INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE RECURSO
PRAZO
PRAZO DE DEFESA
ESCUSA
Sumário

I - O pedido de escusa formulado por defensor em sede de processo penal ocasiona a interrupção do prazo que se mostre em curso nesse momento, só sendo de novo iniciado após a notificação do novo defensor, ou do indeferimento de tal incidente processual.
II – O entendimento contrário representaria uma descriminação negativa ao arguido, violadora do princípio da igualdade, ínsito no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, pois que para idêntica situação quanto ao assistente a lei prevê a interrupção daquele prazo.

Texto Integral

1.
No processo n.º 625/04 do Tribunal Judicial da Lourinhã foi deduzida reclamação pelo arguido, L..., ao abrigo do disposto no art.º 405.º, do Código de Processo Penal, do despacho que não admitiu o recurso que o mesmo interpusera da sentença, por ter sido considerado extemporâneo.
O despacho em causa considerou o recurso intempestivo, por a decisão recorrida ter sido depositada na secretaria em 14/04/2009, e o recurso ter sido apresentado em 24/09/2009, sendo que o facto da defensora oficiosa ter apresentado escusa junto da Ordem dos Advogados em 21/04/2009, não a eximia de continuar a representar o arguido até que outro defensor fosse nomeado, atento o disposto no art.º 42.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29/07 (LAJ).
O arguido, por seu turno, na presente reclamação, defende que a apresentação do pedido de escusa, implicaria a interrupção do prazo que se encontrava a correr, apenas devendo o mesmo ser iniciado após a notificação da nomeação da nova defensora (atento o disposto no art.º 34.º, n.º 2 da LAJ), o que apenas ocorreu em 27/07/2009, razão pela qual considera que o recurso é tempestivo.
Sustenta ainda que ao interpretar-se a aplicação do art.º 42.º da LAJ, como a única forma para substituir o defensor, excluindo-se a aplicação das disposições legais referentes ao pedido de escusa, estão a ser violados de forma grave e inadmissível os direitos dos arguidos, o que contrariaria os artgs. 13.º, n.ºs 1 e 2 e 20.º, n.º 2 da CRP.
2.
Como elementos de facto relevantes para a apreciação da presente reclamação temos os já indicados no relatório precedente.
Em causa nesta reclamação está tão-só o apurar se o pedido de escusa formulado por defensor em sede de processo penal ocasiona a interrupção do prazo que se mostre em curso nesse momento, só sendo de novo iniciado após a notificação do novo defensor, ou do indeferimento de tal incidente processual, ou se, pelo contrário, tal interrupção se não verifica.
Afigura-se-nos que a melhor interpretação sobre o regime de substituição de defensor nomeado que tenha pedido escusa, aponta no sentido de haver lugar à interrupção do prazo que se encontre em curso à data em que aquele pedido seja formulado, a par de se registar a obrigação do inicial defensor se manter nos autos, praticando os actos que se revelarem necessários, até que haja a decisão do seu pedido.
Com efeito, só através de tal interpretação se salvaguardará devidamente o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 47/07, de 28/08 o art. 42º da Lei do Apoio Judiciário passou a ter a seguinte redacção:
«1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados.
2 - A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de patrocínio no prazo de cinco dias.
3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.
4 - Pode, em caso de urgência, ser nomeado outro defensor ao arguido, nos termos da portaria referida no n.2 º do artigo 45.º.
5 - (Revogado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.)»
Pareceria assim, numa visão estritamente literal, que o legislador através desta redacção não pretendia interromper o prazo que estivesse em curso aquando da apresentação do pedido de escusa, pois que o n.º 3 do preceito refere que o inicial defensor se manterá para os actos subsequentes.
Sucede porém que a entender-se assim, estar-se-ia efectivamente a criar uma descriminação negativa ao arguido, pois que para idêntica situação por aparte do assistente – pedido de escusa de patrocínio – o regime revelar-             -se-ia mais favorável, como parece decorrer do art.º 44.º, n.º 2, do indicado preceito legal: “2 - Ao pedido de protecção jurídica por quem pretenda constituir-se assistente ou formular ou contestar pedido de indemnização cível em processo penal aplica-se o disposto no capítulo anterior, com as necessárias adaptações.”
No cumprimento desse normativo haveria que recorrer ao disposto no art.º 34.º (que se encontra inserido no capítulo anterior) que expressamente estipula:
“2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º
3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.”
A ser assim, entende-se que a melhor interpretação a dar ao apontado art.º 42.º, vai no sentido de considerar que face a uma apresentação de pedido de escusa por parte do defensor o prazo que se encontrar em curso se interrompe até que aquele seja decidido, mantendo-se no entanto o defensor inicialmente nomeado para os actos do processo.
Em sentido idêntico se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 09/02/2009, em que foi relatora a Excelentíssima Senhora Juíza Desembargadora, Dr.ª. Maria Augusta[1].
Como se referiu supra, a não se fazer esta interpretação do normativo em causa, o preceito em causa teria de ser considerado inconstitucional por violação do princípio da igualdade.
Ora, assim sendo, há que considerar a reclamação procedente pois que a Ordem dos Advogados apenas notificou da nomeação do novo defensor em 27/07/2009, data a partir da qual se iniciou novo prazo, pelo que de tal forma o recurso terá de se considerar tempestivo, uma vez que foi apresentado em 24/09/2009.
3.
Face a todo o exposto, defere-se a presente reclamação, determinando-se que o recurso seja admitido.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 17 de Março de 2010
                            
                               José Maria Sousa Pinto
         (Vice-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa)
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[1] Disponível em www.dgsi.pt