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UNIÃO DE FACTO
PENSÃO POR MORTE
GRAVAÇÃO DA PROVA
NULIDADE
Sumário
1. Tendo-se a recorrente conformado com o despacho que indeferiu a declaração de nulidade da prova produzida, por deficiente gravação da prova testemunhal, não pode já o Tribunal da Relação reapreciar a questão. 2. A união de facto, tal como decorre do art. 1º, nº 1 da L. nº 7/2001, de 11.05, constitui-se quando duas pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo se juntam e passam a viver em condições análogas às dos cônjuges, ou seja, em comunhão de leito, mesa e habitação, como se de marido e mulher se tratasse. 3. Não obsta ao reconhecimento da união de facto que o casal tenha mais do que uma residência ou que a requerente tenha outro imóvel para além daquele onde habitava com o falecido. (sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO.
M intentou contra J, I, Instituto de Solidariedade e Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo que: a) se reconheça a união de facto entre a A. e o falecido G; b) se reconheça à A. o direito a uma pensão de alimentos mensal não inferior a € 500,00; c) se declare tal pensão, não podendo ser suportada pela herança deixada pelo falecido G , com o fundamento de insuficiência de bens da herança; d) deve ser declarado que a A. é titular das prestações por morte, no âmbito dos regimes de segurança social, previstas no DL 322/90 de 18.10, no Dec. Reg. 1/94 de 18.10 e al. e) do nº 3 ex vi do art. 6º da L. 7/2001 de 11.05, decorrentes da morte de G e o 3º R. obrigado a reconhecê-los, com as legais consequências; e) deve ser declarado que a A. é titular do direito ao subsídio por morte de funcionário ou agente do Estado, nos termos do DL 223/95, decorrente da morte de G e o 4º R. obrigado a reconhecê-lo, com as legais consequências.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que:
A A. viveu com G, como se casados fossem, desde 1992 até à morte deste, que ocorreu em 6.12.05, vivendo, desde 2004 em S...
Partilharam a cama, tomaram as refeições em conjunto, passearam e saíram juntos, cuidaram um do outro, e cada um contribuía com o que auferia para a aquisição de bens alimentares, vestuário e medicamentos necessários a ambos, como se de marido e mulher se tratassem, assim reconhecidos e tratados por todas as pessoas com quem se relacionavam.
A A. é reformada e tem como único rendimento a pensão de sobrevivência e reforma, no valor de € 359,24, a qual se mostra insuficiente para suportar todas as despesas essenciais para a sua subsistência.
O falecido era pensionista dos 3º e 4ª RR.
Deixou como bens a casa de habitação.
Os 1º e 2ª RR. são os sucessores do falecido.
Regularmente citados, contestaram:
- a 4ª R. por impugnação, propugnando pela improcedência da acção;
- o 3º R., por excepção, invocando insuficiência da causa de pedir, e, por impugnação, propugnando pela improcedência da acção;
- os 1º e 2ª RR., por excepção, invocando insuficiência da causa de pedir, e, por impugnação, propugnando pela improcedência da acção, pedindo, ainda, a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor dos RR, em montante a liquidar em execução de sentença.
A A. replicou, propugnando pela improcedência das excepções invocadas, bem como do pedido de condenação como litigante de má-fé, e pediu, por seu turno, a condenação dos 1º e 2ª RR. como litigantes de má fé, em multa a fixar pelo tribunal.
Os 1º e 2ª RR. responderam, propugnando pela improcedência do pedido de condenação como litigantes de má fé.
Foi proferido despacho a convidar a A. a apresentar documento comprovativo do seu estado civil e a esclarecer se tem ascendentes, descendentes, ex-cônjuges ou irmãos, ao que a A. aderiu, esclarecendo que não tem ascendentes, nem descendentes, tendo um irmão, reformado e sem condições económicas para a ajudar financeiramente, juntando, ainda, certidão narrativa de nascimento.
Dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, e elaboradas matéria de facto assente e base instrutória, que não mereceram reclamação.
Realizada audiência de discussão e julgamento, e respondida a matéria da BI, veio a ser proferida sentença, que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo os RR. dos pedidos deduzidos, e, condenou a A., por litigância de má fé, no pagamento de multa no montante de 4 Ucs e de indemnização aos RR. J e I em montante a fixar em sede de liquidação.
Inconformada com a decisão, a A. interpôs recurso, pedindo que lhe fossem facultadas as cassetes de gravação da prova.
Facultadas as mesmas, veio a A. requerer que fosse considerada nula a prova gravada efectuada nos autos, por imperceptível, e ordenada a repetição do julgamento.
Bem como apresentou alegações, no fim das quais formulou as seguintes conclusões:
1 – Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, e absolveu os RR dos pedidos deduzidos e condenou a Autora, por litigância de Má Fé, no pagamento de multa.
2 - O Tribunal “ a quo “ partiu erradamente do pressuposto que a Autora e o falecido não viviam em união de facto e que a Autora litiga de Má Fé.
3 - O vicio que leva àquela conclusão está eivado de uma errada interpretação dos factos e da prova efectuada.
4 - A prova testemunhal efectuada nos presentes autos e gravada em suporte magnético (4 cassetes), a saber cassete 1 e 2 estão imperceptíveis, cassetes que contêm depoimentos essenciais para a preparação das alegações de recurso. O que impossibilita que a Autora efectue a sua defesa, sendo por isso a prova efectuada nos presentes autos nula, o que desde já se invoca.
5 - Oportunamente, a Recorrente efectuou requerimento na 1º instância a invocar a nulidade da prova e a requerer a repetição do Julgamento. Assim, deverá ser considerada nula a prova gravada e ser reenviado o processo para novo julgamento.
6 - Considerou erradamente o Douto Tribunal Recorrido que a Recorrente não vivia com o falecido, e isto porque de acordo com o Tribunal a quo a Recorrente só pernoitava ocasionalmente em casa do falecido.
7 - Andou mal o Tribunal a quo ao considerar, que o facto de Autora ter um imóvel e o falecido outro, significar que não vivem em união de facto.
8 - Não consta da Lei 7/2001, de 11 de Maio que seja requisito para que seja reconhecida a união de facto, que o casal tenha só uma residência, ou que o Autor não tenha outro imóvel que não o imóvel onde habitava com o falecido.
9 - A interpretação feita pelo Douto Tribunal a quo violou o disposto na Lei 7/2001 de 11 de Maio.
10 - Mesmo que não se reconheça a união de facto entre a Recorrente e o falecido, ainda assim se dirá, que nunca devia a Autora ter sido condenada como Litigante de Má Fé.
11 - A Autora vivia com o falecido, mas nunca vendeu a sua casa, vindo regularmente cuidar da mesma.
12 - A Recorrente tem idade muito avançada, chamada 3ª idade, onde não existem namoros coloridos, nem com contactos íntimos. Assim existindo contactos íntimos, com regularidade, cuidando um do outro, significa que vivem como se de um casal se tratassem, ou seja, em união de facto. Ainda mais, quando a união dura mais de 14 anos, desde 1992.
13 - A Recorrente intentou a acção judicial para que lhe fosse reconhecida a união de facto, por estar convicta dos seus direitos, por se sentir esposa do falecido e por ter vivido com o mesmo, tendo cuidado um do outro.
14 - Pelo que, andou mal o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente como litigante de Má Fé.
Termina pedindo que se dê provimento ao recurso.
Foi proferido despacho, que indeferiu o pedido de declaração de nulidade da prova e repetição do julgamento.
Os 3º e 4ª RR. contra-alegaram, propugnando pela manutenção da decisão recorrida.
QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente ( art. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC ) as questões a analisar são:
1ª- da nulidade da prova produzida;
2ª- se o facto da A. ter um imóvel e o falecido outro, não impede que se conclua que viviam em união de facto;
3ª- se a A. não devia ter sido condenada como litigante de má fé.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
A – A A., M, é viúva desde 13.11.1971.
B – G faleceu a 06.12.2005 no estado civil de viúvo, com última residência habitual na S….
C - O falecido G era pensionista da 3.ª Ré com o número …. da 4.ª Ré com o número …..
D – Por vezes, a A. e o falecido partilhavam a mesma cama relacionando-se afectivamente, tomavam as refeições em conjunto, passeavam e saíam juntos.
E - A Autora cuidou, por vezes, do falecido quando este se encontrava doente e ele dela.
F – Por vezes, auxiliavam-se mutuamente.
G - A Autora é reformada, recebendo a pensão de sobrevivência e de reformada, no valor de € 359,24.
H - Suporta as suas despesas de alimentação, vestuário, medicamentos, electricidade, gás e demais despesas indispensáveis para a sua subsistência.
I - O falecido G deixou como bens o direito de 1/3 sobre a casa onde habitava sita S….
J - A A. não tem ascendentes nem descendentes.
L - Tem um único irmão, J, residente na….
M - É reformado, foi ….
N - Até à aquisição da fracção autónoma da S…, o falecido G viveu em L na.
O - Onde vivia sozinho.
P - Em S… passou a viver a partir de Outubro de 2004, ainda e sempre sozinho.
Q - A Autora sempre viveu na em L…onde hoje continua a viver.
R - A Autora e o falecido G tiveram uma relação de amizade e um relacionamento íntimo.
S - A Autora e o falecido G, ocasionalmente, passeavam juntos sozinhos e com amigos.
T - Almoçavam ocasionalmente juntos, sozinhos e com amigos.
U - A Autora pernoitava ocasionalmente e em especial em fins de semana em casa do falecido G.
V - Mantendo a Autora e o falecido G, como sempre mantiveram ao longo do seu relacionamento, as suas próprias casas onde faziam vidas totalmente separadas.
X - A Autora não tratava das roupas do falecido.
Z - O falecido G confeccionou, por vezes, as suas próprias refeições quando comia em sua casa.
AA - Almoçando ou jantando fora com regularidade com os seus próprios amigos.
AB - Cada um tratava de se vestir, alimentar e adquirir e ministrar os seus próprios medicamentos de forma separada.
AC - No período antes da sua morte e enquanto esteve doente dizia-lhe “és é um chato, vê lá se te curas para irmos para o …”.
AD - E perante terceiros dizia que “já não estava para o aturar” e que “ele era um mijão” e que “não estava para o lavar”.
AE - A Autora é proprietária plena da casa que habita na L, não possuindo quaisquer ónus ou encargos, estando integralmente paga.
AF – A A. dispõe, como sempre dispôs, de empregada doméstica uma vez por semana para o serviço doméstico.
AG - A sua casa é sita em L…, com um recheio de qualidade.
AH - A Autora sempre viveu com maior disponibilidade financeira, maior liquidez e aforro e bens que o falecido G .
AI - A A. era assídua no C… nos períodos em que se relacionava com o falecido.
AJ - A referida fracção autónoma não produz quaisquer rendimentos.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Alega a recorrente que o tribunal recorrido fez errada apreciação da prova produzida, estando, porém, impossibilitada de impugnar a decisão sobre a matéria de facto, em virtude das cassetes 1 e 2, que contém depoimentos essenciais para a preparação das alegações de recurso, estarem imperceptíveis.
Invoca, assim, a nulidade da prova produzida nos presentes autos.
Esta questão mostra-se, porém, ultrapassada, pois em requerimento prévio à apresentação das alegações de recurso, a recorrente suscitou a questão ao tribunal recorrido, que proferiu despacho a indeferir a requerida declaração de nulidade da prova testemunhal gravada, sendo que tal despacho não foi objecto de recurso, tendo transitado em julgado (art. 672º do CPC).
Tendo-se a recorrente conformado com este despacho, vedado está a este tribunal reapreciar a questão.
A 2ª questão que a recorrente coloca é a do tribunal recorrido não ter feito correcta interpretação do disposto na Lei 7/2001 de 11.05, uma vez que não consta da mesma que seja requisito para que seja reconhecida a união de facto, que o casal tenha só uma residência, ou que o A. não tenha outro imóvel que não o imóvel onde habitava com o falecido.
Efectivamente, assim é.
Não obsta ao reconhecimento da união de facto que o casal tenha mais do que uma residência ou que a requerente tenha outro imóvel para além daquele onde habitava com o falecido.
A questão é que, da matéria de facto provada, não resulta que a A. e o falecido fossem um “casal”, ou, sequer, que aquela habitasse com o falecido.
Mas vejamos.
A Lei 7/2001, de 11.05, “regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos” (art. 1º, nº 1).
Dispõe o art. 3º da referida Lei que as pessoas que vivem em união de facto nessas condições – há mais de 2 anos -, “têm direito a: e) protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei”.
E o art. 6º regula o regime de acesso às prestações por morte, dispondo, no seu nº 1, que “beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artigo 3º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constates no artigo 2020º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais cíveis”.
Por seu turno, dispõe o art. 2020º do CC, que tem por epígrafe “união de facto”, que “1. Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se não os puder obter, nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º”.
A Lei 7/2001, de 11.05, não dá qualquer definição própria do que se deva entender por “união de facto” para efeitos de aplicação desse diploma legal [1], pelo que a definição de tal situação se há-de encontrar na lei geral, ou seja, a constante do art. 2020º do CC.
Assim a união de facto, tal como decorre do art. 1º, nº 1 da L. nº 7/2001, de 11.05, constitui-se quando duas pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo se juntam e passam a viver em condições análogas às dos cônjuges, ou seja, em comunhão de leito, mesa e habitação, como se de marido e mulher se tratassem [2].
A este propósito, escreve Pereira Coelho, in RLJ ano 120, pág. 85, que “falando em vida em comum “em condições análogas às dos cônjuges”, o artigo 2020º, nº 1 do Código Civil não pode pois deixar de referir-se à comunhão “more uxorio”, em que o homem e a mulher vivem como se fossem casados, apenas com a diferença ... de que não o são, ou seja, de que não estão ligados pelo vínculo jurídico do casamento. Mantendo essa diferença fundamental em relação à comunhão conjugal, a comunhão “more uxorio” é todavia materialmente e sociologicamente igual a ela, devendo, pois, a coabitação entre os sujeitos da relação compreender os três aspectos em que se desdobra o dever de coabitação no matrimónio (art. 1672º): comunhão de leito, de mesa e de habitação”.
Para que se possa concluir que duas pessoas vivem em união de facto é, pois, necessário que resulte demonstrado que essas 2 pessoas, com carácter de continuidade, partilham a mesma casa, têm uma casa de morada comum, partilhando cama e mesa, onde vivem em situação análoga à dos cônjuges.
Para que resulte demonstrada a união de facto, é necessário que se provem factos donde resulte que essas duas pessoas formam um casal, partilhando uma economia doméstica, vivendo debaixo do mesmo tecto, ou que têm um tecto comum.
Daí a protecção consignada nos arts. 3º, al. a) e 4º da L. 7/2001, de 11.05.
Ainda que nada obste a que cada uma dessas pessoas tenha casa própria, onde, ocasionalmente, possam residir ambos ou mesmo sozinhos, o que é um facto é que tem de resultar demonstrada a continuidade de comunhão da vida em comum.
Ao contrário do sustentado pela recorrente nas suas alegações, o tribunal recorrido não considerou que a A. não vivia com o falecido apenas porque aquela referiu que sempre manteve a sua casa.
A conclusão do tribunal recorrido baseou-se em toda a matéria de facto dada como provada, que não se resumiu ao facto da A. ter a sua própria casa.
De facto, escreveu-se na sentença recorrida que “compulsados os factos assentes, logo se alcança que não resultou demonstrado que a A. manteve com o falecido G uma vivência em união de facto, em tudo análoga à dos cônjuges, por período superior a dois anos à data da morte deste. Em sentido oposto, antes se apurou que até á aquisição da fracção autónoma da Rua do , em S, o falecido G viveu sozinho em L. Em S passou a viver a partir de Outubro de 2004, ainda e sempre sozinho[3]. Já a A., sempre viveu L onde hoje continua a viver. A Autora e o falecido G tiveram uma relação de amizade e um relacionamento íntimo, por via do que, ocasionalmente, passeavam juntos sozinhos e com amigos, almoçavam, a A. pernoitava ocasionalmente e em especial em fins de semana em casa do falecido G . Mantendo a Autora e o falecido G , como sempre mantiveram ao longo do seu relacionamento, as suas próprias casas onde faziam vidas totalmente separadas” (sublinhados nossos).
Não foi, pois, o facto de cada um deles ter casa própria que foi determinante para concluir que não viviam juntos.
O que foi determinante foi o facto de ter resultado demonstrado que cada um deles tinha casa própria, onde viviam sozinhos, fazendo uma vida totalmente separada um do outro, apenas se “juntando” ocasionalmente.
E não podia ter sido outra a conclusão, perante a matéria de facto dada como provada.
Nos 2 anos que antecederam a morte de G , o mesmo viveu sempre sozinho, primeiro em L, e, depois, em S (al. N), O) e P) da fundamentação de facto).
Não viveu nessas casas com a A., que sempre viveu em L (al. Q) da fundamentação de facto).
E para além de viverem em casas separadas faziam vidas totalmente separadas, tratando cada um de se vestir, alimentar, adquirir e ministrar os seus próprios medicamentos (al. V), X), Z) e AB) da fundamentação de facto).
Não partilharam, pois, a mesma casa, tal como não partilharam as mesmas cama e mesa, em condições análogas às dos cônjuges, apenas as partilhando, ocasionalmente, fruto de uma relação de amizade e de relacionamento íntimo que mantiveram (als. D), E), R), S), T) e U) da fundamentação de facto).
Tal como, também ocasionalmente, se auxiliavam, mutuamente (al. F) da fundamentação de facto).
Esta vivência meramente ocasional, ainda que prolongada no tempo [4], não pode espelhar uma relação de união de facto [5], uma vez que não consubstancia uma vida em comum análoga à dos cônjuges [6].
Bem andou, pois, a sentença recorrida ao concluir que não resultou demonstrado que a A. manteve com o falecido G uma vivência em união de facto, em tudo análoga à dos cônjuges, por período superior a dois anos à data da morte deste, improcedendo, nesta parte, o recurso.
A última questão que a recorrente suscita é a da sua condenação como litigante de má fé, sendo certo que a fundamentar a sua discrepância com tal condenação apenas se baseia em factos que não resultaram provados.
De facto alega a recorrente que não deveria ter sido condenada como litigante de má fé uma vez que “vivia com o falecido, mas nunca vendeu a sua casa, vindo regularmente cuidar da mesma. A Recorrente tem idade muito avançada, chamada 3ª idade, onde não existem namoros coloridos, nem com contactos íntimos. Assim existindo contactos íntimos, com regularidade, cuidando um do outro, significa que vivem como se de um casal se tratassem, ou seja, em união de facto. Ainda mais, quando a união dura mais de 14 anos, desde 1992. A Recorrente intentou a acção judicial para que lhe fosse reconhecida a união de facto, por estar convicta dos seus direitos, por se sentir esposa do falecido e por ter vivido com o mesmo, tendo cuidado um do outro”.
Ora não foi isso que resultou provado, como já tivemos oportunidade de analisar anteriormente.
E, tal como se refere na sentença recorrida, a “A. vem deduzir pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, já que respeita ao modo como conduziu a sua vida pessoal, e radica na invocação de que partilhou a sua vida com o falecido G . Tendo-se demonstrado o inverso do invocado pela A., o comportamento desta é sancionado não só a título de dolo mas também de negligência grave, negligência essa que se verifica no caso em análise, já que não podia desconhecer que sempre manteve a sua casa, sempre o G manteve a dela, não se relacionando senão ocasionalmente” (sublinhado nosso).
Improcede, pois, na totalidade, o recurso.
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Lisboa, 23 de Março de 2010
Cristina Coelho
Roque Nogueira
Abrantes Geraldes
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Ao contrário da L. 6/2001 de 11.05 (que adopta medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum) que define, no seu art. 2º, o que se deve entender por “economia comum”, para efeitos de aplicação da referida Lei. [2]Pereira Coelho, in Curso de Direito da Família, Lições do Curso 1977/1978, pág. 92, refere que embora não haja “um conceito universal de casamento, já será possível descobrir uma ideia comum aos sistemas jurídicos que se inserem, como o nosso, no mesmo espaço cultural: a ideia de casamento como acordo entre um homem e uma mulher, feito segundo as determinações da lei e dirigido ao estabelecimento de uma plena comunidade de vida entre eles” (sublinhado nosso). [3] Recorde-se que o Sr. G faleceu em 6.12.2005. [4] Desconhecendo-se, porém, desde quando e durante quanto tempo, face à resposta negativa ao quesito 1º. [5] Antes reflectindo uma situação de “mero amantismo”. [6] As pessoas casadas não vivem assim.