RESPONSABILIDADE CIVIL
DIREITO À HONRA E CONSIDERAÇÃO SOCIAL
LIBERDADE DE IMPRENSA
INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
Sumário

1. No direito civil a personalidade moral, o bom nome e consideração social das pessoas são valores tutelados, conforme resulta dos artigos 70º e 484º,, ambos do Código Civil.
2. A primeira norma tutela a personalidade, como direito absoluto, na perspectiva do direito à integridade física, ao bem-estar, à liberdade, ao bom nome e à honra, que são os factores que individualizam o ser humano, moral e fisicamente, e o tornam titular de direitos invioláveis. Já o segundo normativo, ao proteger o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, tutela um dos elementos essenciais da dignidade humana: a honra.
3. A honra juscivilisticamente tutelada abrange a projecção do valor da dignidade humana, a qual é inata a todos os seres humanos. Em sentido lato, abrange o bom nome e a reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos no plano moral, intelectual, familiar, profissional ou político.
4. A matéria da responsabilidade civil (extracontratual) pelos danos causados por causa de ofensa do bom nome de qualquer pessoa está regulada especificamente no art. 484º do CC, segundo o qual, quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados, ficando obrigado a indemnizar o ofendido.
5. Provado que a A. foi vexada e humilhada com os telefonemas sucessivos que lhe foram feitos com propostas para a prática de actos de natureza sexual, em virtude da publicação incorrecta do seu número de telemóvel num anúncio que a Ré inseriu numa das suas revistas, que publica semanalmente, não pode deixar de se concluir que a A. ficou moral e psicologicamente afectada, na sua honra e consideração, e no seu bom nome, com a publicação desse anúncio.
6. Factualidade que evidencia, sem margem para dúvidas, danos de natureza não patrimonial gerados pelos referidos factos lesivos da sua dignidade e que, pela sua gravidade, merecem a tutela jurídica, devendo, pois, ser ressarcidos.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – 1. A. instaurou a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário, contra:
B,
Pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 20.000,00 a título de indemnização pelos prejuízos patrimoniais e morais causados, acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido, que a Ré, numa revista que edita, publicou um anúncio na rubrica “troca de correspondência” de onde consta, por lapso daquela, o número do telemóvel da A..
Acontece que depois da publicitação do seu telemóvel nessa revista, a A. começou a receber telefonemas que perturbaram gravemente o seu quotidiano, com propostas que constituem um atentado à sua honra e que põem em causa o seu bom nome e quase puseram fim ao seu casamento.
Factos que perturbaram a sua estabilidade emocional, tendo chegado a ser hospitalizada com uma depressão.
A A. chamou a atenção da R. para o erro, tendo esta publicado na revista um anúncio a referir que tinha errado e indicando o nome da A., o que piorou a situação, pois acabou por receber ainda mais telefonemas do que anteriormente.
Conclui pedindo o ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e morais sofridos, com a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização, no valor de € 7.500,00 e 12.500,00, respectivamente.
2. A Ré contestou argumentando que se tratou de um erro da sua secretária, pois o número do telemóvel, que foi publicado, saiu errado, contra a vontade e instruções da R.
Porém, isso não justifica o pedido de indemnização pois a A. sempre poderia ter obtido um outro número de telemóvel para evitar os danos que alega.
3. A A. requereu, posteriormente, a condenação da R. como litigante de má fé.
4. O Tribunal “a quo” proferiu sentença julgando a acção parcialmente procedente, por provada, e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 5.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação, até integral pagamento.
5. Inconformada a Ré Apelou, tendo formulado, em síntese as seguintes conclusões:
A. Deve ter-se por não escrita a matéria dada como provada que consta das alíneas A) e D) dos factos assentes: a alínea A) por contradição com a certidão do registo comercial junta aos autos, e a D) por consistir uma conclusão que não flúi dos factos alegados ou provados.
B. Também a matéria provada do ponto 21) da sentença recorrida – que a A. deu entrada no Hospital– é matéria inócua para a decisão.
C. É inverosímil que à matéria dada como provada tenha sucedido o mal estar, o profundo desgosto para a A. dos telefonemas e o facto de se sentir desconsiderada, pois no anúncio publicado referia-se que se tratava de um homem e que estava interessado na troca de mensagens e tal quadro não permite a seriedade/consciência desses contactos por forma a que a A. pessoalmente por eles se sentisse atingida.
D. Se assim não se entender, apenas se pode considerar que a A. por causa destes factos esteve sujeita a meros incómodos que a lei não tutela em danos morais.
E. A Ré não influi em nada quanto ao teor do conteúdo editorial das revistas em causa nos autos, notando-se que aos director cabe a orientação, superintendência e determinação desse conteúdo, por força do art. 20º, nº 1, alínea a) e nº 2, da Lei de Imprensa.
F. As empresas jornalísticas são responsáveis apenas no caso de se demonstrar que o escrito ou imagem foram inseridos com o conhecimento ou a falta de oposição do director das revistas – art. 29º, nº 2.
G. No caso dos autos não se alegaram ou provaram factos que permitam a conclusão no sentido de que o material editorial publicado teve o conhecimento ou a falta de oposição do director das revistas.
H. Tendo-se provado que a Ré forneceu instruções para a introdução cuidadosa no computador dos dados relativos às secções de trocas de mensagens está afastada a culpa sob a forma de dolo ou mera culpa, pelo que não impende sobre a Ré a obrigação de indemnizar – “aquele que com dolo ou mera culpa…” – art. 483º, nº 1, do CC.
I. Pelo que deve ser julgado procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra na qual se absolva a Ré do pedido, e se assim não se entender, deve reduzir-se o valor da indemnização a mil Euros.
6. Foram apresentadas contra-alegações nas quais a Autora defende a confirmação da sentença recorrida e pede:
a) A condenação da Ré como litigante de má fé;
b) A rejeição do recurso por falta de fundamentação quanto à impugnação da matéria de facto e falta de pagamento da respectiva taxa de justiça.
7. Corridos os Vistos legais,
Cumpre Apreciar e Decidir.

II – Os Factos:
- Mostram-se provados os seguintes factos:
1. A R. tem por objecto a edição e comercialização de livros e publicações (A).
2. A revista “X” está registada no registo de Imprensa sob o n.º – teor do documento de fls. 85 e 86 que no mais se dá aqui por integralmente reproduzido (B).
3. A revista “X” tem duas versões: a “X” e a “XY”, ambas publicadas semanalmente (C).
4. Qualquer daquelas versões da revista é editada pela R. (D).
5. O teor de tal revista, em ambos os modelos supra referidos, traduz-se na publicação de rubricas de divertimento e lazer, nomeadamente, telenovelas, publicações acerca de famosos, moda, culinária, horóscopo, troca de correspondência e um grande número de artigos relacionados com a actividade sexual (E).
6. Na revista “X” existe uma rubrica denominada “Troca de correspondência” a qual consiste essencialmente no envio, por parte dos leitores daquela revista, de anúncios que desejam ver publicados e cujo teor se traduz, principalmente, no querer conhecer amigos, marcar encontros, estabelecer relacionamentos mais íntimos, deixando para o efeito os respectivos contactos (F).
7. Na semana respeitante aos dias 23 a 29 de Maio de 2002, com o número …, na referida rubrica “Troca de correspondência”, foi publicada pela Ré, quer na “X”, quer na “XY” um anúncio do seguinte teor: «Olá amigas, estou neste momento na solidão e abandonado, tenho 26 anos e gostaria de encontrar amigas de idade compreendida entre os 28 e os 35 anos. Se és rapariga ou senhora, sincera e romântica, telefona para o tlm.: ……., depois das 18.00 horas» – teor do documento de fls. 43 e 44 dos autos que no mais se dá aqui por integralmente reproduzido (G).
8. Confrontando com os demais anúncios daquela rubrica aquele anúncio nada tem de diferente ou invulgar com os demais da mesma rubrica (H).
9. Em momento algum a A. solicitou à R. que procedesse à publicação de um anúncio (I).
10. Antes de 23.05.2002 a A. jamais entrou em contacto com a Ré (J).
11. Após a publicação do anúncio referido em G) a A. contactou com a R., alertando-a no sentido de que o número de telemóvel ali indicado não correspondia ao da pessoa que havia solicitado a publicação do anúncio, e pediu que em edição posterior das revistas “X” e “XY” a R. procedesse à devida rectificação, bem como alertasse os leitores para o lapso cometido na indicação do número de telemóvel (L).
12. No número … das revistas “X” e “XY”, correspondente à semana de 30 de Maio a 5 de Junho de 2002, a R. fez nelas publicar o mesmo anúncio indicado em G) com referência ao número de telemóvel ……. – teor dos documentos de fls. 45 e 46 que no mais se dão aqui por integralmente reproduzidos (M).
13. Naquela edição número … a R. não fez qualquer referência ao lapso na indicação do número de telemóvel no anúncio anteriormente publicado, nem apresentou qualquer pedido de desculpas ao titular do telemóvel n.º … (N).
14. Nas edições …. e …. das revistas “X” e “XY”, correspondentes às semanas de 19 de Setembro a 25 de Setembro de 2002 e de 26 de Setembro a 02 de Outubro de 2002, respectivamente, a R. fez publicar o seguinte texto: «A X ERROU. Na edição n.º …., de 23 a 29 de Maio de 2002, publicámos um pedido de Troca de Correspondência errado. Ou seja, onde se lia o número de telemóvel …… deveria ler-se ….. Sabemos que este nosso lapso, embora involuntário, causou graves transtornos à Sra. D. A., proprietária do primeiro telemóvel, que em momento algum solicitou a colocação de tal anúncio. Queremos repor a verdade e apresentar à Sra. D. A. e à sua família as nossas mais sinceras desculpas. Aos nossos leitores participantes nesta rubrica da X pedimos que não utilizem o referido número, uma vez que se tratou de lamentável engano, que desde já assumimos» – teor dos documentos de fls. 47 e 48 dos autos que no mais se dá aqui por integralmente reproduzido (O).
15. Após a publicação do anúncio referido em G) e por causa dessa publicação a A. passou a ser incomodada com telefonemas com propostas de encontro de cariz sexual, situação que perdurava ainda em Outubro de 2002, sendo que as pessoas que lhe telefonavam quando eram confrontados com a voz feminina da A., julgavam-na ….. e aproveitavam para a enxovalhar e desonrá-la, chamando-a de “…….”, o que perturbou gravemente a estabilidade emocional da A. e o seu quotidiano (arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º).
16. Caso a A. deixasse de atender o telemóvel a caixa de mensagem deste ficava cheia de mensagens (art. 6º).
17. Dada a persistência de telefonemas e mensagens decorrentes do anúncio referido em G), as pessoas que mantinham contactos com a A. aperceberam-se da situação e questionaram a A. sobre as razões que levavam a que o seu telemóvel estivesse muitas vezes impedido e houvesse tantos telefonemas para o mesmo (art. 7º).
18. Conhecidos da A. e igualmente leitores da revista “X” tiveram conhecimento da publicação do anúncio indicado em G) e confrontaram a A. com tal publicação, bem como com o teor do referido anúncio (arts. 8º, 9º e 10º).
19. Dada a situação criada na sequência da publicação do anúncio referido em G), a A. teve que justificar-se perante o seu marido, o que a deixou perturbada e envergonhada e com o receio de que ele não acreditasse nela, sendo que só após muitas explicações da A. é que o marido desta conseguiu perceber e acreditar no lapso ocorrido, o que não obstou a que entretanto tivessem havido conflitos conjugais entre ambos (arts. 10º, 11º, 12º, 13º, 14º e 15º).
20. A publicação do anúncio indicado em G) pôs seriamente em causa o casamento da A. (art. 16º).
21. Face a toda a situação supra descrita, em 02.07.2002, a A. deu entrada no Hospital, onde lhe foi diagnosticada uma forte depressão com necessidade de tratamento do foro psiquiátrico, tendo aí permanecido internada durante dois dias (arts. 17º, 18º e 19º).
22. Após a publicação do anúncio referido em G) a vida da A. alterou-se, tendo a mesma, durante vários meses, receio de atender o telemóvel (arts. 20º e 21º).
23. Com o anúncio referido em O) continuou a haver telefonemas para o telemóvel da A., sendo que os autores de tais telefonemas aproveitaram-se então da própria identificação da A. para a qualificar de “…….”, chamando-a pelo nome próprio e dizendo que sabiam quem é e que gostariam de travar com ela contactos mais íntimos (arts. 22º e 23º).
24. Em Maio de 2002, o telemóvel com o n.º …… servia para uso profissional da A. (art. 24º).
25. A qual dedicava-se a vendas na empresa do marido (art. 25º).
26. Era através do número telefónico …….. que os clientes e/ou futuros clientes da empresa do marido da A. faziam parte das suas encomendas (art. 26º).
27. Em virtude da publicação pela R. dos referidos anúncios e do facto do indicado telemóvel da A. receber telefonemas decorrentes daqueles anúncios decresceu a possibilidade de serem feitas encomendas destinadas à empresa do marido da A. (art. 27º).
28. A A. é uma pessoa séria, honesta, respeitada e acarinhada pelos demais conterrâneos (art. 30º).
29. Até à publicação do anúncio referido em G), a A. sempre foi uma pessoa bastante calma, vivendo a vida com bastante serenidade, sem qualquer indícios de alteração do seu sistema nervoso (art. 31º).
30. A A. não é leitora da revista X em qualquer das suas versões (art. 32º).
31. Com a publicação do anúncio indicado em G) a A. sentiu-se fortemente desconsiderada na sua personalidade moral e também física (art. 33º).
32. Sentiu mau estar e extremo desgosto (art. 34º).
33. E ficou bastante triste, pessimista e abatida (art. 35º).
34. Com a publicação do anúncio indicado em G) a A. ficou sem qualquer vontade de trabalhar ou de fazer o que quer que fosse, nomeadamente, encontrar-se com os amigos e conhecidos, chegando até a ter receio e vergonha de sair de casa, o que afectou a sua actividade profissional, havendo muitos dias que não a exerceu (arts. 36º, 37º e 38º).
35. Desde data anterior a 23.05.2002, a R. fornece à secretária de redacção das revistas “X” e “XY”, C, instruções no sentido de que deve rigorosamente introduzir com cuidado no computador, e por sua vez na paginação das revistas, todo o conjunto de dados relativos a cada pedido de troca de mensagens e informações na rubrica “Troca de correspondência” (art. 39º).
36. E explicam a essa secretária que tal introdução confere credibilidade à rubrica e reforça assim a sua utilidade, com a privacidade dos seus utilizadores (art. 40º).

III – O Direito:
A Ré Apelou quer da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto, quer da subsunção jurídica que foi feita e que determinou a sua condenação no pagamento à A. da quantia de 5.000,00 €, por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data de citação até integral pagamento.
Apreciando e Decidindo.
A) Quanto à matéria de facto:
1. A Recorrente manifesta o seu desacordo relativamente à decisão proferida, assentando a sua discordância essencialmente nos seguintes pontos:
a) Deve ter-se por não escrita a matéria dada como provada que consta das alíneas A) e D) dos factos assentes: a alínea A) por contradição com a certidão do registo comercial junta aos autos e a D) por consistir numa conclusão que não flúi dos factos alegados ou provados;
b) O mesmo acontece com os factos provados no ponto 21) da sentença recorrida – “que a A. deu entrada no Hospital” – já que se trata de matéria inócua para a decisão;
c) É inverosímil que à matéria dada como provada tenha sucedido o mal estar, o profundo desgosto para a A. pelos telefonemas e o facto de se sentir desconsiderada, pois no anúncio publicado apenas se referia que se tratava de um homem e que estava interessado na troca de mensagens e tal quadro não permite a seriedade/consciência desses contactos por forma a que a A. se sentisse pessoalmente por eles atingida.
Contudo, a Recorrente, ao insurgir-se contra todas as circunstâncias de facto alegadas, limitou-se tão só a referir a sua opinião sobre o que deveria ter sido considerado provado, mas sem especificar devida e concretamente em que se baseia, de facto, para chegar a conclusão diversa.
A sua alegação é feita em termos genéricos e vagos a ponto de dizer que “essa conclusão não flúi dos factos alegados ou provados”, mas sem, contudo, especificar, também em concreto, quais os pontos de facto que imporiam conclusão diferente daquela.
A Recorrente limitou-se a tecer considerações de natureza subjectiva, como são disso exemplo as que se descrevem supra na línea c), mas sem dar cumprimento ao preceituado no art. 690º-A do CPC.
Ou seja: não identificou os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Tal como não alude ao suporte probatório que lhe permitiria chegar a solução diversa.
Tratando-se de um ónus que o legislador fez recair sobre a Recorrente, o seu incumprimento acarreta as consequências previstas na norma citada: a de rejeição do recurso.
A igual conclusão se chegaria através do confronto entre o que se alegou, os meios de prova produzidos, a análise crítica das provas com os fundamentos que se mostraram decisivos para a convicção do julgador e que foram exarados na respectiva fundamentação da decisão da matéria de facto produzida pelo Tribunal “a quo”.
Seja como for, dir-se-á ainda que:
1.2. Ao contrário do que alega a Recorrente, a matéria provada no ponto 21) da sentença, pode não ser inócua, pois sempre nos dá a extensão dos efeitos produzidos pelos factos que a A. relata na p.i., e que se provaram, relativos ao seu abalo psicológico e à forma como ficou afectada pelos acontecimentos resultantes da publicação na revista da Ré do anúncio da referida mensagem para “troca de correspondência”.
Quanto aos factos aludidos em c), para além de estarmos mais uma vez perante generalidades, desprovidas de qualquer suporte ou interligação com os meios probatórios que tiveram lugar em sede de audiência de discussão e julgamento, estranha-se também a sua alegação pela Ré, pois ao desvalorizar os seus efeitos a ponto de dizer que “é inverosímil que à matéria dada como provada tenha sucedido o mal estar, o profundo desgosto para a A. dos telefonemas e o facto de se sentir desconsiderada” parece revelar uma falta de sensibilidade pelos prejuízos de natureza não patrimonial causados à A., no contexto que os autos retractam, e uma aparente incompreensão sobre o direito à honra e ao bom nome, enquanto valores absolutos e invioláveis que se inscrevem no âmbito dos direitos de personalidade de qualquer pessoa e cidadão, por mais modesto que seja.
Valores constitucionalmente reconhecidos e cuja violação é sancionada quer nos termos gerais, pelo direito civil, quer pela própria Lei de Liberdade de Imprensa – cf. seu art. 29º, nº 1.
1.3. Por fim, quanto às alíneas A) e D) da matéria Assente, lavrada quando da prolação do despacho saneador, e que integra a sentença, também não se percebe o que pretende a Ré, já que:
- Na primeira, diz-se que “a R. tem por objecto a edição e comercialização de livros e publicações (A)”;
- e na segunda, que as revistas aqui em causa, em “qualquer daquelas versões” (quer a revista “X” quer a “XY”) “é editada pela R.(D)”.
E tratam-se de factos que se mostram provados nos autos, tendo sido aceites pela Ré.
Veja-se, a este propósito, o teor da petição inicial – arts. 8º, 48º a 51º, 54º, 55º, 60º a 66º – e a contestação da Ré.
Aliás, é a própria Ré que alega nos seus articulados, e até no recurso, que deu instruções à sua funcionária para que factos como aqueles que aqui julgamos não se voltem a repetir.
Não os tendo impugnado e tendo inclusivamente confessado, não se percebe o que se pretende com tal alegação – cf. tb. art. 6º da sua contestação.
2. Improcede, pois, sem mais considerações, a Apelação nesta parte.
3. Fixados os factos, importa analisar o seu enquadramento jurídico e aferir do recurso interposto no que concerne à aplicação do direito.

B) Enquadramento Jurídico:
1. Quanto à matéria de direito o presente recurso assenta essencialmente em três fundamentos:
1º - Segundo a Ré/Recorrente a Autora terá sofrido meros incómodos e, como tal, não são os mesmos tutelados pela lei, não podendo ser indemnizáveis a título de danos não patrimoniais;
2º - A Ré não influiu no conteúdo editorial das revistas e também não se alegaram ou provaram factos que permitam concluir que o material editorial publicado teve o conhecimento ou falta de oposição do director das revistas, conforme o exige a Lei de Imprensa;
3º - Tendo a Ré fornecido à sua secretária instruções para que introduza com cuidado os dados no computador, está afastada a sua culpa sob a forma de dolo ou mera culpa, bem como a obrigação de indemnizar, em face do disposto no nº 1 do art. 483º do CC.
Mas desde já se adianta que tais argumentos não podem, de forma alguma, ser sufragados.
2. Desde logo porque é inverídica a afirmação de que a A. apenas terá sofrido meros incómodos com a publicação numa revista, de que é proprietária, do anúncio referido nos autos.
E para se chegar a tal conclusão basta atentar na matéria de facto que se provou, da qual se destacam os seguintes factos:
- “Após a publicação do anúncio referido em G) e por causa dessa publicação, a A. passou a ser incomodada com telefonemas com propostas de encontro de cariz sexual, situação que perdurava ainda em Outubro de 2002, sendo que as pessoas que lhe telefonavam quando eram confrontados com a voz feminina da A., julgavam-na …. e aproveitavam para a enxovalhar e desonrá-la, chamando-a de “……”, o que perturbou gravemente a estabilidade emocional da A. e o seu quotidiano” (arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º).1
- “Caso a A. deixasse de atender o telemóvel a caixa de mensagem deste ficava cheia de mensagens” (art. 6º).
- Dada a persistência de telefonemas e mensagens decorrentes do anúncio referido em G), “as pessoas que mantinham contactos com a A. aperceberam-se da situação e questionaram-na sobre as razões que levavam a que o seu telemóvel estivesse muitas vezes impedido e houvesse tantos telefonemas para o mesmo” (art. 7º).
- “Conhecidos da A. e igualmente leitores da revista “X” tiveram conhecimento da publicação do anúncio indicado em G) e confrontaram a A. com tal publicação, bem como com o teor do referido anúncio” (arts. 8º, 9º e 10º).
- Dada a situação criada na sequência da publicação do anúncio referido em G), “a A. teve que justificar-se perante o seu marido, o que a deixou perturbada e envergonhada e com o receio de que ele não acreditasse nela, sendo que só após muitas explicações da A. é que o marido desta conseguiu perceber e acreditar no lapso ocorrido, o que não obstou a que entretanto tivessem havido conflitos conjugais entre ambos” (arts. 10º, 11º, 12º, 13º, 14º e 15º).
- “A publicação do anúncio indicado em G) pôs seriamente em causa o casamento da A.” (art. 16º).
- Com o anúncio referido em O) “continuou a haver telefonemas para o telemóvel da A., sendo que os autores de tais telefonemas aproveitaram-se então da própria identificação da A. para a qualificar de “….., chamando-a pelo nome próprio e dizendo que sabiam quem era e que gostariam de travar com ela contactos mais íntimos” (arts. 22º e 23º).
- Em Maio de 2002, o telemóvel com o n.º ……. servia para uso profissional da A., a qual dedicava-se a vendas na empresa do marido e era através do número telefónico ….. que os clientes e/ou futuros clientes da empresa do marido da A. faziam parte das suas encomendas (arts. 24º a 26º).
- Com a publicação do anúncio indicado em G) “a A. sentiu-se fortemente desconsiderada na sua personalidade moral e também física, sentiu mau estar e extremo desgosto e ficou bastante triste, pessimista e abatida” (arts. 33º a 35º).
- Com a publicação do anúncio indicado em G) “a A. ficou sem qualquer vontade de trabalhar ou de fazer o que quer que fosse, nomeadamente, encontrar-se com os amigos e conhecidos, chegando até a ter receio e vergonha de sair de casa, o que afectou a sua actividade profissional, havendo muitos dias que não a exerceu” (arts. 36º, 37º e 38º).
Ora, conforme resulta à saciedade dos factos provados, não se tratam de meros incómodos. Mas sim de graves atentados ao bom nome e à honra da Autora.

           3. A Honra – O Direito à honra – Os Direitos de Personalidade:
3.1. O art. 26º da Constituição da República Portuguesa proclama que a todos à garantido o direito ao bom nome e o art. 70º do Código Civil assegura a sua protecção em termos de lei ordinária.
Consignou o legislador Constitucional, no art. 26º, nº 1, que:
“A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”.
Comentando esta norma escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira que:
“O direito ao bom nome e reputação (nº 1) consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação” 2.
Na lei ordinária a personalidade moral, o bom nome e consideração social das pessoas, são valores tutelados, conforme resulta dos artigos 70º e 484º do Código Civil.
- No art. 70º, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. E independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida – cf. seus nºs 1 e 2.
- No art. 484º estatuiu-se que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.
A primeira norma tutela a personalidade, como direito absoluto, de exclusão, na perspectiva do direito à saúde, à integridade física, ao bem-estar, à liberdade, ao bom nome, e à honra, que são os factores que individualizam o ser humano, moral e fisicamente, e o tornam titular de direitos invioláveis.
Já o segundo normativo, ao proteger o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, tutela um dos elementos essenciais da dignidade humana – a honra.
Que sendo um dos bens mais preciosos da personalidade moral tutelada, acaba por estar integrado no nº 1, do art. 70º, no segmento normativo em que se atesta que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”.
Por conseguinte, pode dizer-se que o direito à honra é uma das mais importantes concretizações da tutela dos direitos de personalidade.
3.2. Já o Professor Beleza dos Santos ensinava que a honra é um preciosíssimo bem da personalidade.
“A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoas … A perda ou lesão da honra – a desonra – resulta, ao nível pessoal, subjectivo, na perda e no respeito que a pessoa tem por si própria, ao nível social, objectivo, pela perda do respeito e consideração que a comunidade tem pela pessoa.
(…)
“A honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale, e que a consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal forma que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa ao desprezo público”. 3
Por sua vez Capelo de Sousa explicita o conceito referindo que:
"A honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância... Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político". 4
Podendo ainda acrescentar-se:
A honra juscivilisticamente tutelada abrange a projecção do valor da dignidade humana, a qual é inata a todos os seres humanos.
Em sentido lato, ela abrange o bom nome e reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político, engloba o simples decoro, como projecção dos valores comportamentais do indivíduo no que se prende ao trato social, e envolve o crédito pessoal, como projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem. 5
Pedro Pais de Vasconcelos dá-nos a extensão do direito à honra nesta síntese magistral:
A honra existe numa vertente pessoal e subjectiva, e noutra vertente social, objectiva.
- Na 1ª, traduz-se no respeito e consideração que cada pessoa tem de si própria;
- Na 2ª, traduz-se no respeito e consideração que cada pessoa merece ou de que goza na comunidade a que pertence. 6
Em Conclusão:
- Tal direito é um direito inato da personalidade, pois pelo simples facto do nascimento toda a criatura tem em si mesma o bem da própria honra.7
4. Sobre a violação dos direitos de personalidade – do direito à honra e direito à privacidade, bem como o respeito ao bom nome – alerta, ainda, Pais de Vasconcelos:
“… O direito à vida, ou à honra, ou à integridade física, ou à privacidade, ou à imagem, por exemplo, não constituem direitos subjectivos autónomos, mas antes poderes jurídicos que integram o direito de personalidade do seu titular, poderes estes que são exercidos quando a dignidade do seu titular for posta em causa através de ameaças ou ofensas àqueles específicos bens de personalidade.
A tipificação dos chamados direitos especiais de personalidade é um reflexo da tipificação de específicos bens de personalidade que integram a dignidade humana e das lesões que historicamente se foram tornando típicas.
A dignidade humana pode ser ameaçada ou ofendida em diversos bens que a integram — vida, integridade física, honra, privacidade, imagem, nome, etc. — para a defesa de cada um dos quais o direito de personalidade contém específicos meios ou bens, que beneficiam de específicos poderes jurídicos”. 8
As causas de perda ou do detrimento da honra – de desonra – são, em termos muito gerais, acções da autoria da própria pessoa ou as que lhe sejam imputadas, e consideradas reprováveis na ordem ética vigente, quer ao nível da própria pessoa, quer ao nível da sociedade. 9
Posto isto, e sendo a honra e o direito ao bom nome valores absolutos e invioláveis, que se inscrevem no âmbito dos direitos de personalidade, importa saber se a publicação em causa lesou direitos da Autora ao publicitar factos que, em si mesmos, são desonrosos para qualquer cidadão.
E a resposta, que desde já se adianta, só pode ser afirmativa, porquanto a afirmação e difusão de factos que sejam idóneos a prejudicar o bom nome de qualquer pessoa acarretam responsabilidade civil (extracontratual), e implicam a obrigação de indemnizar se verificados os requisitos legais do art. 483º do Código Civil.
Em que termos essa obrigação existe, em concreto, é o que se verá nos pontos subsequentes.
5. A Responsabilidade Civil:
5.1. A matéria da responsabilidade civil (extracontratual) pelos danos causados por causa de ofensa do bom nome de qualquer pessoa está regulada especificamente no art. 484º do CC.
Segundo esta norma, quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.
Prevê-se, assim, uma situação particular de antijuridicidade estatuindo-se a obrigação de indemnização nessas circunstâncias.
Temos para nós que a razão de ser da norma se deve ao facto de estar em causa, quando tal ocorre, a violação de um direito de personalidade de consagração constitucional, que a lei erigiu como um direito inalienável, fundamental e absoluto, levando a sua preocupação de protecção a ponto de realçar, em norma própria, a incriminação para que não fique incólume uma ofensa de natureza tão gravosa quanto essa.
Inserindo-se a norma na secção da responsabilidade civil por factos ilícitos, sendo precedida pelo princípio geral consagrado no art. 483º do CC e que enforma toda a responsabilidade civil (extracontratual), ou violação ilícita do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a responsabilidade decorrente de ofensa ao bom nome nos termos preceituados no art. 484º do CC deverá ser articulada com o princípio geral contido no citado art. 483º, não dispensando, por isso, a cumulativa verificação dos requisitos da obrigação de indemnizar.
No âmbito da ofensa e violação da honra e do bom nome essa ilicitude existirá sempre que o facto afirmado ou difundido se mostre, ponderadas as circunstâncias concretas, susceptível de afectar o crédito ou a reputação da pessoa visada, quer pessoa singular, quer colectiva (aqui se incluindo, naturalmente, as sociedades).
5.2. Versando a matéria em causa, e reportando-se directamente ao art. 494º do CC, pode ler-se o seguinte comentário da autoria do Prof. Antunes Varela:
“Pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro – contanto que seja susceptível, ponderadas circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade". 10
Ora, se tal conclusão é extraída pelo ilustre Mestre mesmo em situações que apelida de não verdadeiras, desde que verificadas as consequências que aponta, dúvidas não se suscitarão quando os factos forem falsos e as imputações referidas sejam susceptíveis de abalar e lesar o prestígio de um pessoa ou o bom nome e a honra desta.
Como acontece indiscutivelmente no caso sub judice.
5.3. Por outro lado, tendo o nosso Código Civil consagrado a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, limitou-os, porém, àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Sendo indiscutível que, tal como se salientou já, os danos resultantes de ofensa à honra ou à reputação de um indivíduo constituem, pela sua gravidade, danos não patrimoniais, a justificar, por isso, uma indemnização. 11
Gravidade que deve medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, embora estes, resultantes das circunstâncias concretas em que a ofensa se verificou, temperem necessariamente aquele. 12
Importa, por isso, sopesar as circunstâncias concretas do caso, para se averiguar em que medida o dano justifica a concessão de uma satisfação de natureza pecuniária ao lesado, não sendo indiferente nesse juízo o referido apuramento da gravidade do dano para efeitos de dar ao julgador a justa medida para a consequente valoração indemnizatória (ou compensatória) pelos danos causados com a ofensa ao bom nome, concretizando-a.
Concretização que é feita em consonância com os preceitos legais aplicáveis, v.g., arts 70º, 484º e 496º, todos do CC.
Por sua vez a avaliação da severidade do dano e a correspondente satisfação pecuniária ao lesado deve ser efectuada, por um lado, à luz de um padrão objectivo, em função dos factos provados e, por outro, também em função da tutela do direito. 13
Critério que o legislador consagrou no art. 496º, nº 1, do CC, onde se pode ler expressamente que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
5.4. Ora, tendo sido provado que a A. foi vexada e humilhada com os telefonemas sucessivos que lhe foram feitos (chamando-lhe “…”, etc., etc., …) e com propostas para a prática de actos de natureza sexual, em virtude da publicação incorrecta do seu número de telemóvel num anúncio que a Ré inseriu numa das suas revistas, que publica semanalmente, não pode deixar de se considerar que a A. ficou moralmente afectada, ofendida e vexada, pela publicação desse anúncio.
As consequências dessa publicação estão bem retractadas na matéria de facto provada, que nos dá conta que, sendo a A. casada, esse incidente lamentável quase que punha fim ao seu casamento.
Para além de ter sido incomodada com telefonemas ofensivos durante vários meses, o que além de a afectar e abalar psicologicamente, se reflectiu no seu relacionamento pessoal, íntimo e matrimonial, também se repercutiu no exercício da sua actividade profissional de vendas.
Factualidade que evidencia, sem margem para dúvidas, danos de natureza não patrimonial gerados pelos referidos factos lesivos da sua dignidade e que pela sua gravidade merecem a tutela jurídica, em virtude das razões que foram aduzidas nos pontos anteriores, devendo, pois, ser ressarcidos.
Não podendo, de forma alguma, considerar-se que a A. apenas sofreu “meros incómodos” em virtude da publicação do anúncio aqui em causa.
Os danos não patrimoniais a indemnizar são os resultantes da lesão do bem honra e do bom nome da Autora. Para além do seu bem-estar físico e psíquico e da sua tranquilidade. 14
Tratando-se de bens inquantificáveis economicamente, a indemnização devida pelos mesmos tem em vista tão só proporcionar à A. uma compensação pela lesão sofrida.
Devendo ser fixada pelo Tribunal de acordo com regras de equidade, nos termos do art. 496º do CC, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e as demais circunstâncias do caso, que o justifiquem, por força do disposto no art. 494º do CC, ex vi, art. 496º, nº 3.
6. Já se concluiu pela inquestionável necessidade de se arbitrar uma indemnização, a título de danos não patrimoniais sofridos, a quem tenha sido prejudicado em resultado de ofensa e/ou lesão do seu bom nome e da sua honra.
Essa responsabilidade, enquanto responsabilidade civil, pressupõe a verificação dos restantes requisitos legais gerais ínsitos no art. 483º do CC, que estabelece que: “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Como pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos são comummente apontados, como é sabido, o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa (dolo ou negligência), o dano e o nexo de causalidade.
6.1. Verificada a existência desse dano e do nexo de causalidade – pois tudo se ficou a dever à publicação de um anúncio que a Ré publicou numa das suas revistas, com as infelizes e ilícitas consequências que a matéria de facto demonstra sobejamente – fica por abordar a questão da existência ou não de dolo ou mera culpa da Ré na prática desses factos.
A este propósito argumenta a Ré que a conduta – a referida publicação – não lhe pode ser imputada directamente, enquanto pessoa colectiva, mas sim a uma sua funcionária a quem aliás deu instruções no sentido de introduzir rigorosamente os dados no computador.
Argumento que não pode ser acolhido.
6.2. Com efeito, a responsabilidade da R. advém do preceituado no art. 500º nº 1 do CC, no qual se estatui que aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde independentemente de culpa pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
E essa responsabilidade existe sempre que o executante/comissário as execute no exercício da função que lhe foi confiada e incumprindo as ordens daquele ou actuando contra as ordens de quem o encarrega da respectiva tarefa.
Ora, se o Réu deu indicações precisas à sua empregada para colocar os dados correctos no computador e esta o não fez, agiu, no mínimo com mera culpa (pois não se provou o dolo), por não ter usado da diligência que lhe era exigível, nem ter usado do cuidado devido na execução da sua tarefa, a ponto de ter trocado o número do telemóvel que deveria ser objecto de publicação, e em sua substituição publicou o número do telemóvel da Autora.
Comportamento que é reprovável e censurável sendo, por conseguinte, suficiente para alicerçar um juízo de censurabilidade e reprovabilidade da sua conduta.
E ao fazê-lo, numa revista e numa rubrica como a que está em causa, despoletou, originando, causalmente, com a sua actuação desprovida da diligência adequada (negligente), a violação ilícita da honra e do bom nome da Autora.
E, consequentemente, fica a Ré obrigada, por força das normas citadas, a indemnizar a A. pelos danos resultantes dessa violação.
7. Por fim, alega a Ré/Recorrente que não estão preenchidos os pressupostos do art. 29º, nº 2, da Lei de Imprensa, que permitem a sua condenação por não se ter provado, nomeadamente, que o material publicado teve o conhecimento ou falta de oposição do director das revistas.
Argumentos que também não podem ser acolhidos.
7.1. Desde logo porque o art. 29º, nº 2, da Lei de Imprensa, não tem aplicação à questão em análise.
O que aqui se discute, fáctica e juridicamente, reconduz-se ao nº 1 do art. 29º da Lei de Imprensa e não ao seu nº 2.
E isto porque:
- O nº 1 daquela norma jurídica reporta-se à responsabilidade civil, que tem aqui aplicação nos seus termos gerais, conforme resulta do próprio normativo;
- E o nº 2 à responsabilidade do director e das empresas jornalísticas em relação a todo o tipo de informação, imagens ou texto que sejam publicados ou estejam disponíveis ao público.
Ora, no caso em análise, estamos perante a publicação de um anúncio, não de um texto, uma reportagem ou algo similar de natureza jornalística.
Por conseguinte, a questão coloca-se em termos gerais de responsabilidade civil e não no foro específico da liberdade de imprensa.
Acontece, tão só, que a lesão do direito ao bom nome e à honra da A. foi feita por aquela via, através de um anúncio publicado numa revista, e publicitada nesses termos. O que ampliou a violação do direito e os seus efeitos.
Quer isto dizer que a publicação através desse meio aumentou a gravidade da violação pela divulgação pública que foi feita na sequência da publicação do anúncio numa das revistas semanais da Ré, com o citado número de leitores.
Tanto assim é que, a este propósito, afirma Pedro Pais de Vasconcelos peremptoriamente que:
“São particularmente gravosas – e merecem especial atenção – as ofensas à honra cometidas através da comunicação social… O impacto que os meios de comunicação de massa – imprensa, rádio e televisão e Internet – têm na sociedade e a credibilidade de que, porventura imerecidamente, beneficiam, agravam brutalmente as lesões causadas.
É sabido que a generalidade das pessoas acredita acriticamente no que os jornais, a rádio e principalmente a televisão comunicam e como são ineficazes os desmentidos posteriormente publicados, quase sempre tarde e com impacto insuficiente.
As ofensas à honra assim cometidas são extremamente gravosas e dificilmente reparáveis. A liberdade de imprensa não sobreleva o direito à honra.
Embora ambos estejam formalmente consagrados na Constituição da República como direitos, liberdades e garantias, a defesa da honra situa-se no âmbito superior dos direitos de personalidade e é, por isso, hierarquicamente superior à liberdade de imprensa”. 15
7.2. Sem entrarmos aqui na abordagem da questão jurídica da colisão de direitos e da supremacia dos direitos de personalidade, no qual se inclui o direito à honra, com tutela constitucional, por entendermos que a abordagem jurídica não deve ser feita no âmbito da liberdade de imprensa, sempre se dirá, contudo, que se essa supremacia existe mesmo nas situações em que esteja em causa o direito constitucional da liberdade de imprensa, por maioria de razão existiria fora do referido quadro legal.
8. E não se diga que o valor arbitrado (de 5.000,00 € - a título de indemnização por danos morais sofridos pela Autora) é exagerado.
A matéria de facto revela uma gravidade elevada pelas consequências originadas na vida da A. e atento o montante indemnizatório que fixado – menor do que noutras situações similares 16 – nem devia ter sido objecto, nesta parte, de discussão pela Ré.
Razão pela qual, e sem necessidade de mais considerações, improcede a Apelação, confirmando-se, na íntegra, a sentença recorrida.
9. Por fim, quanto à má fé da Ré, alegada pela Autora, dir-se-á que não obstante aquela ter deduzido oposição que consideramos temerária, não assumiu, contudo, foros de negligência grave ou dolosa a que alude o art. 456º, nºs 1 e 2, do CPC, em termos de a considerarmos enquadrável no conceito jurídico de litigante de má fé.
E por isso não a condenamos enquanto tal.

IV – Em Conclusão:
1. No direito civil a personalidade moral, o bom nome e consideração social das pessoas são valores tutelados, conforme resulta dos artigos 70º e 484º,, ambos do Código Civil.
2. A primeira norma tutela a personalidade, como direito absoluto, na perspectiva do direito à integridade física, ao bem-estar, à liberdade, ao bom nome e à honra, que são os factores que individualizam o ser humano, moral e fisicamente, e o tornam titular de direitos invioláveis. Já o segundo normativo, ao proteger o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, tutela um dos elementos essenciais da dignidade humana: a honra. 3. A honra juscivilisticamente tutelada abrange a projecção do valor da dignidade humana, a qual é inata a todos os seres humanos. Em sentido lato, abrange o bom nome e a reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos no plano moral, intelectual, familiar, profissional ou político.
4. A matéria da responsabilidade civil (extracontratual) pelos danos causados por causa de ofensa do bom nome de qualquer pessoa está regulada especificamente no art. 484º do CC, segundo o qual, quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados, ficando obrigado a indemnizar o ofendido.
5. Provado que a A. foi vexada e humilhada com os telefonemas sucessivos que lhe foram feitos com propostas para a prática de actos de natureza sexual, em virtude da publicação incorrecta do seu número de telemóvel num anúncio que a Ré inseriu numa das suas revistas, que publica semanalmente, não pode deixar de se concluir que a A. ficou moral e psicologicamente afectada, na sua honra e consideração, e no seu bom nome, com a publicação desse anúncio.
6. Factualidade que evidencia, sem margem para dúvidas, danos de natureza não patrimonial gerados pelos referidos factos lesivos da sua dignidade e que, pela sua gravidade, merecem a tutela jurídica, devendo, pois, ser ressarcidos.

V - Decisão:
- Termos em que se acorda em julgar improcedente a Apelação e se confirma a sentença recorrida que condenou a Ré, com os presentes fundamentos.
- Custas pela Apelante.

Lisboa, 18 de Março de 2010.

Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
António Manuel Valente
Ilídio Sacarrão Martins
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1 Sublinhados nossos.
2 Neste sentido os Professores citados — Gomes Canotilho e Vital Moreira — in "Constituição da República Portuguesa Anotada", Vol. I, 4' Ed., pág. 466.
3 Neste sentido, Beleza dos Santos, in R.L.J., Ano 92°, pág. 164.
Cf. tb. Ac. do STJ, de 30.10.2003, proferido no âmbito do Proc. 03P3369 — in www.dgsi.pt.
4 Cf. Rabindranah Capelo de Sousa, in "O Direito Geral da Personalidade", 1995, págs. 303-304.
5 Cf. Capelo de Sousa, ibidem, págs. 301 e segts.
6 Pedro Pais de Vasconcelos, in "Teoria Geral do Direito Civil", 2a Ed., pág. 60.
7Neste sentido Adriano De Cupis, in "Os Direitos da Personalidade", págs. 111 e segts.
8 Cf. Pedro Pais de Vasconcelos, in "Teoria Geral do Direito Civil", 2005, págs. .38 e segts. Sublinhados nossos.
9 Neste sentido cf. o Acórdão do STJ, datado de 2/12/2004, proferido no âmbito do Proc. n° 9777/2004-6, que aqui seguimos de perto, in www.dgsi.pt)
10 Cf Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9' edição, págs. 567 e segts.
11 Neste sentido cf. Vaz Serra, in "Reparação do Dano não Patrimonial", in RLJ, 113°, pág. 96.
12 Neste sentido cf. Antunes Varela, ibidem, pág. 428 e segts, e Acórdão do STJ, datado de 13/3/2008, e proferido no âmbito do Proc. n° 08A159, in www.dgsi.pt.
13 Cf. Acórdão do STJ, datado de 12/03/2009, in www.dgsi.pt, proferido no âmbito do Proc. n° 08B2972.
14 Neste sentido cf. o Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 27/05/2004, in CJ, T. 3°, pág. 92.
15 Neste sentido Pedro Pais de Vasconcelos, in "Direito de Personalidade", págs.75 e segts.
16 No Acórdão da Relação de Lisboa supra citado foi arbitrada, por situação semelhante, a indemnização no valor de Esc.: 1.500.000$00.