consubstancia no destino a dar ao 1º andar direito, designado na escritura de propriedade horizontal como “a casa da porteira”, isto é, se o mesmo se há-de destinar a alojamento de porteira ou se deverá ser arrendado. E para resolução do assunto em apreço os condóminos presentes e em reunião procederam à respectiva votação, Votou-se tendo o resultado sido o seguinte: 71% votou a favor do arrendamento do andar em causa. Seguidamente, foi decidido por todos os condóminos presentes e em resultado da votação anterior que tais disposições complementares do regulamento dos condóminos há que acrescentar o artigo 38º o qual deverá ficar com a seguinte redacção: - O 1° andar direito denominado na escritura de propriedade horizontal por “andar da porteira” será arrendado destinando-se o produto do arrendamento ao seguinte: Despesas de administração ordinária e remanescente quando o houver será destinado a fundo de maneio que servirá para obras de conservação e beneficiação das partes comuns. O referido remanescente será depositado numa instituição bancária à ordem da administração. Votou-se seguidamente a aprovação do regulamento de condóminos tendo-se obtido o seguinte resultado: A favor - 85% ou seja a totalidade dos presentes à qual correspondia aquela percentagem.”
22 - Datada de 11 de Janeiro de 1986, foi exarada acta do condomínio. sempre do descrito prédio urbano, junta a fls. 138 e 139, correspondente a uma assembleia de condóminos daí constando “Suscitados pela representante da “A” esclarecimentos sobre o sentido a dar às prestações de serviço, referidas na acta do dia 30 de Novembro de 1985 designadamente quais as contrapartidas a prestar pelos arrendatários da casa denominada “casa da porteira” foi esclarecido o seguinte. O valor da renda mensal destina-se a fazer face aos seguintes pagamentos:1 - Luz da escada e garagem; 2 - Pagamento da manutenção ordinária dos elevadores.”
23 - Datada de 14 de Julho de 2005, foi exarada acta do condomínio, sempre do descrito prédio urbano, junta a fls. 140 a 143, correspondente a uma assembleia de condóminos na qual estiveram presentes os condóminos das fracções A, B, E, G e H daí constando “(...). Em relação ao ponto 3, foi a proprietária da fracção A informada que era o único condómino que tinha pagamentos em atraso. (...). Em relação aos débitos em atraso para com as contas fundo de reserva e fundo de maneio, não paga justificando a recusa no facto de: 1 – A sua fracção em dias de chuva ficar com 10 litros de água; 2 – É depósito (a fracção A) dos esgotos do prédio, esgotos estes que tal como fez questão de referir, contém dejectos humanos; e 3 – Os 35% que detém da renda paga mensalmente pelo inquilino do 1º Dto é suficiente para pagar a sua parte. Quando confrontada com o facto de ter estado presente na reunião, em que foi deliberado que a renda seria depositada numa conta fundo de maneio, de ter votado nesse sentido e de ter assinado a respectiva acta declarou, após ter lido a acta em questão, que não concordava com o conteúdo da mesma, e que só assinou a acta para não se aborrecer e não levantar problemas. No entanto considera que o seu direito aos 35% do 1º Dto estão a ser abusivamente utilizados para as despesas gerais do prédio, despesas estas que devido à localização da sua fracção não deveria pagar. Em relação às actas, declarou que, não obstante ter assinado, são nulas e violam claramente o seu direito aos 35% da renda. Mais declarou, a proprietária da fracção A, que mesmo que se considere válida essa permissão, essa permissão não é vitalícia, e como tal a partir da presente data quer que os seus 35% sejam afectos ao fundo de reserva.
24 - Datada de 22 de Maio de 1995, foi exarada acta do condomínio, sempre do descrito prédio urbano, junta a fls. 144 e 145, correspondente a uma assembleia de condóminos daí constando (...). Relativamente ao ponto 5 ficou acordado a alteração do montante das quotas de condomínio que passarão a ser pagas em proporção da permilagem, pagando-se trimestralmente e antecipadamente. A primeira quota trimestral será paga até dia 08 de Julho. Durante a semana seguinte e após os cálculos dos gastos do ano anterior, os condóminos serão informados do valor da quota que incluirá o montante de fundo de maneio para despesas + 10% para fundo de reserva.”
25 - A Administração do Condomínio emitiu e enviou a carta junta por cópia a fls. 280 dirigida a “Condómino da Fracção A”, datada de 01 de Julho de 1995, sob o “Assunto: Fundo Poupança Condomínio” de onde consta assinaladamente o seguinte: “De acordo com a última reunião de condóminos em que V. Exas. esteve presente, informo que a quota para a Conta Poupança Condomínio é de Esc. 2.690$00/mensal.”
26 - Consigna-se que resulta da escritura de constituição de propriedade horizontal do prédio urbano sito na Av. ..., número sessenta e dois - A, sessenta e dois - B e sessenta e dois - C, em Lisboa no que respeita à Cave que a mesma é “destinada a parqueamento de veículos automóveis dos utentes do prédio, cujo acesso à garagem se faz em rampa até à cave onde estacionam, pela porta número sessenta e dois — A de polícia”
27 - A acta da assembleia extraordinária de condóminos realizada no dia 14 de Julho de 2005, não se encontra assinada pela Autora (fracção A).
28 - A Autora emitiu e enviou ao Administrador do Condomínio e este recebeu a carta junta por cópia a fls. 850, datada de 02 de Abril de 2007, de onde consta assinaladamente o seguinte: “Como é do seu conhecimento, ao longo destes anos tem-nos vindo a ser negado, pelo condomínio, o reconhecimento do nosso direito à utilização da garagem do prédio - consagrado no título constitutivo da propriedade horizontal bem como ao regulamento do condomínio - designadamente mediante recusa em entregarem-nos o comando de abertura da respectiva porta que foi substituída em meados dos anos 90. Como esta situação se tem revelado factor de tensões e conflituosidades, vimos, no intuito de resolver uma questão que prejudica o bom funcionamento do condomínio, solicitar uma vez mais e, formalmente, que nos seja disponibilizado o referido comando.”
29 - A Autora desde a década de 1990, em data não apurada que não tem acesso ao parqueamento/garagem.
30 - A Autora pagou ao condomínio as seguintes quantias: -Esc.51.110$00, dos quais Esc.18.830$00 respeitam ao ano de 1995, de Julho a Dezembro e Esc.32.280$00 relativamente ao ano de 1996; -Esc. 32.810$00 no ano de 1997.
31 - A casa da porteira sita no 1.º andar direito, encontra-se “arrendada” pelo valor mensal de €350,00 (trezentos e cinquenta euros).
32 - 0 Condomínio procedeu à mudança do portão da garagem.
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B) O Direito
1ª questão: lei aplicável à data da deliberação que aprovou o Regulamento do Condomínio
O Regulamento do Condomínio foi aprovado por deliberação da assembleia dos condóminos de 3 de Março de 1984 como resulta da acta de fls. 136 e 137 referida no ponto 21 dos factos provados.
Portanto, nessa data, vigorava o disposto nos art. 1421º e 1424º do Código Civil na redacção anterior à que foi introduzida pelo DL 267/94 de 25 de Outubro. Daí que para aferir da validade substancial ou formal desse Regulamento tenhamos de atender àquela redacção anterior, como prescreve o art. 12º nº 1 do Código Civil.
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2ª questão: se o Regulamento do Condomínio contém disposições em contrário ao que prevê o art. 1424º do Código Civil sobre a contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento do serviços de interesse comum
O art. 1424º do Código Civil, na redacção em vigor à data da aprovação do Regulamento do Condomínio dispunha:
«1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
2. Porém, as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
3. Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas».
A “disposição em contrário” só pode ser o título constitutivo da propriedade horizontal ou o acordo posterior de todos os condóminos reduzido a escritura pública nos termos do art. 1419º nº 1 do Código Civil (neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil anotado, vol III, 2ª edição (1987), pág. 431 e Abílio Neto, «Direitos e Deveres dos Condóminos na Propriedade Horizontal, 1988, pág. 84/85).
Portanto, o art. 1424º na citada redacção não permitia que fosse estipulado diferentemente através de mera disposição do regulamento do condomínio.
Em consequência, não têm razão os recorrentes ao sustentarem que a assembleia de condóminos podia deliberar a repartição de encargos da forma que melhor aprouvesse aos condóminos.
Note-se que a nova redacção do artigo 1424º introduzida pelo DL 267/94 já permite que, mediante disposição do regulamento do condomínio aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum fiquem a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinaram a sua imputação. Mas esta estipulação através de disposição em regulamento do condomínio apenas é admitida para as despesas com serviços de interesse comum, ficando excluídas as despesas necessárias à conservação e fruição.
No art. 5º do Regulamento do Condomínio foi estipulado que os condóminos se obrigam a suportar em partes iguais as despesas de conservação das garagens sem que esse acordo tenha sido reduzido a escritura pública. Trata-se de disposição em contrário à regra supletiva consagrada no nº 1 do art. 1424º, mas que não obedece à forma legal e por isso é nula (art. 220º do Código Civil) (neste sentido Ac do STJ de 22/4/1975, BMJ 246/157).
A propósito do art. 1424º já com a nova redacção introduzida ao nº 2 pelo DL 267/94 escreveu Aragão Seia: «A norma em questão tem carácter supletivo por no nº 1 ressalvar disposição em contrário e no nº 2, mas agora só quanto às despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, prever possível acordo em contrário.
A diferença de regime de um e de outro inciso reside no modo de aprovação do negócio jurídico.
Relativamente à repartição e pagamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns o acordo tem de resultar da vontade unânime dos condóminos, consubstanciada em escritura pública, pois trata-se de modificação do título constitutivo – nº 1 do art. 1419º. (…)
Quanto às despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum o acordo tem de provir apenas de maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, sem oposição de votantes. Esta deliberação deve conter as despesas a efectuar devidamente especificadas e os critérios que determinaram a sua imputação devidamente justificados, para ser eficaz» (in Propriedade Horizontal, 2001, pág. 121/122).
Mas a recorrida aceitou expressamente nos art. 53º e 55º da petição inicial suportar as despesas de conservação com a garagem em partes iguais a partir da data em que lhe seja facultado o gozo do parqueamento e não pediu a anulação da deliberação que fixou o montante da sua quota (e dos outros condóminos) com fundamento em não estar obrigada a suportar as despesas de conservação e da garagem em parte iguais, mas sim com o fundamento de não estar obrigada a suportar despesas com a garagem enquanto não lhe for entregue a chave e facultado o seu acesso.
Vejamos agora se o Regulamento do Condomínio contém também qualquer disposição em contrário relativamente à comparticipação nas despesas com a conservação e fruição e encargos com os elevadores, escadas (incluindo a respectiva iluminação) e hall de entrada.
No caso concreto as escadas, o hall de entrada e os elevadores garagens são partes comuns. Não há discordância das partes quanto a este ponto.
Sustentam os recorrentes que através do estabelecido no art. 5º do Regulamento do Condomínio, em conjugação com o art. 3º (no qual são indicadas as partes comuns nelas incluindo os elevadores e as garagens), pretenderam os condóminos afastar as regras vertidas nos art. 1421º nº 2 e 1424º, vinculando todos aqueles que se encontrem integrados na organização dominial, criando verdadeiras obrigações para estes.
No entanto, salvo no que respeita às despesas de conservação com a garagem, o art. 5º do Regulamento do Condomínio nada acrescenta ao regime legal consagrado nos nºs 1, 2 e 3 do art. 1424º do CC na redacção em vigor à data da deliberação que o aprovou, sendo que os nºs 2 e 3 correspondem, respectivamente, aos nºs 3 e 4 na redacção introduzida pelo DL 267/94.
Concorda-se pois com o entendimento expresso na sentença recorrida quando a propósito do disposto nos nºs 1 e 4 do art. 1424º (com as alterações introduzidas pelo citado DL) se discreteia nestes termos: «(…) mesmo que se admitisse que seria legalmente possível por disposição regulamentar afastar o nº 4 do artigo sob análise, afigura-se-nos dever concluir-se que o art. 5º do regulamento não versa sobre as despesas com os elevadores apesar da remissão feita para o art. 3º do mesmo regulamento onde os mesmos elevadores estão incluídos como partes comuns. Mesmo que o regulamento fosse omisso quanto aos elevadores como partes comuns sempre havia de presumi-los como tal (art. 1421º) e, interpretando a norma em causa, o sentido reporta-se às despesas de conservação e quanto a estas o art. 5º - excepto relativamente às garagens – nada acrescenta ao regime legal. Por outro lado, no que respeita ao segmento do art. 5º que diz “as quotas de comparticipação nas despesas comuns são as correspondentes às permilagens estabelecidas para cada fracção” cremos que tal segmento, também nada adianta relativamente ao regime do nº 1 do art. 1424º, porque se nada existisse no regulamento tais tipos de despesas seriam já da responsabilidade dos condóminos na proporção do valor da fracção, donde decorrer que não é tal estipulação regulamentar de molde a poder dizer-se que pretende afastar e afasta o mesmo regime legal decorrente do nº 4 do mesmo artigo, sendo este especial em relação ao nº 1. Crê-se que para afastar o regime quer do nº 3 quer do nº 4 do mencionado artigo e a admitir-se que pudesse ser afastado tal regime por disposição regulamentar esta teria que ser expressa no sentido de que teria que prever e tratar as despesas relativas aos ascensores e as despesas com as escadas e partes comuns que sirvam exclusivamente alguns condóminos. O art. 5º nada distingue neste particular por isso se conclui que não pode ser considerado disposição que afaste o regime legal, mantendo-se este».
Portanto, o Regulamento do Condomínio não contém disposições em contrário ao que prevê o art. 1424º do Código Civil sobre a contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento dos serviços de interesse comum.
Sublinhe-se, ainda, que se o art. 5º do Regulamento do Condomínio constituísse disposição em contrário à regra supletiva consagrada nos nº 1, 2 e 3 do art. 1424º (na redacção em vigor antes das alterações introduzidas pelo DL 267/94), seria nula tal disposição por não obedecer à forma legal (art. 220º do CC) como já se explicou.
Em consequência, pelo Regulamento do Condomínio não se pode concluir que a recorrida está obrigada a contribuir para as despesas de conservação e fruição e encargos com os elevadores, escadas (incluindo a respectiva iluminação) e hall de entrada.
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3ª questão: se a recorrida, como comproprietária e senhoria da parte comum correspondente à “casa da porteira” está obrigada a comparticipar na proporção da sua permilagem nas despesas referentes à conservação e fruição com os elevadores, com as escadas e hall de entrada
Em primeiro lugar cabe dizer que a decisão de anulação da deliberação de 9/2/2007 teve também por fundamento o entendimento de que a apelada não tem de comparticipar nas despesas com a garagem por estar impedida de a utilizar, como resulta da seguinte fundamentação a fls. 1073 e 1074:
«(…) tal parte do prédio tem estado afecta ao uso exclusivo dos demais condóminos e, por isso, enquanto durar esse uso exclusivo pelos demais, nos termos do nº 3 do art. 1424º, só eles teriam que participar nas despesas de conservação e fruição relativamente à garagem.
(…)
Assim, nas despesas de conservação/fruição da garagem – que serve exclusivamente os outros condóminos que não a A., esta não tem que participar nelas até que tal acesso lhe seja facultado, questão que é também trazida a juízo nesta acção.
(…)
Por todo o exposto, havendo que concluir que a A. não tem que participar nas despesas com conservação e fruição d(…) e garagem, e que a sua participação para o fundo de reserva é encontrada legalmente por aplicação da percentagem à quota parte que caberá à A. nas demais despesas, a deliberação tomada que fixou a sua quota (e as demais) apresenta-se destituída de qualquer critério que a suporte e que nem é reconduzido a um orçamento conhecido (…) pelo que, se tem por contrária à lei, designadamente ao estabelecido no art. 1424º do Código Civil e, por isso, deve ser anulada em conformidade com o art. 1433º do mesmo código.»
Portanto, contrariamente ao que invocam os apelantes na «Introdução» da sua alegação, no corpo da alegação e nas conclusões, a sentença recorrida não anulou a deliberação que fixou as quotas unicamente por nela se ter considerado que a A. não está obrigada a contribuir para as despesas de conservação e fruição e encargos com os elevadores, escadas (iluminação incluída) e hall de entrada.
Ora, não tendo os apelantes impugnado a decisão de anulação da deliberação que fixou as quotas com fundamento na inexistência da obrigação da apelada comparticipar nas despesas com a garagem, subsiste sempre esta causa de anulação da deliberação em causa.
Entremos agora na apreciação da questão que nos ocupa.
Na sentença decidiu-se que a recorrida «não está obrigada a contribuir para as despesas de conservação e fruição e encargos com os elevadores, com as escadas (o que inclui a respectiva iluminação) e hall de entrada, não abrangendo esta declaração as despesas com a limpeza que dela ficam excluídas, tudo sem prejuízo de futuras alterações do título constitutivo da propriedade horizontal ou do regulamento do condomínio», por se ter entendido não haver disposição em contrário do que estabelece o regime supletivo legal.
Mas os recorrentes alegam que a recorrida é comproprietária, com os demais condóminos, da “casa da porteira”, que está arrendada e beneficia do elevador e das escadas pois situa-se no 1º andar do edifício e tem acesso pelo nº 00 e por isso está obrigada a contribuir para essas despesas de acordo na medida da sua permilagem.
Esta questão já havia sido suscitada nas contestações e não foi apreciada na sentença recorrida.
A apelada, na sua contra-alegação não se pronunciou concretamente sobre esta alegação dos recorrentes tendo-se limitado a seguir a argumentação da sentença recorrida.
Resulta dos factos provados - tendo em consideração a escritura de constituição de propriedade horizontal de fls. 29 a 36 referida no ponto 2 da matéria de facto - que a “casa da porteira” é uma parte comum, situa-se no 1º andar direito e o acesso à mesma é feito pelo nº 00, tendo portanto acesso às escadas e aos elevadores.
De harmonia com o art. 1420º do Código Civil cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, sendo incindível o conjunto desses dois direitos, não sendo lícito renunciar à parte comum como meio de se desonerar das despesas necessárias à sua conservação e fruição.
Os condóminos, como comproprietários das partes comuns, exercem em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular e separadamente participam nas vantagens e encargos da coisa em proporção das suas percentagens ou permilagens (art. 1405º nº 1 do Código Civil).
«Pode-se dizer que cada condómino é titular de um direito real composto, resultante da fusão do direito de propriedade singular sobre a fracção que lhe pertence com um paralelo direito de compropriedade sobre as partes comuns.
(…)
As partes comuns são complementares das fracções autónomas» (Aragão Seia, ob cit., pág. 60 e 62).
Por outro lado, a “casa da porteira” foi destinada pelos condóminos ao arrendamento e está arrendada.
Assim, a apelada é comproprietária da “casa da porteira” e senhoria.
De harmonia com o art. 1078º nº 3 do Código Civil correm por conta do senhorio os encargos e despesas referentes à administração, conservação e fruição das partes comuns do edifício bem como o pagamento de serviços de interesse comum.
Assim, pelo facto de ser comproprietária da “casa da porteira” está a apelada obrigada a comparticipar em todas as despesas referentes à conservação e fruição com os elevadores, com as escadas e hall de entrada.
Porém, não podemos esquecer que a fracção autónoma “A” de que a apelada é proprietária corresponde a uma loja sita no rés-do-chão com entrada pelos nºs 00-B e 00-C, tendo acesso apenas pela via pública, não tem acesso para o interior do prédio, não tem acesso e não utiliza os elevadores, as escadas e as luzes do prédio. Diferentemente, os demais condóminos têm acesso pelo interior do prédio pelo nº 00, têm acesso ao elevador, às escadas e luzes do prédio.
Ou seja, a apelada tem de comparticipar nessas despesas porque é comproprietária da casa da porteira enquanto que os demais condóminos têm de comparticipar nessas despesas não só porque são comproprietários da casa da porteira mas também porque as suas fracções autónomas beneficiam dos elevadores, escadas, luzes e hall de entrada.
Em consequência, a apelada não pode ser obrigada a comparticipar nessas despesas por simples aplicação da permilagem correspondente à sua fracção autónoma como se esta se encontrasse na mesma situação que as restantes pois é manifesto que ficaria prejudicada.
A solução para determinar a medida da comparticipação da apelada passa então por ter em conta que são 10 as habitações – as 9 fracções autónomas dos condóminos apelados e a “casa da porteira” - que beneficiam dos elevadores, escadas e hall de entrada. E assim: 9/10 das despesas são da responsabilidade exclusiva dos condóminos apelantes, nelas comparticipando cada um de acordo com as permilagens das respectivas fracções; e 1/10 das despesas são da responsabilidade de todos os condóminos, incluindo pois a apelada, nelas comparticipando cada um de acordo com as permilagens das respectivas fracções, sendo que a permilagem da apelada é de 350.
Em consequência não se pode manter o segmento decisório constante da alínea c) da sentença recorrida.
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4ª questão: se não está prescrita a dívida da recorrida por quotas de condomínio referente ao ano de 2002 por se ter interrompido a prescrição com a dedução da reconvenção
Na contra-alegação a apelada sustenta que no art. 102º da contestação - reconvenção o apelante condomínio apenas considerou que estavam em dívida os anos de 2000 e 2001, e que além disso é extemporânea a alegação da interrupção da prescrição na alegação de recurso.
No que respeita ao primeiro argumento da apelada é manifesto que não tem razão.
Com efeito, na petição inicial, embora declarando não reconhecer alguma dívida, a A. apenas invocou a prescrição relativamente aos débitos a partir do ano de 2002 como se vê dos art. 25º, 26º e 27º desse articulado que têm este teor:
(25º) «No quadro constante do documento anexo à acta alegam-se débitos desde o ano de 1990 até ao ano de 2006.
Ora,»
(26º) «Se alguma dívida existisse, o que não se reconhece, esta só se poderia contabilizar a partir do ano de 2002.
Pelo que,»
(27º) «Nunca poderia peticionar-se o montante de “cerca de 26.000, 00€”. Visto que, atendendo aos valores e dado constantes do mapa junto como documento anexo à acta, todas as quantias anteriores a 2002 não são devidas, por se encontrarem prescritas.»
Nas duas réplicas que apresentou, respectivamente art. 23º (réplica de 02/07/2007) e 27º (réplica de 12/07/2007), a A. reiterou: «Assim, eventuais débitos ao condomínio só se poderiam contabilizar a partir do ano de 2002, pelo que nunca poderia peticionar-se o montante de “cerca de 26.000,00 €”».
Por isso se compreende que no art. 102º da contestação/reconvenção o condomínio, ao invocar a interrupção da prescrição com fundamento no reconhecimento da dívida por parte da A. ao abrigo do nº 1 do art. 325º do Código Civil, tenha alegado «entendendo-se que o prazo prescricional é de 5 anos deve ainda a demandante o pagamento de 2000 e 2001, ou seja, o valor total de € 12.409,00» e que não tenha feito referência aos débitos do ano de 2002 pois quanto a estes não havia sido invocada a prescrição.
Da análise da contestação/reconvenção verifica-se que o condomínio pediu a condenação da A. no pagamento da quantia total de 41.714 €, da qual 38.714 € corresponde a débitos para o fundo de maneio e para a conta poupança condomínio nela incluindo os alegados débitos do ano de 2002.
Portanto, com a dedução da reconvenção o condomínio exprimiu a intenção de exercer o direito relativo aos alegados débitos da A. do ano de 2002. Não fazia sentido invocar a interrupção da prescrição quanto aos alegados débitos do ano de 2002 pela simples razão de que não foi invocada a prescrição quanto aos mesmos. Em consequência, faz todo o sentido que só em face da sentença recorrida venha a ser alegada no recurso a interrupção da prescrição por efeito da dedução da reconvenção, razão pela qual esta alegação não é extemporânea.
A petição inicial deu entrada em juízo em 07/04/2007 e a reconvenção foi deduzida pelo condomínio em 30/4/2007, tendo sido notificada à Autora na pessoa da sua mandatária em 04/05/2007, pelo que a prescrição quanto aos alegados débitos referentes ao ano de 2002 se interrompeu em 04/05/2007 (art. 323º nº 1 do Código Civil).
Atento o facto descrito sob o nº 24, as quotas do condomínio devem ser pagas trimestralmente até ao dia 8 do primeiro mês de cada trimestre - ou seja, 8 de Janeiro (1º trimestre), 8 de Abril (2º trimestre), 8 de Julho (3º trimestre) e 8 de Outubro (4º trimestre).
Na sentença recorrida não se teve em consideração que em 04/05/2007 não podiam estar prescritas as alegadas dívidas vencidas em 8 de Julho de 2002 e em 8 de Outubro de 2002 por nessa data não ter ainda decorrido o prazo de cinco anos.
Procede, pois parcialmente a apelação nesta parte, não podendo manter-se a sentença recorrida na parte em que considerou prescritas todas as dívidas do ano de 2002.
De referir ainda que não cabe neste recurso apreciar se as dívidas referentes aos 3º e 4º trimestres de 2002 são ou não devidas pois na sentença recorrida decidiu-se, e nesta parte não foi impugnada, que não houve deliberação a determinar que a fracção “A” deve cerca de 26.000,00 € e a fixar os valores constantes do mapa anexo à acta da reunião, como se passa a citar: «Ora não se regista do teor da acta que tenha sido sujeito a apreciação e votação a questão de saber quanto devia a fracção A, se devia ou não devia quotas de condomínio ou outros valores. (…). Afigura-se-nos evidente que a deliberação tomada pela assembleia é a de proceder judicialmente contra a proprietária e não a de fixar o valor pela mesma em dívida (…) Concluímos pela inexistência da deliberação cuja anulação é pedida e, por conseguinte, nesta concreta medida improcede este pedido».
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IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e em consequência:
1) confirma-se a sentença recorrida quanto ao seu segmento decisório sob a alínea a) embora com fundamentação diferente;
2) revoga-se a sentença recorrida quanto ao seu segmento decisório sob a alínea c) na parte referente às despesas de conservação e fruição e encargos com os elevadores, as escadas e hall de entrada e declara-se que a recorrida “A” – Indústria ... Lda não está obrigada a contribuir para a totalidade das despesas de conservação e fruição e encargos com os elevadores, com as escadas e hall de entrada, pois só está obrigada a contribuir para 1/10 dessas despesas e encargos, na proporção da permilagem de 350, tudo sem prejuízo de futuras alterações do título constitutivo da propriedade horizontal ou do regulamento do condomínio, absolvendo-se os recorrentes do mais que era pedido quanto a estas despesas e encargos e confirmando-se o decidido quanto às despesas com a limpeza;
3) revoga-se a sentença recorrida quanto ao seu segmento decisório sob a alínea b) na parte em que considerou prescritas as dívidas do ano de 2002 vencidas em 8 de Julho de 2002 e em 8 de Outubro de 2002, a que se reporta o documento mencionado nos pontos 11 e 12 dos factos provados, absolvendo-se os recorrentes do pedido nesta parte e confirmando-se o demais decidido;
4) Condena-se os recorrentes e a recorrida nas custas da apelação nas seguintes proporções: 1/2 para os recorrentes e 1/2 para a recorrida.
5) Condena-se os recorrentes e a recorrida nas custas na 1ª instância na seguinte proporção: 60% para os recorrentes e 40% para a recorrida.

Lisboa, 16 de Março de 2010

Anabela Calafate
Antas de Barros
Folque de Magalhães