JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
FALTAS INJUSTIFICADAS
SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
Sumário

I - Não basta, para o preenchimento de justa causa de despedimento, a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias – sejam elas seguidas ou interpoladas –, sendo necessária a demonstração do comportamento culposo do trabalhador, que se revista de gravidade e torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, já que, no preenchimento da alínea g) do nº 3 do art. 396.º do Cód. Trab. de 2003, haverá que ponderar a cláusula geral contida no seu nº 1, através de um juízo sobre a situação em concreto;
II – Encontrando-se a autora de baixa médica desde 26 de Dezembro de 2001 e tendo havido justificações temporais das faltas até 30 de Março de 2005, face a esse período (prolongado) de doença, a um empregador razoável não se apresentaria como surpresa que, findo o mesmo, por um lado, a trabalhadora pudesse prolongar a baixa médica, e, por outro, face á ausência da trabalhadora durante mais de um mês, em termos de organização de empresa também não seria expectável que se aguardasse o regresso da mesma para, de imediato, lhe serem atribuídas funções essenciais, de forma que a ausência injustificada daquela acarretasse consequências graves que pusessem em causa a manutenção da relação de trabalho.
III – Isto significa que, ainda que as faltas da autora se considerassem injustificadas, as mesmas não se apresentavam suficientemente graves de modo a pôr em causa a subsistência da relação laboral.
(sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
A… instaurou, em 27 de Abril de 2006, acção declarativa com processo comum contra M... – P..., Lda. pedindo que a ré seja condenada a:
a) Reconhecer a subsistência do vínculo laboral, declarando-se, por ilícito, a nulidade do despedimento da autora;
b) Integrar a autora ao seu serviço, com a categoria, remuneração e antiguidade, sem prejuízo de poder optar, em sua substituição e até ao trânsito da decisão judicial, pela indemnização de antiguidade, a fixar nos termos do art. 439.º do Cód. Trab.;
c) Reconhecer e certificar a antiguidade da autora, contada desde a data do início do contrato de trabalho celebrado em 1986, de acordo com o disposto no art. 37º do C.I.T. e do art. 318.º do actual Código do Trabalho;
d) Pagar as remunerações e subsídios de férias e de Natal que a autora deixou de receber desde Julho de 2005, e respectivos juros de mora, até ao trânsito em julgado da decisão judicial, provar, ou efectuar nos autos, o pagamento devido à Segurança Social das contribuições relativas ás remunerações que foram devidas desde Julho de 2005.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte:
- iniciou a sua actividade profissional de caixeira num posto de venda de pão contratada verbalmente em Maio de 1986, por JMC actual sócio gerente da ré;
- no exercício dessa actividade em horário de trabalho reduzido desde que foi admitida, a autora trabalhou sempre naquele posto sob a direcção do mesmo inicialmente como empresário individual e depois de Dezembro de 1998 na qualidade de sócio gerente da MBP Lda. e M...- P..., Lda.;
- em nome da autora foram registadas as remunerações e pagas as respectivas contribuições pela entidade empregadora desde Maio de 1986 até Dezembro de 2001;
- no final de Dezembro de 2001 a autora adoeceu e foi–lhe dada baixa médica por incapacidade temporária para o trabalho a partir do dia 26 desse mês, facto que regularmente comunicou e justificou documentalmente à ré;
- O impedimento prolongou–se por tempo superior a um mês ficando o contrato de trabalho suspenso a partir de 26.01.2002 nos termos do disposto no art. 3.º Decreto - Lei 398/83 de 02.11 e do art. 333.º do Cód. Trab.;
- não obstante tal suspensão a autora continuou a informar e justificar à ré o seu estado;
- foi–lhe atribuída pensão provisória de invalidez e foi submetida a exames médicos convocados pelo CDSS Lisboa e a Comissão de verificação de Incapacidades Permanentes considerou não estar incapaz de forma definitiva para o exercício da sua profissão, e suspensão da pensão provisória, o que só teve conhecimento a 25.06.2005;
- perante a comunicação de tal resultado, e da cessação do impedimento que originara a suspensão do seu contrato de trabalho, a autora telefonou logo ao sócio gerente da ré dando – lhe conhecimento do seu regresso ao trabalho e solicitou que lhe dissesse em que loja se deveria apresentar uma vez que o não podia fazer no posto de venda do mercado da B... por este já não pertencer à sua exploração;
- o sócio gerente disse que não esperava o seu regresso, não tinha lugar para ela e que aguardasse e, somente depois de diversas insistências junto da ré, esta convocou a autora para uma reunião onde lhe foi proposto que em substituição do seu regresso ao trabalho aceitasse fazer a rescisão unilateral do seu contrato sem qualquer compensação, o que a autora recusou;
- a autora quer ser reintegrada na empresa e continuar a trabalhar, apesar de ir completar a idade de 60 anos, pelo menos até adquirir o direito à sua reforma da Segurança Social;
- e, contrariamente à reintegração que esperava, a autora recebeu da ré em 3 de Agosto de 2005, uma carta, datada de 29 de Julho de 2005, com uma Nota de Culpa, na qual é acusada, por ter deixado de estar com baixa a partir de Março de 2005, de não se ter apresentado nessa altura para reiniciar o serviço, estando por isso na situação de faltas injustificadas desde esse mês;
- a autora respondeu à Nota de Culpa contestando a existência de faltas injustificadas desde Março de 2005, bem como da inexistência de justa causa para despedimento, uma vez que a suspensão do contrato de trabalho só cessou depois de ter recebido a comunicação do Centro Nacional de Pensões, o que se verificou em 29 de Junho de 2005;
- a ré proferiu, em 29 de Setembro de 2005, a decisão de despedimento, por faltas injustificadas desde o dia 31 de Março de 2005 considerando, indevidamente, que estas faltas, pela sua gravidade e consequências, não permitem a manutenção da relação laboral;
- tal despedimento é ilícito por falta de fundamento das alegadas faltas injustificadas, e das não comprovadas ausência, gravidade e consequências para a manutenção da relação laboral e, ainda, por ter decorrido o prazo de prescrição estabelecido no art. 372.º do Cód. Trab. para efeito do procedimento disciplinar;
- a autora tem o direito de ser reintegrada pela ré na função de caixeira, com a respectiva remuneração e antiguidade, esta reconhecida pelo menos desde Maio de 1986, nos termos do disposto no nº1 do art. 436.º do Cód. Trab., sem prejuízo de poder optar, nos termos legais, em substituição da reintegração, pela indemnização de antiguidade;
- como resulta da declaração da ré, datada de 01.02.2005, que se junta, nessa data a remuneração líquida da autora, como caixeira, com horário de trabalho reduzido, era de 303,60 €, valor que corresponde à remuneração mensal ilíquida de 341 €;
- em relação ao ano de 2006, estando ao serviço da ré, a remuneração ilíquida da autora, na mesma proporção, é de 351 € mensais;
- tendo em conta que a cessação da suspensão do seu contrato de trabalho se verificou no final de Junho de 2005, e que a reintegração no quadro de pessoal da ré é devida a partir do mês seguinte, a autora tem direito à reintegração e às remunerações dos meses de Julho a Dezembro de 2005 e aos respectivos subsídios de férias e de Natal, no montante de 2.728 €;
- e tem também, relativamente ao ano de 2006, direito às remunerações dos meses de Janeiro a Abril, no montante de 1.404 €, e igualmente direito ás remunerações e subsídios que se vencerem até final, além dos respectivos juros de mora, nos termos legais;
- além disso, a ré é responsável perante a Segurança Social pelo pagamento das quotizações e contribuições respeitantes à autora, desde o referido mês de Julho de 2005, pelo que deve também aquela fazer prova do seu efectivo pagamento ao Instituto de Segurança Social;
- para a hipótese não haver reintegração por parte da ré, ou, em sua substituição, optado a autora pela indemnização de antiguidade, considerada esta desde 1986, atendendo ao disposto nos arts. 439.º, nº 1, e 429.º, alínea c), tal indemnização deve ter em conta a antiguidade de 20 anos, não devendo esta ser fixada em valor inferior ao máximo legal;
- nessa mesma hipótese, também o respectivo certificado de trabalho deve ser emitido pela ré, aliás em substituição do que passou à autora, depois de muita insistência desta, indevidamente com data de 1 de Novembro de 2005, que se junta, reportando-se à data de admissão como caixeira no posto de venda de pão do mercado municipal da B..., por força do contrato de trabalho inicialmente celebrado em 1986.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da ré para contestar, o que ela fez concluindo pela absolvição do pedido.
Para tal alegou que:
- a autora após a baixa finda em 30 de Março de 2005 nenhuma outra comunicou à ré;
- não é verdade que tenha informado a ré da comunicação recebida do CNP em Março de 2005 sendo que a ré só tomou conhecimento dos factos relacionados com a Comissão de Verificação de Incapacidades Temporárias em 19 de Julho de 2005;
- na reunião de 19 de Julho de 2005, procurou encontrar–se uma solução para a autora que não queria trabalhar, tendo sido, na verdade, proposta de rescisão do contrato e preencher o modelo 346 para o Fundo de Desemprego, o que só não ocorreu porque esteve presente o filho da autora que sabia que a mãe não podia auferir desse subsídio;
- os últimos boletins de baixa que apresentou à ré são os que constam do processo disciplinar;
- após 30 de Março de 2005, ninguém concedeu baixa pelo que a autora entrou na situação de faltas injustificadas;
- mesmo após a comunicação da Comissão de Verificação de Incapacidade Permanente, a autora não se apresentou ao trabalho; - mesmo que se considere que só estaria em falta desde final de Junho de 2005, teve mais de 5 faltas seguidas;
- a ré só soube que a autora não estava de baixa no final de Junho de 2005, situação contínua, pelo que o prazo do art. 372.º só se iniciou no final da prática dos factos constitutivos da infracção;
- a autora não tem direito à reintegração ou a quaisquer quantias e mesmo que tivesse estas só seriam devidas a partir dos 30 dias anteriores à propositura da acção, também não sendo devidas quaisquer contribuições à segurança social.
Saneada, instruída e julgada a causa foi proferida sentença cujo dispositivo se transcreve:
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo a presente acção emergente de contrato individual de trabalho intentada por A… contra “M... – P..., LDA. “ procedente por provada e, em consequência:
1º- Declaro ilícito o despedimento da Autora, a que a Ré procedeu, nos termos expostos, e reconhece–se a subsistência do vínculo laboral entre ambas com início referente a 1986;
2º- Condeno a Ré a reintegrar a A. ao seu serviço com a mesma categoria, remuneração e antiguidade;
3º- Condeno a Ré a pagar à A. as retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da acção, isto é, desde 27.03.2006 até ao trânsito em julgado da presente decisão, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal (e, se caso for, pagar à segurança Social as contribuições que forem devidas);
4º - Pagar competentes juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos sobre tais quantias até integral pagamento.
Custas pela Ré.
Inconformada com a decisão da mesma interpôs a ré recurso de apelação, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(…)
Não foram produzidas contra-alegações.
Nesta Relação, o Exmo. Magistrado do Ministério Público teve vista nos autos nos termos e para os efeitos do disposto no art. 87.º, nº 3 do Cód. Proc. Trab..
Colhidos os demais vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, e assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a ed., pág. 148).
A única questão colocada no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684.º, nº 3 e 690.º, nº 1 do Cód. Proc. Civil – consiste em saber se procede ou não a justa causa invocada pela ré para o despedimento da autora com os inerentes efeitos.

Fundamentação de facto
A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto não objecto de impugnação:
1 - A autora iniciou a sua actividade profissional de caixeira no posto de venda de pão do mercado municipal da B..., contratada verbalmente, em Maio de 1986, por JMC, actual sócio-gerente da ré - alínea A) da matéria de facto assente;
2 - No exercício dessa actividade, em horário de trabalho reduzido, desde que foi admitida, a autora trabalhou sempre, sem descontinuidade, no referido posto de venda de pão, sob a autoridade e direcção do mesmo JMC, este inicialmente na qualidade de empresário individual e, depois de Dezembro de 1998, na qualidade de sócio-gerente das sociedades por quotas, MBP, Ldª e M... P..., Ldª.- alínea B) da matéria de facto assente;
3 - Ambas as sociedades estão matriculadas na mesma data, em 22 de Dezembro de 1998, na Conservatória do Registo Predial/Comercial de Mafra, com idêntico capital e mesma sede social, tendo como únicos sócios e gerentes o referido JMC e sua mulher, MIBC - documentos nºs 1 e 2 com a petição inicial que se dão por inteiramente reproduzido - alínea C) da matéria de facto assente;
4 - A posição do contrato de trabalho inicialmente celebrado entre a autora e JMC transmitiu-se sucessivamente para as sociedade MBP, Ldª, em Janeiro de 1999 e M... P..., Ldª, em Janeiro de 2001, na medida em que a autora continuou sem interrupção ao seu serviço, como caixeira, no aludido posto de venda de pão do mercado da B..., e a sua antiguidade remonta a à data da primeira admissão em 1986 - alínea D) da matéria de facto assente;
5 - Em nome da autora foram registadas as remunerações e pagas as respectivas contribuições pelas referidas entidades empregadoras, em períodos seguidos, sem descontinuidade, desde Maio de 1986 até Dezembro de 2001 - documento nº 3 com a petição inicial que se dá por inteiramente reproduzido - alínea E) da matéria de facto assente;
6 - A autora auferia 40.837$00 em Outubro de 1995, ao serviço de JMC; 58.892$00 em Julho de 2000, da MBP, Ldª; e igualmente 58.892$00, ou seja € 293,75, em cada um dos meses de Janeiro, Julho e Dezembro de 2001, da M... P..., Ldª. – documentos nºs 4 a 8 com a petição inicial que se dão por inteiramente reproduzidos - alínea F) da matéria de facto assente;
7 - No final de Dezembro de 2001, a autora adoeceu e foi-lhe dada baixa, pela sua médica de família, por incapacidade temporária para o trabalho, a partir do dia 26 desse mês, facto que regularmente comunicou e justificou documentalmente à ré, pelo menos até 31 de Março de 2005 - alínea G) da matéria de facto assente;
8 - Este impedimento prolongou-se por tempo superior a um mês, pelo que o contrato de trabalho da autora com a ré ficou suspenso a partir de 26 de Janeiro de 2002- alínea H) da matéria de facto assente;
9 - Em Março de 2005, recebeu a autora do Centro Nacional de Pensões comunicação respeitante à atribuição que lhe foi feita da pensão provisória de invalidez, por haver atingido, no final de Dezembro de 2004, o período máximo do subsídio de doença – documento nº 9 com a petição inicial que se dá por inteiramente reproduzido - alínea I) da matéria de facto assente;
10 - Em Março, e novamente em Abril de 2005, a autora foi convocada pelo Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa para se submeter, como efectivamente se submeteu, a exames médicos com vista à verificação da sua incapacidade permanente, conforme documentos nºs 10 e 11 com a petição inicial que se dão por inteiramente reproduzidos - alínea J) da matéria de facto assente;
11 - Só em 25 de Junho de 2005 a autora tomou conhecimento do resultado desses exames e da suspensão, a partir de Julho de 2005, da sua pensão provisória de invalidez, através da comunicação com aquela data recebida do Centro Nacional de Pensões, segundo a qual a Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes a considerou não se encontrar incapaz de forma definitiva para o exercício da sua profissão – documento nº 12 com a petição inicial que se dá por inteiramente reproduzido - alínea L) da matéria de facto assente;
12 - A autora recebeu da ré, em 3 de Agosto de 2005, uma carta, datada de 29 de Julho de 2005, com uma Nota de Culpa, na qual é acusada, por ter deixado de estar com baixa a partir de Março de 2005, de não se ter apresentado nessa altura para reiniciar o serviço, estando por isso na situação de faltas injustificadas desde esse mês - documentos 13 e 14 juntos com a petição inicial que se dão por inteiramente reproduzidos - alínea M) da matéria de facto assente;
13 - À Nota de Culpa respondeu a autora, nos termos constantes da cópia junta, contestando a existência de faltas injustificadas desde Março de 2005, bem como da inexistência de justa causa para despedimento, uma vez que a suspensão do contrato de trabalho só cessou depois de ter recebido a comunicação do Centro Nacional de Pensões, o que se verificou em 29 de Junho de 2005 – documento nº 15 com a petição inicial que se dá por inteiramente reproduzido - alínea N) da matéria de facto assente;
14 - A ré proferiu, em 29 de Setembro de 2005, decisão de despedimento por faltas injustificadas desde o dia 31 de Março de 2005 considerando, indevidamente, que estas faltas, pela sua gravidade e consequências, não permitem a manutenção da relação laboral - documento nº 16 com a petição inicial que se dá por inteiramente reproduzidos - alínea O) da matéria de facto assente;
15 - A 01.02.2005 a remuneração líquida da autora, como caixeira, com horário de trabalho reduzido, era de 303,60 €, valor que corresponde à remuneração mensal ilíquida de 341 €, ou seja 91% da remuneração mínima mensal garantida – documento nº 17 com a petição inicial que se dá por inteiramente reproduzido - alínea P) da matéria de facto assente;
16 - Em relação ao ano de 2006, estando ao serviço da ré, a remuneração ilíquida da autora, na mesma proporção, é de 351 € mensais - alínea Q) da matéria de facto assente;
17 - Dá se como reproduzido o certificado de trabalho emitido pela ré, com data de 1 de Novembro de 2005, reportando-se à data de admissão como caixeira no posto de venda de pão do mercado municipal da B..., por força do contrato de trabalho inicialmente celebrado em 1986. – documento nº18 com a petição inicial - alínea R) da matéria de facto assente;
18 - O período concedido pelo último certificado de incapacidade temporário para o trabalho por doença da autora, terminou a 30.03.2005 - resposta ao artigo 1º da base instrutória;
19 - A doença e incapacidade temporária da autora sempre foi comunicada e justificada documentalmente à ré, desde o início até Março de 2005 - resposta ao artigo 1º A da base instrutória;
20 - A ré tinha conhecimento que a autora estava a desenvolver diligências para a sua passagem à reforma - resposta ao artigo 2º da base instrutória;
21 - Perante a comunicação mencionada na alínea L) da Matéria de Facto Assente, a autora telefonou, no final de Junho de 2005, para a sede da ré e falou com o sócio gerente da mesma a quem deu conhecimento da pretensão de regressar ao trabalho face àquele facto, e solicitou que lhe dissesse em que loja se deveria apresentar uma vez que o posto onde antes prestava serviço não pertencer já à exploração da ré - resposta aos artigos 3º e 4º da base instrutória;
22 - O sócio gerente da ré respondeu à autora que tinha que falar com o guarda livros e o seu Advogado para saber o que fazer e depois a informaria em conformidade - resposta ao artigo 5º da base instrutória;
23 - A ré convocou a autora para uma reunião, em 19 de Julho de 2005, no escritório do Advogado daquela, em Torres Vedras, onde se procurou encontrar solução para a situação da autora e foram discutidas designadamente as possibilidades de rescisão do contrato e preenchimento do modelo 346 para o Fundo de Desemprego ou da autora permanecer a fazer descontos para a Segurança Social durante mais algum tempo para que voltasse a entrar de baixa ou tivesse o direito ao subsídio de desemprego, não se tendo, porém, chegado a qualquer acordo - resposta aos artigos 6º, 8º e 9º da base instrutória;
24 - O último boletim de baixa da autora foi entregue à ré em Março de 2005 - resposta ao artigo 10º da base instrutória.
Uma vez que a especificação tem mera função instrumental dentro da marcha ou sequência processual e não deve, portanto, passar além disso, nomeadamente interferir com o final e definitivo poder do juiz sentenciador e tendo em atenção o disposto no art. 659.º, nºs 2 e 3 do Cód. Proc. Civil ex vi art. 713.º, nº 2 do mesmo corpo de leis dos quais decorre que, tendo havido recurso da sentença pode a Relação, dentro dos seus amplos poderes de 2.ª instância em matéria de facto, alterar o rol dos factos da especificação, eliminando o que lá não deveria constar e modificando o sentido ou extensão dos factos especificados:
(a) elimina-se a última parte do facto provado 7 –“pelo menos até 31 de Março de 2005” – por não se tratar de matéria assente mas controvertida, com resulta do art. 1,ºA da Base Instrutória.
(b) altera-se a redacção inicial do facto provado 11 – “Só em 25 de Junho de 2005 a autora tomou conhecimento (...)” -, por não ter a mesma suporte no documento que refere, passando essa redacção a ser a seguinte, de acordo com esse documento: “Por ofício datado de Junho de 2005 foi dado conhecimento à autora (...)”;
(c) elimina-se a parte final do facto provado 13 – “o que se verificou em 29 de Junho de 2005” - por não ter também suporte no documento que refere;
(d) elimina-se do facto provado 14 o advérbio de modo “indevidamente” por se tratar de matéria conclusiva que constitui, alias, objecto da acção e do recurso.
Por resultar do documento junto pela ré a fls. 74, documento este que lhe foi remetido pela autora no facto provado 19 onde se lê “até Março de 2005”, deve ler-se, “até 30 de Março de 2005”.

Fundamentação de direito
Entendeu-se na decisão sindicada que a partir de 31 de Março de 2005 a autora não incorreu em faltas injustificadas, uma vez que a autora recebeu em Março e Abril de 2005 comunicações a convocá-la para exames com vista à verificação da sua incapacidade permanente, a ré sabia que a autora estava a desenvolver diligências para a sua passagem à reforma e foi por isso que a ré não agiu logo a partir de 31 de Março de 2005.
A apelante insurge-se contra este entendimento, alegando que, as convocatórias para exames não têm a virtualidade de prorrogar a baixa, que só pode ser verificada pelo médico e atestada pelo respectivo boletim de baixa e que, apesar de para tal ser notificada, a autora não apresentou qualquer boletim que justificasse a sua ausência a partir de 31 de Março de 2005.
Antes de mais, há que referir que ao caso que nos ocupa é aplicável o regime constante do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, dado que os factos (alegadas faltas da autora e subsequente despedimento) ocorreram em datas ulteriores à entrada em vigor desse Código – 01.12.2003 (arts. 3.º, nº 1 e 8.º, nº 1 da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto).
De acordo com o disposto no art. 396º, nº 1, do Cód. Trab., “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral constitui justa causa de despedimento.”
Assim, à semelhança do que era defendido no anterior regime, perante idêntica norma - art. 9.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (RJCCIT) -, entende-se que a noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de dois requisitos:
- um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências;
- que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Relativamente ao primeiro requisito, acentua Maria do Rosário Palma Ramalho (“Direito do Trabalho”, Parte II, Almedina, págs. 808 e segs.): (i) embora a exigência de ilicitude do comportamento do trabalhador não resulte expressamente do art. 396.º, nº 1, do Cód. Trab., constitui um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento, devendo contudo, a ilicitude ser apreciada “(...) do ponto de vista dos deveres laborais que são afectados pelo comportamento do trabalhador”; (ii) o comportamento culposo do trabalhador, que pode corresponder a uma situação de dolo ou mera negligência, será aquele que contrarie a diligência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família; (iii) a exigência de gravidade, deve reportar-se ao comportamento ou às consequências que dele decorram para o vínculo laboral, observando o princípio da proporcionalidade das sanções disciplinares contemplado no art. 367.º do Cód. Trab..
Por sua vez, relativamente à componente objectiva da justa causa – impossibilidade prática e imediata da subsistência do vínculo laboral –, sublinha a mesma autora que o requisito de impossibilidade de subsistência do vínculo laboral (i) se reconduz à ideia de inexigibilidade, (ii) deve ser uma impossibilidade prática, no sentido de se relacionar com o vínculo laboral em concreto, (iii) e deve ser imediata, no sentido de o comportamento do trabalhador seja de molde a comprometer, de imediato, o futuro do vínculo laboral.
Pode-se, pois, afirmar que se verifica a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
No dizer de Monteiro Fernandes (“Manual do Direito do Trabalho”, 13ª edição, Almedina pág. 559), “[n]ão se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.
Ou ainda, de acordo com o mesmo autor -(ob. cit. pág. 581), “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória”.
No nº 3 do referido art. 396.º indicam-se, exemplificativamente, comportamentos susceptíveis de justificar o despedimento, entre os quais cinco faltas seguidas ou dez interpoladas injustificadas (alínea g).
Deve ainda atentar-se, como decorre do que se deixou exposto, que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do “bonus pater familias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios objectivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes” - nº 2 do art. 396.º do Cód. Trab..
Por fim, é de lembrar que, não obstante não haver no Cód. Trab. norma idêntica à da parte final do nº 4 do art. 12.º do revogado RJCCIT, segundo a qual cabia à entidade empregadora, na acção de impugnação judicial do despedimento, a prova dos factos constantes da decisão de despedimento, isto é, integradores da respectiva justa causa, entendemos ser de manter o mesmo entendimento, face à estrutura e princípios basicamente idênticos que regem os termos do processo disciplinar e a dita acção de impugnação, no Cód. Trab., e aos princípios gerais do ónus da prova, constantes do Cód. Civil.
Lembremos, designadamente, que cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa de despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar - arts. 411.º, nº 1 e 415.º, nºs 2 e 3 do Cód. Trab. -, e que, nos termos do nº 3 do seu art. 435.º, “na acção de impugnação do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador”.
Neste quadro, pode afirmar-se que os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador ou, na perspectiva processual da dita acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento, e como tal a provar por ele empregador - art. 342.º, nº 2 do Cód. Civil.
Feita esta referência sobre a justa causa de despedimento, é chegado o momento de analisar o caso dos autos.
De acordo com a factualidade que ficou assente:
- no final de Dezembro de 2001, a autora adoeceu e foi-lhe dada baixa, pela sua médica de família, por incapacidade temporária para o trabalho, a partir do dia 26 desse mês, facto que regularmente comunicou e justificou documentalmente à ré, até 30 de Março de 2005;
- o período concedido pelo último certificado de incapacidade temporário para o trabalho por doença da autora terminou a 30.03.2005;
- o referido impedimento prolongou-se por tempo superior a um mês, pelo que o contrato de trabalho da autora com a ré ficou suspenso a partir de 26 de Janeiro de 2002;
- em Março de 2005, recebeu a autora do Centro Nacional de Pensões comunicação respeitante à atribuição que lhe foi feita da pensão provisória de invalidez, por haver atingido, no final de Dezembro de 2004, o período máximo do subsídio de doença;
- em Março, e novamente em Abril de 2005, a autora foi convocada pelo Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa para se submeter, como efectivamente se submeteu, a exames médicos com vista à verificação da sua incapacidade permanente;
- a ré tinha conhecimento que a autora estava a desenvolver diligências para a sua passagem à reforma;
- por ofício datado de 25 de Junho de 2005 foi dado conhecimento à autora do resultado desses exames e da suspensão, a partir de Julho de 2005, da sua pensão provisória de invalidez, através da comunicação com aquela data recebida do Centro Nacional de Pensões, segundo a qual a Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes a considerou não se encontrar incapaz de forma definitiva para o exercício da sua profissão;
- perante esta comunicação, a autora telefonou, no final de Junho de 2005, para a sede da ré e falou com o sócio gerente da mesma a quem deu conhecimento da pretensão de regressar ao trabalho face àquele facto, e solicitou que lhe dissesse em que loja se deveria apresentar uma vez que o posto onde antes prestava serviço não pertencer já à exploração da ré;
- a autora recebeu da ré, em 3 de Agosto de 2005, uma carta, datada de 29 de Julho de 2005, com uma Nota de Culpa, na qual é acusada, por ter deixado de estar com baixa a partir de Março de 2005, de não se ter apresentado nessa altura para reiniciar o serviço, estando por isso na situação de faltas injustificadas desde esse mês;
- a ré proferiu, em 29 de Setembro de 2005, decisão de despedimento por faltas injustificadas desde o dia 31 de Março de 2005 considerando que estas faltas, pela sua gravidade e consequências, não permitiam a manutenção da relação laboral.
Face a esta factualidade, é incontroverso que a autora faltou ao trabalho a partir do dia 31 de Março de 2005.
Incontroverso é, também, que, ininterruptamente, desde o final de Dezembro de 2001 até ao dia 30 de Março de 2005, a autora se encontrou de baixa por doença, o que era do conhecimento da ré, já que, para tanto, aquela lhe enviou os correspondentes atestados médicos.
De acordo com o disposto no art. 225.º, nºs 1 e 2, alínea d), do Cód. Trab., as faltas podem ser justificadas ou injustificadas, considerando-se justificadas “ [as] motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto que não seja imputável ao trabalhador, nomeadamente doença, acidente ou cumprimento de obrigações legais”.
E, de acordo com o art. 230.º, nº 3, do mesmo diploma legal, “ [nos] casos previstos na alínea d) do nº 2 do artigo 225.º, se o impedimento do trabalhador se prolongar efectiva ou previsivelmente para além de um mês, aplica-se o regime de suspensão da prestação do trabalho por impedimento prolongado”.
Na vigência da anterior lei – Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro, maxime os nºs 1 a 3 do art. 25.º- “1. As faltas justificadas, quando previsíveis, serão obrigatoriamente comunicadas á entidade patronal com a antecedência mínima de cinco dias. 2. Quando imprevistas, as faltas justificadas serão obrigatoriamente comunicadas à entidade patronal logo que possível. 3. O não cumprimento do disposto nos números anteriores torna as faltas injustificadas. - a jurisprudência vinha entendendo que durante a suspensão do contrato de trabalho - nos termos do art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 398/83, de 02 de Novembro, determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês; o nº 1, do art. 2, do mesmo diploma legal, estipula que durante a suspensão do contrato de trabalho mantêm-se os direitos, deveres e regalias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho e, de acordo com o n.º 1, do art. 4.º, “terminado o impedimento, o trabalhador deve apresentar-se á entidade empregadora para retomar o serviço, sob pena de incorrer em faltas injustificadas”.-, não podiam imputar-se ao trabalhador faltas injustificadas, pois a suspensão importa a paralisação dos efeitos do contrato: assim, encontrando-se o trabalhador com baixa médica por doença prolongada, só era obrigado a justificar as faltas dadas durante os primeiros 30 dias, findos os quais se suspendia a relação laboral - (Acs. do STJ de 03.03.98, de 10.11.99, de 20.01.2000, de 28.06.2000 e de 30.11.2000, www.dgsi.pt)
Isto é, de acordo com o entendimento jurisprudencial a que se vem aludindo, a doença por mais de um mês determinava a suspensão do contrato de trabalho, mantendo-se durante esta, e para o trabalhador, os deveres de respeito, urbanidade e lealdade, mas não os de informar ou justificar as faltas.
Por sua vez, o Cód. Trab., no art. 228.º, sob a epígrafe “Comunicação da falta justificada”, estipula:
“1 – As faltas justificadas, quando previsíveis, são obrigatoriamente comunicadas ao empregador com a antecedência mínima de cinco dias.
2 – Quando imprevisíveis, as faltas justificadas são obrigatoriamente comunicadas ao empregador logo que possível.
3 – A comunicação tem de ser reiterada para as faltas justificadas imediatamente subsequentes ás previstas nas comunicações indicadas nos números anteriores”.
E na Subsecção II, referente à suspensão do contrato de trabalho por facto imputável ao trabalhador, estipula o art. 333.º:
“1 – Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente o serviço militar obrigatório ou serviço cívico substitutivo, doença ou acidente.
(…)”.
Do confronto entre o citado art. 228.º do Cód Trab. e o art. 25.º do Decreto-Lei nº 874/76, constata-se, grosso modo, uma correspondência entre os seus nºs 1 e 2.
Já em relação ao nº 3 do art. 228.º do Cód Trab., apresenta-se como inovador relativamente à anterior legislação.
Em anotação a este artigo, Luís Miguel Monteiro (“Código do Trabalho Anotado”, 2.ª edição, Almedina, 2004, Pedro Romano Martinez e outros) escreve que “ [a] regra do n.º 3 visa tornar claro que o dever de comunicar as faltas se mantém quando a ausência se prolonga para além do período inicialmente comunicado ou constante do documento apresentado para prova da natureza justificativa da falta.
No entanto, este dever de comunicação apenas subsiste enquanto a ausência do trabalhador for juridicamente havida como falta. Se o impedimento à prestação de trabalho se prolongar por período superior a um mês, entrar-se-á no regime da suspensão do contrato de trabalho (n.º 1, do artigo 333.º), pelo que a partir desse momento o trabalhador já não se encontra em regime de faltas justificadas e não tem, por conseguinte, de as comunicar”.
E, mais recentemente, Pedro Romano Martinez (Manual de Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, 2006, pág. 551) acentua que se “[a]s faltas justificadas se prolongarem por mais de trinta dias, levam à aplicação do regime de suspensão do contrato de trabalho (...) previsto nos arts. 330.º do CT (...). A falta justificada corresponde a um risco do empregador, na medida em que tem de compensar o trabalhador como se ele tivesse trabalhado; o empregador não aufere a vantagem a que tem direito, mas tem de pagar a contrapartida. Mais uma vez, a especial repartição do risco na relação laboral determina particularidades a nível do sinalagma contratual”.
Ou seja, o nº 3 do art. 228.º do Cód. Trab. visou afastar quaisquer dúvidas quanto à necessidade ou não de comunicar a ausência do trabalhador quando esta se prolongue para além do período inicialmente comunicado ou constante do documento justificativo da falta, afirmando essa necessidade de justificação; porém, o mesmo preceito não visou sobrepor-se ao regime de suspensão do contrato de trabalho por impedimento temporário imputável ao trabalhador, de modo a impor a justificação das faltas mesmo nas situações em que o contrato se encontra suspenso.
Se o legislador tivesse em vista a aplicação do nº 3 do art. 228.º aos casos de suspensão por impedimento prolongado do trabalhador, então tê-lo-ia dito expressamente, o que não fez.
Com efeito, o art. 230.º, nº 3 do Cód. Trab. limita-se a mandar aplicar o regime da suspensão da prestação do trabalho aos casos previstos na alínea d) do art. 225.º se o impedimento do trabalhador se prolongar efectiva ou presumivelmente para além de um mês.
Por outro lado, o regime jurídico da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador constante dos arts. 333.º e 334.º do Cód. Trab., para além de não conter norma expressa equivalente à do nº 3 do art. 228.º, também não contém qualquer norma remissiva, o que, a nosso ver, permite concluir pela inaplicação desta norma aos casos de suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado do trabalhador.
Acrescente-se ainda que embora o contrato de trabalho seja, quer na constituição quer na execução, um negócio jurídico sinalagmático – dele emergindo, pois, para ambas as partes, direitos e obrigações recíprocas e interdependentes, o que determina a aplicação dos princípios gerais quanto ao cumprimento e incumprimento dos contratos (vide, designadamente, arts. 227.º e 798.º e segs., do Cód. Civil) –, a falta justificada do trabalhador constitui um risco que corre por conta do empregador (na medida em que, por princípio, não determina a perda ou prejuízo de quaisquer direitos do trabalhador – nº 1 do art. 230.º), o que (também) justifica que as regras aplicáveis não sejam idênticas às dos princípios gerais em matéria contratual, designadamente quanto ao princípio da boa fé.
Assim, regressando ao caso em apreço, encontrando-se a autora de baixa por doença desde 26 de Dezembro de 2001 e até 30 de Março de 2005 – o que era do conhecimento da ré – e, por isso, o contrato de trabalho suspenso nos termos do nº 1 do art. 333.º do Cód. Trab., concluímos que a autora que não se encontrava obrigada a justificar as faltas dadas subsequentemente, isto é, a partir de 31 de Março de 2005.
Nesta sequência, não poderá ser imputada à autora a violação de qualquer dever laboral, designadamente o dever de zelo.
E, assim sendo, inexistindo justa causa de despedimento, deverá este considerar-se ilícito, com as consequências daí decorrentes – arts. 429.º nº 3 e 436.º do Cód. Trab..
Sem embargo do que se deixa exposto, idêntica solução se alcançará caso se considere que a autora, face aos princípios gerais da boa fé – e não obstante o contrato de trabalho se encontrar suspenso –, se encontrava obrigada a justificar as faltas dadas a partir de 31 de Março de 2005 e, não o tendo feito, se devam as mesmas ter por injustificadas.
Com efeito, como se deixou referido na abordagem à figura da justa causa de despedimento, a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou, dito de outro modo, para que ocorra justa causa de despedimento não basta a verificação objectiva de um comportamento ilícito por parte do trabalhador: é necessário que, na situação concreta, esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, determine a impossibilidade de manutenção da relação de trabalho.
Ora, no caso, a autora encontrava-se de baixa médica desde 26 de Dezembro de 2001, tendo havido justificações temporais das faltas até 30 de Março de 2005; face a esse período (prolongado) de doença, a um empregador razoável não se apresentaria como surpresa que, findo o mesmo, e por um lado, a trabalhadora pudesse prolongar a baixa médica, e, por outro, face á ausência da trabalhadora durante mais de um mês, em termos de organização de empresa não seria expectável que se aguardasse o regresso da mesma para, de imediato, lhe serem atribuídas funções essenciais, de forma que a ausência injustificada daquele acarrete consequências graves que ponham em causa a manutenção da relação de trabalho.
Ou seja, ainda que as faltas da autora se considerassem injustificadas, as mesmas não se apresentavam suficientemente graves de modo a pôr em causa a subsistência da relação laboral.
Efectivamente, como se tem sido defendido, designadamente pela jurisprudência do STJ (Acs. de 20.06.96, de 19.02.97, de 9.04.2003, de 26.11.2003, de 15.02.2006 e de 8.10.2008 disponíveis em www.dgsi.pt) não basta, para o preenchimento de justa causa de despedimento, a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias – sejam elas seguidas ou interpoladas –, sendo necessária a demonstração do comportamento culposo do trabalhador, que se revista de gravidade e torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, já que, no preenchimento da alínea g) do nº 3 do art. 396.º, haverá que ponderar a cláusula geral contida no seu nº 1, através de um juízo sobre a situação em concreto.
Ora, no nosso caso, não se mostra demonstrado que a não comunicação da autora se deveu a uma quebra do dever de lealdade ou desinteresse e indiferença perante a sua entidade patronal, sendo que se não apurou que as faltas a que se reporta a decisão de despedimento tivessem causado uma perturbação na apelante por forma a, num prisma de normalidade, atenta a figura de um empregador razoável, desde logo, impossibilitar a manutenção da relação laboral em causa.
Improcedem, por isso, as conclusões do recurso sendo de manter embora por fundamentos diversos a sentença recorrida.

Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando embora com fundamentos diversos a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 17 de Março de 2010

Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas
Leopoldo Soares