INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR
DESTITUIÇÃO
Sumário

1. A destituição do Administrador da Insolvência está relacionada com o bom ou mau desempenho das funções que lhe são atribuídas no âmbito do processo de insolvência, enquanto servidor da Justiça e do Direito.
2. A não apresentação do plano de insolvência no prazo de 60 dias, não pode ser invocado como justa causa para a destituição, se a empresa insolvente tem uma significativa área de actuação comercial, que se estende de norte a sul de Portugal e engloba a ilha da Madeira; a pessoa responsável pela contabilidade da empresa insolvente estava de licença de parto o criou dificuldades na análise desta matéria; houve inúmeras reuniões com clientes da insolvente que ameaçavam rescindir contratos, bem como reuniões com os trabalhadores que não recebiam os seus salários; a Comissão de Credores assentiu no Plano de Insolvência, sem atender ao decurso do prazo de 60 dias; e a empresa insolvente ainda se mantém em laboração, não tendo, por tal, decorrido qualquer prejuízo.
3. Tendo o administrador fornecido muitas informações, mais do que aquelas exigidas pelo art. 61º do CIRE, desconhecendo na altura da apreensão de bens e da contabilidade da empresa quem eram os representantes da Comissão de Credores e, dada a urgência dos referidos actos, não havia possibilidades de os indagar; não sendo perito de auditoria e, por tal motivo, informado os autos que o contabilista da insolvente estava de licença de maternidade; tendo de socorrer-se de um revisor oficial de contas, afastada fica uma actuação de incumprimento objectivo na administração de actos importantes no processo de insolvência.
(AMPMR)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1.1. – O Instituto, I.P., intentou, no Tribunal de Comércio de Lisboa, a presente acção judicial, contra a sociedade O, Lda., pedindo a declaração da sua insolvência.

Os autos seguiram os seus regulares termos, tendo sido proferida decisão, a 22 de Março de 2007, que declarou a peticionada insolvência da sociedade O, Lda., tendo, também, sido nomeada como Administradora da Insolvência, B.

Subsequentemente a esta decisão.

Por requerimento entrado em Juízo no dia 5 de Maio de 2008 veio a Comissão de Credores requerer a destituição da Sr.ª Administradora da Insolvência invocando seis pontos: -1 - Falta de apresentação do plano de insolvência no prazo de 60 dias que levou à cessação da suspensão da liquidação; tendo o Tribunal indeferido o prazo de prorrogação pedido pela Sr.ª Administradora da Insolvência e sido a mesma notificada de tal despacho em 14 de Janeiro, veio a Sr.ª Administradora da Insolvência a convocar uma reunião com a Comissão de Credores par 2 de Abril a fim de discutir o plano; 2 - A Senhora Procuradora informou ter havido reclamação de créditos por parte de trabalhadores por salários não liquidados após a declaração de insolvência; 3 - A Senhora Procuradora informou que foram movidos processos de contra-ordenação contra a insolvente por falta de pagamento de salários devidos aos trabalhadores após a declaração de insolvência; 4 - Falta de apresentação do relatório trimestral a que se refere o art. 61º do CIRE; 5 - Apreensão de bens realizada sem a assistência da Comissão de Credores; 6 - Falta de apresentação tempestiva do relatório a que alude o art. 188º do CIRE não obstante ter a Sr.ª Administradora da Insolvência sido para tanto notificada em 14 de Fevereiro de 2008.

Notificada a Sr.ª Administrador da Insolvência respondeu invocando que: - 1 – O prazo de 60 dias para apresentação do plano expirou mas a Administradora da Insolvência informou o processo e a Comissão de Credores das dificuldades e exigências com que se deparou, relacionadas com a dimensão da empresa situada em diversos espaços geográficos, com a dificuldade em analisar a contabilidade face à licença de parto da responsável pelo departamento contabilístico da insolvente, pelas especificidades do ramo de negócio, pelas ameaças de despedimento dos trabalhadores e pelas penhoras efectuadas pelas finanças; 2 - Ponderou a Administradora da Insolvência requerer o encerramento antecipado da empresa o que só não fez atendendo aos postos de trabalho em causa; 3 - Na sequência do seu requerimento de prorrogação do prazo para apresentação do plano foi proferido despacho de indeferimento por o tribunal não ter competência para prorrogar um prazo concedido pela assembleia. Ora era morosa a convocação de assembleia para requerer tal prorrogação e levaria a mais atrasos razão pela qual optou a Administradora da Insolvência por requerer tal prorrogação à Comissão de Credores, abreviando assim o prazo para convocação de uma assembleia, não tendo sido deduzida oposição pela Comissão de Credores; 4 -A fls. 538 encontra-se um requerimento da Comissão de Credores a pedir a destituição da Senhora Liquidatária. Alega, para o efeito, que a mesma não presta contas à Comissão de Credores, não responde às questões que lhe são colocadas pela Comissão de Credores, na pessoa do seu presidente e não faculta o parecer por si elaborado nos termos do art. 195º do C.P.E.R.E.F. 5 – Relativamente a estes pontos alega a Sr.ª Administradora da Insolvência que estão em causa despedimentos promovidos pelos trabalhadores que deverão reclamar os seus créditos ao abrigo do disposto no art. 146º do CIRE; acrescenta que a massa não tinha liquidez financeira suficiente, liquidez que existiria com o plano que se pretendia apresentar. 5 – Não foi apresentado qualquer relatório trimestral pelo simples facto de que a Administradora da Insolvência está permanentemente a informar o tribunal do que vem acontecendo e fazendo no processo, ou seja, está a fornecer mais informações do que as exigidas pelo art. 61º; acrescenta que a prática é a de os Tribunais notificarem os Administradores da Insolvência para apresentarem o relatório sucinto do estado de liquidação, que não é razoável estabelecer um prazo de 60 dias para elaboração do plano numa situação como a dos autos e que tem trabalhado sem receber remuneração; 6 – Invoca que a Comissão de Credores não assistiu ao acto de apreensão porque quando tal diligência teve lugar ainda não existia Comissão de Credores; 7 – Não é inédita a notificação pelo tribunal para que o parecer seja junto; o parecer não é vinculativo para o tribunal; o facto de o parecer não ter sido ainda junto não é motivo para destituição; 7- A final tece a Sr.ª Administradora da Insolvência alguns “considerandos”, mostrando-se incrédula por a Comissão de Credores ter reunido com a Digna Magistrada do Ministério Público dez dias após ter tido uma reunião com a Administradora da Insolvência cuja ordem de trabalhos foi apreciar o trabalho por si desenvolvido e na qual não foi suscitada a questão da sua destituição; não fazia sentido pagar aos trabalhadores que voluntariamente rescindiram os seus contratos para ir trabalhar para empresas concorrentes e não pagar aos trabalhadores que se mantinham no activo; a diligência de apreensão de bens é mais urgente do que a companhia de um representante da Comissão de Credores; os salários e horas extras prestados após a data da declaração de insolvência foram todos regularizados graças às apreensões e cobranças de créditos de numerários que se conseguiram obter; procedeu à entrega das instalações do Algarve ao seu senhorio entregando-se o locado contra o perdão das rendas em atraso; houve despedimento de trabalhadores motivado pelas penhoras efectuadas pelas finanças; o processo tem natureza urgente e, no entanto, a secção de processos demorou cerca de dois meses a cumprir um despacho judicial, não podendo tal atraso ser imputado à Administradora da Insolvência.

Por douta decisão de 9 de Outubro de 2008 (fls.228/248), foi proferido despacho decretando a destituição da Administradora da Insolvência a Ex.ma Dr.ª B.

1.2. - È deste despacho de 9 de Outubro de 2008 (fls.228/248) que apela a Administradora da Insolvência, B ___ Concluindo:

1º) – A não apresentação do plano de insolvência no prazo de 60 dias, o que “…pode ter comprometido irremediavelmente a possibilidade de efectiva recuperação da empresa…”, não pode ser invocado como justa causa para a destituição___ posto que: - a empresa insolvenda tem uma significativa área de actuação comercial, que se estende de norte a sul de Portugal e engloba a ilha da Madeira; a pessoa responsável pela contabilidade da empresa insolvente estava de licença de parto o criou dificuldades na análise desta matéria; houve inúmeras reuniões com clientes da insolvente que ameaçavam rescindir contratos, bem como reuniões com os trabalhadores que não recebiam os seus salários; a Comissão de Credores assentiu no Plano de Insolvência, sem atender ao decurso do prazo de 60 dias; a empresa insolvente ainda se mantém em laboração, não tendo, por tal, decorrido qualquer prejuízo; 2º) – A falta de apresentação do relatório trimestral a que alude o art. 61º do CIRE, não pode ser invocado como justa causa para a destituição___ posto que: - a apelante forneceu muitas informações, mais do que aquelas exigidas pelo art. 61º do CIRE e prova disso é que a Comissão de Credores ter alegado qualquer desconhecimento da administração da massa; ademais, o Tribunal a quo nunca solicita apelante quaisquer esclarecedoras sobre esta matéria, 3º) – A apreensão de bens sem assistência da Comissão de Credores, não pode ser invocado como justa causa para a destituição___ posto que: na altura da apreensão de bens e da contabilidade da empresa a apelante desconhecia quem eram os representantes da Comissão de Credores e, dada a urgência dos referidos actos, não havia possibilidades de os indagar; os elementos da Comissão de Credores empossados não foram os nomeados, na sentença falimentar, tendo-se substituído a Comissão de Credores pelos Credores «F, S.A.», «ISS, IP» e «DGCI»; 4º) – O facto de apelante não ter apresentado tempestivamente o parecer de qualificação de insolvência, não pode ser invocado como justa causa para a destituição___ posto que: a apelante não é perita de auditoria e, por tal motivo, informou os autos que a contabilista da insolvente estava de licença de maternidade; por tal, teve de socorrer-se de um revisor oficial de contas, cuja intervenção começou em Novembro de 2007 e findou em 13 de Maio de 2008.

II – Cumpre Decidir
2.1. – Dispõe o art. 56º do CIRE (Decreto-lei nº 52/2004 de 18-III, na redacção do Decreto-lei nº200/2004 de 18-VIII) que o Juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência se fundadamente existir justa causa. O fundamento invocado___ justa causa ___ constitui um conceito indeterminado, cuja interpretação passa pela consideração dos deveres e funções que o administrador da insolvência é chamado a exercer no processo de insolvência.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda (CIRE- Anotado, pp. 262, edição de 2009), na previsão da norma "…cobrem-se todos os casos de violação de deveres por parte do nomeado, aqueles em que se verifica a inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo, traduzidas na administração ou liquidação deficientes, inapropriadas ou ineficazes da massa, e, segundo o entendimento que temos por correcto, aqueles que traduzam uma situação em que, atentas as circunstâncias concretas, é inexigível a manutenção da relação com ele e infundada a possível pretensão do administrador de se manter em funções…".
De acordo com o Estatuto do Administrador Insolvência (Lei nº 32/2004 de 22-VII) o Administrador da Insolvência deve: - no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se um servidor da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se digno de honra e das responsabilidades que lhe são inerentes (art. 16º/1 da citada Lei); - manter sempre a maior independência e isenção, não prosseguindo quaisquer objectivos diversos dos inerentes ao exercício da sua actividade (art. 16º/2 da citada Lei).
O Administrador tem a seu cargo a função de administrar, gerir e praticar actos de disposição de bens, que pertencem a um património autónomo, com o fim exclusivo de satisfazer as dividas dos credores e tais funções devem ser exercidas com a máxima transparência e isenção. Está investido de poderes funcionais, "…cujo exercício zeloso é condição imprescindível da consecução da finalidade da insolvência…" (ob. cit., pp. 263).
O carácter funcional dos poderes que são atribuídos ao Administrador, condiciona de igual forma, o regime de destituição. Como refere o mesmo autor: "…Daí que também o poder de destituição conferido ao Juiz esteja revestido de carácter funcional e seja, nessa medida, um poder vinculado, que ele não pode regularmente deixar de exercer quando se verifique justa causa…" (ob. cit., pp. 263).
Já ao abrigo do anterior regime do Código do Processo de Falência e Recuperação de Empresas, a destituição do liquidatário estava dependente da verificação de «justa causa», considerando-se existir justa causa quando "…o liquidatário pratica actos ilegais ou inconvenientes para a massa falida, independentemente de tais actos serem ou não impugnados em conformidade com o artigo anterior (...) quando o liquidatário não cumpre as obrigações a que está vinculado ou age sem a diligência própria de um gestor criterioso e ordenado..." (Código do Processo de Falência e Recuperação de Empresas, pp. 354).
Na jurisprudência sobre a matéria em causa podem ler-se entre outros os Acórdãos da Relação Porto de 29 de Abril de 2009 e o da Relação de Guimarães de 16 Abril de 2009, mostrando-se significativo, neste último acórdão, a interpretação da expressão «justa causa» quando se refere: "…A ideia de justa causa para destituição tem associada a da violação ou de incumprimento de algum dever no exercício das suas funções. A justa causa, quando não resulte de incapacidade do Administrador para o exercício das respectivas funções, pressupõe a violação grave dos deveres no exercício das respectivas funções. Em qualquer das situações, a justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do administrador que, pela sua gravidade inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções. A justa causa terá sempre de ser apreciada em concreto, face à factualidade que se provar, tendo em conta os vários aspectos relacionados com a sua gestão…" (www.dgsi.pt).
Desta forma, considera-se que a destituição do Administrador da Insolvência está relacionada com o bom ou mau desempenho das funções que lhe são atribuídas no âmbito do processo de insolvência, enquanto servidor da Justiça e do Direito.
2.2. – Quanto à 1ª Conclusão:
2.2.1. - Relativamente a este ponto importa considerar os seguintes factos: -
1 -Por sentença datada de 22 de Março de 2007 foi declarada a insolvência da sociedade “O, Lda.”, tendo sido nomeada Administradora da Insolvência a Sr.ª Dr.ª. B, e designado para realização da Assembleia de Apreciação do Relatório o dia 28 de Junho de 2007 (doc. fls. 155); 2 – Tal decisão foi notificada à Sr.ª Administradora da Insolvência por carta enviada no dia 28 de Março (doc. fls. 171); 3 – Por requerimento datado de 28 de Junho de 2007 veio a Sr.ª Administradora da Insolvência peticionar a suspensão dos trabalhos da assembleia designada para dia 28 de Junho por não lhe ter sido possível, pelas razões ali expostas, elaborar e juntar o relatório a que alude o art. 155º do CIRE (doc. fls. 274); 4 – Na assembleia ocorrida no dia 28 de Junho foi designado o dia 11 de Setembro de 2007 para realização de nova assembleia dado naquela data ainda não terem sido publicados os anúncios a publicitar a declaração de insolvência e a data da assembleia (doc. fls. 291); 5 – No dia 7 de Setembro de 2007 deu entrada em juízo o relatório a que alude o art. 155º do CIRE (doc. fls. 345); 6 – No dia 11 de Setembro de 2007, iniciados os trabalhos da assembleia de apreciação do relatório, foram os mesmos suspensos por na relação de credores junta pela Sr.ª Administradora da Insolvência esta não ter tido em consideração todos os créditos reclamados, conforme despacho de fls. 412 que aqui se dá por inteiramente reproduzido, tendo sido designado para continuação o dia 25 de Setembro, às 15 horas; 7 - No dia 25 de Setembro de 2007 foram de novo os trabalhos da assembleia suspensos para continuar no dia 15 de Outubro, suspensão essa que se deveu à falta da Sr.ª Administradora da Insolvência pelas razões expostas a fls. 422 (doc. fls. 428); 8 – No dia 15 de Outubro realizou-se a assembleia de apreciação do relatório, iniciada com a junção pela Sr.ª Administradora da Insolvência de relação actualizada de credores, tendo sido deliberado pelos credores o cometimento à Sr.ª Administradora da Insolvência da elaboração de um plano de insolvência, a manutenção dos estabelecimentos da insolvente em actividade e a suspensão da liquidação do activo por dois meses (doc. fls. 533); 9 – No dia 17 de Dezembro de 2007 veio a Sr.ª Administradora da Insolvência requerer a prorrogação do prazo para apresentação plano de insolvência por 30 dias, nos termos e com o fundamento constante de fls. 624 que aqui se dá por reproduzido; 10 – Por despacho de fls. 639, datado de 11 de Janeiro de 2008, foi a requerida prorrogação do prazo indeferida por o prazo de 60 dias não ser um prazo judicial mas antes um prazo legal, aprovado pela assembleia de credores e, por conseguinte, só por esta poder ser alterado; 11 – Tal despacho foi notificado à Sr.ª. Administradora da Insolvência por carta enviada a 14 de Janeiro de 2008 (doc. fls. 646); 12 – A Sr.ª Administradora da Insolvência enviou aos membros da Comissão de Credores uma carta datada de 13 de Março de 2008 na qual solicita a prorrogação do prazo para apresentar o plano de insolvência por 30 dias (doc. fls. 718); 13 – No dia 8 de Maio de 2008 foram juntas pela Sr.ª Administradora da Insolvência as listas a que alude o art. 129º do CIRE (fls. 29 do apenso M); 14 – No dia 14 de Maio de 2008 a Sr.ª Administradora da Insolvência apresentou um plano de insolvência, plano esse que não respeita o disposto no art. 195º do CIRE, não indicando as alterações decorrentes para as posições jurídicas dos credores; prevendo a manutenção do estabelecimento em actividade mas não contendo os elementos a que alude a al. c), do nº 2, do citado preceito; não contendo o impacte expectável das alterações propostas por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano (doc. fls. 803); 15 - A empresa insolvente tem uma significativa área de actuação comercial, que se estende de norte a sul de Portugal e engloba a ilha da Madeira; 16 - A pessoa responsável pela contabilidade da empresa insolvente estava de licença de parto o criou dificuldades na análise desta matéria; 17) - Houve inúmeras reuniões com clientes da insolvente que ameaçavam rescindir contratos, bem como reuniões com os trabalhadores que não recebiam os seus salários; 18) - A Comissão de Credores assentiu no Plano de Insolvência, sem atender ao decurso do prazo de 60 dias; 19) - A empresa insolvente ainda se mantém em laboração, não tendo, por tal, decorrido qualquer prejuízo.

2.2.2. - Ora___ considerando que: -Tal como a Senhora Juiz a quo refere no seu douto despacho, a apelante demorou cerca de 5 meses a apresentar o plano de insolvência, quando o devia ter apresentado em 60 dias. A questão que se põe é pois a de saber se há (ou não) motivo justificante para tal, ou se, pura e simplesmente, nos devemos ater ao incumprimento temporal.

Pelo menos, desde já, é permitido dizer, porque “…19) - A empresa insolvente ainda se mantém em laboração, não tendo, por tal, decorrido qualquer prejuízo…”, cai por base um dos argumentos fundamentadores da destituição que se cifra em “…pode ter comprometido irremediavelmente a possibilidade de efectiva recuperação da empresa…”.

Por outro lado, sendo certo que “…15 - A empresa insolvente tem uma significativa área de actuação comercial, que se estende de norte a sul de Portugal e engloba a ilha da Madeira; 16 - A pessoa responsável pela contabilidade da empresa insolvente estava de licença de parto o criou dificuldades na análise desta matéria; 17) - Houve inúmeras reuniões com clientes da insolvente que ameaçavam rescindir contratos, bem como reuniões com os trabalhadores que não recebiam os seus salários…”, afigura-se razoável (não desejável) em concreto neste particular, que o prazo de 60 dias é demasiado exíguo para apresentação do plano de insolvência. E tanto assim é que “…18) - A Comissão de Credores assentiu no Plano de Insolvência, sem atender ao decurso do prazo de 60 dias…”.
Entendemos pois aceitável e justificante a conclusão de que a não apresentação do plano de insolvência no prazo de 60 dias, o que “…pode ter comprometido irremediavelmente a possibilidade de efectiva recuperação da empresa…”, não pode ser invocado como justa causa para a destituição___ posto que: - a empresa insolvente tem uma significativa área de actuação comercial, que se estende de norte a sul de Portugal e engloba a ilha da Madeira; a pessoa responsável pela contabilidade da empresa insolvente estava de licença de parto o criou dificuldades na análise desta matéria; houve inúmeras reuniões com clientes da insolvente que ameaçavam rescindir contratos, bem como reuniões com os trabalhadores que não recebiam os seus salários; a Comissão de Credores assentiu no Plano de Insolvência, sem atender ao decurso do prazo de 60 dias; a empresa insolvente ainda se mantém em laboração, não tendo, por tal, decorrido qualquer prejuízo.
2.3. – Quanto à 2ª Conclusão:
2.3.1. - Relativamente a este ponto importa considerar os seguintes factos: -
1 - No dia 15 de Outubro realizou-se a assembleia de apreciação do relatório; 2 – Após a referida data e até à entrada do pedido de destituição a Sr.ª Administradora da Insolvência apresentou no processo os seguintes requerimentos: - a) fls. 579, datado de 16 de Novembro de 2007 – requerimento a pronunciar-se sobre o montante da remuneração a auferir pela gestão da insolvente; b) fls. 582, datado de 16 de Novembro de 2007 – requerimento solicitando a notificação da Direcção Geral das Finanças para suspender as execuções movidas contra a insolvente após a declaração de insolvência; c) fls. 624, datado de 17 de Dezembro de 2007 – requerimento solicitando a prorrogação do prazo para apresentar o plano de insolvência; d) fls. 661, datado de 24 de Janeiro de 2008 – requerimento solicitando a notificação de dois solicitadores de execução para devolverem os valores que penhoraram nos respectivos processos de execução; e) fls. 662, datado de 24 de Janeiro de 2008 – requerimento solicitando a notificação dos bancos e do ISS para devolverem todos os valores pecuniários que penhorados à ordem dos processos de execução em que intervêm; f) fls. 699, datado de 14 de Fevereiro de 2008 – requerimento solicitando a fixação de uma remuneração mensal; g) fls. 716, datado de 20 de Março de 2008 – requerimento no qual a Sr.ª Administradora da Insolvência se limita a informar o seguinte: “A ilustre Comissão de Credores do processo de insolvência supra referido está a ser devidamente informada acerca do desenrolar do processo, nomeadamente no que concerne à apresentação do plano de recuperação. Mais se informa V. Exa. de que já foi agendada reunião para o dia 02 de Abril, pelas 11h00, a fim de se discutir o conteúdo do mesmo plano, nos termos do art. 195º do CIRE”, juntando com o mesmo cópia das cartas enviadas aos membros da Comissão de Credores a convocá-los para a reunião e a requerer a prorrogação do prazo para apresentação do relatório; h) fls. 738, datado de 24 de Março de 2008 – requerimento a pedir prorrogação do prazo para apresentar a lista a que alude o art. 129º do CIRE; i) fls. 767, datado de 9 de Abril de 2008 – requerimento a solicitar a apensação de um processo que corre termos contra a insolvente noutro tribunal; j) fls. 803, datado de 14 de Maio de 2008 – requerimento a juntar o plano de insolvência; 3 – Por despacho datado de 11 de Fevereiro de 2008 e notificado à Sr.ª Administradora da Insolvência por carta enviada no dia 14 do mesmo mês, foi ordenada a junção do relatório a que alude o art. 61º do CIRE, as listas a que alude o art. 129º e o parecer a que alude o art. 188º, ambos do CIRE.

2.3.2. Ora___ considerando que: - Estipula o art. 61.ºdo CIRE, sob a epigrafe «Informação trimestral e arquivo de documentos» que “…1 - No termo de cada período de três meses após a data da assembleia de apreciação do relatório, deve o administrador da insolvência apresentar um documento com informação sucinta sobre o estado da administração e liquidação, visado pela comissão de credores, se existir, e destinado a ser junto ao processo. 2 - O administrador da insolvência promove o arquivamento de todos os elementos relativos a cada diligência da liquidação, indicando nos autos o local onde os respectivos documentos se encontram…”.

Atento o normativo citado, entendemos que existe uma obrigatoriedade de apresentação de relatório, por parte do Administrador, com informação sucinta sobre o estado da administração e liquidação, visado pela comissão de credores, se existir, e destinado a ser junto ao processo. Pode-se discutir da apresentação atempada (ou não) do mesmo. Mas essa obrigação é legal e imperativa. Por outro lado. Decorre da factualidade que a Sr.ª Administradora da Insolvência não só não juntou voluntária e espontaneamente tal relatório como não o fez mesmo após a notificação do Tribunal para o efeito.

Será justificativo invocar que a apelante forneceu muitas informações, mais do que aquelas exigidas pelo art. 61º do CIRE e prova disso é que a Comissão de Credores ter alegado qualquer desconhecimento da administração da massa, ademais, o Tribunal a quo nunca solicita apelante quaisquer esclarecedoras sobre esta matéria. Não, não é. As informações que a apelante deu não são configuráveis ao normativo noticiado, não sendo correcto argumentar que o Tribunal a quo nunca solicitou apelante quaisquer esclarecedoras sobre esta matéria. E isto é grave.

Neste ponto a conduta da apelante não nos parece razoável, traduzindo uma situação em que, atentas as circunstâncias concretas, é inexigível a manutenção da relação com ele e infundada a possível pretensão do administrador de se manter em funções, por quebra de confiança com o Tribunal.

Improcede a conclusão de que a falta de apresentação do relatório trimestral a que alude o art. 61º do CIRE, não pode ser invocado como justa causa para a destituição___ posto que: - a apelante forneceu muitas informações, mais do que aquelas exigidas pelo art. 61º do CIRE e prova disso é que a Comissão de Credores ter alegado qualquer desconhecimento da administração da massa; ademais, o Tribunal a quo nunca solicita apelante quaisquer esclarecedoras sobre esta matéria.
2.4. – Quanto à 3ª Conclusão:
2.4.1. - Relativamente a este ponto importa considerar os seguintes factos: -
1 – Na sentença que declarou a insolvência foi nomeada a Comissão de Credores e designado para tomada de posse o dia 10 de Abril, às 14.00 horas (doc. fls. 155); 2 – No dia 10 de Abril realizou-se a diligência de tomada de posse da Comissão de Credores, à qual a Sr.ª Administradora da Insolvência não compareceu (doc. fls. 214); 3 – No dia 16 de Abril a Sr.ª Administradora da Insolvência procedeu à apreensão dos bens da insolvente sitos na sua sede, (doc. fls. 3 do apenso A).

2.4.3. – Ora___ considerando que: - Nos termos do disposto no art. 150º, nº 2, do CIRE, “…A apreensão (de bens) é feita pelo próprio administrador de insolvência, assistido pela Comissão de Credores ou por um representante desta se existir…”.

Á data da apreensão já existia Comissão de Credores e a mesma já estava empossada. O facto de a Sr.ª Administradora da Insolvência não ter sido eventualmente notificada antes de realizada à apreensão é irrelevante dado que a mesma foi notificada da sentença que declarou a insolvência e, por conseguinte, tinha perfeito conhecimento dos credores nomeados para integrar a Comissão de Credores e da data em que se iria realizar a tomada de posse. Deveria, pois, a Sr.ª Administradora da Insolvência ter diligenciado pela presença no acto de apreensão da Comissão de Credores ou de um dos seus membros. Não obstante. Esta sua omissão, não é, por si só, fundamento para a destituição.

Ainda que com outros fundamentos, aceitamos a conclusão de que a apreensão de bens sem assistência da Comissão de Credores, não pode ser invocado como justa causa para a destituição___ posto que: na altura da apreensão de bens e da contabilidade da empresa a apelante desconhecia quem eram os representantes da Comissão de Credores e, dada a urgência dos referidos actos, não havia possibilidades de os indagar; os elementos da Comissão de Credores empossados não foram os nomeados, na sentença falimentar, tendo-se substituído a Comissão de Credores pelos Credores «F, S.A.», «ISS, IP» e «DGCI».
2.5. – Quanto à 4ª Conclusão:
2.5.1. - Relativamente a este ponto importa considerar os seguintes factos:
1 - No dia 15 de Outubro realizou-se a assembleia de apreciação do relatório; 2 - Por despacho datado de 11 de Fevereiro de 2008 e notificado à Sr.ª Administradora da Insolvência por carta enviada no dia 14 do mesmo mês, foi ordenada a junção do parecer a que alude o art. 188º, do CIRE; 3 – O parecer da Sr.ª Administradora da Insolvência foi junto no dia 24 de Julho de 2008.

2.5.2. – Ora___ considerando que: - Dispõe o art. 188º, nº 1, do CIRE que “…Até 15 dias depois da assembleia de apreciação do relatório, qualquer interessado pode alegar, por escrito, o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa.”. Acrescenta o nº 2 do mesmo preceito que “…Dentro dos 15 dias subsequentes, o administrador da insolvência apresenta parecer, devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos relevantes, que termina com a formulação de uma proposta, identificando, se for o caso, as pessoas que devem ser afectadas pela qualificação da insolvência como culposa…”.

Cotejando a factualidade assente com o sobredito normativo é evidente que houve incumprimento pela Sr.ª Administradora da Insolvência do prazo que lhe é concedido para apresentar o parecer relativo à qualificação, incumprimento esse que constitui também uma violação de um dever do Administrador da Insolvência. Como diz a Senhora Juiz a quo, estamos, pois, de novo, perante um incumprimento que, por si só, não justifica a destituição da Sr.ª Administradora da Insolvência e que pode ser justificado pelo facto de a apelante não ser perita de auditoria e ter de se socorrer de um revisor oficial de contas, cuja intervenção começou em Novembro de 2007 e findou em 13 de Maio de 2008.

2.6. – Percorrido todo este iter relativo ao conhecimento das conclusões de recurso da apelante, B, a questão que se põe é a de saber se, mesmo assim, ainda existe (ou não) justa causa para a sua destituição como administradora de insolvência ou se mesmo existindo haverá motivos para relevar. Ou seja. A factualidade invocada como justificante___ a saber: - a empresa insolvenda tem uma significativa área de actuação comercial, que se estende de norte a sul de Portugal e engloba a ilha da Madeira; a pessoa responsável pela contabilidade da empresa insolvente estava de licença de parto o criou dificuldades na análise desta matéria; houve inúmeras reuniões com clientes da insolvente que ameaçavam rescindir contratos, bem como reuniões com os trabalhadores que não recebiam os seus salários; a Comissão de Credores assentiu no Plano de Insolvência, sem atender ao decurso do prazo de 60 dias; a empresa insolvente ainda se mantém em laboração, não tendo, por tal, decorrido qualquer prejuízo; a apelante forneceu muitas informações, mais do que aquelas exigidas pelo art. 61º do CIRE e prova disso é que a Comissão de Credores ter alegado qualquer desconhecimento da administração da massa; ademais, o Tribunal a quo nunca solicita apelante quaisquer esclarecedoras sobre esta matéria, na altura da apreensão de bens e da contabilidade da empresa a apelante desconhecia quem eram os representantes da Comissão de Credores e, dada a urgência dos referidos actos, não havia possibilidades de os indagar; os elementos da Comissão de Credores empossados não foram os nomeados, na sentença falimentar, tendo-se substituído a Comissão de Credores pelos Credores «F, S.A.», «ISS, IP» e «DGCI»; a apelante não é perita de auditoria e, por tal motivo, informou os autos que a contabilista da insolvente estava de licença de maternidade; teve de socorrer-se de um revisor oficial de contas, cuja intervenção começou em Novembro de 2007 e findou em 13 de Maio de 2008___ tem a virtualidade de afastar uma actuação de incumprimento objectivo na administração de actos importantes no processo de insolvência.

Em verdade___ não sendo de louvar a actuação judicial da Sr.ª Administradora da Insolvência Dr.ª B___ entendemos que tem. Se percorrermos toda a motivação invocada, ela é constituída, na sua esmagadora maioria, por factos incontroláveis, alheios à vontade ou actuação diligente de uma meridiana Administradora da Insolvência, como é, por exemplo, o caso de a pessoa responsável pela contabilidade da empresa insolvente estava de licença de parto o criou dificuldades na análise desta matéria; a empresa insolvenda tem uma significativa área de actuação comercial, que se estende de norte a sul de Portugal e engloba a ilha da Madeira; ou apelante não é perita de auditoria e, por tal motivo, informou os autos que a contabilista da insolvente estava de licença de maternidade; teve de socorrer-se de um revisor oficial de contas, cuja intervenção começou em Novembro de 2007 e findou em 13 de Maio de 2008.

Vendo a actuação da Sr.ª Administradora da Insolvência Dr.ª B, sem estes elementos, a decisão do Tribunal a quo estaria certíssima. Mas, temos de sopesar estes factos justificantes e quer queiramos, quer não, eles têm relevo___ como é da gíria dos Tribunais, tem de ser encarados como justificadores da acumulação de serviço.

III – Em Consequência – Decidimos:

a) – Julgar procedente a apelação da Sr.ª Administradora da Insolvência, B, revogar a douto despacho de 9 de Outubro de 2008 (fls.228/248), e indeferir o requerimento entrado em Juízo no dia 5 de Maio de 2008, pela Comissão de Credores, que requer a destituição da apelante.

b) – Não condenar em custas____ por não serem devidas.

Lisboa – 29 de Abril de 2010

Rui da Ponte Gomes
Luis Correia Mendonça
Carlos Marinho