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ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
Sumário
I – A acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, regulada nos artigos 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo de Trabalho – na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 295/2009 de 13/10 – só é aplicável aos despedimentos individuais cujo procedimento se inicie após a entrada em vigor da legislação que reviu esse Código, ou seja, a partir de 01/01/2010; II – Em caso de despedimento individual em que em que este tenha sido comunicado, por escrito, ao trabalhador antes de 01/01/2010 e ainda que a acção de impugnação deduzida por este se concretize após essa data, o meio processual adequado é a acção declarativa com processo comum prevista nos art.ºs 51º e seguintes do Código de Processo do Trabalho. (sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
A… deduziu, em 29 de Janeiro de 2010 e com o patrocínio do Ministério Público, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, um requerimento, em suporte de papel e de acordo com formulário aprovado pela Portaria n.º 1460/C2009 de 31-12, opondo-se ao despedimento que lhe fora comunicado, em 27 de Outubro de 2009, pela firma “B…, S.A.”, requerendo que fosse declarada a ilicitude ou a irregularidade desse despedimento, com as legais consequências.
Juntou carta datada de 27 de Outubro de 2009 em que esta firma lhe comunica que:
“Para os efeitos legais previstos no art. 357º do Código do Trabalho, comunicamos que, por se ter concluído o processo disciplinar que lhe tinha sido instaurado, decidimos aplicar-lhe a sanção disciplinar de Despedimento Sem Indemnização por facto imputável ao trabalhador.
Junto enviamos a Decisão e cópia do Relatório para Decisão elaborado pela instrutora do processo.
A sanção tem efeitos imediatos, pelo que o seu contrato considera-se cessado com a recepção da presente carta. Deverá V. Exa. passar pela Empresa para se proceder ao pagamento dos créditos laborais que lhe são devidos e entrega dos documentos legais”.
Resulta do relatório a que se alude na mencionada carta que os factos imputados pela referida firma à aqui Autora/Apelante e pelos quais exerceu a sua acção disciplinar, terão ocorrido a partir de inícios de Julho de 2009.
Em 2 de Fevereiro de 2010, a Srª Juíza proferiu o despacho liminar que consta de fls. 9 a 12 dos presentes autos e que tem o seguinte teor:
“A… veio intentar a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos termos dos artigos 98° C e D do Código de Processo do Trabalho com a redacção dada pelo Decreto-Lei 295/2009 de 13.10., juntando a decisão do respectivo despedimento.
O artigo 6° do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro estipula:
“As normas do Código de Processo do Trabalho com a redacção dada pelo presente decreto-lei aplicam-se às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor”.
A propósito da nova forma de processo pode ler-se desde logo no preâmbulo do mesmo Decreto-lei que: “Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT (...) cria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387° do CT. (...) Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.°1 do artigo 337° do CT.“ (sublinhado nosso).
Por sua vez, o artigo 387° do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009de 12 de Fevereiro) dispõe:
1 - A regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada pelo tribunal judicial.
2 - O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante a apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto no caso previsto no artigo seguinte.”
Em anotação a este artigo diz Abílio Neto in “Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar”Anotados, 1ª edição a p. 792:
“De acordo com o novo regime, o trabalhador que seja despedido após a sua entrada em vigor dispõe de um prazo de 60 dias de calendário, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior, para apresentar, junto ao tribunal judicial competente, o requerimento de oposição ao despedimento, no qual apenas terá de invocar a simples realização de um despedimento que considera irregular ou ilícito, sem qualquer ónus alegatório inicial, independentemente da causa que o motivou, com excepção do despedimento colectivo.” (sublinhado nosso)
Cumpre realçar desde já que este artigo só entrou em vigor na data do início da vigência do Decreto-Lei 295/2009 de 13.10, isto é, em 01 de Janeiro de 2010 – disposições conjugadas do artigo 9°deste Decreto-Lei e artigo 14° da Lei 7/2009 de 12.02.
Acresce que, de acordo com o artigo 7° n.ºs 1 e ° 5 alínea c) da Lei 7/2009 de 12.02, o regime estabelecido no Código do Trabalho anexo à presente lei, não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor relativas designadamente a procedimentos para aplicação de sanções, bem como para a cessação de contrato de trabalho.
Assim sendo, nos casos em que é aplicável o artigo 387° do Código do Trabalho, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador do formulário previsto no artigo 98° D do Código de Processo do Trabalho, redacção actual.
Porém, no caso dos presentes autos, a A. foi objecto de decisão de despedimento datada de 27 de Outubro de 2009, precedida de respectivo procedimento disciplinar que o mesmo é dizer antes da entrada em vigor do artigo 387° do Código do Trabalho na redacção da Lei 7/2009 de 12.02.
Deste modo, a acção apropriada continua a ser a comum prevista no artigo 51° e seguintes do Código de Processo do Trabalho.
Assim, a apresentação pela trabalhadora do formulário previsto no artigo 98° D do Código de Processo do Trabalho configura um erro na forma de processo que não permite o aproveitamento do já praticado nem a realização dos actos estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível da forma estabelecida pela lei – artigo 199° do Código de Processo Civil.
Efectivamente, estamos diante de um formalismo distinto e menos exigente nesta forma de processo especial que, como se viu, se inicia com um simples formulário não contendo um articulado com respectiva causa de pedir e pedido fundamentais em sede de acção comum, onde se exige a apresentação de uma petição inicial com tais elementos – artigo 51° e seguintes do Código de Processo do Trabalho.
Em consequência, estamos perante uma situação de erro na forma de processo que configura uma excepção dilatória insuprível, nos termos do artigo 494° alínea b) do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 1° do Código de Processo do Trabalho.
Pelo exposto, tudo ponderado, indefiro liminarmente o requerimento apresentado por A… – artigo 199°, 494° alínea b) e 234° A do Código de Processo Civil aplicável ex vi o artigo 1° do Código de Processo do Trabalho.
Notifique.”
Inconformado com este despacho, veio o M.º P.º deduzir recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
1º. O legislador através do Dec-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro criou uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicado por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação;
2º. Estamos perante um novo processo no domínio do direito adjectivo;
3º. Processo cujos pressupostos são os que constam do art° 98°-C, do Cod. P. do Trabalho;
4º. Sendo estes normativos que vieram instituir uma nova forma de processo especial de natureza adjectiva a sua aplicação será imediata;
5º. É o que decorre do art° 6.º, do Dec-Lei n.º 295/2009,de 13-10 que veio estabelecer que as normas do Código de Processo do Trabalho com a redacção dada pelo presente decreto-lei aplicam-se às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor;
6º. É uma norma que consagra o princípio da aplicação imediata da lei processual – artº 12°, n.°1, do C. Civil;
7º. A forma do processo deve, consequentemente, regular-se pela lei vigente à data da propositura da acção;
8º. Por conseguinte, as situações ocorridas a partir de 1 de Janeiro de 2010, e em que se seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputado ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho seja por inadaptação, são abrangidas pelo novo regime da acção declarativa de condenação com processo especial, prevista nos arts. 98.º-B e segs do C. P. Trabalho;
9º. E o mesmo sucede no que tange às situações ocorridas antes de 1 de Janeiro de 2010 e em que se seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputado ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho seja por inadaptação;
10º. É que sendo estes normativos que vieram instituir uma nova forma de processo especial de natureza adjectiva a sua aplicação será imediata;
11º. A regra do art° 387.º, nºs 1 e 2 do C. Trabalho, ao estipular que esta acção deveria ser instaurada pelo trabalhador no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação do despedimento e mediante a entrega do requerimento em formulário próprio junto do tribunal competente, deverá sofrer uma interpretação restritiva, face ao que se dispõe no art. 7.º, n°5, al.b), daLei n° 7/2009,de 12-2;
12º. É que o regime do actual Código do Trabalho, in casu, o do art.º 387.º, não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor e relativas a prazos de prescrição e de caducidade;
13º. Mas apenas aos prazos do exercício do direito de acção e não à forma processual a adoptar a partir de 1 de Janeiro de 2010, pois aqui a forma do processo deve, consequentemente, regular-se pela lei vigente à data da propositura da acção;
14º. No caso em apreço nos autos, o prazo para o trabalhador despedido exercer o direito de acção de impugnar o seu despedimento é o previsto no art° 435.º, n°2 do Cod. Trabalho, aprovado pela Lei n° 99/2003,de 27-8;
15º. Uma vez que o art° 387.º, do Cod. Trabalho não se mostra aplicável no que tange ao prazo do exercício do direito de acção — um prazo de caducidade, o regime constante dos arts. 98.º-B e segs do Cod. Proc. Trabalho, dada a sua natureza adjectiva, é de aplicação imediata;
16º. A opção do trabalhador, no caso dos autos, pela acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento prevista nos arts. 98.º-B e segs do Cod. Proc. Trabalho, e a fim de impugnar o seu despedimento, mostra-se inteiramente legal e correcta quer do ponto de vista substantivo como processual;
17º. A decisão ora recorrida deverá, assim, ser revogada e substituída por outra a determinar o cumprimento do preceituado nos arts. 98°-B e segs, do Cod. Proc. do Trabalho, por ser esta espécie de acção especial a aplicável ao caso em análise;
18º. Foi violado o disposto nos arts. 12.º, nº l, do C. Civil, 98°-B e segs, do Cod. Proc. do Trabalho, 387.º, do Cod. do Trabalho e art.º 7°, n°5, al. b),da Lei n° 7/2009,de 12-2, com referência ao art.º 3.º, n°1, al. o), do Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei n° 60/98, de 27-8;
19º. Normativos que devem ser interpretados com o sentido e alcance sustentados no presente recurso.
Vas. Exas. farão, no entanto, a costumada JUSTIÇA.
Não houve contra-alegação.
Admitido o recurso na forma, efeito e regime de subida adequados, cabe, agora, apreciar e decidir.
II – APRECIAÇÃO
Face às conclusões de recurso que, como se sabe, delimitam o respectivo objecto, é colocada, à apreciação deste Tribunal da Relação, a questão de saber se tem aplicação ao caso dos autos e, portanto, se é adequado o processo especial utilizado pela Apelante para impugnar o despedimento de que foi alvo em 27/10/2009.
Os factos relevantes para a apreciação desta questão são os que constam do precedente relatório, razão pela qual nos dispensamos de os repetir aqui, dando-os por inteiramente reproduzidos.
Resulta desses factos que, tendo a firma “B…, S.A.” comunicado à, aqui, Autora/Apelante, em 27 de Outubro de 2009, que, na sequência de processo disciplinar que lhe havia sido instaurado, decidira aplicar-lhe a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização, por facto imputável ao trabalhador, veio esta, em 29 de Janeiro de 2010, deduzir impugnação judicial a esse despedimento, lançando mão da acção, com processo especial, prevista nos artigos 98.º-B e seguintes do Código de Processo de Trabalho – versão resultante das alterações que neste foram introduzidas através do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13-10 – acção que, contudo, foi alvo de indeferimento liminar, na medida em que a Srª Juíza do Tribunal a quo entendeu que a acção apropriada para o efeito, seria a acção com processo comum prevista no art. 51º e seguintes do referido Código e uma vez que a situação, em seu entender, configurava erro na forma do processo que não permitia o aproveitamento do já praticado, nem a realização dos actos estritamente necessários para que o processo se aproximasse, tanto quanto possível, da forma comum estabelecida pela lei.
Vejamos, pois, qual a forma de processo adequada à impugnação judicial do mencionado despedimento por parte da aqui Autora/Apelante.
Sob a epígrafe “Impugnação do despedimento” estipulava o art. 435º n.º 1 do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08, que «A ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador», enquanto que, no n.º 2 (na parte que aqui releva), dispunha que «A acção de impugnação tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento…».
A impugnação de despedimento a que se aludia neste normativo legal, tinha tradução adjectiva na acção de processo comum prevista no art. 51º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, na versão anterior à que passou a ter com as referidas alterações.
Sucede que aquele Código do Trabalho de 2003 foi revogado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 que procedeu à aprovação do actual Código do Trabalho [cfr. os respectivos art.ºs 1º e 12º n.º 1 al. a)], em cujo art. 387.º e sob a epígrafe “Apreciação judicial do despedimento”, se estipula que:
«1- A regularidade e ilicitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.
2- O trabalhador pode opor-se ao despedimento mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação do despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto no caso previsto no artigo seguinte» (() O artigo seguinte reporta-se à apreciação judicial do despedimento colectivo.).
Verifica-se, pois, ter o legislador procedido a uma significativa alteração no regime jurídico da impugnação do despedimento individual, quer quanto ao prazo de que o trabalhador passou a dispor para esse efeito, quer, desde logo, quanto à forma de a concretizar.
Sucede que, sob a epígrafe “Aplicação no tempo” e na parte que aqui interessa, se estipulou no n.º 5 do art. 7º da referida Lei n.º 7/2009 que: «O regime estabelecido no Código do Trabalho, anexo à presente lei, não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor e relativas a:… b) Prazos de prescrição e caducidade; c) Procedimentos para aplicação de sanções, bem como para a cessação de contrato de trabalho; …» (realce nosso).
Por outro lado, enquanto que do n.º 5 do art. 12.º a mesma Lei n.º 7/2009 resulta que a revogação (entre outros que aqui não interessam) do artigo 435.º do Código do Trabalho de 2003, produz efeitos a partir da entrada em vigor da revisão do Código de Processo do Trabalho, no n.º 1 do art. 14º da mesma Lei, se estipula que (entre outros que aqui não relevam) o artigo 387.ºdo Código do Trabalho por ela introduzido, entra em vigor na data de início de vigência da legislação que proceda à revisão do Código de Processo do Trabalho.
Ora, a legislação que procedeu à revisão do Código de Processo do Trabalho, é a que resulta do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13-10, determinando-se no art. 9.º n.º 1 deste diploma que «O presente decreto-lei entra em vigor em 1 de Janeiro de 2010…» (realce nosso).
Verifica-se, por outro lado, que, em consonância com a mencionada alteração do regime jurídico da impugnação de despedimento, uma das alterações introduzidos no Código de Processo do Trabalho através deste Decreto-Lei n.º 295/2009, teve a ver com a criação de um processo especial de acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (art.ºs 98.º-B a 98.º-P) – processo de que, como referimos, a aqui Autora/Apelante lançou mão para, em 29/01/2010, impugnar judicialmente o despedimento de que fora alvo por parte da firma “Lumilabo, S.A.” em 27/10/2009 – estipulando-se no n.º 1 do art. 98.º-C que: «Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte» (() O n.º 2 deste normativo não releva no caso vertente.).
Ora, perante todo este quadro normativo, resulta claro que:
- O art. 387.º do Código do Trabalho de 2009 apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010 e, consequentemente, que o art. 435 n.º 2 do Código do Trabalho de 2003 vigorou até 31 de Dezembro de 2009;
- A acção de apreciação judicial do despedimento a que se reporta o mencionado art. 387.º, é a que se mostra regulada nos artigos 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo do Trabalho resultante da revisão que este sofreu através do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13-10;
- O novo processo especial de acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento regulado nos mencionados artigos 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo do Trabalho revisto, só é aplicável aos despedimentos cujo procedimento se inicie após a entrada em vigor da legislação que procedeu à revisão desse Código, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2010;
- A impugnação judicial de um despedimento verificado antes de 1 de Janeiro de 2010, segue a forma de processo comum, regulado nos artigos 51º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, ainda que essa impugnação venha a ser deduzida após essa data.
É verdade que, certamente movido por respeito pelo princípio geral de aplicação imediata das normas de natureza adjectiva, o legislador que procedeu à revisão do Código de Processo do Trabalho estabeleceu no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13-10 que «As normas do Código de Processo do Trabalho com a redacção dada pelo presente decreto-lei aplicam-se às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor». No entanto, tendo em consideração, não só o elemento teleológico – a ratio legis ou razão de ser das normas face à finalidade que, através das mesmas, o legislador procura alcançar – mas também o elemento sistemático – o conjunto das normas anteriormente enunciadas que, regulando a matéria em causa, devem ser observadas na perspectiva da unidade do sistema jurídico que integram – elementos que nós, enquanto intérpretes da aludida disposição, não podemos deixar de levar em linha de conta, temos de concluir que o princípio que dela emerge tem, necessariamente, de ser objecto de uma interpretação restritiva, limitando o seu aparente alcance e reduzindo-o a proporções que se nos afiguram compatíveis com a vontade real do legislador, já que na interpretação daquela norma à luz dos aludidos elementos, não podemos deixar de concluir que o legislador, na sua expressão literal, disse mais do que o que efectivamente pretendia.
Na verdade, se bem atentarmos no preâmbulo do mencionado Decreto-Lei 295/2009, verificamos que o legislador, quando refere, a determinado passo, que: «Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT (…), cria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual» (sublinhado nosso), acrescentando, logo a seguir, que «Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT», sem dúvida que nos leva a concluir que pretende que a referida acção, com processo especial, se aplique apenas aos despedimentos ocorridos a partir da data de entrada em vigor deste artigo 387.º do actual Código do Trabalho, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2010.
Por outro lado, analisado o conjunto das normas legais que, anteriormente, enunciámos, na perspectiva da unidade do sistema que integram, não poderemos deixar de concluir que a conjugação das mesmas só faz sentido se concluirmos como concluímos que a nova acção de processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento individual, prevista nos artigos 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo de Trabalho revisto, só é aplicável ao despedimento individual, cujo procedimento se tenha iniciado após a entrada em vigor da legislação que reviu este Código de Processo, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2010, o que leva, de imediato, a extrair a conclusão de que a impugnação de despedimento ocorrido antes desta data, mesmo que deduzida após a mesma, tem, necessariamente, de seguir a forma de processo declarativo comum prevista nos artigos 51º e seguintes desse mesmo Código de Processo.
Não merece, pois, censura a decisão recorrida ao haver decidido desse modo, assim como não merece censura a decisão de indeferimento liminar que nela se contém, uma vez que o primeiro e único acto processual praticado pela Autora/Apelante nos presentes autos, não reúne, efectivamente, os requisitos mínimos – em termos de causa de pedir e de pedido – da petição inicial com que se dá início ao aludido processo comum, circunstância que determina, inexoravelmente, a nulidade insuprível do presente processo.
III – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar isenta a Apelante.
Registe e notifique.