ARRENDAMENTO RURAL
INVALIDADE
RENDA
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
Sumário

- Celebrado um contrato de arrendamento de prédio indiviso por um dos co-herdeiros, sem assentimento do outro, ele é ineficaz em relação a esse co-herdeiro.
- Esta invalidade é sanável mediante confirmação, nos termos do artº 288º, nº 1, do Código Civil.
- O recebimento de rendas pelo outro co-herdeiro não outorgante do contrato de arrendamento que tem por objecto um prédio indiviso significa o seu assentimento posterior ao mesmo arrendamento.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

 I - RELATÓRIO

A --- intentou acção com processo ordinário contra J ---e mulher, M ---, V --- e U----, Ldª, pedindo lhe seja reconhecido o direito de haver para si, através do exercício da preferência, o imóvel vendido nos termos constantes da escritura de 17 de Fevereiro de 2005.
Alegou, em síntese que, na qualidade de arrendatário do referido imóvel, celebrou em 01 de Janeiro de 1998 um contrato de arrendamento rural com os primeiros réus, relativamente ao prédio rústico, de que aqueles são proprietários, pelo prazo de 5 anos, prazo esse que, por força do disposto no art° 5° n° 1 do DL n° 385/88, de 25/10, tem de ser considerado como de 10 anos. Os referidos réus, por escritura de 17 de Fevereiro de 2005, venderam à terceira ré o prédio arrendado, sem que tivessem possibilitado ao autor o exercício do direito de preferência que a lei lhe confere, tendo o mesmo tido conhecimento da dita venda apenas no início de Novembro de 2005, pretendendo agora exercer aquele direito através da presente acção.

As rés M -- e U----, Ldª contestaram, invocando a nulidade do contrato de arrendamento, por ter sido celebrado apenas por um comproprietário do imóvel arrendado, sem o expresso consentimento do outro, e ainda não poder o autor exercer o direito de preferência, por não cultivar o prédio locado durante pelo menos cinco anos, como o exige o art° 28° do DL n° 385/88, de 25/10. Concluem pela improcedência da acção e pela absolvição dos réus do pedido.

Replicou o autor, dizendo que o 1° réu deu de arrendamento o imóvel pelo prazo de 10 anos, na qualidade de cabeça de casal, tendo em conta a imperatividade do regime fixado no n° 1 do art° 5° do DL n° 385/88, de 25/10, e quanto à norma do n° 3 do art° 28° do mesmo diploma legal, que se pretendeu foi impor ao preferente, após o exercício do direito de preferência, cultivar o prédio durante pelo menos 5 anos, os quais serão contados a partir do efectivo exercício desse direito e não antes, concluindo pela improcedência das excepções e pela procedência da acção.

Foi proferida sentença que julgou procedente a excepção peremptória deduzida pelos réus e  improcedente a acção, absolvendo aqueles do pedido contra si deduzido pelo autor.

Não se conformando com a douta sentença, dela recorreu o autor, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
 1ª - Discorda, respeitosamente, o apelante dos fundamentos táctico-conclusivos e jurídicos lavrados na douta sentença, uma vez que não retratam o que ficou doutamente decidido sobre a matéria de facto controvertida e sobre     a matéria assente.
2ª - Foi dada como assente a matéria referida no ponto 2 e dada como provada a matéria indicada no ponto 3, da qual se releva a constante dos artigos 3°, 7° e 8º.
Artigo 3° - O 2° réu não teve conhecimento da celebração do contrato referido em A) ?
NÃO PROVADO.
Artigo 7° - O 1. ° réu marido celebrou o contrato referido em A) na qualidade de cabeça-de-casal? PROVADO.
Artigo 8° - Os 1ºs e 2° réu recebem conjuntamente as rendas? PROVADO
3ª - Tendo em conta o exposto em 1 e II, o douto tribunal a quo não poderia ter tomado decisão que tomou, ou seja a de não conceder ao A. o direito de preferência             e, ao invés, deveria ter decidido no sentido de lhe ser reconhecido esse mesmo direito de preferência, pois só assim é que a decisão ficará espelho da matéria assente, da matéria provada e não provada e ainda das normas legais que se aplicam o caso sub judice.
4ª - Nem o primeiro réu marido nem o segundo réu (únicos proprietário do imóvel arrendado) contestaram a acção interposta pelo autor.
5ª - O contrato de arrendamento rural foi celebrado no dia 1 de Janeiro de 1998 - antes da entrada em vigor da Lei n° 6/2006, de 27 de Fevereiro, que veio alterar o nº 2 do artº 1024º do Código Civil - e por um prazo de cinco anos, prorrogável, pelo que, de acordo com o previsto no n° 1 do artº 1024° do C.C., não haveria qualquer ilegalidade, pois que, a locação é um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a seis anos.
6ª - A locação em apreço é um arrendamento rural, pelo que obedece às normas da lei especial referente a esta matéria, isto é, o Decreto -Lei 385/88 de 25 de Outubro, Regime do Arrendamento Rural.
7ª – Lavra o nº 1 do artº 5º do RAR que “ os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por prazo inferior a dez anos, a contar da data em que tiverem início, valendo aquele que celebrados por prazo inferior a dez anos, a contar da data em que tiverem início, valendo aquele se houver sido estipulado prazo mais curto". Isto para o nosso caso concreto, na medida em que o A. não é um agricultor autónomo as sim um empresário agrícola.
8ª - Qual será a relação entre a norma lavrada no n° 1 do artº 1024° do C.C. e a do nº 1 do artº 5° do R.A.R Será que, o arrendamento rural por ter um prazo legalmente imposto            de sete e dez anos consoante os casos de se tratar ou não de agricultor autónomo, portanto superior aos seis anos previstos no n° 1 do art º 1024° do C.C. — é, por si só, suficiente para se concluir que todo e qualquer arrendamento rural não seja considerado um acto de administração ordinária?
9ª - A génese do espírito do legislador relativamente à questão do arrendamento rural visou conciliar os legítimos direitos e interesses dos proprietários das terras com os cultivadores e rendeiros, pois que, o exercício da actividade agrícola nem sempre encontram nos proprietários da terra as pessoas mais indicadas e, assim sendo, impôs-se, no respeito pelo direito de propriedade, estimular o arrendamento, garantindo ao proprietário a rentabilidade do investimento fundiário e assegurando ao rendeiro a estabilidade necessária ao exercício da sua actividade produtiva, ressaltando, desde logo, para o efeito o alargamento do prazo para dez anos, renovável por períodos sucessivos de três anos.
10ª - Por conseguinte, o legislador, atendendo ao facto de a locação rural ser uma matéria  tão específica e versando sobre a terra que nos dá o pão, entendeu que as normas da locação em geral previstas no C.C. não se aplicam ao arrendamento rural, a não ser aquelas que são especificamente referenciadas no próprio R.A.R. e as que, pela sua razão de ser, mutatis mutandis, não       contrariem os princípios deste.
11ª - O n° 1 do artº 1024° do C.C. não se aplica à locação rural. Contudo, a não se entender assim, o que se concebe apenas como mera hipótese académica, sempre se diga que o intuito da norma constante do n° 1 do artº 1024° do C.C. a aplicar-se aos contratos de arrendamento rural sempre teria que sofrer uma interpretação correctiva, no sentido de se entender que a locação rural constitui, para o locador, um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior sete anos os dez anos, conforme se trate de agricultor autónomo ou não.
12ª - Onde o legislador não restringiu não cabe ao interprete restringir, pelo que, de acordo com o espírito do R.A.R., a locação rural é um acto de administração ordinária, pelo menos para os seis prazos mínimos de sete e dez anos, pois que seria impensável que um cabeça-de-casal - que nem ele nem os seus consortes sejam agricultores - ao abrigo dos seus poderes de administração, estivesse impedido de arrendar cem ou duzentos hectares de campos de arroz, só por um dos seus consortes não querer arrendar, o que a acontecer seria de bradar não aos céus, mas sim às terras que se querem cultivadas.
13ª - Pelo que, deveria o tribunal a quo ter feito uma interpretação correctivo ou extensiva do previsto no nº 1 do artigo 1024° do C.C., caso se entenda que este se aplica. O que não aconteceu e que aqui ora se requer.
14ª - Por outro lado, dúvidas também não restam que o douto tribunal a quo ao dar como provada a matéria constante dos artigos 3º, 7º e 8º (conforme consta do ponto 3.), isto é, provando-se que o segundo réu teve conhecimento da celebração do contrato referido, que o primeiro réu marido celebrou o contrato na qualidade de cabeça-de-casal e que os primeiros e segundo réus recebem conjuntamente as rendas deveria ter aplicado o caso sub judice o previsto no n° 2 do art° 1024° do C.C., isto é, que o segundo réu deu o seu assentimento, antes, durante e depois do contrato.
15ª - O segundo réu, além de receber as rendas, conforme ficou provado pela resposta ao artigo 8° da base instrutória, ainda fez trabalhos agrícolas para o autor no local arrendado, como foi dito pelas testemunhas na audiência de julgamento, facto esse que permitiu dar a resposta ao artigo 3° da base instrutória, provando-se que o segundo réu teve conhecimento da celebração do contrato. Pelo que deu o seu assentimento ao contrato.
16ª - Esse assentimento, à data da celebração do contrato 1 JAN 1998, cujo significado será de concordância ou de adesão ao negócios, não estava sujeito a qualquer forma especial, uma vez que só quando a lei exigir escritura pública para a celebração do arrendamento, deve o assentimento ser prestado por igual forma – parte final do n° 2 do art° 1024° do C.C. e não é esse o caso, vide n° 1 do artº 3° do R.A.R., sendo certo que a actual redacção do n° 2 do artº 1024° do C.C., isto é, da exigência de tal assentimento ter que ser manifestado por escrito só entrou em vigor com a Lei n° 6/2006 de 27 de Fevereiro de 2006, pelo que, não se aplica ao presente caso.
17ª - Além disso, a correspondente declaração de vontade podia ainda ser expressa ou tácita, verificando-se esta última quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade a revelam - n ° 1 do artº 217° do C.C. isto é, quando "um acto ou uma exteriorização verbal que, embora não exprima imediatamente uma determinada vontade de efeitos jurídicos, permite mediatamente uma conclusão sobre uma vontade negocial aí manifestada" (in Rev. Leg. Jur., Vaz Serra, 111°, pág. 377), "bastando que, objectivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele possa ser deduzido do comportamento do declarante" in Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Ano 1994, Coimbra Editora, pág. 425.
18ª - O segundo réu recebe as rendas e fez trabalhos agrícolas para o autor no local arrendado, tudo isto durante anos a fio, nunca tendo deduzido qualquer oposição à ocupação do autor enquanto arrendatário, à sombra de tal contrato, pelo que, dúvidas não restam que o segundo réu deu -lhe o seu tácito assentimento, assistindo-se assim à confirmação tácita desse contrato de arrendamento rural       cfr artigos 217°  n° 1, 288° n° 3 e 1024° n° 2, todos do C.C.      vide ainda, Rui de Alarcão, A Confirmação dos Negócios Anuláveis, pág(s). 212-213 e 217-218; Antunes Varela, RLJ  Ano 107°, pág. 362 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição, pág. 346-347.
19ª – Tal comportamento do segundo réu, apreciado objectivamente, na perspectiva de um declaratário sensato, revela inequivocamente, de modo implícito, com toda a probabilidade, a sua vontade de assumir, também, a posição de senhorio. Pois que, "na vida social, os actos das pessoas não valem só pelo seu próprio conteúdo; valem, também, por aquilo que deles se pode extrair, com segurança e razoabilidade" cfr. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pág. 343.
20ª - A norma constante do n° 2 do art° 1024° do Código Civil de 1966, não tem carácter imperativo, isto é, não se inspira em normas de interesse e ordem pública cuja violação importe, por si só a nulidade total do acto, antes contém uma norma especial que se destine unicamente a acautelar os direitos dos outras consortes do prédio.
21ª - Pelo que, a violação do disposto no n° 2 do artº 1024° do C.C. de 1966 sujeita o acto praticado a um regime de invalidade mista que tem traços do regime próprio da nulidade e características especiais do regime da anulabilidade. Assim, aquele que abusivamente deu de arrendamento coisa que não lhe pertencia na totalidade não pode pedir a declaração de nulidade do acto, uma vez que a invalidade deste não foi estabelecida no seu interesse mas no interesse dos demais consortes, porventura prejudicados com tal acto.
22ª - A nulidade em apreço também não podia ser declarada oficiosamente pelo tribunal, dado que o disposto no nº 2 do artº 1024° do Código Civil de 1966, não se inspirando em razões de interesse e ordem pública mas apenas visando a defesa dos direitos dos demais consortes do prédio arrendado, não importa, por si só, nulidade total do acto. E, nessa medida, temos que nem o primeiro réu nem o segundo contestaram a acção e muito menos arguíram tal nulidade. A qual foi apenas invocada pela primeira ré esposa e pela terceira ré.
23ª - Contudo, quanto à arguição de nulidade deduzida pela primeira ré esposa, ficou provado pela resposta ao artigo 8° da base instrutória que "os primeiros e segundo réus recebem conjuntamente as rendas ", assim, a primeira ré esposa também recebia as rendas, pelo que, também deu o seu assentimento ao contrato da mesma forma que supra ficou lavrada, motivo pelo qual também não pode pedir a declaração de nulidade.
24ª - Quanto à arguição dessa mesma nulidade levada a cabo pele terceira ré, como já se disse, o disposto no n° 2 do artº 1024° do Código Civil de 1966 não tem carácter imperativo, isto é, não se inspira em normas de interesse e ordem pública cuja violação importe, por si só a nulidade total do acto mas apenas visando a defesa dos direitos dos demais consortes do prédio arrendado, pelo que, não sendo a terceira ré consorte do prédio arrendado também ela não poderá arguir a nulidade, pois que, como também já se viu, nem o próprio tribunal o poderá fizer ex oficio.
25ª - Deveria o douto tribunal a quo ter julgado procedente acção e improcedente a defesa por excepção deduzida pela primeira ré esposa e pela terceira ré, conferindo ao autor o direito de preferência na alienação do prédio arrendado. O que se requer.
26ª - Pelo exposto, requer-se que seja revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo e proferida decisão que decrete a validade do contrato de arrendamento rural posto em crise e confira ao autor o exercício do direito de preferência na alienação do prédio arrendado.
27ª - Foram violados os artigos 3° n°1, 5° n° 1 e 28° do Decreto-Lei n° 385/88 de 25 de Outubro, (R.A.R.), os artigos 9°, 217° n° 1, 288° n° 3, 1024° n° 1 e n° 2 e 1404° do Código Civil, bem como, o artigo 659° n° 2 e n° 3 do Código Processo Civil.

A parte contrária pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A- Fundamentação de facto
Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:
1º - Por contrato escrito, foi dado de arrendamento pelo 1 ° R. marido ao A, uma parcela de terreno hortícola com a área de 10,257 m2, , com início a 01 de Janeiro de 1998 e com duração de 5 anos, prorrogável – (A).
2º - O 1° R. marido e o 2° R. eram, à data, proprietários inscritos, por sucessão por óbito, sem determinação de parte ou direito, do prédio rústico de terreno de semeadura e arvense, --- – (B).
3º - Até à entrada dos autos em juízo, o A. vem pagando pontualmente a renda devida -  (C).
4º - Por escritura pública de 17 de Fevereiro de 2005, os 1 ° e 2° RR venderam, através do seu procurador C ---, à 3ª R., o referido prédio, pelo preço de € 75.000,00, tendo a 3ª R. ficado isenta do pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis – (D).
5º - As despesas notariais foram no valor de € 788,74 – (E).
6º - Os RR não informaram o A. de que iriam proceder à venda do imóvel – (1º).
7º - Apenas no dia 11 de Novembro de 2005, o A. tomou conhecimento da venda referida em 4º, tendo obtido cópia da escritura – (2º).
8º - O 1 ° R. marido e o 2° R. possuem as suas casas de habitação construídas, há já alguns anos, no prédio rústico – (4º).
9º - O 1° R. marido celebrou o contrato referido em 1º na qualidade de cabeça-de-casal da herança - (7°).
10º - Os 1° e 2° RR recebem conjuntamente as rendas – (8°).

B- Fundamentação de direito

Das conclusões do apelante – de que resulta delimitado o objecto do recurso, como decorre designadamente dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 4 do Código de Processo Civil – emerge a seguinte questão, que a este tribunal cumpre decidir:
 - A ineficácia do contrato de arrendamento rural.

O autor intentou contra os réus acção de preferência pelo facto de ser titular de um arrendamento rural e de não lhe ter sido comunicado a venda do prédio
Efectivamente, no caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários com, pelo menos, três anos de vigência do contrato, assiste o direito de preferirem na transmissão, tendo o contraente alienante de comunicar ao titular desse direito o projecto da venda e as cláusulas respectivas - artigos 28°  n° 1 do DL n° 385/88, de 25/10 (RAR) e 416° n° 1 do Código Civil.

A douta sentença recorrida considerou que o autor não pode exercer o direito de preferência com base no contrato de arrendamento rural, pelo facto de o primeiro réu não poder outorgar o contrato sem o consentimento expresso e escrito do outro co-herdeiro, o terceiro réu.
O prédio arrendado (terreno de semeadura e arvense) tinha como proprietários, sem determinação de parte ou direito, os réus J e V. Apenas o primeiro subscreveu o contrato de arrendamento.
Qual o valor do contrato de arrendamento em relação ao réu V?

Conforme refere o artigo 1024º do Código Civil, a locação constitui um acto de administração ordinária (do consorte administrador).
No entanto, o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou pelos consortes administradores só se considera válido quando os restantes comproprietários manifestem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento (artigo 1024º nº 2 do CC), por qualquer modo admitido em direito, caso se não imponha a adopção da forma solene da escritura pública.
Não existindo consentimento prévio ou posterior, o contrato é ineficaz em relação ao consorte que nele não consentiu e enquanto nele não assentir.

Defende o Prof. Vaz Serra[1] que, no caso de arrendamento celebrado por um dos comproprietários de um prédio indiviso, sem assentimento dos outros, tal contrato não é nulo nem anulável mas, sim, ineficaz em relação aos comproprietários não outorgantes ou que nele não consentiram, encontrando-se tal doutrina expressamente formulada no s números 1 e 2 do artigo 1408º do Código Civil.
Comentando o artigo 1408º, Pires de Lima e Antunes Varela, referem que acabou por consagrar-se a doutrina de que os actos de disposição ou oneração de parte especificada da coisa, sem consentimento dos condóminos, não são nulos ou anuláveis, mas ineficazes em relação aos restantes condóminos[2].
No entanto, sustentam que, no caso de arrendamento de parte não especificada mas de todo o prédio, já se estará perante uma nulidade, embora sujeita a um regime especial, incluindo a possibilidade de conformação e o facto de só ser invocável pelos consortes não participantes no acto[3].
Para o Prof. Pereira Coelho, trata-se, antes, de uma anulabilidade de regime misto, invocável só pelos comproprietários não comparticipantes no acto, sem sujeição a prazo, mas sanável mediante confirmação[4].
Entendemos ser mais adequada a orientação que interpreta o artigo 1024º nº 2 do Código Civil no sentido de o arrendamento de prédio em regime de indivisão não autorizado por um ao alguns dos comproprietários ser meramente ineficaz em relação a estes, pois não se justifica que seja sancionado com a nulidade ou com a anulabilidade, porque em ambos estes casos o comproprietário não interveniente no acto seria obrigado, para lhe pôr termo e obter o despejo do prédio, a pedir a sua anulação judicial.
 Destinando-se a exigência de tal consentimento a assegurar a defesa dos interesses de todos os comproprietários, considerar o arrendamento nulo seria criar, para aqueles, o escusado ónus de terem de propor uma acção de anulação do contrato.

Portanto, no caso sub judice, tal arrendamento, feito por um co-herdeiro sem o consentimento do outro, é ineficaz em relação ao que não outorgou nesse contrato.
Como refere Vaz Serra, este consentimento dos restantes comproprietários pode ser anterior, posterior ou contemporâneo do acto de oneração da coisa[5].
No caso dos autos resultou provado que os primeiro e segundo réus (J e V) recebem conjuntamente as rendas – resposta ao quesito 8º.
Face a esta factualidade é legítimo concluir que o co-herdeiro V consentiu, efectivamente, no seu arrendamento ao autor pelo réu J, pois recebeu as rendas do imóvel e não deduziu qualquer oposição à utilização do mesmo pelo autor.

 Esta invalidade é sanável mediante confirmação, nos termos do artº 288º, nº 1, do Código Civil[6].
Ora, enquanto negócio jurídico unilateral não receptício, a confirmação identifica-se com o assentimento posterior ao arrendamento dado pelo consorte que não interveio no contrato e não tem de ser expressa, pois pode deduzir-se de factos que com toda a probabilidade a revelem (factos concludentes), nos termos dos artigos 288º nº 3 e 217º nº 2 do Código Civil[7].
    
No caso sub judice, trata-se, no fundo, de averiguar o significado jurídico-negocial da conduta do co-herdeiro, o réu V, na presente acção, em ordem a concluir se houve ou não assentimento ao arrendamento.
Está assim em causa, não propriamente apurar o sentido que os interessados, agindo como agiram, pretenderam dar à exteriorização da sua vontade, mas sim determinar o alcance que um declaratário normal, posto no lugar do real declaratário, lhe atribuiria, de harmonia com as regras do artigo 236º do Código Civil.
  
Ora, no enquadramento fáctico acima referido, ou seja, que, até à entrada dos autos em juízo, o autor vem pagando pontualmente a renda devida – alínea C) – e que os réus J e V recebem conjuntamente as rendas – resposta ao quesito 8º -, pode concluir-se que o apelado V deu o seu assentimento tácito ao arrendamento concluído apenas entre o réu J e o autor.
É, efectivamente, consensual, tanto na doutrina, como na jurisprudência, o entendimento segundo o qual o recebimento de rendas pelos outros comproprietários não outorgantes do contrato de arrendamento que tem por objecto um prédio indiviso significa, normalmente, o seu assentimento posterior ao mesmo arrendamento[8].
Podemos, pois, concluir que o contrato de arrendamento em causa vincula o réu V.

Sendo assim importa verificar se se mostram preenchidos os pressupostos do invocado direito de preferência invocado na presente acção pelo arrendatário rural, o ora apelante.
Recuperando a pertinente matéria de facto, mostra-se provado que:
 - Por escritura pública de 17 de Fevereiro de 2005, os 1 ° e 2° RR venderam, através do seu procurador C ---, à 3ª R., o referido prédio, pelo preço de € 75.000,00, tendo a 3ª R. ficado isenta do pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis – (4º).
- As despesas notariais foram no valor de € 788,74 – (5º).
 - Os RR não informaram o A. de que iriam proceder à venda do imóvel – (6º).
- Apenas no dia 11 de Novembro de 2005, o A. tomou conhecimento da venda referida em 4º, tendo obtido cópia da escritura – (7º).
Preceitua o nº 1 do artigo 28° do DL n° 385/88, de 25/10 (RAR) que, no caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários com, pelo menos, três anos de vigência do contrato, assiste o direito de preferirem na transmissão.
 O contraente alienante tem de comunicar ao titular desse direito o projecto da venda e as cláusulas respectivas - artigos 416° n° 1 do Código Civil.
A matéria de facto mostra que os proprietários, os primeiros e segundo réus não procederam em conformidade com tais normativos e a que estavam obrigados, procedendo, por isso, o direito de preferência exercido através da presente acção.

EM CONCLUSÃO:
- Celebrado um contrato de arrendamento de prédio indiviso por um dos co-herdeiros, sem assentimento do outro, ele é ineficaz em relação a esse co-herdeiro.
- Esta invalidade é sanável mediante confirmação, nos termos do artº 288º, nº 1, do Código Civil.
- O recebimento de rendas pelo outro co-herdeiro não outorgante do contrato de arrendamento que tem por objecto um prédio indiviso significa o seu assentimento posterior ao mesmo arrendamento.
 
III - DECISÃO
Perante o exposto, julga-se a apelação procedente e, em consequência, julga-se a acção procedente e provada e condenam-se os réus a reconhecerem o direito de preferência invocado pelo autor e, consequentemente, a ré U----, Ldª a abrir mão do imóvel vendido, a favor do autor que, assim, a substitui na posição de comprador.
Custas pelos apelados.

Lisboa, 06 de Maio de 2010

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes
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[1] RLJ, Ano 100º, pág. 202.
[2]  Código Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, pág. 365.
[3] Código Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 334.
[4] Sumários das Lições do Ciclo Complementar de Ciências Jurídicos em 1980/1981, pág. 269, nota 2.
[5] RLJ, Ano 103º, pág. 5778.
[6] Cfr os acórdãos do STJ de 30.5.1989 in BMJ nº 387, p. 538, de 14.1.1993,in CJ do STJ, 1/93, pág. 52), de 14.5.1993, in BMJ nº 426, pág. 450 e de 22.11.1994 in BMJ nº 441, pág. 305.
[7] Ac. do STJ de 15.11.2005, proferido na Revista nº 2589/05, acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[8] P. Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, 1997, pág. 346 e Pereira Coelho, in Arrendamento. Direito Substantivo e Processual”, 1988, pág 103, nota 4.
Também no sentido de que «uma das formas por que pode manifestar-se o consentimento dos comproprietários estranhos ao arrendamento é o recebimento da quota-parte que nas rendas lhes tocava», o Ac. do S.T.J. de 29.7.1975, proferido no Proc. nº 065820 cujo sumário pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.