PROCESSO DE ESPECIAL COMPLEXIDADE
Sumário

I - A lei (art.º 215.º n.º 3 do CPP) não define o que é um procedimento criminal de excepcional complexidade. Limita-se a fornecer elementos exemplificativos, indiciadores dessa realidade fáctica, como sejam o número de arguidos ou ofendidos ou o carácter altamente organizado do crime, podendo caber neste conceito outros casos de criminalidade.
II - O critério material para a declaração de excepcional complexidade tem de fundar-se em factores objectivos. O juiz terá de cingir-se ao procedimento criminal em concreto, ponderar todos os seus elementos factuais e formar a convicção de modo a proferir uma decisão prudencial fundamentada.
III - Demonstra o estado actual dos autos que estamos em presença de crime de tráfico ou outras actividades ilícitas, previsto no art.° 21.°, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o qual é punido com a pena de prisão de 4 a 12 anos e tem carácter altamente organizado.
IV - Em concreto, existe grande dificuldade em concretizar a investigação de forma célere com vista a estabelecer a linearidade das relações que os 12 arguidos mantêm entre si e com outros, ocorre a necessidade de apurar os factos que intercedem entre todos os envolvidos, número elevado e complexo de diligências de prova a decorrer e a necessidade de outras dependentes do resultado destas ainda a realizar, sem previsão de quando possam estar concluídas, com vista a que o Ministério Público possa ficar habilitado a cumprir os objectivos da investigação, da descoberta da verdade material, dos implicados, respectivas condutas e da formulação de uma decisão fundamentada.
V - Este quadro factual, face às regras da experiência comum, fundamenta materialmente a declaração deste procedimento criminal como de excepcional complexidade, nos termos do art.º 215.º n.ºs 3 e 4 do CPP.

Texto Integral

Acordam em conferência na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

A) A…, arguido nos autos acima referenciados, identificado nos autos, não se conformando com o despacho judicial de 04 de Março de 2010 que nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 215.º n.ºs 3 e 4 do CPP (Código do Processo Penal), declarou o procedimento criminal de excepcional complexidade, veio do mesmo interpor recurso, com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
a) Vem o douto despacho recorrido, declarar a especial complexidade das investigações nos termos previstos no artigo 215.° n.° 3 e 4 do CPP.
b) Entendendo o arguido que, salvo o devido respeito que é muito, existiu uma incorrecta interpretação das normas em causa.
c) Efectivamente, no douto despacho recorrido é efectuado um resumo que se centra em sete arguidos, parecendo que a investigação se centra nos mesmos.
d) No entanto, sempre se dirá que o arguido considera que a existência de 12 arguidos, 7 em prisão preventiva não é suficiente para considerar que estamos perante um processo com uma complexidade acima do comum.
e) Porquanto não basta aferir o número de arguidos para um processo ser declarado de especial complexidade.
f) O arguido não se nega que estamos perante uma investigação difícil.
g) No entanto, não se vislumbra que as dificuldades sejam especialmente acrescidas.
h) Assim sendo, entende o arguido que não deveria ser declarada a especial complexidade dos presentes autos, visto que tal declaração tem como consequência o alargamento dos prazos de duração máxima da prisão preventiva, e, salvo o devido respeito, não estão reunidos os pressupostos para tal declaração.
i) Sendo que, atentas as consequências de tal declaração, o arguido entende que só em casos restritos, precisos e de natureza extraordinária é que deverá ser declarada.
j) Nestes termos, requer-se o provimento do presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e substituição por outra que considere que não estamos perante um processo de especial complexidade.
Contudo V. Exas., Venerandos Desembargadores, apreciarão e farão como for de Justiça.

B) – O ministério Público, na 1.ª instância, respondeu e apresentou as seguintes conclusões:

   1.ª O arguido está fortemente indiciado pela prática, em co-autoria e na forma tentada, de um crime de estupefacientes agravado p. e p. pelo art.º 21.º e 24.º, ambos do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
2.ª Nos presentes autos o arguido A… é precisamente o arguido a quem foi apreendida maior quantidade de produto estupefaciente, sendo que o mesmo “abastecia” outros arguidos, também detidos nos presentes autos.
3.ª Pese embora a investigação dos presentes autos recaia sobre 7 arguidos detidos em situação de prisão preventiva, os demais 5 arguidos, não revestem somenos importância, tendo sido a sua situação processual ponderada de acordo com os indícios que foram recolhidos até à presente data, sendo a todo o momento e consoante os elementos indiciários constante na acusação as medidas de coacção aplicadas a todos os arguidos são passíveis de ser revistas, tendo em conta os critérios legalmente estabelecidos de necessidade, adequação e proporcionalidade.
4.ª Ao contrário do que pretende fazer crer o arguido A… a investigação de um crime de trafico de estupefacientes é já de per si uma investigação complexa, ou não tivesse o legislador processual penal classificado a mesma no art.º 1.º alínea m) do Código de Processo Penal como um dos ilícitos tipo que integra o conceito de criminalidade altamente organizada.
5.ª Quando se referiu o legislador penal a criminalidade altamente organizada quis obviamente referir que a investigação dessa organização “alargada” ou aumentada implica uma maior complexidade e uma maior integração e coordenação bem como cruzamento e interpretação dos elementos indiciários, nomeadamente probatórios – testemunhal e pericial – que vão sendo realizados.
6.ª Continuando a investigação, nomeadamente através do exame pericial a telemóveis apreendidos resulta a identificação de outros indivíduos que com os arguidos se relacionassem e que inclusivamente adquirissem produto estupefaciente quer ao arguido A… quer aos demais arguidos já identificados nos autos. 
7.ª Esta “teia” é aquela teia complexa que o arguido refere não existir. Mas nos presentes autos impõe-se o cruzamento de toda a informação que ainda se encontra a ser recolhida e, ao contrário do que o arguido pretende fazer crer, a ninguém, em especial ao Ministério Público interessa a eternização da investigação, mas interessa apurar completamente até que ponto se estendia a actividade de trafico de estupefacientes a que o arguido se dedicava, com junção de prova testemunhal.
8.ª As relações a apurar a existirem entre os arguidos terão de ser aquelas que se reportam antes da detenção, na medida em que continuam a ser inquiridas testemunhas.
9.ª Neste sentido da especial complexidade do procedimento criminal, citamos nós, o Acórdão dessa Veneranda Relação de 23.01.2008, referente ao Processo 10902/2007-3, que em sede de conclusões se refere: “(…) 3. Em face da actual lei processual penal, decorrente da entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 29/08, sempre que o crime investigado for o de trafico de estupefacientes, estamos pelo menos em tese e por norma , perante “crime altamente organizado” – cfr. Artº 1º alínea m) do Código de Processo Penal – e consequentemente, de acordo com a factualidade concreta em investigação, deverá ser declarada a especial complexidade da investigação, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 215º nº 3 , in fine, do mesmo diploma. (…)”.

O douto despacho recorrido não violou qualquer norma legal.
Razões pelas quais se entende que o recurso não merece provimento quanto a qualquer das questões levantadas pelo recorrente, não tendo sido violada qualquer norma legal imperativa.                                               
Vossas Excelências, porém, com mais elevado critério, farão, como sempre,
JUSTIÇA!

C) – O Exmo. Sr. Procurador Geral-Adjunto neste tribunal apôs o seu visto.

D) - Corridos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A) - O âmbito do recurso
O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelos recorrentes nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso, como se extrai do disposto nos art.ºs 403.º, 412.º n.º 1 e no art.º 410.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal[1].
Analisando as conclusões do recorrente, constatamos que a única questão a decidir resume-se a apurar se o procedimento criminal se revela de excepcional complexidade.


B) Promoção do Ministério Público com vista a ser declarado de excepcional complexidade o procedimento criminal, que se transcreve:      
   Nos presentes autos foi determinada e validada, a decisão de que as presentes investigações decorressem com exclusão da publicidade/aplicação de segredo de justiça.
   Os autos foram instaurados em 23.10.2008, contra suspeitos determinados e sem presos, pelo que o prazo legalmente previsto para as investigações é de oito meses, cujo termo ocorreu em 23.06.2009 nos termos previstos no art.º 276.º n.º 1 do CPP.
   Apesar de as diligências carreadas para o processo terem vindo a reforçar as suspeitas existentes, o certo é que não foi possível concluir o inquérito dentro de tal prazo, tendo sido constituídos arguidos e decretadas medidas de coacção a alguns deles em 11.11.2009.
   Para além dos sete arguidos que se encontram desde 11.11.2009 em situação de prisão preventiva foram constituídos como arguidos ainda outros 5 arguidos, pelo que no total e, por ora, os autos correm termos contra 12 arguidos, mostrando-se fortemente indiciada em relação a alguns deles a prática de um crime de trafico de estupefacientes agravado p. e p. pelos art.ºs 21.º e 24.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro e quanto a outros um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º do mesmo diploma legal.
   A manutenção do regime de segredo de justiça mostra-se importante para a descoberta da verdade e para o êxito das diligências que se seguirão, de forma a garantir a respectiva eficácia, tendo ainda em conta os interesses da investigação (que impõem que quaisquer diligências de recolha de prova não sejam dadas a conhecer aos visados, neste momento).
   Está em causa a investigação de uma rede de tráfico de droga, e as razões que determinaram a aplicação de segredo de justiça ainda se mantêm, visando a mesma apurar em que termos concretos os arguidos levavam a cabo tal actividade e qual o grau de organização e concertação entre todos eles, na medida em que actuavam em diversas localidades da comarca e concelho de Sintra, para assim conseguirem maior eficácia na distribuição e consequentemente maior lucro na venda.
   Neste momento mantêm-se em aberto todas as suspeitas denunciadas, havendo que dar continuidade às investigações de forma a colher elementos para o cabal esclarecimento da verdade.
   Só o resultado de ulteriores diligências de recolha de prova permitirá a confirmação ou afastamento das suspeitas que determinaram a instauração deste inquérito.
   No caso em apreço, importa ainda apurar dos telemóveis dos arguidos e identificação de consumidores de estupefacientes, cujos contactos constam desses mesmos objectos apreendidos e qual o âmbito de actuação dos arguidos.    
   Reconhece-se que as investigações não poderão eternizar-se ou decorrerem para além de um prazo razoável, até pelos limites da prisão preventiva. 
   Os crimes em investigação encontram-se abrangidos pela previsão do art.º 215.º n.º 2 do C.P.P.
Pelo exposto, e conforme resulta também das promoções e despachos judiciais proferidos ao longo do processo, entende-se que a investigação do presente inquérito se revela, em concreto, uma investigação de excepcional complexidade, nos termos e para os efeitos estabelecidos no art.º 215.º n.º 3 e 4 do CPP.
Na verdade o número de arguidos envolvidos, o acervo de exames periciais aos telemóveis e aos seus conteúdos, posterior análise e identificação dos consumidores e sua inquirição como testemunhas, está a revelar-se de especial complexidade na sua recolha e junção aos autos para conclusão do inquérito.
Como já se referiu, neste momento, o prazo inicial de oito meses para a aplicação de segredo de justiça, resultante das recentes alterações ao Código de Processo Penal, expirou, sem que as investigações estejam concluídas.
Contudo, nas alterações introduzidas no Código de Processo Penal, verifica-se que ao contrário da sua real intenção e de forma incoerente, o legislador nada disse quanto à possibilidade de elevação do prazo de oito meses referido no n.º 1 do art.º 276.º do CPP, nos casos em que não há arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação.
Ora, admitindo o legislador o alargamento dos prazos de inquérito nas situações em que existem arguidos presos, se se verificarem as situações previstas no n.º 2 do art.º 276.º do CPP, por maioria de razão, há que interpretar o referido preceito no sentido de que o prazo de oito meses, é elevado para 1 ano quando, independentemente do tipo de crime, o processo se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do art.º 215.º, e para 12 meses, nos casos referidos no n.º 3 do art.º 215º, com referencia ao seu n.º2 , do CPP, sob pena de se admitir que o alargamento dos prazos não está relacionado com a complexidade das investigações e que só pode ser alargado se existirem arguidos detidos.
Sendo este o entendimento que temos defendido para processos que se encontrem nestas condições.
Assim, considerando que:
a. Os crimes em investigação se encontram abrangidos pela previsão do art.º 215.º n.º 2 al. al. e) do C.P.P.;
b. a investigação se revela de excepcional complexidade e que se mantêm os fundamentos de facto e de direito que determinaram a tramitação do processo sob segredo de justiça, por se verificarem os respectivos pressupostos legais e para os efeitos previstos no art.º 276.º n.º 2 al. c) promove-se que:
1- a. seja declarada a excepcional complexidade das investigações, nos termos previstos no art.º 215.º n.ºs 1, 2 e 3 do CPP, nomeadamente para os efeitos do disposto no art.º 89.º n.º 6 do CPP.
b. seja declarada que como decorrência da excepcional complexidade das investigações, nos termos previstos no art.º 215.º n.º 1, 2 e 3 e 276.º n.º 2 al. c) do CPP, nomeadamente para os efeitos do disposto no art.º 89.º n.º 6 do CPP, alargando-se o prazo em que vigora o segredo de justiça até 11.11.2010.

C) A decisão recorrida, que se transcreve:
   DECLARAÇÃO DE EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE DE PROCEDIMENTO CRIMINAL
O Ministério Público requereu, nos termos do disposto no art° 215°, n°s 3 e 4, do CPP, a declaração de excepcional complexidade do presente processo.
De entre os arguidos, sendo que todos foram notificados para se pronunciarem, apenas o arguido A… veio a pronunciar-se, opondo-se, aduzindo, em síntese, os seguintes argumentos:
Não se poderá eternizar a investigação já que até ao trânsito em julgado de uma decisão definitiva apenas estaremos perante suspeitas (...);
(...) estamos perante 12 arguidos, sete dos quais em prisão preventiva, não sendo um número mediano de arguidos suficiente para fundamentar a especial complexidade.
Importa decidir.
De acordo com o disposto no art° 215°, n° 3, do CPP, os prazos referidos no n.º 1, desse preceito legal são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
Nestes autos vem sendo investigado o crime de tráfico ou outras actividades ilícitas previsto no art° 21.°, do DL 15/93, de 22JAN.
Refere o arguido que se pronunciou que o número de arguidos, em concreto, é "mediano" por se tratar de "12 arguidos, sete dos quais em prisão preventiva".
Não compreendemos o conceito de número "mediano" de arguidos.
Consideramos, porém, que 12 arguidos, encontrando-se sete na situação de prisão preventiva, é circunstância denunciadora de complexidade acima do comum considerando o universo de investigações pendentes nesta comarca que, note-se, é a Comarca da Grande Lisboa Noroeste, uma das mais populosas do país.
Ao considerar que o número de arguidos poderia ser um critério indiciador de especial complexidade de uma investigação, o legislador teve, seguramente, em mente, que esse número elevado de arguidos tornaria mais morosa a investigação relativamente às ligações entre eles, com vista a esclarecer os fenómenos criminógenos da comparticipação, assim como uma maior morosidade da recolha de elementos probatórios sobre cada um dos arguidos, bem se sabendo, mormente em investigações por tráfico de estupefacientes como é a presente, que a investigação, em separado, de cada um deles conduziria a resultados insatisfatórios no que respeita à eficácia do combate a este tipo de criminalidade.
Recentemente, em despacho proferido a propósito da revisão da medida de coação de prisão preventiva, procurámos esquematizar a complexa teia de relações entre os arguidos envolvidos nestes autos, tal como passaremos a reproduzir, para melhor compreensão, do tipo de estrutura organizativa que foi possível identificar até ao presente momento.
Na ocasião escrevemos assim como consta já dos autos: Os arguidos:
B…; C…; D…; A…; E…; F…; e G…
encontram-se sujeitos à medida de coacção de prisão preventivamente desde 10/11/2009.
Indícios:
Os fortes indícios contra os arguidos relativamente aos crimes de que são indiciados resultam de:
Os pressentes autos tiveram início com informação lavrada por elementos da Brigada Territorial n° 2, da Guarda Nacional Republicana, Grupo Territorial de Sintra onde se dava notícia que: "na localidade de Montelavar, concelho de Sintra, existem indivíduos que se dedicam à venda de estupefacientes a diversos consumidores daquela localidade e das localidades vizinhas".
A notícia data de 07 de Outubro de 2008 e, então ainda com poucos elementos concretos sobre a identificação dos agentes do crime ou respectivo envolvimento fez desencadear a investigação, vindo a culminar com a realizações de intercepções telefónicas, vigilâncias policiais, buscas e apreensões.
No dia 31/10/2009, pela 01:05:23, C… liga ao N…, pedindo o carro emprestado para ir ao Cacém e que é urgente. Trata-se de um simples gesto de simpatia de N… ao C…, o empréstimo de um carro?
Afigura-se-nos que não, não só pela hora tardia que se pede um carro emprestado a um amigo com o qual não se tem especiais ligações, mas também pelo seguimento das intercepções telefónicas.
Com efeito, alguns dias mais tarde, no seguimento das intercepções, C… e N…, são sucessivamente surpreendidos no planeamento da sua actividade de tráfico.
Desta feita, a conversa é bem mais explícita e demonstra que o envolvimento é recíproco e o objectivo do lucro a a partir do tráfico de estupefacientes é também um objectivo intimamente partilhado.
Trata-se da sessão 1850, transcrita a fls. 1298, realizada no dia 06/11/2009, pelas 05:53:51 (fls. 1298), C… liga a N…, com o seguinte teor: C… liga para o N… e pergunta onde é que ele está.
N… diz-lhe que estava dormir, C… diz ao N… que se fartou de lhe ligar para irem comparar a cena e que entretanto o D… já lá foi buscar as cenas, que depois vão lá eles os dois, N… diz ao C… que tem um conhecido seu lhe vai arranjar uma cenas e C… pergunta se é a consignação.
N… diz-lhe que tem que pagar, mas que o outro homem ainda tem que a ir buscar. C… pergunta ao N… se é o homem que a cozinha e o N… diz que sim.
C… diz ao N… que é assim que eles ganham mais dinheiro que também tem que começar a fazer isso também o problema é se a cena não presta.
N… diz que se não prestar devolve-se, N… diz ao C… que o homem lhe disse para ligar por volta do meio-dia a ver se já tinha.
Note-se que esta conversa entre estes dois arguidos, referindo ainda ao arguido D…, ocorre por volta das cinco da madrugada sendo que C… refere estar já 'farto" de ligar ao N… — veja-se ainda auto de apreensão fls. 1160 a 1172.
N… indica um fornecedor ao C…. Discutem sobre o modo de pagamento da "cena" e do modo de a tornar rentável: é preciso que sejam os próprios a cozê-la pois só assim ganham mais dinheiro. Se a "cena" não prestar devolve-se.
Isto é, C… e N…, determinam um fornecedor, acertam o modo de pagar o preço, ponderam a forma de tornar o produto mais rentável (logo destinam esse produto à venda a terceiros) e combinam quando e como deve o produto ser levantado no fornecedor: ao meio dia é suposto que liguem ao fornecedor para saber se já tem o produto para a entrega.
A conversa ocorre pelas 6 da madrugada (hora a que segundo C… já deveriam ter ido comparar a "cena") e, é suposto que ocorra um novo contacto ao meio dia, (em pleno horário laboral, para quem usualmente trabalha de modo lícito, note-se).
Nesse mesmo dia, 06/11/2009, já pelo meio dia (sessão 1818), C… "liga a um indivíduo e este pede-lhe se pode passar em casa dele, que ele mora ao pé da farmácia rato, C… pergunta onde é que fica isso, o indivíduo responde se ele se lembra onde uma vez ele deixou o H…, C… diz que sim, individuo pede-lhe para levar duas" — parece indiciar-se que C… combina uma transacção pois, neste contexto, sendo certo que posteriormente as "cenas" apreendidas na intervenção policial revelaram-se como sendo produto estupefaciente (como adiante se especificará), outra conclusão não será razoável à luz das mais elementares regras da experiência comum a que, por força do disposto no arte 1272, do CPP, o juiz está adstrito — já que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Seria ocioso pretender esgotar aqui as transcrições que se encontram reportadas a fls. 1299 (1899, 1909, 1913, 1926, 1927, 1928, 1929, 1930, 1931, 1933, 1934, 1935, 1936), todas elas indiciam da parte do arguido C… um forte envolvimento no tráfico de estupefacientes, pelo número e intensidade de transacções que vai combinando às mais variadas horas do dia.
Impõe-se, no entanto que se questione se este arguido desenvolveria tal actividade de modo isolado e de tal forma que se pudesse considerar sensivelmente diminuída a ilicitude de todos que com ele, de comum acordo, com um objectivo comum, partilhando o poder de decisão, como acima se destacou, participavam neste tráfico.
E, mais uma vez, a conclusão não poderá ser outra que não a negativa.
Na sessão 1976, reportada a fls.1300, ocorrida a 06/11/2009, desta feita pelas 17:12:43 horas, surpreendemos a interpelação de C… a N…, em moldes que denunciam a habitualidade e frequência da actividade partilhada: "C… liga para o N… e diz-lhe para ir sem o D… buscar a cena, para ele se despachar que é para dividirem a cena antes da mãe do C… chegar a casa."
Nos mesmos termos, sessão 1987, 2005, 2012, 2014, 2061, ocorridas a 06/11/2009, em horas sucessivas entre as 18:15 e as 23:32 (fis. 1300) que se prolongam para o dia 07/11/2009, das 2 Horas, passando pelas 8 horas, cruzando as 12 horas, 13 horas e 40 minutos, 15 horas (desta feita com a intervenção de N… (2297, fls. 1304), 16 horas, 17 horas, 18 horas, 21 horas... 2 horas do dia 8/11/2009, terminando pelas 18:06 horas, porque então foram interrompidas as escutas que retratam este segmento da vida dos arguidos pontualmente referidos...
Neste ponto, não se poderá evitar a transcrição para que não se suscitem dúvidas quanto à transparência da decisão e aos indícios considerados:
"C… liga ao D… e diz-lhe para ir rápido a casa que deixou uma "pedra" dentro de uma chávena que está em cima da mesa do computador, antes que a irmã chegue a casa e pense que aquilo é outra coisa e deite fora."
"Individuo pergunta ao C… se ele está lá, C… diz que sim e pergunta se é no mesmo sítio, indivíduo diz que sim, C… diz que está lá em cinco minutos."
"I… liga para o C… e diz que já tem a garantia que tem aquilo segunda-feira mas se hoje não dava para dispensar nada, C… diz que sim. Pergunta se pode ser duas, I… diz três era melhor, como vem ai o fim-de-semana, C… diz que sim e que já lá passa no mesmo sítio.
"C… liga para o B… B… pergunta se ele pode passar no campo da bola, C… diz que sim."
"Oi, como é, dá para vires ter comigo ao mesmo sítio de hoje à tarde? são 2."
"Ya, dá."
"Quanto tempo demoras?"
"0k, tou là à tua espera então. Fala com o B…, o B… pergunta se dá para ir ter com ele outra vez, uma volta igual"
"C… diz que vai ligar ao primo, B… pergunta onde é que ele quer que vá ter, C… diz-lhe que nas bombas da BP das Mercês"
"B… diz que está bem e pede para dizer ao primo (D…) para ele ir no mesmo sítio que uma vez esteve com o I…."
"C… liga ao D… e diz para ele para ir ter com o B… e para levar 5 e diz que é fiado" "D… fica chateado, C… diz que é na boa." "B… pergunta como é que é?"
"C… diz-lhe que o D… está mesmo a chegar. liga para o D… e diz que o B… está ao pé dos caixotes do lixo, D… diz que está bem."
"J… liga para o C… e pergunta se ele está na zona, C… pergunta se ele quer alguma cena, ele diz que sim, C… diz ao J… para ir ter aos caixotes que o primo dele está lá (D…)"
"C… liga para o J… e pergunta onde é que ele está, loca diz que está ao pé dos semáforos, C… diz para ele ir mais para baixo, que o primo está mais em baixo. "
"Olha a miúda que está comigo está a perguntar se não lhe arranjas 3 por 20 euros por ser a primeira vez que te vai comprar...e posso dizer-te que ela é boa cliente como eu...responde para o meu...ass B…".
Quanto ao arguido B…, veja-se ainda o teor das declarações prestadas por L…, a fls. 1240 a 1243, relativas às aquisições deste arguido de quantidades de pólen de haxixe superiores àquelas que seriam de supor destinarem-se ao consumo próprio e imediato.
De novo, desta feita a fls. 1245 a 1247, nas declarações prestadas por M… (que declarou ser companheira de B… com quem vive maritalmente ela própria consumidora de estupefacientes sempre fornecido por este arguido), o arguido B… é mencionado não como simples consumidor desse estupefaciente mas também como vendedor, bem como de vendedor de cocaína que submetia ao processo de "cozedura"; assim se compreendendo as quantidades que ía adquirindo.
Como repetidamente se vem afirmando na jurisprudência dos nossos tribunais superiores e, aliás, resulta expressamente do art° 187°, inserido no Capítulo IV, Título Ill, Dos meios de obtenção de prova, as escutas telefónicas, são isso mesmo: meios de obtenção de prova e não meios de prova directa.
"A intercepção e gravação de conversações telefónicas não constituem, no sentido técnico, meios de prova, através exclusivamente do conteúdo de uma conversação interceptada, e sem a concorrência dos adequados meios de prova sobre os factos, não se poderá considerar directamente provado um determinado facto, que não seja a mera existência e o conteúdo da própria conversação - Ac. do STJ de 7/1/2004, proc. n.° 03P3213, disponível em http://www.dgsi.pt4stj.nsf/.
A aquisição processual que a intercepção permite, não poderá, enquanto tal, na dimensão valorativa da prova penal em audiência, ser considerada mais do que princípio de indicação ou de interacção com outros factos, permitindo, então, deduções ou interpretações conjugadas no plano autorizado pelas regras da experiência para afirmação da prova de um determinado facto.
Os dados recolhidos na intercepção de uma conversação, apenas enquanto tais, não podem constituir, nesta dimensão probatória, mais do que elementos da construção e intervenção das regras das presunções naturais como instrumentos metodológicos de aquisição da prova de um facto.
E, com efeito, com as transcrições acima elencadas não se pretende, directamente, indiciar os arguidos da prática do crime de tráfico.
Contudo, facto objectivo e inegável é que, nestes autos, como resulta dos autos de apreensão, foram apreendidos aos arguidos, não só produto estupefaciente mas também diversos objectos e artigos utilizados para a cozedura, divisão e preparação para a venda de estupefaciente em doses individuais — fls. 1075, 1077, 1080, 1089 e seguintes, 1114 a 1122.
Impõe, pois, o já referido art.° 127.°, do CPP, que se conclua que as "cenas" e outras referências utilizadas pelos arguidos reportam-se a produto estupefaciente, indicando os contactos interceptados, que os arguidos não lidavam apenas com as quantidades de estupefaciente que naquele segmento da vida lhes foi concretamente apreendido e que, pela sequência temporal dos contactos telefónicos e deslocações para transaccionar esses produtos, essa actividade ocupava grande parte do seu tempo útil, nomeadamente durante o horário normalmente laboral, com uma intensidade que, razoavelmente, faz acreditar não poderem ser considerados como bons documentos tendo em vista a demonstração do contrário.
Os fortes indícios da prática pelos arguidos N…, B…, C… e D…, estes de comum acordo e envolvimento semelhante, embora com ligeira preponderância organizativa a pender para o arguido C…, de um crime p. e p. pelo art.° 21.º , do DL 15/931 são, assim, inequívocos,.
No segmento mais elevado, embora interligados com os primeiros, já acima referidos, como adiante se concretizará, posicionam-se os arguidos A…, E…, F… e G….
Quanto ao arguido A… (fls. 1131 a 1156), para além do mais, foram localizados e apreendidos na sua residência da Av° dos …, n°…:
três balanças digitais de precisão;
- um revólver;
uma pistola;
4165,00€;
4,8g de cocaína;
- 65,1g de cocaína;
- 15 carteiras de Redrarte;
176,7g de heroína;
pedaços de plástico;
três embalagem de amoníaco.
Repare-se ainda, na apreensão efectuada na residência sita na Rua Dr° …, n° …, Mem Martins, composta de quatro quartos, uma cozinha, uma casa-de-banho, duas despensas e um hall. Onde residiam:
- E…; G… e F… - cfr. autos de preensão de fls. 1179 a 1210:
05 (cinco) pacotes de Cocaína, com o peso total de 0,4 grs., os quais se encontravam espalhados no chão da varanda;
um canivete com cerca 16 cm de comprimento sendo 6crn de lamina com área de corte;
duas tesouras, no chão da varanda;
vinte e dois pedaços de recorte de saco de plástico, vulgarmente utilizados para embalagem individual de produto estupefaciente...
um saco de plástico contendo diversos pedaços de plástico recortado;
46 pacotes de cocaína com o peso de 4,5g, bem como diversos peços de cocaína com o peso de 0,9g, no fundo de um saco azul, na varanda;
uma lâmina de barbear;
uma embalagem de amoníaco;
um fogão de campismo;
um saco de plástico do qual foram efectuados recortes; diversos telemóveis;
0,6 pacotes de cocaína com 0,6g;
0,8g de haxixe;
sacos de plástico recortados;
As fotografias constantes dos autos são elucidativas do modo como estes objectos foram encontrados, em vários pontos da casa, com maior ou menor incidência nos quartos ocupados pelos arguidos, denunciando uma actividade partilhada destes na detenção, partilha e escoamento, por venda, do produto estupefaciente apreendido.
É certo que se poderá afirmar que "uma tesoura é só uma tesoura", "pedaços de plástico são só pedaços de plástico", "uma lâmina de barbear é para fazer a barba", "um frasco de amoníaco é para... lavar o chão (?)", "dois maços com notas embaladas contendo 890 € e 580 €, por baixo do colchão da cama, ou 4.165,00 € são produto de trabalho árduo", "um fogão de campismo é para fazer o almoço"...
Nenhuma destas afirmações será razoável se atentarmos no modo como os objectos foram encontrados (fls. 1152) — espalhados pelo chão da varanda, em conjunto — e, se tivermos como pressuposto da experiência da vida que a cocaína pode ser preparada para venda com recurso ao amoníaco, utilizando-se um fogão de campismo e embalada em pedaços de plástico, recortados com o uso de uma tesoura.
Com estes pressupostos é legítimo e exigível que se conclua que os arguidos encontravam-se a preparar cocaína para venda e que o dinheiro era produto da venda de estupefaciente, factos cuja prática está vedada pelo art.° 21.º, do DL 15/93, de 22JAN, onde se prevê uma punição genérica de 4 a 12 anos de prisão para os respectivos agentes.
Em interrogatório judicial os arguidos — aqueles que pretenderam prestar declarações — declararam, com interesse para a presente decisão e conjugação com os já referidos elementos:
A…:
"Tinha na sua posse o revólver Taurus com 4 munições, uma pistola de alarme, o dinheiro e a droga referida nos autos, assim como os diversos utensílios para a preparação do estupefaciente, respondeu afirmativamente. Mais declarou que roubou esses artigos a um Guineense na Amadora. Esclarece que ao Guineense roubou o produto estupefaciente. Não sabe o nome do Guineense. O revólver comprou já municiado com 4 munições no Rossio a um cigano. A pistola de alarme também comprou a um cigano no Rossio. Como não conhecia ninguém pediu aos arguidos D… e C… que o ajudassem a vender esse produto estupefaciente. Os 4675€ eram produto da venda de cocaína e heroína. Veio para Portugal há cerca de 2 anos. O amoníaco e as balanças eram para coser a cocaína e dividir em doses o estupefaciente. Dava a droga ao C… e ao D…, eles iam vender e traziam dinheiro. Entregava o estupefaciente ao D… e ao C… a um preço que previamente fixava. Para entregar o estupefaciente ao C… e ao D… encontravam-se junto a uma rotunda ou num parque de estacionamento junto à casa onde vivia."
F…:
"Tinha o produto estupefaciente que vem referido no auto de apreensão e mencionado a fis 1344. Encontrou a cocaína nas escadas do prédio onde reside, num saquinho. Esses pacotes dentro de um saco maior. Conhece o D… o N…… o E… e o P…. Não conhece o G…. Vivia na residência onde se encontravam, junto com o P… e o E…, há seis meses. Nada sabia da vida do E… e do P…. O D…, o C…, e o N… costumam ir a casa do P… visitar, almoçar. Não vão lá comprar heroína e cocaína."
N…:
"O produto estupefaciente encontrava-se no interior do seu carro AO que tinha sido utilizado no dia anterior pelo D…. Não sabia que o D… andava com drogas. O D… e o C… já lhe tinham perguntado se queria trabalhar na venda de droga tendo respondido que não. Trabalha na Penha Longa em limpezas. Não foram o C… e o D… que lhe entregaram a cocaína para vender. E conhecido por "…". Confrontado como teor das sessões 119, 1850,1978, 2294, 2297, declarou que o número de telefone 96... pertence-lhe mas desconhece qual seja o teor das conversas que lhe foram transmitidas."
G…:
"Admite que já vendeu drogas, tendo deixado de o fazer há cerca de 2 semanas. Vendia "branca cozida". Isso aconteceu porque o A… disse-lhe que tinha roubado a droga e pediu-lhe que a vendesse. Vendeu cerca de 12 a 15 pacotes a 10€ cada um a indivíduos de que desconhece o nome na Tapada das Mercês nas proximidades da sua residência. Confrontado com a sessão número 120 refere que sim se tratava de droga, que os pacotes lhe foram pedidos pelo D…, mas que já nada tinha porque tinha devolvido ao "…". Confrontado com a sessão 1553 respondeu que estava a gozar com o C… uma vez que já tinha devolvido a droga ao ….. Confrontado com a sessão 645 respondeu que o C… foi ter com ele para preparar 50 € de droga. No entanto respondeu ao C… que no quarto dele não faria, teria de fazer isso longe do seu quarto pois não queria ter nada a ver com isso. Confirma a conversação registada na sessão 919 esclarecendo que sim mas que apenas estava a perguntar … se tinha droga. Confirma a sessão 961 esclarecendo que pretendia que … lhe entregasse de novo a droga que lhe tinha devolvido. Confrontado com a sessão 1768 confirma que sim mas esclarece que apenas estava a aconselhar para que não andassem a fazer aquilo. Reside em Portugal há cerca de 3 anos."
A conclusão que se retira das transcritas declarações, conjugadas com os demais elementos acima já referidos é a de que, efectivamente os arguidos relacionavam-se todos entre si na prática do tráfico de estupefacientes.
As contradições entre a intervenção que vão admitindo e as evidências dos demais elementos, é esclarecedora e ilustra a incoerência dos trechos em que, para cada um deles, respectivamente, procuram encontrar um papel mais desculpabilizador.
Estes elementos de que mais uma vez nos socorremos indicam que existem relações entre os arguidos e contactos por eles estabelecidos que necessitam de maior aprofundamento.
É intensa a actividade dos arguidos, revelada nas intercepções telefónicas, realizadas a todas as horas do dia e ao longo de todo o dia, que revelam uma especial dedicação à actividade de tráfico bem como canais para abastecimento e escoamento de estupefaciente (repare-se, a mero título de exemplo, que mesmo na versão apresentada pelos arguidos N… e G…, os arguidos D… e C… estariam a tentar recrutar mais vendedores, muito embora a já referida posição desculpabilizante destes arguidos quanto a eles próprios não possa ser acolhida, pela intensidade com que são surpreendidos na preparação das transacções).
Desde o início das investigações que é referido um grupo que se dedica ao tráfico não só na localidade de Montelavar como também nas localidades vizinhas.
As intercepções telefónicas vieram estabelecer algumas ligações entre os arguidos, permitiram a localização de outras arguidos que telefonicamente não haviam sido sequer identificados, o que aconselha cautela e aprofundamento da investigação compatível com o conceito de excepcional complexidade que vem requerido pelo Ministério Público e que se concretiza pelos fundamentos expostos.
Face ao exposto é inquestionável que os presentes autos revestem carácter de excepcional complexidade que não se aplica unicamente à presente fase processual mas também a todas as outras (de natureza facultativa ou obrigatória) por que vier a passar o presente procedimento criminal.
*
Pelo exposto, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 215.°, n.°s 3 e 4, do CPP, declaro o presente procedimento criminal de excepcional complexidade.
Notifique (fim de transcrição).

D) – Resulta ainda dos autos que:                                                                                
   - Em 18.02.2010, foi solicitado ao MMº JIC o exame pericial aos telemóveis dos arguidos em número de 23 aparelhos telefónicos.
   - Posteriormente a estes exames foi já solicitado às operadoras telefónicas que fornecessem a identificação dos titulares dos cartões telefónicos para posteriormente serem inquiridos.
   - Consigna-se ainda que me foram apresentados em mão os autos que na presente data são constituídos por 10 volumes, com 2 748 páginas.
   - Foram já inquiridas 38 (trinta e oito testemunhas), muitas delas consumidoras do estupefaciente vendido pelos arguidos.
   - Os autos encontram-se ainda a aguardar resposta de uma operadora de serviço móvel relativamente a 50 (cinquenta) números de telefone (cartões telefónicos) extraídos das memórias dos vários telemóveis, da operadora Portugal Telecom, 10 (dez) números de telefone, conforme fls. 1777 dos autos.
   - Também a fls. 1778 dos autos, se encontram identificados 27 (vinte e sete) cartões telefónicos que se encontram a aguardar informação a prestar por parte de operadora de serviço móvel sobre os titulares dos cartões telefónicos.
   - Assim que identificados, os titulares dos cartões, estas pessoas terão de ser inquiridas a fim de apurar as ligações com os arguidos.
   - Encontram-se ainda os autos a aguardar os exames toxicológicos às substâncias estupefacientes apreendidas aos diversos arguidos, nomeadamente do grau de pureza dos mesmos. Estes exames são determinantes na medida em que foi apreendido amoníaco em casa de pelo menos dois arguidos, o A… (que além do amoníaco ainda tinha “substância de corte” – “Redrate”), B… e tal como o arguido E… também eram possuidores de amoníaco.
   - Falta ainda juntar aos autos o exame de objectos utilizados pelos arguidos para a cozedura de produto estupefaciente, nomeadamente na residência do arguido A…, ora recorrente.
   - A recolha de prova testemunhal neste tipo de ilícito é fundamental e existem muitas pessoas, cuja identidade ainda é preciso apurar, que poderão ter que prestar depoimento sobre os factos em investigação, sendo que a prova em julgamento assenta não só em apreensão de estupefacientes, objectos relacionados com tal actividade, intercepções telefónicas, mas devido ao principio da imediação passa e muito pela prova testemunhal em sede de julgamento.
  
***
 Os prazos referidos no n.º 1 do art.° 215.° do CPP, são elevados, ex vi do n.º 3 deste mesmo artigo, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no seu n.º 2 e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
Nestes autos está a ser investigado o crime de tráfico ou outras actividades ilícitas, previsto no art.° 21.°, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o qual é punido com a pena de prisão de 4 a 12 anos.
O art.º 1.º alínea m) do CPP considera, para efeitos do Código de Processo Penal, criminalidade altamente organizada, as condutas que integrarem, além do mais que ao caso não interessa, o crime de tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas.
Assim, o crime em investigação nestes autos, integra-se na previsão normativa do art.º 215.º n.º 3 do CPP.
A questão a apurar neste recurso consiste, como já referimos, em saber se estamos perante um procedimento criminal de excepcional complexidade, como decidiu o despacho sob escrutínio ou se de um processo em que a investigação é difícil, como reconhece o arguido/recorrente na conclusão f).
A lei (art.º 215.º n.º 3 do CPP) não define o que é um procedimento criminal de excepcional complexidade. Limita-se a fornecer elementos exemplificativos, indiciadores dessa realidade fáctica, como sejam o número de arguidos ou ofendidos ou o carácter altamente organizado do crime, podendo caber neste conceito outros casos de criminalidade[2].
O critério material para a declaração de excepcional complexidade tem de fundar-se em factores objectivos. O juiz terá de cingir-se ao procedimento criminal em concreto, ponderar todos os seus elementos e formar a sua convicção de modo a proferir uma decisão prudencial fundamentada.
Já antes da revisão do CPP operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (e respectivas rectificações) o Supremo Tribunal de Justiça[3] entendia que a noção de "excepcional complexidade do artigo 215.º, n.º 3 do CPP está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz, no essencial, em avaliação prudencial sobre factos.
 A excepcional complexidade constitui uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento, enquanto conjunto e sequência de actos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento.
A conclusão sobre a excepcional complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilização dos meios.
A decisão sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderação de elementos de facto e não nas questões de interpretação e aplicação da lei, por mais intensas e complexas que sejam”.
A declaração de excepcional complexidade visa a continuação da investigação para a realização das diligências necessárias, que se não fora aquela declaração, não podiam ser feitas no prazo legalmente estabelecido.
Tem como finalidade necessidades de investigação criminal em que, havendo arguidos em prisão preventiva à ordem do processo, como é o caso dos autos, o prazo de duração máxima da prisão preventiva, não é expectavelmente suficiente para se ultimar a investigação, mormente com vista a um juízo completo e tempestivo sobre a formulação de despacho acusatório, sob pena de virem a gorar-se as finalidades do inquérito, e eventual defraudação da busca da verdade material[4].
A declaração de excepcional complexidade é uma medida cautelar, um compromisso necessário do legislador, em política criminal, de forma a estabelecer o equilíbrio entre a necessidade de combate ao crime e perseguição dos criminosos, em certos ilícitos mais graves catalogados por lei - através dos meios processualmente válidos inerentes à investigação criminal - e, os direitos ou garantias do cidadão arguido, em prisão preventiva, além de se circunscrever no âmbito do processo justo, em que a elevação do prazo de duração máxima da prisão, não é arbitrária mas contida pelo princípio da legalidade, considerado esse prazo, assim elevado, suficientemente idóneo à realização das diligências necessárias à ultimação do inquérito.
É o que demonstram os factos deste procedimento criminal.
A excepcional complexidade do processo encontra fundamento na factualidade supra referida: na promoção a requerer a declaração de excepcional complexidade; no despacho recorrido e nos elementos por nós recolhidos na análise dos autos (alínea D) supra.
   Ponderando toda esta factualidade, nomeadamente: a necessidade de efectuar exame pericial aos telemóveis dos arguidos, em número de 23 aparelhos telefónicos;
   - Obter informação junto das operadoras telefónicas no sentido de fornecerem a identificação dos titulares dos cartões telefónicos – o que nem sempre é obtido com a celeridade que um processo urgente requer - para posteriormente serem inquiridos – com as demoras daí advenientes para fazer comparecer as pessoas;
   - Analisar 10 volumes, com 2 748 páginas, até ao momento.
   - A inquirição de 38 (trinta e oito testemunhas), muitas delas consumidoras do estupefaciente vendido pelos arguidos.
   - Ter que aguardar resposta de uma operadora de serviço móvel relativamente a 50 (cinquenta) números de telefone (cartões telefónicos) extraídos das memórias dos vários telemóveis, da operadora Portugal Telecom, 10 (dez) números de telefone, conforme fls. 1777 dos autos.
   - 27 (vinte e sete) cartões telefónicos que se encontram a aguardar informação a prestar por parte de operadora móvel sobre os titulares dos cartões telefónicos.
   - Assim que identificados, os titulares dos cartões, estas pessoas terão de ser inquiridas a fim de apurar as ligações com os arguidos.
   - Encontram-se ainda os autos a aguardar os exames toxicológicos às substâncias estupefacientes apreendidas aos diversos arguidos, nomeadamente do grau de pureza dos mesmos. Estes exames são determinantes na medida em que foi apreendido amoníaco em casa de pelo menos dois arguidos, o A… (que além do amoníaco ainda tinha “substância de corte” – “Redrate”), B… e tal como o arguido E… também eram possuidores de amoníaco.
- Falta ainda juntar aos autos o exame de objectos utilizados pelos arguidos para a cozedura de produto estupefaciente, nomeadamente na residência do arguido A…, ora recorrente.
- O número de arguidos (7 presos preventivamente desde 10.11.2009 e 5 em liberdade), conjugado com a natureza do crime e a dificuldade em concretizar a investigação de forma célere, face à necessidade de apurar os factos que intercedem entre todos os envolvidos.   
   Este quadro factual, face às regras da experiência comum, torna essencial a recolha de prova testemunhal, ainda a identificar, pois neste tipo de ilícito é fundamental, porquanto o negócio da “droga” funciona em teia, sendo que a prova em julgamento assenta não só em apreensão de estupefacientes, objectos relacionados com tal actividade, intercepções telefónicas, mas devido aos princípios da imediação e da oralidade passa, e muito, pela prova testemunhal em sede de julgamento, a qual se revela indispensável produzir também em fase de inquérito, com vista a que o Ministério Público possa ficar habilitado a cumprir os objectivos da investigação, da descoberta da verdade material, dos implicados, respectivas condutas e da formulação de uma decisão fundamentada.
Demonstra o estado actual dos autos que no interior da rede estruturada de tráfico de droga ainda não está totalmente determinada a linearidade das relações que alguns dos arguidos mantêm entre si e com outros, sendo necessário apurar com precisão a natureza da participação de cada um para efeitos de qualificação jurídica. 
O número de participantes processuais ao nível da prova testemunhal é elevado, encontrando-se a decorrer diligências com vista à sua identificação e inquirição, designadamente através da sua referência ao nível das várias intercepções telefónicas em conjugação com os demais dados de tráfico de telemóveis apreendidos.
Neste contexto, entendemos que não se trata só de uma investigação difícil, mas também de um procedimento excepcionalmente complexo, pelo que o despacho recorrido não merece censura.
   De referir que as medidas de coacção estão sujeitas à regra rebus sic stantibus[5]. Podem ser alteradas ou revogadas a todo o tempo, sem necessidade de esperar pelo decurso do prazo de três meses nos casos de prisão preventiva e de permanência na habitação[6], desde que se tenham alterado os pressupostos que ditaram a sua aplicação.
O art.º 212.º n.º 3 do CPP prescreve que, quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução, pelo que o alongamento dos prazos de prisão preventiva não colide em nada com os direitos, liberdades e garantias do arguido recorrente.
Nestes termos, têm que improceder as conclusões apresentadas pelo arguido, não tendo havido violação da lei, nomeadamente do art.º 215.º do CPP.

III – DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da 9.ª Secção do Tribunal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e manter o despacho recorrido.
Custas pelo arguido, fixando a taxa de justiça em três UC.
Notifique.

Lisboa, 22 de Abril de 2010.

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – art.º 94.º, n.º 2 do CPP).  
                  
Moisés Silva
Ana Paula Vasques de Carvalho
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[1] Acs. STJ, de 24.03.1999, CJ/STJ, VII, p. 247 e de 20-12-2006, in www.dgsi.pt e Ac. do Plenário das secções criminais do STJ, de 19.10.95, publicado no DR I.ª Série-A, de 28.12.95.
[2] Gonçalves, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal, 17.ª edição, Coimbra, 2009, p. 521.
[3] Ac. STJ, de 26.01.2005, processo n.º 05P3114, http://www.dgsi.pt/jstj.
[4] Ac. STJ, de 04.02.2009, processo n.º 09P0325, http://www.dgsi.pt/jstj.
[5] Gonçalves, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal, 17.ª edição, Coimbra, 2009, p. 511.
[6] Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 24.01.1996, DR, I-A, de 14.03.1996.