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DIREITO A FÉRIAS
INDEMNIZAÇÃO
ESTADO
NULIDADE DO CONTRATO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ERRO SOBRE ELEMENTOS DE DIREITO
Sumário
1. A atribuição do direito à indemnização por violação do direito a férias, nos termos do art. 13º do DL 874/76 de 28.12, não decorre da mera verificação de que as férias não foram gozadas pelo trabalhador, antes se exige que tal se deva a uma conduta do empregador, por acção ou omissão, no sentido de impedir o trabalhador de exercer esse direito” . 2. Estando provado que a DGV não permitia que a autora, ou qualquer outro jurista nas mesmas condições, gozasse 22 dias úteis de férias, por entender que a relação jurídica estabelecida com a autora era a de prestação de serviços, e que se a autora pretendesse gozar 22 dias úteis de férias, ser-lhe-iam distribuídos processos durante esse período, em média cerca de trinta por dia, com o limite diário de quarenta, e, por força da contagem dos mesmos a que diariamente a DGV procedia, a autora poderia ver suspenso o pagamento da retribuição por atraso no desenvolvimento do trabalho, estes factos, todos imputáveis à DGV, “consubstanciam um obstáculo incontornável, uma impossibilidade prática do gozo de férias. 3. O facto de o Recorrente estar convencido de que não eram devidas férias por entre as partes ter sido celebrado um contrato de prestação de serviços, não é razão justificativa para a inexistência da obrigação de indemnizar. É que o erro relativo à qualificação da relação jurídica é imputável ao próprio Recorrente. (sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
A… intentou acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo declarativo comum, contra o Estado Português, pedindo que seja o R condenado a reconhecer a existência de uma relação de trabalho entre A e R, e, consequentemente, seja declarada ilícita a cessação da relação laboral; seja o R condenado a pagar à A as quantias devidas a título de subsídios de férias, no montante de €5.985,57, de violação do direito de gozo de férias no montante global de €14.964,00, de subsídios de Natal no montante de €4.073,50, todas acrescidas de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde o vencimento até pagamento; seja ainda o R condenado a pagar-lhe a quantia de €5.000,00 a título de indemnização nos termos do art. 13°, 3, da LCT, acrescida de juros desde a citação, e em €5. 000,00, a título de indemnização pela perda de rendimentos da A.
Fundamenta a sua pretensão no facto de ter trabalhado, como jurista, para o R, através da DGV, desde 22.10.1999 até 31.10.2003, data em que cessou a sua prestação, por iniciativa do R; foi admitida no âmbito de um concurso instruído para contratação de juristas, celebrando um contrato denominado de prestação de serviços em regime de avença. Mas na execução desse contrato a Autora obedecia a critérios, ordens e determinações da DGV como se pertencesse ao quadro de pessoal daquela Direcção Geral. Durante a vigência do contrato nunca a Autora recebeu subsídios de férias e de natal, nem lhe foi dada a possibilidade de gozo de férias, pois a DGV distribuía-lhe processos diariamente e por força da contagem dos mesmos a A. poderia ver suspenso o pagamento da retribuição por atraso no desenvolvimento do trabalho.
O R. contestou por excepção, invocando a incompetência material do tribunal, a nulidade do pretenso contrato de trabalho, a prescrição e, ainda, a compensação no montante de 6.444,39€ a título de IVA que a Autora recebeu. E, por impugnação, alegou que a relação de trabalho em causa configura um contrato de prestação de serviços razão pela qual não havia lugar a férias, sendo que a A. também não praticou qualquer conduta junto da DGV no sentido de pretender tirar férias.
A Autora respondeu às excepções.
Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções da incompetência material do Tribunal do Trabalho e da prescrição.
A Ré interpôs recurso do despacho relativo à excepção da incompetência material, mas o tribunal superior confirmou a decisão da 1ª instância.
Procedeu-se à realização do julgamento.
Por requerimento de fls. 607 a A. pediu a ampliação do pedido no valor de € 5.985,57, correspondente às remunerações de férias durante o período de 1999 a 2004, acrescida de juros, ampliação que foi admitida.
Elaborada a sentença foi nela proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente por provada e em consequência:
A) Declaro que a relação contratual que existiu entre Autora e R. desde 21.10.1999 até 31.10.2003 configurou um contrato de trabalho nulo;
B) Condeno o R. a pagar à A. a quantia total de € 25.605,51 (vinte e cinco mil, seiscentos e cinco euros, e cinquenta e um cêntimos), respeitantes a férias, subsídios de férias e de Natal, correspondentes ao período temporal aludido em a) e à indemnização pela violação do direito a férias, acrescidos dos respectivos juros de mora à taxa legal, contabilizados sobre cada uma das parcelas de capital desde o respectivo vencimento até pagamento, sem haver lugar a qualquer compensação.
C) Absolvo o R. no demais peticionado pela A.”
O R., inconformado, interpôs o presente recurso e termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
(…)
A Recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso e remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir. A questão que emerge das conclusões do recurso foi claramente delimitada pelo Recorrente à indemnização por violação do direito a férias.
Fundamentação de facto
Dão-se por integralmente reproduzidos os factos provados constantes da decisão da 1ª Instância, nos termos do art. 713º nº 6 do CPC, uma vez que esta não foi impugnada nem há lugar a qualquer alteração da mesma.
Relevam, porém, para a questão objecto do recurso essencialmente os seguintes factos provados:
67. A DGV efectuava contagem de processos que não haviam sido tratados pela autora, ou por qualquer outro colega;
68. Essa contagem podia ser manual ou informática, através do sistema SIGA.
69. Através dos dados obtidos na contagem dos processos, a DGV, se verificasse existir atraso podia cessar o pagamento da remuneração mensal.
70. Que seria reposta quando a DGV entendesse que a autora ou qualquer outro jurista recuperasse o atraso.
83. Durante a vigência do contrato, a autora nunca recebeu subsídios de férias e de Natal, nem retribuição de férias.
86. Acresce que, à autora e demais colegas juristas, nunca foi dada a possibilidade de gozo de férias remuneradas.
87. A DGV não permitia que a autora, ou qualquer outro jurista nas mesmas condições, gozasse 22 dias úteis de férias.
88. Entendia a DGV que a relação jurídica estabelecida com a autora era a de prestação de serviços, não sendo por isso devidas férias.
89. Ainda que a autora pretendesse gozar 22 dias úteis de férias, ser-lhe-iam distribuídos processos durante esse período.
90. E, por força da contagem dos mesmos, a autora poderia ver suspenso o pagamento da retribuição por atraso no desenvolvimento do trabalho.
Fundamentação de direito
A sentença recorrida considerou que a relação jurídica que existiu entre Autor e Réu, no período de 21.10.1999 a 31.10.2003, configurou uma relação laboral de facto, que enquanto perdurou produziu seus efeitos como contrato de trabalho válido, e, em consequência, condenou o Réu no pagamento das importâncias correspondentes à retribuição das férias, subsídio de férias e subsídio de natal relativos a esse período, bem como na indemnização de €11.971,20, por violação do direito de férias, nos termos do art. 13º do DL 874/6 de 28.12.
O Recorrente discorda da sentença recorrida apenas quanto à condenação relativa à indemnização por violação do direito a férias, alegando, em resumo, que o Estado não assumiu um comportamento, por acção ou omissão, que impedisse o exercício do direito a férias da Recorrida e não era exigível ao Estado que tendo celebrado de boa-fé um contrato de prestação de serviço tivesse consciência de que no âmbito dessa relação contratual a Recorrida adquirisse o direito ao gozo de férias, não se verificando, assim, o requisito da culpa para que exista a obrigação de indemnizar.
O direito a férias periódicas está consagrado a nível internacional no art. 24º da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10.12.1948 (publicada em Portugal in Aviso no DR, 1ª série, de 9.03.1978), na Convenção nº 132 da OIT e no art. 31 nº 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, série C, 43º ano, nº 364 de 18.12.2000).
A nível interno encontra fundamento no art. 59º nº 1 al. d) da Constituição da República Portuguesa, estando concretizado na lei ordinária, nomeadamente no Dec-Lei 874/76 de 28 de Dezembro, que estava em vigor no período de tempo em que decorreu a relação jurídica entre Autora e Réu, a que aludem os autos.
O direito a férias visa “possibilitar a recuperação física e psíquica dos trabalhadores e assegurar-lhes condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural” – art. 2º nº 3 deste último diploma.
Como forma de atingir os objectivos deste instituto o legislador fixou um período mínimo anual de férias de 22 dias úteis (art. 4º nº 1) e estabelece que o direito a férias é irrenunciável e o seu gozo efectivo não pode ser substituído, fora dos caos expressamente previstos na lei, por qualquer compensação económica ou outra, ainda que com o acordo do trabalhador (art. 2º nº 4 do mesmo diploma).
O princípio da efectividade das férias implica, ainda, por motivos de ordem pública, que a entidade patronal colabore com o trabalhador na materialização das férias, pois a obstrução ao exercício desse direito implicará o pagamento de uma pesada indemnização.
Com efeito, o art. 13º do Dec-Lei 874/76 de 28 de Dezembro dispõe que “no caso de a entidade patronal obstar ao gozo das férias nos termos previstos neste diploma, o trabalhador receberá, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deverá ser obrigatoriamente gozado no ano civil subsequente".
Numa interpretação literal e restrita, poder-se-ia pensar que no termo “obstar”, constante desta norma, apenas cabem os actos positivos, dolosos e unilaterais praticados pelo empregador para impedir a realização do direito. Mas “atendendo à típica relação laboral, em que os sujeitos não se encontram em situação de igualdade, e ao conjunto das normas aplicáveis, outros actos, positivos ou negativos, integram também o conceito em análise, conferindo-lhe um sentido lato ( Cfr. José Andrade Mesquita, em “Direito a Férias”, publicado em Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. III, IDT, Almedina, pag. 127. ).
E a jurisprudência tem interpretado esta norma no sentido de que “a atribuição do direito à indemnização prevista neste preceito legal não decorre da mera verificação de que as férias não foram gozadas pelo trabalhador, antes se exige que tal se deva a uma conduta do empregador, por acção ou omissão, no sentido de impedir o trabalhador de exercer esse direito” .
No caso vertente, está provado que a DGV não permitia que a autora, ou qualquer outro jurista nas mesmas condições, gozasse 22 dias úteis de férias, por entender que a relação jurídica estabelecida com a autora era a de prestação de serviços, não sendo por isso devidas férias. Está também provado que se a autora pretendesse gozar 22 dias úteis de férias, ser-lhe-iam distribuídos processos durante esse período, em média cerca de trinta por dia, com o limite diário de quarenta, e, por força da contagem dos mesmos a que diariamente a DGV procedia, a autora poderia ver suspenso o pagamento da retribuição por atraso no desenvolvimento do trabalho.
Ora, em primeiro lugar, o facto de o Recorrente estar convencido de que não eram devidas férias por entre as partes ter sido celebrado um contrato de prestação de serviços, não é razão justificativa para a inexistência da obrigação de indemnizar. É que o erro relativo à qualificação da relação jurídica é imputável ao próprio Recorrente. E como se refere no Ac. do STJ de 15.12.99, disponível em www.dgsi.pt: “se o empregador não concede as férias por entender, erradamente, que o trabalhador não tinha direito a elas, constitui-se na obrigação de indemnizar por assim, obstar ao gozo de férias”.
Em segundo lugar, os factos provados evidenciam um conjunto de circunstâncias, todas elas imputáveis à DGV, que “consubstanciam um obstáculo incontornável, uma impossibilidade prática do gozo de férias, pois, caso a Apelada entendesse gozar os 22 dias úteis de férias a que teria direito, quando regressasse de férias teria cerca de 660 processos distribuídos para despachar, com a inerente consequência da suspensão da remuneração mensal, até à recuperação do atraso, isto se conseguisse recuperá-lo”.
Há aqui uma concreta conduta do empregador que efectivamente impedia o trabalhador de exercer o seu direito a férias.
Assim, foi decidido em acções em tudo idênticas à deste processo, referentes a relação de trabalho entre juristas e a DGV, com base num contrato de avença, pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 25.03.2009 (Vasques Dinis) e no Acórdão de 12.02.2009 (Sousa Grandão), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, que referem: “Verifica-se uma efectiva obstrução ao gozo de férias, se a DGV distribui processos para despachar ao jurista todos os dias úteis do ano e efectua regularmente a contagem dos processos distribuídos ainda não despachados, suspendendo a remuneração daquele até que recuperasse os atrasos constatados, sendo ainda que, quando os juristas avençados questionavam os responsáveis da DGV sobre o gozo de férias e o seu pagamento, estes respondiam não terem aqueles direito a tais regalias”.
Esta era exactamente a situação a que estava sujeita a Recorrida nestes autos, pelo que concordando com este entendimento expresso pelo nosso mais alto tribunal, improcedem as conclusões do recurso, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.