DEPOIMENTO DE PARTE
NOTIFICAÇÃO
EXECUÇÃO
Sumário

1. A finalidade da notificação da parte para depôr é fazê-la compacer na audiência de discussão e julgamento. O que se tem em vista é a possibilidade de, através desse depoimento, obter a eventual confissão de factos favoráveis, neste caso, ao Embargante.
2. Essa finalidade só será viável obrigando a parte a comparecer em audiência, com a notificação pessoal sob pena de, faltando, sujeitar-se às sanções previstas na lei.
3. As diligências do art. 244º do CPC, prévias à citação edital, não se mostram adequadas, já que a via edital apenas se utiliza quando é desconhecido o paradeiro do citando e não para notificar a parte para depor em julgamento.
4. A redacção dada ao artigo 651º, nº 2 do Código de Processo Civil tem a clara intenção de deixar expresso que "adiamentos só há um", excepto se não se puder constituir o tribunal.
5. Inexiste fundamento legal para admitir o adiamento da segunda e última sessão de audiência de julgamento, para audição de testemunha que, depois de ter sido notificada para a morada fornecida pelo Embargante e não reclamando a carta, deixou de comparecer à segunda, insistindo a parte, na notificação para a mesma morada, sem fundamentar a insistência na repetição da diligência.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – RELATÓRIO
            Por apenso à execução que C S.A. move contra J e A, veio o primeiro opor-se à execução.
No requerimento probatório, o executado J requereu o depoimento de parte do co-executado A, já citado na execução, o que foi deferido.
Após sucessivas tentativas de notificação do executado, quer por postal, quer por funcionário judicial, veio o Executado requerer a notificação do co-executado A, cumprindo-se o art. 244.° do CPCivil.
            Contudo, este requerimento foi indeferido, nos seguintes termos:
            "Considerando que a diligência a que se refere o art. 244.° do CPC refere-se apenas à citação do Réu, entende-se que o mesmo não tem aplicação com vista à notificação das partes para prestarem depoimento em sede de audiência, pelo que se indefere o requerido".
No mesmo requerimento probatório, o Executado pediu o depoimento, entre outros, da testemunha B....Remetida carta com vista à notificação da mesma veio esta devolvida com a indicação “objecto não reclamado” e “não atendeu”.
A testemunha não compareceu na audiência de julgamento de 9/2/2009 e o Executado requereu, então, que esta fosse notificada por via postal, para a mesma morada, o que foi deferido.
Remetida carta com vista à notificação da testemunha para comparecer na audiência de discussão e julgamento designada para 16 de Abril de 2009, tal como requerido, veio a carta devolvida.
Não tendo a testemunha comparecido, de novo, na audiência de discussão e julgamento, de 16 de Abril, requereu o Executado que a mesma fosse notificada, ainda, na mesma morada.
Foi, então, ditado o seguinte despacho:
"Considerando que nos termos do art. 651.°, n.°3, do Código de Processo Civil não é possível adiar o julgamento por mais de uma vez, e verificando-se que a testemunha B... também não compareceu na audiência de julgamento de 9/2/2009, indefere-se o requerido".

            Inconformado, recorreu o Executado J, das duas decisões, apresentando, no essencial, as seguintes conclusões:
            1. Atento o paralelismo das situações, deve considerar-se, por analogia o interpretação extensiva, que as modalidades previstas para a citação em determinados casos concretos (v.g. citação com hora certa, do art. 240 °, e ausência do citando em parte incerta, do art. 241 , ambos do CPC) serão aplicáveis às notificações nas mesmas circunstâncias.
2. Donde se conclui que, dada a relevância que poderá assumir o depoimento de parte, eventualmente como confissão, não se poderá deixar de considerar que lhe são aplicáveis as disposições relativas à realização da citação pessoal.
            3. O despacho recorrido viola o disposto nos arts. 265.° e 244.° do CPC, pelo que deve ser revogado, sendo autorizada a notificação nos termos requeridos.
4. Nos termos do art. 651°, n.°3, do Código de Processo Civil não é possível adiar o julgamento por mais de uma vez, a verdade é que , nos termos do art. 629°, n ° 3, alínea b) a falta de uma testemunha que não foi notificada, devendo tê-lo sido, permite o adiamento da inquirição da testemunha pelo prazo que se afigure indispensável.
7. Oportunidade que não foi dada ao recorrente, com violação do disposto no n° 3 do art. 265 e alínea b) do n.° 3, do art. 629.°, ambos do CPC, pelo que o despacho recorrido deve ser revogado, sendo autorizada a notificação nos termos requeridos.

            Corridos os Vistos legais,
                        Cumpre apreciar e decidir.
Tendo em consideração as conclusões da Recorrente em causa está a análise:
- da viabilidade da notificação do co-executado, cumprindo-se as diligências do art. 244º do CPC.
- da notificação da testemunha arrolada.
- se existia fundamento para o indeferimento do adiamento da audiência de discussão e julgamento.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a tomar em consideração para conhecimento do agravo são os que já constam do Relatório.

1. Da notificação edital do co-executado
Pretende o Recorrente a notificação do co-executado A, cumprindo-se as diligências do art. 244.° do CPCivil, prévias à citação edital, atendendo ao valor do depoimento de parte, para apuramento da verdade.
           
1.1. De acordo com o nº 1 do art. 244º do CPCivil “quando seja impossível a realização da citação, por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais”, resultando do nº 2 a obrigatoriedade de todas estas entidades fornecerem “prontamente ao tribunal os elementos de que dispuserem sobre a residência, o local de trabalho ou a sede dos citandos”.
A propósito da citação edital, consta do sumário do acórdão do STJ de 28/09/1999[1], que “o exercício adequado do direito de defesa em juízo, que significa o mesmo que uma correcta aplicação do princípio do contraditório, tem como pressuposto ideal a certeza de que o réu soube do pedido que contra si é feito bem como dos seus fundamentos.” (…) “A citação edital é um mal necessário, pois, efectuada através de editais e anúncios, constitui um meio eminentemente falível para o objectivo em vista”.

A citação tem em vista a salvaguarda do direito de defesa, direito conferido àquele contra quem a acção é dirigida, garantido pelo art. 20º da Constituição, o mesmo sucedendo relativamente àqueles que podem de alguma forma ser atingidos pela providência solicitada, tudo em ordem a poderem exercer aquele direito de defesa.
Trata-se do acto mais relevante de realização do princípio do contraditório, garante da transparência e do direito de defesa, consagrado, além do mais, no artigo 3º do Código de Processo Civil.
A citação edital, prevista no nº 1 do art. 233º do CPC, ao lado da citação pessoal, tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta, nos termos dos arts. 244º e 248º, ou quando forem incertas as pessoas a citar, ao abrigo do art. 251º CPCivil.
Porque é esta a realidade, o legislador não podia tomar, em face da citação edital, outra atitude que não fosse admiti-la só em última extremidade, quando de todo em todo seja impossível usar de outra forma de citação[2].

1.2. No caso dos autos o executado foi citado para os termos da execução.
Agora já não está em causa o seu direito de defesa, mas, antes, o interesse do co-executado Embargante e Recorrente, no seu depoimento de parte que foi admitido.
Sucede que, apesar de terem sido remetidas cartas para a morada constante dos autos e onde o mesmo foi citado, o certo é que o Executado em causa não compareceu quer na primeira data, em que o julgamento foi adiado, quer na segunda data designada para audiência de discussão e julgamento.
Pretende o Recorrente que se efectuem as diligências que antecedem a citação edital, para notificação do executado.
Não lhe assiste, contudo, razão.
Como o despacho recorrido afirma, a diligência do art. 244.° do CPCivil refere-se apenas à citação do Réu, e não já à notificação das partes para prestarem depoimento em sede de audiência.
A finalidade da notificação do depoente é fazê-lo compacer na audiência de discussão e julgamento. O que se tem em vista é a possibilidade de, através desse depoimento, obter a eventual confissão de factos favoráveis, neste caso, ao Embargante.
Com efeito, a confissão judicial constitui meio de prova com força probatória vinculada (cfr. arts. 356º e 358º, nº 1, do CCivil), sendo o depoimento de parte a via de, em audiência de discussão e julgamento, a provocar. Mas essa finalidade só será viável, naturalmente, obrigando a parte a comparecer em audiência, com a notificação pessoal sob pena de, faltando, sujeitar-se às sanções previstas na lei.
Foram efectuadas as diligências que se têm por adequadas à comparência do executado e a sua notificação pessoal do executado para comparecer em audiência de discussão e julgamento chegou a ser efectuada. Tanto quanto os autos evidenciam, o referido executado desinteressou do desfecho da execução, já que, citado para os termos da mesma, nada fez, não interveio nos autos nem constituiu mandatário.
As diligências agora requeridas são as adequadas à citação edital da parte e não à notificação da parte para depôr em julgamento.
            A decisão recorrida não merece censura.

            2. Da notificação da testemunha
Entende, ainda o Recorrente que o julgamento deveria ter sido adiado para permitir a inquirição de testemunha por si arrolada e que não foi notificada da data designada para julgamento.
Porém, sem razão.
Na verdade, como se afirma no despacho recorrido, a testemunha em causa já não tinha comparecido na audiência designada para 9 de Fevereiro.
Então, a carta veio devolvida por não ter sido reclamada, sendo certo que o Embargante limitou-se a pedir a repetição da diligência para a mesma morada. E efectuada a diligência em causa, a carta veio também devolvida.
Agora, o Embargante, que declarou não prescindir da testemunha, queria que o julgamento fosse adiado, requerendo, pela terceira vez, a notificação da testemunha, na mesma morada.
            Ora, nos termos conjugados dos artigos 629º, 630º e 651º, em princípio, só pode haver um adiamento da audiência, seja por falta do mandatário de qualquer das partes, seja por falta de testemunhas. Assim não seria se, por exemplo, a falta de comparência da testemunha para a nova data designada, se devesse a lapso do tribunal, o que não sucede.
Porém, o tribunal, que deferiu a pretensão do Embargante, limitou-se, por duas vezes, a diligenciar no sentido do cumprimento da diligência em causa, tal como foi requerido.
Não podia, insistindo a parte na notificação da testemunha para a mesma morada, sem nada trazer de novo aos autos, ser adiado o julgamento pela terceira vez.
            A redacção dada ao artigo 651º, nº 2 do Código de Processo Civil tem a clara intenção de deixar expresso que "adiamentos só há um", excepto se não se puder constituir o tribunal.
Adiada já uma vez a audiência de julgamento e podendo o tribunal concluí-la na nova data designada, a falta de alguma testemunha que então se verifique não pode determinar a continuação do julgamento noutro dia para possibilitar a inquirição da mesma[3].
Inexiste fundamento legal para admitir o adiamento da segunda e última sessão de audiência de julgamento, para audição de testemunha que, depois de ter sido notificada para a morada fornecida pelo Embargante e não reclamando a carta, deixou de comparecer à segunda, insistindo a parte, sem justificar a pertinência da diligência, na notificação para a mesma morada.
Quando muito poder-se-ia justificar a marcação de nova, caso a parte que ofereceu a testemunha e interessada na inquirição da mesma, tivesse feito uso da faculdade prevista no art. 629º do CPCivil. Com efeito, nos termos do nº 3 do art. 629 do CPCivil, “no caso da parte não prescindir de alguma testemunha faltosa, observar-se-á o seguinte:
a) Se ocorrer impossibilidade definitiva para depor, posterior à sua indicação, a parte tem a faculdade de a substituir;
b) Se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada, devendo tê-lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substituí-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias;
c) Se faltar sem motivo justificado e não for encontrada para vir depor nos termos do número seguinte, pode ser substituída”.
Porém, como se disse, na tomada de posição, a parte limita-se a insistir na notificação da testemunha em causa para a morada onde já foi tentada a notificação, por duas vezes.
Destarte, mantém-se o despacho recorrido.
Concluindo:
1. A finalidade da notificação da parte para depôr é fazê-la compacer na audiência de discussão e julgamento. O que se tem em vista é a possibilidade de, através desse depoimento, obter a eventual confissão de factos favoráveis, neste caso, ao Embargante.
2. Essa finalidade só será viável obrigando a parte a comparecer em audiência, com a notificação pessoal sob pena de, faltando, sujeitar-se às sanções previstas na lei.
3. A via edital, que apenas se utiliza quando é desconhecido o paradeiro do citando, em situação indiciariamente comprovada de ausência em parte incerta, não é o meio adequado para notificar a parte para depor em julgamento.
            4. A redacção dada ao artigo 651º, nº 2 do Código de Processo Civil tem a clara intenção de deixar expresso que "adiamentos só há um", excepto se não se puder constituir o tribunal.
5. Inexiste fundamento legal para admitir o adiamento da segunda e última sessão de audiência de julgamento, para audição de testemunha que, depois de ter sido notificada para a morada fornecida pelo Embargante e não reclamando a carta, deixou de comparecer à segunda, insistindo a parte, na notificação para a mesma morada, sem fundamentar a insistência na repetição da diligência.
III – DECISÃO
Termos em que se acorda em julgar improcedentes os agravos, mantendo-se as decisões recorridas.
Custas pelo Agravante.
Lisboa, 18 de Março de 2010.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)

[1] Ac. STJ de 28.9.1999, Ribeiro Coelho, www.dgsi.pt/jstj
[2] Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, pg. 423.
[3] Neste sentido Ac. RP de 30.01.1992, (Sampaio da Nóvoa), www.dgsi.pt