ESTADO
NULIDADE DO CONTRATO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1. Se o empregador fizer cessar um contrato de trabalho nulo ou anulável, invocando a sua invalidade, a cessação será considerada lícita e o trabalhador terá apenas direito às prestações correspondentes ao tempo em que o contrato esteve em execução; se não invocar esse vício e fizer cessar o contrato através de um acto unilateral que não consubstancie a invocação desse vício, e a cessação da relação vier a ser qualificada como despedimento ilícito e o contrato declarado inválido, por sentença judicial, a declaração da ilicitude do despedimento confere àquele o direito aos salários que ele normalmente auferiria desde a data da cessação do contrato até à data do trânsito em julgado da sentença.
2. Neste caso, ao contrário do que sucede no regime-regra da ilicitude do despedimento, o tribunal não pode determinar a reintegração do trabalhador, pois não pode declarar a invalidade do contrato e ao mesmo tempo declarar que o contrato se mantém.
3. E se o direito à reintegração não se equaciona, a indemnização de antiguidade em substituição da reintegração está também necessariamente fora de causa, pois afastada a aplicação do efeito directo da ilicitude (a reintegração), não é, nem natural nem logicamente, possível, ponderar-se a opção alternativa, ou seja, a da substituição da reintegração pela indemnização.
(sumário elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

            I. RELATÓRIO

            A…, advogado, com domicílio profissional …, instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra
O Município de Lisboa, com sede na Praça do Município, em Lisboa, pedindo que o seu despedimento seja declarado ilícito e que o R. seja condenado a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde essa data até ao trânsito em julgado da decisão, a reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou a indemnizá-lo nos termos do art. 439º, n. 1 do CT, caso venha a fazer tal opção, bem como a pagar-lhe retribuições de férias e subsídios de férias e ainda proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal.
Alegou para tanto e em síntese que celebrou com o Ré um contrato de prestação de serviços em 1/7/2003, vulgarmente designado por contrato de avença, pelo prazo de seis meses;
Não obstante o prazo contratual inicialmente fixado, o contrato foi sucessivamente renovado em Janeiro de 2004, 2005, 2006 e 2007, acabando por ser verbalmente resolvido em 10/01/2007, por ordem verbal da Directora Municipal da Conservação e Reabilitação Urbana.
Durante a vigência dessa relação, de 1/7/2003 a 10/01/2007, trabalhou sempre por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização do R., exercendo funções de apoio jurídico à equipa da Câmara Municipal de Lisboa da Unidade de Projecto do Castelo [UPC].
A relação contratual que manteve com o R. consubstancia um verdadeiro contrato de trabalho e a sua resolução, nos termos em que foi efectuada, configura um despedimento ilícito.

O R. contestou a acção, por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocou a nulidade do contrato celebrado com o autor;
Por impugnação, alegou que o contrato celebrado com o A. tinha como objecto a prestação de consultoria e apoio jurídico nas áreas de conservação e reabilitação urbana e que não corresponde à verdade que o A. estivesse sujeito às ordens, direcção e hierarquia do R. e a qualquer tipo de horário de trabalho.
Concluiu pela improcedência da lide e pela sua absolvição do pedido.

O A. respondeu a matéria da excepção, tendo concluído pela sua improcedência.

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu o R. dos pedidos.

Inconformado, o A. interpôs recurso de apelação da referida sentença, no qual formulou as seguintes conclusões:
(…)
Terminou pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que condene o R. nos termos peticionados e, se se vier a entender que não estamos em presença de um contrato de trabalho sem termo, a decisão recorrida deve ser substituída por outra que condene o R. na competente indemnização por resolução culposa do contrato.

O R., na sua contra-alegação, pugnou pelo não provimento do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.

O recurso foi admitido na forma, com o efeito e no regime de subida devidos.

As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes:
1. Saber se a sentença recorrida enferma da nulidade que a recorrente lhe imputa;
2. Saber se a relação contratual que vinculou ambas as partes no período compreendido entre 1/07/2003 e 10/01/2007, consubstancia uma relação de trabalho subordinado e, na afirmativa, se essa relação e a forma como a mesma cessou confere ao recorrente o direito à reintegração, bem como às retribuições intercalares, às retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal que o mesmo reclama nesta acção.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. O A. e R. celebraram em 1/7/2003 um contrato de prestação de serviços jurídicos, vulgarmente, designado por contrato de avença;
2. Nos termos do referido contrato, o A. obrigou-se a prestar ao R. serviços de apoio e enquadramento jurídico à equipa da Unidade de Projecto do Castelo, para o Departamento de Reabilitação e Gestão das Unidades de Projecto, no âmbito da apreciação de processos atribuídos ao Departamento, assegurando dentro da área jurídica as diversas intervenções a concretizar;
3. Tendo sido igualmente clausulado no contrato que as funções a exercer pelo segundo outorgante são de apoio jurídico ao Departamento de Reabilitação e Gestão das Unidades de Projecto, sendo que o segundo outorgante reúne aptidões especialmente comprovadas na área jurídica, a que acresce experiência e o zelo já demonstrados;
4. O contrato atrás referido foi celebrado pelo prazo de seis meses, com início em 1/7/2003 e termo em 31/12/2003, sucessivamente renovável por períodos de 12 meses;
5. Não obstante o prazo contratual inicialmente fixado, o contrato foi sucessivamente renovado nos meses de Janeiro de 2004, 2005, 2006, 2007;
6. Continuando o A. a desenvolver trabalho para o R., e por este solicitado, sucessivamente, depois dos dias 1 de Janeiro de 2004 a 2007, inclusive;
7. Pela prestação dos serviços jurídicos do A., foi acordado que o R. lhe pagaria uma remuneração mensal de € 1.566,93;
8. Esse valor mensal foi actualizado no ano de 2005 para € 1.601,40 euros;
9. E para € 1.625,42 mensais no ano de 2006;
10. Em Janeiro de 2007, o contrato celebrado entre o A. e o R. foi verbalmente resolvido por este, através de ordem verbal da Directora Municipal da Conservação e Reabilitação Urbana, Dra. AF…, que para o efeito invocou uma ordem verbal da Vereadora GS…;
11. O A. trabalhou para o R. entre 1 de Julho de 2003 e princípios de Janeiro de 2007;
12. Tais funções consistiam no apoio jurídico à equipa da Câmara Municipal de Lisboa da Unidade de Projecto do Castelo, no enquadramento jurídico de pretensões de particulares e da própria Câmara;
13. Designadamente, instruindo processos administrativos camarários, elaborando pareceres e informações para fundamentação de decisões superiores e elaboração de editais e notificações a particulares para assinatura pelas chefias;
14. O arquitecto PP… era o Director do Projecto do Castelo, onde o A. trabalhava;
15. O referido arquitecto determinava quais os processos que o mesmo deveria instruir, as informações escritas que deveria elaborar e as reuniões, internas ou com munícipes, em que o mesmo deveria participar;
16. O trabalho desenvolvido pelo A. para o R. era realizado em gabinete das instalações sitas na Rua do Espírito Santo, Casa do Governador do Castelo de S. Jorge, em Lisboa, e com meios por esta fornecidos;
17. O A. cumpria um horário de trabalho diário/semanal de 35 horas compreendidas entre as 9,00 e as 17,30 horas, com interrupção de 1h e 30m para almoço, no âmbito do horário de funcionamento dos serviços;
18. Em Outubro de 2006 foi ordenado pelo R. ao A., através da referida Directora Municipal da Conservação e Reabilitação Urbana, Dra. AF…, que passasse a exercer funções no Departamento Camarário de Conservação de Edifícios Particulares/Divisão de Fiscalização da zona Oriental, funcionando em instalações da Câmara Municipal de Lisboa, no Campo Grande;
19. Nesse Departamento as funções do A. eram de análise e informação jurídicas nos processos do âmbito do Departamento que lhe eram distribuídos para instrução;
20. No Departamento Camarário de Conservação de Edifícios Particulares/Divisão de Fiscalização da zona Oriental, onde o A. exercia as suas funções, era Director o Eng. JB…;
21. Para os quais o A. elaborava pareceres e informações para fundamentação de decisões superiores, editais e notificações a particulares para assinatura pelas chefias;
22. Como contrapartida da retribuição mensal, o A. emitia a favor do R. um recibo como prestador de serviços, vulgarmente conhecido por recibo verde.
           
            III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
           
            1. Nulidade imputada à sentença pelo recorrente
            Como dissemos atrás, a primeira questão que se suscita neste recurso consiste em saber se a sentença enferma da nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, al. b) do CPT.
            A recorrente alega que a sentença enferma da nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, al. b) do CPT, uma vez que o juiz recorrido não especificou os fundamentos de direito que o levaram a aplicar ao caso sub judice o DL 184/89, de 2/6.
Antes de mais, importa referir que a nulidade arguida pelo recorrente não foi invocada nos termos que a lei determina.
Havendo recurso, as nulidades da sentença e a respectiva fundamentação devem ser invocadas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição, tal como determina o art. 77º, n.ºs 1 e 3 do CPT.
Ao determinar que as nulidades devem ser arguidas no requerimento de interposição de recurso, o legislador pretende que seja permitido ao juiz a quo sanar as referidas nulidades antes da subida do recurso ao tribunal superior, em cumprimento dos princípios da economia e celeridade processuais.
Para esse efeito importa que aquelas sejam arguidas no requerimento de interposição, já que não cabe ao juiz a quo conhecer das alegações do recurso, mas tão somente apreciar o requerimento de interposição do mesmo, nos termos do art. 687º, n.º 3 do CPC (aplicável por força do art. 1º, n.º 2 al. a) do CPT).
Não tendo o apelante invocado nem especificado no requerimento de interposição de recurso em que consiste a referida nulidade, tem de concluir-se que a mesma não foi arguida nos termos que a lei determina (art. 77º, n.º 1 do CPT).
A nulidade arguida pela recorrente foi invocada apenas nas conclusões do recurso, mas esse não é, como dissemos, o meio nem o momento adequado para arguir esse vício, pelo que a referida arguição não deve ser conhecida por extemporânea[1].
De qualquer forma sempre se dirá que o apelante não tem qualquer razão quando imputa à sentença recorrida a referida nulidade, uma vez que o juiz recorrido especificou suficientemente os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Depois de ter concluído com base na matéria de facto provada que o A., no exercício das suas funções, se encontrava juridicamente subordinado ao R., o juiz considerou que o contrato de prestação de serviços que as partes celebraram, em 1/07/2003, é nulo, uma vez que o art. 10º, n.º 6 do DL 184/89, de 2/06, estabelece que os contratos de prestação de serviços que se destinem ao exercício de actividades subordinadas são nulos, sem prejuízo da validade dos efeitos que se produzam ao longo da sua execução. E considerou que este preceito é aplicável ao caso sub judice, por entender que o diploma em que o mesmo se insere é aplicável a todos os serviços da Administração Pública, incluindo a administração local, na qual o Réu se insere.
Mesmo que se entendesse, como entende o recorrente, que essa norma não é aplicável ao contrato celebrado pelas partes e que a fundamentação da decisão está errada, esse vício nunca integraria a nulidade que o mesmo imputa à sentença, uma vez que só a falta absoluta de motivação e não a fundamentação errada ou deficiente, produz a nulidade prevista na alínea b), do n.º 1 do art. 668º do CPC.
A fundamentação errada ou deficiente, quando se verifica, constitui um erro de julgamento e poderá constituir motivo de recurso, nunca uma nulidade de sentença[2].
            A nulidade que o recorrente imputa à sentença recorrida não tem, portanto, qualquer fundamento.

            2. Contrato de prestação de serviços que tem como objectivo o exercício de uma actividade subordinada. Consequências.
Vejamos, agora, se a relação contratual que vinculou ambas as partes no período compreendido entre 1 de Julho de 2003 e princípios Janeiro de 2007, consubstancia uma relação de trabalho subordinado e, na afirmativa, se essa relação e a forma como a mesma cessou confere ao recorrente o direito à reintegração, bem como às retribuições intercalares, às retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal que o mesmo reclama nesta acção.
            Em relação à qualificação da relação contratual que efectivamente existiu entre as partes, pensamos já não haver controvérsia sobre essa questão, uma vez que o juiz recorrido, depois de analisar e apreciar a matéria de facto provada e todos os elementos de facto relevantes constantes do processo concluiu que o A., no exercício das suas funções, estava juridicamente subordinado ao R. e que a relação contratual que existiu entre as partes, entre 1/07/2003 e 10/01/2007, consubstanciava uma relação de trabalho subordinado, não tendo as partes impugnado, nem posto minimamente em causa essa qualificação, no recurso interposto para esta Relação.
            A questão que se coloca é a de saber se as partes podiam celebrar o contrato de prestação de serviços jurídicos que celebraram, ou melhor, o contrato de avença que celebraram para a execução de trabalhos com carácter subordinado.
            Na data da celebração desse contrato, os princípios gerais em matéria de emprego público, estavam previstos no DL 184/89, de 2/06 (art. 1º).
Essa matéria era e é da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República e o Governo emitiu este diploma no uso da autorização legislativa que aquela lhe conferiu através da Lei n.º 114/88, de 30/12 (cfr. arts. 168º, n.º 1, al. v) e 201º, n.º 1 b) da Constituição da República, na redacção vigente na data da emissão e publicação do diploma, e arts. 165º, n.º 1, al. t) e 198º, n.º 1, al. b) na redacção actualmente em vigor).
            O DL 427/89, de 7/12, e o DL 409/91, de 17/10, tal como decorre dos respectivos preâmbulos, consubstanciam o desenvolvimento e regulamentação dos princípios gerais e das normas estabelecidas no DL 184/89 (cfr. também art. 43º deste diploma) e foram emitidos no exercício da competência legislativa própria do Governo (cfr. art. 201º, n.º 1, al. c) da Constituição, na redacção vigente, nessas datas, e art. 198º, n.º 1, al. c) da redacção actualmente em vigor) e, como tal, estão subordinados ao disposto naquele diploma (cfr. art. 115º, n.º 2 da Constituição, na redacção vigente naquela data, e art. 112º, n.º 2 da actual redacção). Tratando-se de diplomas de desenvolvimento e regulamentação dos princípios gerais definidos no DL 184/89, o Governo não podia, a esse título, pôr em causa o disposto neste DL.
Através do DL 427/89, o Governo desenvolveu e regulamentou a aplicação dos princípios gerais e das normas estabelecidas no DL 184/89, de 2/06, aos funcionários e agentes do Estado, e através do DL 409/91, de 17/10, o Governo mandou aplicar à administração local o disposto no DL 427/89, com as adaptações constantes nesse diploma (art. 243º, n.º 2 da Constituição e art. 1º, n.º 1 do DL 409/91).
            Os princípios gerais e os comandos do DL 184/89, de 2/06, designadamente o disposto no seu art. 10º são, portanto, aplicáveis a todos os serviços e organismos da Administração Pública, onde naturalmente se insere a administração local, da qual o R. faz parte, não se podendo olvidar que a redacção do art. 10º da qual resultou a introdução do n.º 6 nem sequer decorreu do exercício de uma autorização legislativa, mas sim de uma lei da Assembleia da República – a Lei n.º 25/98, de 16/08 – que legislou no exercício da sua competência própria.
            A argumentação deduzida pelo recorrente nas conclusões 20ª a 27ª da sua alegação de recurso, afigura-se-nos, assim, manifestamente improcedente.
            No caso em apreço, as partes celebraram, em 1/07/2003, um contrato de prestação de serviços jurídicos, vulgarmente designado por contrato de avença e, na cláusula 2ª desse contrato ficou estabelecido que o mesmo foi “celebrado ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 7º do DL 409/91, de 17/10 (…), visando a satisfação de necessidades não permanentes do primeiro outorgante, sem sujeição hierárquica nem horário de trabalho e baseando-se em razões de especial aptidão técnica do segundo outorgante, não existentes nos funcionários em exercício de funções por conta do primeiro outorgante.”
            O art. 7º, n.º 1 do DL 409/91 permite a celebração de contratos de avença, e o n.º 3 deste artigo diz-nos que “o contrato de avença caracteriza-se por ter como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas se podendo recorrer a este tipo de contrato quando não existam funcionários com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto da avença”.
Quer isto dizer que se a cláusula 2ª do contrato celebrado pelas partes estivesse em correspondência com a realidade, ou seja, com aquilo que efectivamente se passou na vigência desse contrato, estaríamos perante um contrato de prestação de serviços jurídicos (um contrato de avença) plenamente válido, face ao estatuído no art. 10º do DL 184/89 e no art. 7º do DL 409/91, e esta acção, provavelmente, nunca teria sido instaurada.
O problema reside nessa falta de correspondência. No contrato celebrado ficou acordado a prestação de trabalho autónomo e a realidade traduziu-se na prestação de trabalho subordinado.
O DL 184/89, de 2/06 (que enuncia os princípios gerais em matéria de emprego público) estabelece no n.º 1 do seu art. 10º que “a celebração de contratos de prestação de serviços por parte da Administração só pode ter lugar nos termos da lei e para execução de trabalhos com carácter não subordinado”, esclarecendo o n.º 2 que se considera trabalho não subordinado “o que, sendo prestado com autonomia, se caracteriza por não se encontrar sujeito à disciplina, à hierarquia, nem implicar o cumprimento do horário de trabalho” (redacção dada pela Lei n.º 25/98, de 26/05).
            No caso em apreço, apesar das partes terem estipulado no contrato que o mesmo visava a satisfação de necessidades não permanentes, sem sujeição hierárquica, nem horário de trabalho, o que se verificou, na prática, foi precisamente o contrário. O A. exercia a sua actividade de apoio jurídico à equipa da Câmara Municipal de Lisboa da Unidade de Projecto do Castelo, cujo director lhe determinava os processos que deveria instruir, as informações escritas que deveria elaborar, as reuniões, internas ou com os munícipes, em que deveria participar; trabalhava 35 horas semanais, cumpria um horário de trabalho (das 9.00 às 17.30 horas com 1h 30m de intervalo para almoço), e desempenhava a sua actividade com meios, instrumentos de trabalho e num gabinete fornecidos pelo Réu. Em Outubro de 2006, por ordem da Directora Municipal da Conservação e Reabilitação Urbana foi trabalhar para o Departamento Camarário de Conservação de Edifícios Particulares/Divisão de Fiscalização da Zona Oriental, onde desempenhava funções de análise e informação jurídicas nos processos que lhe eram distribuídos para instrução.
Como já dissemos atrás, o juiz recorrido, depois de analisar e apreciar a matéria de facto provada e todos os elementos de facto relevantes constantes do processo, concluiu que o A., no exercício das suas funções, estava juridicamente subordinado ao R. e que a relação contratual que existiu entre ambos, no período compreendido entre 1 de Julho de 2003 e princípios de Janeiro de 2007, consubstancia uma relação de trabalho subordinado, não tendo as partes impugnado, nem posto minimamente em causa essa qualificação, no recurso interposto para esta Relação.
            Estando definitivamente assente que o autor, ora recorrente, durante a vigência do referido contrato de prestação de serviços, prestou trabalho subordinado, importa retirar as consequências jurídicas da relação contratual executada nesses termos e da denúncia dessa relação, em Janeiro de 2007, por ordem verbal da Directora Municipal da Conservação e Reabilitação Urbana, Dra. AF…, que para o efeito invocou uma ordem verbal da Vereadora GS….
Para tanto, é necessário chamar de novo à colação, o art. 10º do DL 184/89, de 2/06. Para além de definir os termos em que é possível a contratação de pessoal em regime de prestação de serviços na Administração Pública (nºs 1 e 2), tal artigo prescreve, no seu n.º 6, que “são nulos todos os contratos de prestação de serviços, seja qual for a forma utilizada, para o exercício de actividades subordinadas, sem prejuízo da produção de todos os seus efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo durante o qual estiveram em execução”.
Consagrando, na prática, um regime semelhante ao estabelecido no art. 15º, n.º 1 da LCT e no art. 115º, n.º 1 do CT para o contrato de trabalho inválido, o art. 10º, n.º 6 do DL 184/89 comina com a nulidade a celebração pela Administração Pública de contratos de prestação de serviços fora das situações legalmente admissíveis, mas ressalva a manutenção dos respectivos efeitos jurídicos durante o período da sua execução.
No momento em que foi proposta a presente acção, o contrato do A. já não vigorava, por ter sido denunciado pelo R., mas isso não impede que o R. (na sua contestação) e o tribunal (na decisão final) possam declarar a nulidade desse contrato e as consequências dessa nulidade, por aplicação do disposto no artigo 10º, n.º 6, do DL 184/89.
Ao contrário do que sustenta o recorrente, essa nulidade não implica a conversão do alegado contrato de prestação de serviços jurídicos num contrato de trabalho sem termo, pois não existe qualquer disposição legal que viabilize essa conversão. Aliás, para impedir que as regras de acesso à função pública (v.g. a realização de concurso) fossem violadas ou contornadas, o regime de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública estava estruturado no sentido de rejeitar categoricamente a conversão dos contratos de prestação de serviços e dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo. E o recorrente, como advogado, conhece este regime, sabe que a lei não permitia nem permite a celebração de contratos de prestação de serviços para o exercício de actividades subordinadas e sabe que um contrato de prestação de serviços e um contrato de trabalho a termo certo nunca podiam converter-se num contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Na altura, em que o recorrente foi contratado, nem sequer era permitido estabelecer uma relação de emprego com a Administração Pública através do contrato de trabalho sem termo. Admitia-se a celebração de contrato de trabalho a termo certo, para a realização de determinados serviços, mas este nunca podia converter-se num contrato de trabalho sem termo (art. 9º, n.º 2 do DL 184/89 e arts. 14º, n.º 3, 20º, n.º 2 e 43º do DL 427/89, aplicáveis por força do art. 1º do DL 409/91, de 17/10, e art. 10º, n.º 2 da Lei n.º 23/2004, de 22/06).
            Não era permitida a celebração de contratos de trabalho sem termo, nem estes, de modo algum, podiam surgir por conversão de contratos de trabalho a termo certo, ou através da manutenção, durante anos consecutivos, de situações de facto idênticas às de uma relação de trabalho juridicamente subordinada.
            Nesta, ou se estabelecia uma relação jurídica de emprego subordinada – sendo apenas instrumentos válidos, para esse efeito, o contrato administrativo de provimento e o contrato de trabalho a termo certo - ou se estabelecia uma relação jurídica sem subordinação, assente na modalidade do contrato de prestação de serviços, eventualmente nas suas formas especiais de tarefa e de avença (arts. 3º, 14º, n.º 2, 18º do DL 427/89, de 7/12, art. 7º do DL 409/91, de 17/10, art.17º do DL 41/84, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 299/85, de 29/7).
            O carácter proibitivo destes artigos no que respeita à celebração de contratos de trabalho sem termo certo não levanta quaisquer dúvidas. E, revestindo estas normas carácter imperativo, os contratos celebrados em contravenção ao que nelas se estatui não podem deixar de ser considerados nulos, nos termos do art. 294º do Cód. Civil.
            Também a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [STJ] tem sido unânime a este respeito. Desde a entrada em vigor dos DL 184/89, de 2/7, 427/89, de 7/12, e 409/91, de 17/10, a jurisprudência do STJ sempre entendeu que o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, nos termos daqueles diplomas, não admite a celebração de contrato de trabalho sem termo, seja inicial, seja pela conversão do contrato de trabalho a termo[3].
            Quais as consequências jurídicas da celebração de um contrato de avença (contrato de prestação de serviços jurídicos) que, na realidade, se traduziu não como uma relação de prestação de serviços, mas sim como uma relação de trabalho subordinado?
No Acórdão do STJ, de 8/11/2006, Processo n.º 06S1544 (Relator: Fernandes Cadilhe) e no Acórdão desta Relação, de 4/02/2009, Recurso n.º 10.849/08 – 4ª Secção (Relator: Ramalho Pinto)[4], concluiu-se pela nulidade dos contratos de prestação de serviços celebrados com a Administração, quando, através do mesmos, se visa o exercício de actividades subordinadas. Concluiu-se ainda nesses acórdãos que tais contratos de prestação de serviços declarados nulos produzirão efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo durante o qual estiveram em execução material efectiva, sendo esses efeitos os que resultam desses contratos tal como foram celebrados pelas partes. Como tal, os trabalhadores, por referência ao período de execução do contrato, não poderão reclamar quaisquer direitos estatutários que possam derivar da qualificação jurídica da relação contratual como contrato de trabalho subordinado, designadamente, retribuições, retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal, por representaram prestações típicas de uma relação jurídico-laboral. Não poderão, igualmente, reclamar a reintegração no posto de trabalho, nem o pagamento das retribuições que deixaram de auferir desde a denúncia do contrato, uma vez que a nulidade desses contratos de prestação de serviços não determina a sua conversão em contratos de trabalho por tempo indeterminado.
Muito embora, numa primeira abordagem, tenhamos concordado e perfilhado o entendimento defendido nestes acórdãos, uma análise e um estudo mais aprofundado sobre esta questão, levou-nos a concluir que o art. 10º, n.º 6 do DL 184/89, de 2/06, quando declara nulo o contrato de prestação de serviço mas ressalva os efeitos que dele decorreram durante o período da sua vigência, se estriba no necessário pressuposto de que outro não haja sido o contrato que efectivamente existiu entre as partes, no período em causa. Nem poderia ser de outro modo. Se o tribunal não se acha adstrito, na tarefa de qualificação do vínculo, à designação que as partes lhe atribuíram (art. 664º do CPC), mal se entenderia que, ao arrepio da qualificação operada, lhe fosse imposto, a final, que atendesse aos efeitos de um contrato ficcionado.
É por isso que não podemos deixar de subscrever por inteiro o entendimento expendido nos Acórdãos do STJ, de 10/3/2005 (Revista nº 3953/04) e de 12/2/2009 (Processo n.º 08S2583, www.dgsi.pt): “Se um dado contrato celebrado entre a Administração e um particular, pelo seu conteúdo, apesar de lhe ter sido atribuído um outro nomen juris, é susceptível de ser qualificado como um contrato de trabalho, a consequência é esse contrato passar a reger-se, enquanto estiver em execução, pelas leis laborais de direito privado ou pelo regime da constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego público, consignado no Decreto-Lei nº 427/89, consoante o contrato em causa possa ser considerado como contrato de trabalho por tempo indeterminado ou contrato de trabalho a termo certo”.
No caso em apreço, atendendo a que a relação se traduziu, na realidade, na prestação de trabalho subordinado, tal relação consubstancia um contrato de trabalho, e como lhe foi aposto um termo de duração, só podia ser celebrado com observância do disposto nos arts. 14º, 18º a 21º do D.L. nº 427/89, de 7/12 (aplicáveis por força do art. 1º do DL 409/91, de 17/10), e se se verificasse o condicionalismo previsto naqueles preceitos. Como isso não sucedeu, temos necessariamente de concluir que tal acordo consubstancia indubitavelmente um contrato de trabalho nulo. Ou seja, a relação contratual que existiu entre o A. e o R., no período compreendido entre 1de Julho de 2003 e Janeiro 10/01/2007, consubstancia, na realidade, um contrato de trabalho sem termo, mas como a lei não permitia estabelecer uma relação de emprego, naqueles termos, esse contrato deve ser considerado nulo.
O regime geral da nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos está previsto nos arts. 285º a 294º do Cód. Civil e, no que especificamente diz respeito aos efeitos da declaração de nulidade e da anulação, o n.º 1 do art. 289º estabelece que “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Por força deste regime geral, o negócio jurídico declarado nulo ou anulado é como se não tivesse existido. Tudo se passa como se não tivesse sido realizado, devendo cada uma das partes restituir à outra todas as prestações que dela tenha recebido por força do contrato ou o valor correspondente às mesmas, se a restituição em espécie não for possível, não funcionando aqui as regras do enriquecimento sem causa.
Assim, aplicando aquele regime geral aos contratos de trabalho, teríamos que, declarado nulo ou anulado um determinado contrato, o empregador ficaria obrigado a restituir ao trabalhador o equivalente ao trabalho por este prestado e o trabalhador teria de devolver ao empregador os salários recebidos, o que, na prática, poderia significar que nenhum deles teria nada a restituir ao outro, se lançasse mão da compensação.
Todavia, como afirma Pedro Romano Martinez[5], uma tal solução pressupunha que o salário auferido correspondia ao valor da actividade desenvolvida pelo trabalhador o que não é necessariamente verdade e, então, haveria que avaliar o valor da actividade e verificar se esse valor era igual ao salário pago. E, para além disso, diz aquele autor, a relação laboral não se circunscreve à prestação de uma actividade em troca de um salário, seria complicado proceder à restituição ou à determinação do valor de todas as prestações e seria mesmo inconveniente que se destruíssem, retroactivamente, todos os efeitos emergentes de uma relação que se executou, quiçá, por longo período de tempo.
Foi certamente por estas razões que o legislador decidiu estabelecer, em relação ao contrato de trabalho, um regime específico de invalidade do contrato de trabalho, diferente do previsto no Código Civil. Esse regime constava nos arts. 14º, 15º, 16º e 17º da LCT e consta nos 114º, 115º, 116º, 117º e 118º do Código do Trabalho de 2003 e, como regime especial que é, afasta, ao menos parcialmente (ou seja, na parte em que o regime da LCT e do CT de 2003 colide com o do Código Civil), a aplicação do regime geral previsto no Cód. Civil (art. 7º, n.º 2 do Cód. Civil).
E a primeira especificidade do regime previsto na LCT e no CT de 2003 diz respeito à eficácia do contrato, uma vez que, nos termos do n.º 1 do art. 15º da LCT e 115º, n.º 1 do CT de 2003 “o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução ou, se durante a acção continuar a ser executado, até á data do trânsito em julgado da decisão judicial”.
Constata-se, assim, que os arts. 15º, n.º 1 da LCT e 115º, n.º 1 do CT de 2003, afastaram a regra geral da retroactividade contida no n.º 1 do art. 289º do Cód. Civil, nos casos em que o contrato de trabalho, apesar de nulo, foi objecto de execução. Em tais situações, a declaração de nulidade só produz efeitos para o futuro e esse futuro pode iniciar-se apenas com o trânsito em julgado da decisão judicial que declarou nulo ou anulado o contrato. Importante é que o contrato tenha tido execução. Durante esse período tudo se passa como se válido fosse. Existe uma ficção legal da sua validade.
Só no caso de não ter havido execução é que se aplicará o regime geral, mais concretamente, o previsto no n.º 1 do art. 289º do Cód. Civil.
Dispõe ainda o art. 116º n.º 1 do CT de 2003 que “aos actos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato.”
Quer isto dizer que se o empregador puser termo a um contrato de trabalho nulo ou anulável, invocando a sua invalidade, o trabalhador tem direito às prestações correspondentes ao tempo em que o contrato esteve em execução; mas se o empregador puser termo ao contrato através de um acto unilateral que não consubstancie a invocação desse vício, e a cessação da relação contratual venha a ser qualificada como despedimento ilícito e o contrato declarado inválido, por sentença judicial, a declaração da ilicitude do despedimento produz os efeitos previstos no arts. 436º, 437º e 438º do CT de 2003, ou seja, o trabalhador tem direito às prestações salariais que normalmente auferiria até à data do trânsito da sentença que declarou a invalidade do contrato e a ilicitude do despedimento. A não ser que o empregador invoque a nulidade do contrato antes da data sentença. Nesse caso, o trabalhador tem direito às prestações salariais que normalmente auferiria até à data em que teve conhecimento da invocação da nulidade do contrato, por parte do empregador (pois se não tivesse ocorrido o despedimento e o contrato se mantivesse em vigor e o empregador tivesse declarado e invocado a nulidade do contrato naquela data, seriam essas e apenas essas retribuições que o A. normalmente teria auferido).
No caso em apreço, o contrato celebrado entre as partes esteve em execução desde 1/7/2003 até data que não foi possível determinar nos princípios do mês de Janeiro de 2007 (n.º 11 da matéria de facto provada), altura em que o Réu o fez cessar, de forma unilateral, sem precedência de processo disciplinar e sem invocação de justa causa, o que configura um despedimento ilícito (art. 429º, al. a) do CT de 2003). Só mais tarde, na data da apresentação da contestação da acção que o A. lhe moveu, é que o R. veio declarar e invocar a nulidade do referido contrato.
À primeira vista poderia pensar-se que, não tendo o contrato estado em execução a partir de Janeiro de 2007, não haveria fundamento para que ao A. fosse reconhecido o direito às retribuições que teria auferido desde a data da cessação até à data em que foi notificado da contestação, ou seja, até à data em que foi notificada da arguição de nulidade do contrato. Assim seria, de facto, se a lei não contemplasse um regime especial relativamente aos actos e factos extintivos do contrato ocorridos antes da declaração de nulidade ou da anulação do contrato, como no caso em apreço aconteceu. Como já dissemos atrás, no que respeita ao contrato de trabalho sem termo inválido, esse regime consta no art. 116º, n.º 1 do CT de 2003. E, como do teor deste normativo decorre, antes da declaração de nulidade ou de anulação do contrato tudo se passa como se o mesmo fosse válido (de acordo, aliás, com a regra contida no art. 115º, n.º 1 do CT de 2003), não podendo, por isso, a sua cessação ocorrer fora das situações expressamente prevista na lei. Se tal suceder, isto é, se o contrato cessar de forma ilícita, v.g. através de despedimento, sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar, e o trabalhador impugnar esse despedimento, os efeitos dessa cessação serão os previstos na lei para o despedimento ilícito, tendo o trabalhador direito às retribuições que teria normalmente auferido desde a data do despedimento até à data da sentença que declare ilicitude do despedimento e a invalidade do contrato (arts. 13º, n.º 1, al. a) da LCCT e 437º, n.º 1 do CT de 2003).
Todavia, se o empregador no decurso da acção declarar e invocar a nulidade do contrato antes da data da sentença, o trabalhador tem apenas direito às retribuições que normalmente auferiria desde a data da cessação até à data em que tomou conhecimento da declaração e invocação da nulidade, por parte do empregador (pois se não tivesse ocorrido o despedimento e o contrato se mantivesse em vigor e o empregador tivesse declarado e invocado a nulidade do contrato naquela data, seriam essas e apenas essas retribuições que o A. normalmente teria auferido). E se acção de impugnação do despedimento não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, o trabalhador tem apenas direito às retribuições que teria normalmente auferido desde o 30º dia anterior à propositura da acção até à data em que tomou conhecimento da declaração e invocação da nulidade do contrato (art. 437º, n.º 4 do CT de 2003).
Como no caso em apreço, a acção foi proposta em 12/4/2007 e o R. declarou e invocou a nulidade do contrato na sua contestação, o A. tem direito a receber as retribuições que normalmente teria auferido desde o 30º dia anterior à propositura da acção até à data em que foi notificado da referida contestação, devendo deduzir-se ao montante global dessas retribuições os rendimentos por ele eventualmente auferidos, nesse período, em actividades iniciadas posteriormente à cessação do contrato que ele não teria auferido se não tivesse sido despedido (art. 437º, n.º 2 do CT de 2003).
Como se desconhecem as retribuições que o recorrente normalmente auferiria no desde o 30º dia anterior à data em que propôs a acção até à data em que foi notificado da contestação, se não tivesse sido despedido, bem como os rendimentos que terá eventualmente auferido em actividades iniciadas após o despedimento, relega-se o apuramento dessas retribuições e desses (eventuais) rendimentos para incidente de liquidação de sentença, nos termos do art. 661º, n.º 2 do CPC.
E quanto à pretendida reintegração no posto de trabalho?
Em relação à reintegração, parece-nos indiscutível, que esta é um efeito do despedimento ilícito que não pode aplicar-se nos casos, como o presente, em que o contrato é nulo/inválido, e como tal proclamado.
Como afirmam Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, (Comentário às Leis do Trabalho, pág. 74) “não se pode declarar a invalidade do contrato e ao mesmo tempo declarar que o contrato se mantém”. E se o direito à reintegração não se equaciona, a indemnização de antiguidade em substituição da reintegração está também necessariamente fora de causa, por estranho que isso, à primeira vista, possa parecer. É que, afastada, in casu, a aplicação do efeito directo da ilicitude (a reintegração) não é, nem natural nem logicamente, possível, ponderar-se a opção alternativa consentida pelo art. 439º, n.º 1 do Código do Trabalho, a da substituição da reintegração pela indemnização. Aliás, o A. nem sequer fez essa opção.
Este foi também o entendimento defendido nos Acórdãos da Relação de Coimbra, de 10/7/1997 (publicado na CJ, Ano XII, Tomo IV, pág. 63 e seguintes, confirmado pelo Acórdão do STJ, de 29/04/1998, publicado na CJ/STJ/1998, Tomo II, pág. 270) e de 13/11/2007, Processo n.º 12/06.0TTLRA.C1.dgsi.pt.
Além das retribuições intercalares e da reintegração no posto de trabalho, o A. reclamou ainda o pagamento da quantia de € 1.393,21, a título de retribuições de férias não gozadas no ano de 2006 e da quantia de € 2.856,08 (1.428,04 x 2), a título de retribuição de férias e de subsídio de férias vencidas em 1/01/2007.
Como o R. não provou o pagamento dessas prestações nem pôs em causa os montantes reclamados e como lhe cabia o ónus de provar esse pagamento (art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil), deve ser condenado no pagamento dessas quantias.
O A. reclamou também o pagamento da quantia de € 1.977,60, a título de retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal proporcionais aos alegados 10 dias de trabalho prestado no ano de 2007 (ano da cessação).
Nesta parte, a pretensão não pode proceder, pois além das quantias reclamadas a título dos referidos proporcionais serem manifestamente exageradas para os alegados 10 dias de trabalho que o A. diz ter prestado em Janeiro de 2007, o mesmo também não conseguiu provar, nem o tribunal apurar, em que dia de Janeiro de 2007 cessou o contrato: se foi logo no início de Janeiro ou se, como o A. alegou, foi em 10 de Janeiro de 2007.

IV. DECISÃO

Em conformidade com os fundamentos expostos concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, decide-se:
1. Alterar a sentença recorrida;
2. Condenar o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 4.249,25 (quatro mil, duzentos e quarenta e nove euros e vinte cinco cêntimos), a título de retribuições de férias e de subsídios de férias;
3. Condenar o Réu a pagar ao Autor as retribuições que este normalmente teria auferido desde o 30º dia anterior à data da propositura da acção até ao dia em que foi notificado da contestação, cujo apuramento se relega para liquidação de sentença, devendo deduzir-se ao montante dessas retribuições o valor dos rendimentos por ele eventualmente auferidos, nesse período, em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.
4. Absolver o Réu do demais que foi peticionado pelo Autor;
5. Condenar ambas as partes nas custas do recurso, na proporção de 50% para cada.

Lisboa, 19 de Maio de 2010

Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
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[1] Cfr. entre muitos outros, Acs. do STJ, de 25/10/95, Recurso 4 177; de 17/1/96, Recurso 4 332 e de 26/5/97, CJ/STJ/1997, Tomo 2º, pág. 292; de 8/3/2000, AD 470º, 286; de 17/01/2001, JSTJ00041156/dgsi/Net; de 21/2/2001, AD 480º, 1693; de 4/4/2001, Revista 498/01-4ª Secção; Acs. da C de 10/5/2001, JTRC9092/dgsi/Net; da RP, de 23/10/2000, JTRP00029854/dgsi/Net; da RL de 5/05/1999, BMJ 487º, 385.
[2] Cfr. Acs. do STJ de 8/4/1975, BMJ 246º, 131; de 5/6/1985, Acórdãos Doutrinais  289º, pág. 94 de 15/11/1985, BMJ 351º, 304; de 28/10/1993, BMJ 430º, 443; de 13/1/2000, Sumários, 37º - 34; de 20/6/2000, Sumários, 42º - 21 e Ac. da RL de 3/11/1994, CJ, 1994,Tomo 5º, pág. 90.
[3] Cfr. entre muitos outros, Acs. de 6/3/1996, CJ/STJ/1996, Tomo I, pág. 264; de 2/6/1999, Revista 395/98; de 16/6/1999, Revista 135/99; de 13/7/1999, Revista 152/99; de 23/9/1999, Revista n.º 166/99; de 2/02/2005, Revista 2935/03 – 4ª Secção, Sumários, Fevereiro/2005; de 23/02/2005, Proc.04S2844.dgsi.Net; de 22/03/2007; Acórdãos Doutrinais 550º, 1833.
[4] Vide www.dgsi.pt.
[5] Vide Direito do Trabalho, Almedina, Abril de 2002, pág. 420 e seguintes.