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RECURSO DE APELAÇÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
FACTOS CONCLUSIVOS
ENFERMEIRO
TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
DISCRIMINAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - A junção de documentos na fase de recurso apenas tem lugar nos casos de impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso (superveniência, objetiva ou subjetiva, do documento) ou de o julgamento de primeira instância ter introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. II – Ao apresentante incumbe o ónus de alegação e prova da superveniência que justifica a admissão. III – O cumprimento do ónus de impugnação especificada impõe que o réu, na posição por si assumida, aceite/repugne os factos de forma inequívoca. IV – Tal ónus não opera quanto a juízos conclusivos ou matéria de direito. V – Nos casos de discriminação ao autor compete alegar e provar não só quais os trabalhadores relativamente aos quais foi discriminado como os factos que possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação previstos na lei. Não o fazendo e invocando a violação do princípio de trabalho igual, salário igual, terá de alegar e provar os factos integradores de que presta tal trabalho, quanto à natureza, qualidade e quantidade.
Texto Integral
Proc. n.º 1302/16.0T8OAZ.P1
Origem: Comarca Aveiro-Oliv Azeméis-Inst Central 3.ª S. Trabalho J1.
Relator - Domingos Morais – Registo 672
Adjuntos – Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. – Relatório 1. – B..., nos autos identificada, intentou acção comum, na Instância Central da Comarca de Aveiro – 3.ª S. Trabalho – J1, contra Administração Regional de Saúde Norte, IP, NIPC ........., com sede em Rua ..., n.º ...., ....-..., Porto,alegando, em resumo, que:
- A 28.11.2005 celebrou contrato de trabalho com o Hospital ..., EPE, através do qual se obrigou a desempenhar a sua actividade de enfermeira naquela entidade.
- Em 1 de Abril de 2014, a ré propôs à autora integrar o Agrupamento de Centros de Saúde do Entre Douro e Vouga I – .../..., como veio a suceder, tendo ambas as partes celebrado contrato de cedência ao abrigo de uma cedência de utilidade pública que veio a ser celebrada.
- Desde então exerce, para a ré, tais funções, em termos de natureza, qualidade e quantidade que os demais enfermeiros ao serviço da ré, quer integrados na função pública, quer com contrato individual de trabalho.
- Até outubro de 2015, apenas auferiu €1020,06, quando o salário base para um enfermeiro integrado no SNS é de € 1201,48, mas só em Janeiro de 2016 é que a ré procedeu à actualização do vencimento da autora para esse valor, pagando retroactivos desde Outubro de 2015, sendo que até essa data pagou à autora o salário base de € 1020,06.
- Já devia ter tal salário desde 2014, pois, nessa data em a ré já tinha procedido ao reposicionamento remuneratório do demais pessoal de enfermagem, identificando enfermeiros nessa situação, pois, nessa data a ré fazia operar a progressão na carreira e os correspondentes aumentos de forma análoga para todos os enfermeiros, quer tivessem contrato individual de trabalho, quer estivessem integrados no SNS, o que acontecia com todos os enfermeiros que fossem graduados em 1 de Janeiro de 2011, ou seja, que estivessem em funções na categoria de enfermeiro por um período de seis anos com avaliação de desempenho de satisfaz e pelo menos desde 2004 estivessem no 1.º escalão dessa categoria, o mesmo acontecendo para os demais enfermeiros graduados, com avaliação positiva, a um de Janeiro de 2012 e para os demais em 1 de Janeiro de 2013, pelo que, como a autora já estava na categoria de enfermeiro há mais de seis anos, deveria ter sido reposicionada em 1 de Abril de 2014, tal como aconteceu com os demais colegas de profissão, ou seja, tal não tendo sucedido, verifica-se uma violação do princípio “trabalho igual, salário igual”, havendo uma discriminação directa que implica um diferencial mensal no salário de € 181,42 desde 1 de Abril de 2014, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal e correspondentes juros de mora. Da mesma forma, as prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno e trabalho suplementar, extraordinário e qualquer outra forma de retribuição deve ser calculada e paga de acordo com o salário base de € 1.201,48 a partir daquela data.
Concluiu, pedindo: “deve a presente acção ser julgada procedente por provada e por essa via, declarar-se e reconhecer-se que: I – A A. presta serviços de qualidade, quantidade e natureza igual ao trabalho prestado por colegas, quer no Sistema Nacional de Saúde, quer com CIT e, declarar que lhe assiste o direito a receber da R. o mesmo valor que aqueles, a título de retribuições base e outros acréscimos salariais. Deve, por isso, ser a R. condenada a pagar à A.: a) A diferença remuneratória correspondente a € 181,42 mensais, desde 1 de Abril de 2014 até 30 de Setembro de 2015 no valor total de € 3.265,56; b) Os juros moratórios vencidos, referentes às prestações supra referidas; c) A diferença da retribuição das férias e respectivo subsídio, bem assim como do subsídio de Natal, nos anos de 2014 e 2015, acrescida de juros. d) O valor proporcional pelas diferenças salariais nas retribuições respeitantes pelo trabalho prestado desde 1 de Abril de 2014 até 30 de Setembro de 2015, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho noturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição. e) Todos os acréscimos salariais, que em virtude de discriminação salarial, que deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.201,48. II – Ser a R. condenada a pagar os juros moratórios, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas, até efetivo e integral pagamento; III – Ser a R. condenada a pagar custas e demais encargos legais; IV – Tudo, o que não seja já líquido, a liquidar em execução de sentença.”. 2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocou a incompetência material do tribunal, já que a ré tem natureza pública e nada resulta dos autos que descaracterize o contrato como constituindo uma relação jurídica de emprego público.
Por impugnação sustenta que o contrato da autora não é igual, não o sendo nem a prestação nem as qualificações e regime jurídicos aplicáveis, designadamente, a aferição daquelas em concurso de acesso, ou seja, não se pode fazer esta comparação entre o acesso através de um concurso com o acesso por via da mobilidade, relativamente a trabalhadores oriundos de área de actividade completamente diferente, sem sujeição a uma tramitação de comprovação de habilitações académicas e profissionais.
Acresce que a ré está vinculada ao princípio da legalidade, designadamente em matéria remuneratória, tendo procedido à actualização da remuneração em conformidade com o regime legal aplicável aos contratos dos autores, não se podendo aplicar o regime do DL n.º 437/91 à carreira da autora por que este regime é exclusivo da carreira de enfermagem do emprego público, nunca tendo sido aplicada aos autores que viram a primeira regulação da remuneração da sua carreira a ser efetuada através do instrumento de regulamentação colectiva do trabalho celebrado entre os Hospitais Públicos e o Sindicato dos Enfermeiros e que harmonizou os regimes a partir de 1-10-2015.
A ré só pode actualizar a retribuição dos autores a partir desta data, pelo que procedeu a todos os pagamentos [da retribuição, das férias, subsídio de férias e de Natal, trabalho suplementar e outras prestações] nos termos da lei, nada havendo a pagar.
Impugnou os factos essenciais da causa de pedir, nomeadamente, que a diferença de regimes contratuais explica as diferenças apontada pela autora.
Termina, concluindo pelo acolhimento da suscitada excepção de incompetência do Tribunal em razão da matéria e, a final, ser a ação julgada improcedente por não provada. 3. – Na resposta, a autora defendeu que o tribunal é competente, expondo os argumentos em que sustenta a sua posição. 4. – No despacho saneador, fixado o valor à causa, foi julgada improcedente a incompetência material do Tribunal. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi decidido: “Pelo exposto, julgo improcedente a acção e, em consequência, absolvo a ré do pedido. Custas pela autora.”. 6. – A autora, inconformada, apresentou recurso de apelação, concluindo:
“1) À luz da decisão recorrida, é inegável que, presentemente, a recorrente presta trabalho em igual qualidade, quantidade e natureza igual ao trabalho prestado por colegas no Sistema Nacional de Saúde 2) A Lei n.º 18/2016 de 20 de Junho veio alterar a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, determinando que os enfermeiros com vínculo de emprego público trabalhem 35 horas semanais, pelo que já não é verdade, conforme concluiu a sentença, que a Recorrente trabalhe, presentemente, menos horas que um enfermeiro em funções públicas. 3) A Recorrente alegou, na sua petição inicial, de forma inequívoca que – quanto ao período reflectido no pedido – prestou trabalho em igual quantidade ao dos seus colegas; 4) A Ré não contestou especificadamente tal facto, nem o mesmo colide com a sua defesa, analisada no seu todo, pelo que o mesmo deveria ter sido dado como admitido por acordo. 5) Desde que iniciou funções ao serviço da Ré, e até Fevereiro de 2016, a recorrente nunca trabalhou menos que 40 horas semanais. 6) Apenas por haver sido induzido em erro, pelo que decorreu da produção de parte da prova testemunhal, é que o tribunal a quo considerou não existir violação do princípio da igualdade e do seu subprincípio do “trabalho igual salário igual”. 7) Tendo conhecimento da totalidade dos factos hoje disponíveis e existentes no processo, certamente que o tribunal a quo haveria decidido pela procedência do pedido da ora Recorrente, aliás como bem decidiu pela procedência dos pedidos dos colegas de profissão da Autora nos processos 1300/16.3T8OAZ e 1301/16.1T8OAZ que correram seus termos em simultâneo com os presentes autos no mesmo Tribunal (Comarca de Aveiro - Oliveira Azemeis - Inst. Central - 3ª S. Trabalho - J1). 8) Não verificada a violação ao princípio da igualdade salarial, o que apenas por hipótese académica se consente, aplicando-se directamente o regime jurídico decorrente do vínculo contratual da recorrente com o Hospital ..., sempre teria a Recorrente direito ao pagamento do salário mensal de € 1.201,48, durante todo o ano de 2015 e, pelo menos, parte do ano de 2014. 9) Deveria o tribunal a quo, atendendo à necessidade de justiça e buscando a verdade material, ter reconhecido que a Recorrente presta serviços de qualidade, quantidade e natureza igual ao trabalho prestado por colegas, quer no Sistema Nacional de Saúde, quer com CIT e ter declarado que lhe assiste o direito a receber da Ré o mesmo valor que aqueles, a título de retribuições base e outros acréscimos salariais; 10) Condenando, em sequência, a Ré no pagamento da diferença entre os montantes efectivamente pagos à Recorrente, e o montante que lhe deveria ter sido pago, em função do seu salário actualizado. 11) Tudo conforme melhor peticionado em sede de Petição Inicial. Nestes termos e nos melhores de Direito, cuja falta de invocação o experimentado e proficiente juízo de Vossas Exas. Doutamente suprirá, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e fazendo Vossas Excelências a devida e elevada JUSTIÇA.”. 7. – A ré, contra-alegou, concluindo: “1.ª A sentença recorrida aplica o direito aos factos no momento da sua prolação, que é o momento relevante para reflectir a materialidade trazida aos autos e atendida pelo Tribunal, subsumindo-a ao direito então aplicável; 2ª O Tribunal nunca poderia proferir uma sentença aplicando um direito futuro; 3ª A autora não alegou especificadamente, apesar de impender sobre si esse ónus de alegação e probatório, que cumprisse um horário semanal de 40 h, ou seja, um PNT (período normal de trabalho) dessa "quantidade", ao contrário do que agora procura evidenciar, dando por alegado esse facto com a menção genérica de que realizava «trabalho em igual quantidade», o que é obviamente diferente; por não poder confundir-se alegação genérica com a especificada; 4ª A ré aqui contra-alegante nunca poderia impugnar especificadamente o não fora invocado, como é facilmente evidente; 5ª A alegação, agora apresentada, de que prestou 40 horas semanais não pode ser atendida, pelas razões processuais apontadas e ainda porque os próprios documentos «agora» juntos não discriminam a estrutura do horário, sendo que importava a prova das 40 horas de trabalho «normal», de PNT e não da carga horária realizada em concreto; 6ª Na verdade, os profissionais de saúde podem realizar mais trabalho do que o seu PNT exigível mas são remunerados por isso, o que constitui trabalho extraordinário, não podendo invocá-lo a recorrente para efeitos de invocação do princípio da igualdade, no sentido de «a trabalho igual, salário igual»; 7ª O Tribunal do Trabalho, enquanto jurisdição autónoma, não procura a verdade material pela via do inquisitório nem pode suprir a falta de prova quando a parte onerada como tal não logra cumprir a sua função processual própria; 8ª Não são admitidos documentos com a apresentação das alegações de recurso senão os relativos a factos ocorridos depois do proferimento da sentença e que possam contender com o julgado; 9ª Nem podem ser admitidos documentos que já existissem enquanto tal antes da instrução dos autos e da respectiva audiência de discussão e julgamento, nem documentos que apesar de emitidos depois da audiência, declarem factos passados, sob pena de total preterição do princípio do contraditório; 10ª A impugnação em sede de recurso da decisão da matéria de facto adoptada pela sentença obriga ao procedimento próprio previsto na norma do art 640º /1 / a) e b) do NCPC, sob pena de rejeição do recurso nessa parte; 11ª O teor do recurso da autora e a pretensão apresentada colidem com as norma dos arts 423º/1/3, 425º, 607º/4 e 608º e ainda 640º/1/a) e b) todos do CPCivil. Termos em que, e nos melhores de direito do douto suprimento, deve o recurso, pela não atendibilidade das suas conclusões da recorrente, ser julgado provado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, com as legais consequências, Assim se fazendo JUSTIÇA!”. 8. – O Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da competência material do Tribunal do Trabalho; da não admissão dos documentos apresentados; da exclusão de pontos da matéria de facto, por conclusivos e pela improcedência do recurso. Importa referir que a questão da competência material do Tribunal do Trabalho, decidida no despacho saneador, não foi objecto de recurso. 9. – A recorrente respondeu ao parecer, concluindo pela admissibilidade dos documentos e procedência da apelação. 10. – Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. – Fundamentação de facto 1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
“A] De facto.
1. Factos provados: 1 - A autora celebrou contrato de trabalho, a 28-11-2005 com o Hospital ..., EPE, no qual se obrigou, mediante retribuição, a prestar os seus serviços nas instalações, sob as ordens, direcção, fiscalização e autoridade da sociedade gestora daquele hospital, aí integrando a sua organização e exercendo a sua actividade. 2- A 01-04-2014, a ré propôs-lhe integrar o Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Entre Douro e Vouga I – Feira/Arouca, ao abrigo de uma cedência de utilidade pública, tendo, para o efeito, sido celebrado um contrato de cedência de interesse público, entre a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. – que gere aquele ACES –, na qualidade de cessionária, o Hospital ..., EPE, na qualidade de cedente, e a autora, na qualidade de cedida.
3 - O aludido contrato determinou, nos termos do ponto 2 da cláusula que a responsabilidade de proceder ao pagamento da remuneração é da cessionária. 4 - Em cumprimento deste acordo, a autora ficou, desde 1 de Abril de 2014, sob as ordens, direcção, fiscalização e autoridade desta, integrando a sua organização e, a favor desta exercendo a actividade profissional de enfermagem; 5 – A autora, no desempenho das suas funções, produz trabalho igual quanto à sua natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade) e qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.), aos demais enfermeiros ao serviço da ré, quer estejam integrados na função pública, quer, tal como os autores, tenham contrato individual de trabalho mas trabalha apenas 35 horas semanais enquanto os demais enfermeiros, com vínculo de emprego público, trabalham 40 horas semanais. Este número foi alterado, conforme fundamentação infra, passando a ter a seguinte redacção: “A autora, no desempenho das suas funções, trabalha apenas 35 horas semanais enquanto os demais enfermeiros, com vínculo de emprego público, trabalham 40 horas semanais.” 6 - Cumpre à autora, dentro do respectivo serviço e de acordo com as necessidades deste, desempenhar as funções que se enquadram no âmbito do seu serviço, entre as quais algumas das seguintes: - Identificar, planear e avaliar os cuidados de enfermagem e efectuar os respectivos registos, bem como participar nas actividades de planeamento e programação do trabalho de equipa a executar na respectiva organização interna; - - Realizar intervenções de enfermagem requeridas pelo indivíduo, família e comunidade, no âmbito da promoção de saúde, da prevenção da doença, do tratamento, da reabilitação e da adaptação funcional; - Prestar cuidados de enfermagem aos doentes, utentes ou grupos populacionais sob a sua responsabilidade; - Participar e promover acções que visem articular as diferentes redes e níveis de cuidados de saúde; - Assessorar as instituições, serviços e unidades, nos termos da respectiva organização interna; - Desenvolver métodos de trabalho com vista à melhor utilização dos meios, promovendo a circulação de informação, bem como a qualidade e a eficiência; - Recolher, registar e efectuar tratamento e análise de informação relativa ao exercício das suas funções, incluindo aquela que seja relevante para os sistemas de informação institucionais na área da saúde; - Promover programas e projectos de investigação, nacionais ou internacionais, bem como participar em equipas, e, ou, orientá-las; - Colaborar no processo de desenvolvimento de competências de estudantes de enfermagem, bem como de enfermeiros em contexto académico ou profissional; 7 - Na prática, com a natural excepção para os enfermeiros especialistas, no que às funções de cada um concerne, não é possível distinguir os enfermeiros com contrato individual de trabalho dos enfermeiros integrados na função pública, nem dentro de qualquer destes grupos; este ponto é retirado, conforme fundamentação infra. 8 - Presentemente, o salário base para um enfermeiro integrado no SNS é de € 1201,48; 9 - Só em Janeiro do corrente ano, a ré procedeu à actualização dos vencimentos da autora de € 1020,06 para os € 1.201,48 e apenas pagou retroactivos contados desde Outubro de 2015; 10 - Mas desde Janeiro de 2012 que a ré procedeu ao reposicionamento remuneratório de parte do demais pessoal de enfermagem, como é o caso das enfermeiras C..., D..., E... e F..., esta última com o salário já actualizado no ano de 2012, por ter, à data, mais de 6 anos de serviço; 11 - Em 2012, a ré fazia operar a progressão na carreira e os consequentes aumentos de forma análoga para todos os enfermeiros que estivessem integrados no SNS, tendo daí resultado que todos estes enfermeiros, com avaliação positiva, que a 1 de Janeiro de 2011 fossem graduados por estarem há pelo menos seis anos na categoria de enfermeiros e, pelo menos desde 2004, estivessem no 1º escalão dessa categoria, que passaram a auferir € 1.201,48 mensais e o mesmo ocorreu para os demais enfermeiros graduados integrados no SNS, com avaliação positiva, a 1 de Janeiro de 2012 e para os demais enfermeiros a 1 de Janeiro de 2013; 12 - A ré só atualizou o salário dos autores em Janeiro de 2016 (com efeitos patrimoniais desde Outubro de 2015); 13 - A autora iniciou funções naquela categoria profissional de enfermeiro a 28 de Novembro de 2005, tendo atingido os 6 anos nas funções a 29 de Novembro de 2011; 14 - A autora, como os outros enfermeiros que foram reposicionados, exercia funções há 6 anos com avaliações sempre positivas; 15 - Até Setembro de 2015 a autora auferiu o salário base de € 1020,06.
2. Factos não provados: a) - A autora faz trabalho em quantidade igual à dos enfermeiros com vínculo de emprego público. b) - Em 2012, a ré fazia operar a progressão na carreira e os consequentes aumentos de forma análoga para todos os enfermeiros, quer tivessem contrato individual de trabalho ou estivessem integrados no SNS, tendo daí resultado que todos os enfermeiros, com avaliação positiva, que a 1 de Janeiro de 2011 fossem graduados por estarem há pelo menos seis anos na categoria de enfermeiros e, pelo menos desde 2004, estivessem no 1º escalão dessa categoria, que passaram a auferir € 1.201,48 mensais e o mesmo ocorreu para os demais enfermeiros graduados, com avaliação positiva, a 1 de Janeiro de 2012 e para os demais enfermeiros a 1 de Janeiro de 2013. c) - A autora tinha a categoria de enfermeira graduada.”
III. – Fundamentação de direito 1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões dos recorrentes.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2. – Questão prévia: a junção de documentos
Com o recurso, por si interposto, a recorrente procedeu à junção de dois documentos.
Nada sustentou para justificar tal junção.
A recorrida defende a inadmissibilidade dos mesmos.
O artigo 651.º do CPC dispõe: «1- As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. 2- As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão».
A junção de documentos deve ocorrer, preferencialmente, na 1.ª instância, regime que se compreende uma vez que os documentos visam demonstrar certos factos e que os recursos se destinam a reapreciar as questões decididas e não questões novas.
Sem embargo, e como decorre do regime deste preceito, “as partes podem juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva) … ou ainda quando a sua junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido, máxime quando este se releve de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo (…) a jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado (…). A junção de documentos pode ainda justificar-se quando se revele necessária para justificar a oportunidade do recurso ou a legitimidade extraordinária de que goze o recorrente (…)” – cf. A. Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil (1.ª edição), pág. 184.
Do regime deste preceito, e dos artigos 425.º e 423.º do mesmo diploma, resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado, nessa junção, de uma de duas situações: (i) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, como sucede no caso de superveniência do documento; (ii) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
A superveniência do documento pode ser objectiva ou subjectiva: no primeiro caso é superveniente o que ocorreu depois da sentença; no segundo, só foi conhecido o documentado após tal mesmo.
Neste caso (superveniência subjectiva), é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
[Neste sentido, cf. os acórdãos do TRP de 26.09.2016, proc. 1203/14.6TBSTS.P1 e do TRC de 18.11.2014, proc. 628/13.9TBGRD.C1, disponíveis in www.igfej.pt.].
A possibilidade de introdução na sentença de um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, a mesma não se verifica quando o documento se destine a documentar o objecto do litígio (thema decidendum).
No caso dos autos, o julgamento em 1.ª instância teve lugar em 15.06.2016 e a sentença foi proferida em 21.06.2016.
A recorrente junta dois documentos, sendo o primeiro datado de 23 de dezembro de 2014.
Tal documento não é superveniente.
O segundo data de 23.08.2016 (supreveniência objectiva), dele constando as unidades funcionais integradas pela autora, com numero de horas e dias de trabalho por si prestados.
A recorrente nada invoca quanto à necessidade/oportunidade da junção pretendida, nem a superveniência subjcetiva do documentado em qualquer dos documentos: ao invés, o último destina-se a documentar o trabalho em quantidade, que constituía a causa de pedir da autora/recorrente.
Deste modo, não se admite a junção dos referidos documentos.
3. - Objecto do recurso:
1. – A alteração da decisão de facto:
- A factualidade admitida por acordo;
- A supressão dos pontos conclusivos;
2. – O direito decorrente do reposicionamento remuneratório da autora por via do princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual” comos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde.
4. – A modificabilidade da decisão de facto 4.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
A recorrente alega que existe matéria assente por acordo nos articulados que não foi considerada na sentença recorrida e que impõe decisão diversa e o Ministério Público que deve ser excluída do elenco da factualidade provada parte do ponto 5) e o ponto 7) dos factos provados. 4.2. – A autora sustenta a alteração da decisão de facto por ter alegado, na sua petição inicial, de forma inequívoca que – quanto ao período reflectido no pedido – prestou trabalho em igual quantidade ao dos seus colegas, facto que a ré não contestou especificadamente, nem o mesmo colidir com a sua defesa, analisada no seu todo, pelo que o mesmo deveria ter sido dado como admitido por acordo.
Tal invocação prende-se com o artigo 6.º da petição inicial, do seguinte teor: “no desempenho das suas funções, produz trabalho igual quanto à sua natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), aos demais enfermeiros ao serviço da R., quer estejam integrados na função pública, quer, tal como a A., tenham contrato individual de trabalho (CIT)”.
O artigo 574.º, n.º 1, do CPC, dispõe que o réu, na contestação, deve tomar posição definida perante os factos articulados pelo autor na petição inicial. Não o fazendo, o legislador “ficciona” a confissão dos factos que não hajam sido impugnados [ficciona-se uma confissão inexistente, equiparando os efeitos do silêncio do réu aos da confissão, de que tratam os artigos 352 e ss. do CC); ficta (ficta confessio) - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág.s 543-545 - acto jurídico que emana da parte e que lhe é desfavorável], ficção que é o corolário dos princípios do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e do contraditório.
A aferição do cumprimento de tal ónus é feita em concreto, atendendo quer à estrutura da acção em termos de facto quer à estratégia de defesa do réu, mas para que se tenha por cumprido é necessário que a posição assumida por este permita saber, de forma inequívoca, quais os factos que aceita como reais e quais os que repele.
Este é, aliás, o entendimento da jurisprudência, como por exemplo, entre outros, o acórdão do TRL de 19.06.2013 e o acórdão do STJ de 14.12.2004, ambos disponíveis in www.igfej.pt.
[Deste último: «Sendo inequívoco que a lei continua a estabelecer um ónus de impugnar, socorrendo-se de uma fórmula para o definir que é um verdadeiro conceito indeterminado - "ao contestar, - diz o art. 490.º, n.º 1 - deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição" - só caso a caso, perante as particularidades de cada hipótese concreta, é possível ajuizar acerca da observância desta norma adjetiva. A posição definida a que a lei alude pode assumir os contornos, a intensidade, a "cor" mais diversa, tudo dependendo, desde logo, quer da estruturação da ação em termos de facto, quer da própria estratégia de defesa delineada pelo réu. Tenha-se em atenção que não é exatamente o mesmo, bem pelo contrário, uma defesa direita (em que o réu nega frontalmente, sem mais, a verificação dos factos) e uma defesa indireta (em que o réu, nomeadamente, confessando ou aceitando uma parte dos factos alegados, aponta outros que são incompatíveis com a existência de factos invocados na petição). E assim, se pode reconhecer-se que em dada situação uma contestação por negação ou de todo em todo genérica não envolve infração do ónus estabelecido na lei, terá também de admitir-se que noutras situações se imporá uma resposta diametralmente oposta. Ao fim e ao cabo o preenchimento valorativo do conceito indeterminado a que aludimos será sempre o resultado, se assim nos podemos exprimir, de duas variáveis: de um lado, o planeamento da defesa assumida pelo réu e o modo como a põe em prática, tudo em larga medida dependente do valor profissional e da exigência deontológica do respetivo advogado; do outro, o justo sentido da medida e da proporção das coisas por parte do juiz, que deve, em matéria como a presente, levá-lo a agir com toda a prudência, estudando cuidadosamente, quer todos os factos que fundamentam o pedido e a causa de pedir, quer o posicionamento assumido pelo réu em face deles. Resta sempre, de qualquer modo, a total pertinência do comentário de um reputado Autor à alteração legislativa em análise: estamos convencidos, porém - escreve António Montalvão Machado em O Dispositivo e os Poderes do Tribunal à Luz do Novo Código de Processo Civil, pág. 200 - é de que ela (a novidade legislativa) não terá um grande alcance prático».
Colhidos estes ensinamentos, temos que a ré, na contestação (cf. artigo 10.º), pronunciou-se quanto ao invocado nos termos do artigo 6.º da petição inicial, segundo o qual, “Ora, respeitosamente, a Ré impugna qualquer das alegações de facto e ainda as asserções da autora: nem a prestação de trabalho é igual, nem iguais são as qualificações e os regimes jurídicos aplicáveis, quer substantivamente quer quanto ao ingresso na carreira”.
Assim, tendo sido a ré expressa na não aceitação do invocado pela autora, não pode tal matéria ser considerada assente por acordo nos articulados.
4.3. – A redação dos pontos 5) e 7) dos factos provados.
A decisão recorrida considerou provado que “A autora, no desempenho das suas funções, produz trabalho igual quanto à sua natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade) e qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.), aos demais enfermeiros ao serviço da ré, quer estejam integrados na função pública, quer, tal como os autores, tenham contrato individual de trabalho mas trabalha apenas 35 horas semanais enquanto os demais enfermeiros, com vínculo de emprego público, trabalham 40 horas semanais” e que “Na prática, com a natural excepção para os enfermeiros especialistas, no que às funções de cada um concerne, não é possível distinguir os enfermeiros com contrato individual de trabalho dos enfermeiros integrados na função pública, nem dentro de qualquer destes grupos”.
Constitui questão de índole jurídica saber se determinada factualidade, alegada na petição inicial, tem, ou não, natureza conclusiva e se, tendo-a, deverá ela ter-se por não escrita, ponderando o preceituado no artigo 646.º, n.º 4, do anterior CPC; não porque este preceito contemplasse, expressamente, a situação de sancionar, como não escrito, um facto conclusivo, mas porque, por analogia, aquela disposição era de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova e desde que a matéria se integre no thema decidendum.
[Neste sentido, cf. os acórdãos do STJ de 23.05.2012 e de 23.09.2009, processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, ambos disponíveis inwww.igfej.pt].
Embora o actual Código de Processo Civil não contenha norma semelhante, a sua doutrina deve continuar a aplicar-se, precisamente, porque a formulação de um juízo de valor deve extrair-se de factos concretos e não de factos conclusivos.
Assim a expressão «trabalho igual quanto à sua natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade) e qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.), aos demais enfermeiros ao serviço da ré, quer estejam integrados na função pública, quer, tal como os autores, tenham contrato individual de trabalho», reconduz-se ao thema decidendum, pois, está ali contida a resposta à questão preponderante que constitui a causa de pedir da autora e a parte do pedido por si formulado.
Deste modo, devendo ser excluída tal expressão, o ponto 5) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
“A autora, no desempenho das suas funções, trabalha apenas 35 horas semanais enquanto os demais enfermeiros, com vínculo de emprego público, trabalham 40 horas semanais.”.
No que se refere ao ponto 7) dos factos provados - “Na prática, com a natural excepção para os enfermeiros especialistas, no que às funções de cada um concerne, não é possível distinguir os enfermeiros com contrato individual de trabalho dos enfermeiros integrados na função pública, nem dentro de qualquer destes grupos” -, não contém qualquer evento do mundo externo em que se consubstancia a noção de facto. Tal expressão, que não configura, em si mesma, factos materiais, reconduz-se à formulação de juízos conclusivos que antes se deveriam extrair dos factos materiais que os suportam e que se integram no thema decidendum.
Assim, tal ponto deve ser excluído da matéria de facto.
5. – Do mérito da acção.
O princípio da igualdade, na perspectiva aqui relevante, (a salarial, a trabalho igual salário igual), encontra suporte no artigo 59.º, n.º 1, a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), que concretiza, especificamente, o princípio programático proclamado no artigo 13.º, de que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei.
O primeiro dos citados normativos preceitua que “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna” – artigo 59.º, n.º 1).
É pacificamente entendido e aceite que o princípio da igualdade pressupõe uma igualdade material, reportada à realidade social vivida, e não uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora, o que implica que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
Trabalho de valor igual é, na definição dada pelo artigo 23.º do Código do Trabalho, “aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade” – n.º 1, al. c). (sublinhado nosso).
O trabalho é igual quanto à natureza, quando abrange as mesmas funções, perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, relativamente ao volume, intensidade e duração; e, quanto à qualidade, se abrange os mesmos conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
Em termos remuneratórios – tal como definidos pelo artigo 270.º do CT – deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.
Pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar tais pressupostos, que são constitutivos do direito subjectivo que invoca – neste sentido, cf. o acórdão do TRP de 13.02.2017 e os acórdãos do STJ nele elencados, de 23.11.2005; de 03.03.2006; e de 22.04.2009, todos disponíveis em www.igfej.pt.
Em suma, pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador – artigo 342.º, n.º 1, do CC.
No âmbito da discriminação, poderá ainda o trabalhador invocar os demais (trabalhadores) relativamente aos quais foi discriminado e os factos que possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação previstos na lei, incumbindo ao empregador demonstrar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação.
No caso vertente, a autora alegou que exercia as mesmas funções que os demais enfermeiros integrados na função pública, designadamente, quanto à natureza, quantidade e qualidade.
Ónus de prova que não logrou, apenas se tendo apurado que exerce as funções de enfermeira; que o salário base para um enfermeiro integrado no SNS é de € 1.201,48; que só em Janeiro do corrente ano, a ré procedeu à actualização do vencimentos da autora de € 1.020,06 para os € 1.201,48 e apenas pagou retroactivos contados desde Outubro de 2015, mas desde Janeiro de 2012 que a ré procedeu ao reposicionamento remuneratório de parte do demais pessoal de enfermagem, como é o caso das enfermeiras C..., D..., E... e F..., esta última com o salário já actualizado no ano de 2012, por ter, à data, mais de 6 anos de serviço. Em 2012, a ré fazia operar a progressão na carreira e os consequentes aumentos de forma análoga para todos os enfermeiros que estivessem integrados no SNS, tendo daí resultado que todos estes enfermeiros, com avaliação positiva, que a 1 de Janeiro de 2011 fossem graduados por estarem há pelo menos seis anos na categoria de enfermeiros e, pelo menos desde 2004, estivessem no 1º escalão dessa categoria, que passaram a auferir € 1.201,48 mensais e o mesmo ocorreu para os demais enfermeiros graduados integrados no SNS, com avaliação positiva, a 1 de Janeiro de 2012 e para os demais enfermeiros a 1 de Janeiro de 2013 e que a ré só atualizou o salário dos autores em Janeiro de 2016 (com efeitos patrimoniais desde Outubro de 2015).
No plano da discriminação, a recorrente invocou que a recorrida procedeu ao reposicionamento remuneratório de vários funcionários, que elencou.
A ré/recorrida invocou que o mesmo levou em consideração a diferença de regime de contratação, tratar-se de enfermeiros em regime de emprego público.
A questão já mereceu tratamento nesta Secção Social, entre outros, no acórdão de 07.07.2016,nos seguintes termos:
“O Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (em vigor em 1 de Janeiro de 2013) contempla a esta matéria o nos artigos 23.º e ss., disciplinando a igualdade e não discriminação em função dos vários factores que enuncia e mantendo os princípios gerais e sistemas de valores expressos em 2003, embora abarcando no Código disposições que antes se encontravam no Regulamento[10]. Aí se estabelece que:
«Artigo 23.º Conceitos em matéria de igualdade e não discriminação
1 - Para efeitos do presente Código, considera-se: a) Discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável; b) Discriminação indirecta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar uma pessoa, por motivo de um factor de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários; c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade; d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efectuado. 2 - Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade prejudicar alguém em razão de um factor de discriminação.
Artigo 24.º Direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho
1 - O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos. 2 – O direito referido no número anterior respeita, designadamente: a) A critérios de selecção e a condições de contratação, em qualquer sector de actividade e a todos os níveis hierárquicos; b) A acesso a todos os tipos de orientação, formação e reconversão profissionais de qualquer nível, incluindo a aquisição de experiência prática; c) A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para selecção de trabalhadores a despedir; d) A filiação ou participação em estruturas de representação colectiva, ou em qualquer outra organização cujos membros exercem uma determinada profissão, incluindo os benefícios por elas atribuídos. 3 – […] 4 - […] 5 - […]
Artigo 25.º Proibição de discriminação
1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão nomeadamente dos factores referidos no n.º 1 do artigo anterior. 2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado em factor de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, em virtude da natureza da actividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional. 3 - São nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objectivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional. 4 - […] 5 - Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação. 6 - O disposto no número anterior é designadamente aplicável em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho ou à formação profissional ou nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de dispensa para consulta pré-natal, protecção da segurança e saúde de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licenças por parentalidade ou faltas para assistência a menores. 7 - É inválido o acto de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou submissão a acto discriminatório. 8 - […]» Os “factores de discriminação” em função dos quais é tratada a matéria da igualdade e não discriminação estão contidos nos artigos 24.º e 25.º, pelo que com estes preceitos devem ser articuladas as alíneas a) e b) do artigo 23.º, n.º1[11], bem como as demais normas incluídas na subsecção destinada aquela matéria, entre as quais a que estabelece a inversão do ónus da prova. Apesar de o n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho de 2009 não referenciar agora expressamente o preceito em que se mostram descritos os factores a que se reporta (como sucedia com o n.º 3 do artigo 23.º do Código do Trabalho de 2003, que expressamente aludia aos “factores indicados no n.º 1”), não deixa de precisar que se trata de “factores de discriminação”, pelo que necessariamente deverá o intérprete ter presentes os factores enunciados nos artigos 24.º e 25.º. À luz do regime do Código do Trabalho de 2003, constituía jurisprudência pacífica a de que a inversão do ónus da prova a que aludia o n.º 3, do art. 23.º, do CT, complementado pelos arts. 32.º e 35.º do RCT (Regulamento aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho), com a presunção que nela se contém, pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de factos que constituam factores característicos de discriminação[12]. Mantém actualidade esta jurisprudência, continuando a dever entender-se que numa acção em que se não invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação, no sentido referido, não funciona a aludida presunção (de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores) e compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que permitam afirmar a prestação de trabalho, objectivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente ao trabalhador (ou trabalhadores) face ao qual se diz discriminado e permitam concluir que a diferente progressão na carreira e o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade, não bastando, para o efeito do juízo comparativo a estabelecer, a prova da mesma categoria profissional e da diferença retributiva. No caso sub judice, não vem alegado que o referido tratamento desigual se baseou em qualquer dos factores de discriminação pressupostos na lei, ou outros qualitativamente equiparáveis (situações e opções do trabalhador, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, que atentem, directa ou indirectamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de factores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei), pelo que não tem aplicação o que dispõe o n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, e sempre valeria a regra consignada no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, competindo aos recorrentes alegar e provar os factores que pudessem revelar o tratamento discriminatório. Ora os recorrentes nem sequer identificam os trabalhadores relativamente aos quais invocam haver discriminação – o que sempre seria necessário, mesmo sendo alegado um factor legal de discriminação –, não alegando, nem demonstrando, que desempenhem as mesmas funções nas mesmas condições que tais trabalhadores de modo a permitir a conclusão de que o trabalho por si prestado tenha a mesma natureza, qualidade e quantidade do prestado pelos outros trabalhadores relativamente aos quais se sentem discriminados. Não é efectivamente possível, com os dados de facto disponíveis, estabelecer o indispensável confronto entre a situação objectiva dos AA. e dos demais trabalhadores da R., quer com contratos de trabalho em funções públicas, quer com contratos de trabalho submetidos ao regime privado, em ordem a apurar se o comportamento da R. se reveste, ou não, de algum arbítrio e concluir que há enfermeiros que prestem serviço de natureza, qualidade e quantidade idêntica à dos recorrentes e que são remunerados de modo mais favorável. É também aqui pertinente o que se escreveu no já referido acórdão desta Relação do passado dia 20 de Junho: «(…) relativamente a estes outros enfermeiros com contrato individual de trabalho e que por trabalharem 35 horas semanais, estariam nas mesmas condições que os Autores, cuja prova de discriminação levaria afinal à falta de fundamento da alegada redução proporcional da equiparação/retribuição, e por isso à revogação da sentença nessa parte, nada ficando provado, não podemos afirmar qualquer discriminação ou violação do princípio da igualdade retributiva. Resta saber se, por via dos factos nº 14 e 15, sobre a Ré ter procedido ao reposicionamento remuneratório do pessoal de enfermagem que se enquadrava nas duas primeiras alíneas do nº 2 do art. 5º do DL 122/2010 e não o ter feito em relação aos Autores, encontramos a referida discriminação ou violação do princípio da igualdade. Sendo claro que trabalho igual também passa pela quantidade do trabalho, é manifesto que o tempo de trabalho não é igual, pois os Autores trabalham 35 horas semanais, contra as 40 horas semanais dos enfermeiros a que se aplica o DL 248/2009, a propósito dos quais foi publicado o DL 122/2010. O que não é claro é que exista igualdade até às 35 horas, para determinar a solução que a sentença recorrida adoptou. Aliás, recorde-se, a sentença partiu do pressuposto de que estava provado por acordo que o trabalho era de idêntica natureza e qualidade, e não há factos provados para isso. De facto, o legislador criou dois regimes no que respeita aos recursos humanos na área da saúde, em concreto, na enfermagem, seja o DL 248/2009 e o DL 247/2009. No preâmbulo deste último lê-se: “No âmbito da reformulação do regime de carreiras da Administração Pública, criou-se um patamar de referência para as carreiras dos profissionais de saúde a exercer em entidades públicas empresariais no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que adquire, neste contexto, particular importância a intenção de se replicar o modelo no sector empresarial do Estado. Efectivamente, a padronização e a identidade de critérios de organização e valorização de recursos humanos contribuem para a circularidade do sistema e sustentam o reconhecimento mútuo da qualificação, independentemente do local de trabalho e da natureza jurídica da relação de emprego. Para alcançar este desiderato, torna-se imperativo alterar, em conformidade, o regime de pessoal das entidades públicas empresariais no domínio do SNS para todos os profissionais de saúde. Cumpre, a este propósito, referir que a presente alteração não condiciona a aplicação do Código do Trabalho nem a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação colectiva. Em síntese, através do presente decreto-lei, o Governo pretende garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica, o que possibilita também a mobilidade interinstitucional, com harmonização de direitos e deveres, sem subverter a autonomia de gestão do sector empresarial do Estado”. Assumindo pois o legislador o propósito de replicar, para os enfermeiros com contrato individual de trabalho, o modelo dos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, em vista da padronização e identidade de critérios de organização e valorização de recursos humanos que contribuem para a circularidade do sistema, garantias para as pessoas dos trabalhadores que integram esses recursos e do mesmo passo garantias de qualidade do sistema para os utentes, e portanto do cumprimento estatal dos imperativos constitucionais relacionados com a saúde pública, a verdade é que, como do mesmo preâmbulo consta, “Iniciado, em 2002, um processo de reforma da gestão hospitalar mediante o aprofundamento das formas de natureza empresarial e de gestão de recursos humanos, com a alteração da natureza jurídica dos hospitais para sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, determinou-se, posteriormente, em finais de 2005, a transformação das referidas unidades de saúde em entidades públicas empresariais. No que concerne aos recursos humanos, tem-se revelado como linha condutora dos regimes do sector empresarial do Estado, sucessivamente aprovados, em 1999 e 2007, fazer aplicar, aos respectivos trabalhadores, o Código do Trabalho, enquanto sede legal do respectivo estatuto de pessoal”. Quer isto dizer que o legislador entendeu reformar a gestão hospitalar mediante a criação de entidades públicas empresarias, dominadas por princípios de gestão empresarial, aos quais interessa que a fonte do estatuto legal do respectivo pessoal seja o Código do Trabalho, com as adaptações necessárias por via da garantia de qualidade do serviço que o legislador consagra neste DL 247/2009, mas sem prescindir dum aspecto essencial da legislação laboral, que é precisamente a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação colectiva, lugar onde também se joga a autonomia de gestão empresarial, autonomia esta que o legislador fez questão de sublinhar que não é subvertida pelas disposições que visam a harmonização e dignificação, mais a circularidade, dos trabalhadores públicos e privados da carreira de enfermagem. Em palavras sintéticas: o legislador quis expressamente criar dois regimes distintos, parificando as carreiras mas só até ao ponto em que, ressalvando outras virtualidades da gestão empresarial, mas concretamente em matéria retributiva, por via do artigo 13º do DL 247/2009, lhe interessou remeter para modelos de gestão empresarial, susceptíveis de negociar valores mais rentáveis em sede de negociação colectiva, ou de, como as partes reconhecem, tais valores serem negociados por contrato individual, na ausência, até ao momento, de publicação de qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. Em síntese, o legislador quis mesmo criar regimes diferentes, não sendo evidente que deles resulte directamente uma discriminação ou desigualdade em matéria retributiva – tal depende do insucesso ou da força da negociação colectiva no caso dos trabalhadores com contrato individual de trabalho – e mesmo que assim não fosse, o certo é que nestes autos não vem suscitada, pelos Autores, a questão da inconstitucionalidade do DL 247/2009, que expressamente reconhecem que lhes é aplicável. Concluindo, não é também por esta via de discriminação face aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas que se pode defender o direito ao reposicionamento ou equiparação salarial. […]» Também reconhecendo a diferença de regimes a que se mostram submetidos os enfermeiros ao serviço de entidades públicas empresariais, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-03-2016, Processo n.º 9706/14.6T8PRT.P1, teceu as seguintes considerações: «(…) o Decreto-Lei n.º 247/2009 e o DL n.º 248/2009, ambos de 22 de Setembro, regulam realidades distintas, na medida em que o primeiro é aplicável aos “enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, enquanto o segundo tem aplicação “(…) ao enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas”. Têm em comum o propósito afirmado no preâmbulo do primeiro deles, isto é, o de “(...) garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica”, mas as especificidades próprias de cada um dos regimes leva a que no segundo se estruture o “regime legal da carreira de enfermagem”, mas “enquanto carreira especial da Administração Pública”. Por essas precisas razões, apesar da estrutura base da carreira partilhar princípios comuns, tudo o mais está depois sujeito ao seu próprio regime, isto é, no caso dos … contratados em regime de contrato individual de trabalho, ao Código do Trabalho e legislação complementar e “(...) aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (...)”; no caso, dos enfermeiros cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas, ao regime próprio da administração pública, vulgo, do funcionalismo público. Assim acontece, por exemplo, com o regime remuneratório e o regime de faltas férias, férias e feriados.» Ou seja, como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto proferido no passado dia 20 de Junho deste ano, do facto de os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas abrangidos pelo Decreto-Lei n.° 248/2009 terem sido reposicionados em termos salariais nos termos do Decreto-Lei n.° 122/2010, não resulta directamente uma discriminação face a enfermeiros com contrato individual de trabalho abrangidos pelo Decreto-Lei n.° 247/2009 que não tenham sido reposicionados nos mesmos moldes, uma vez que os regimes legais aplicáveis a enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas e com contrato de trabalho individual, embora muito harmonizados, ressalvam, pelo menos, e em matéria retributiva, a diversidade que vem da autonomia de gestão consagrada pela opção por um modelo empresarial das unidades de saúde” – acórdão do TRP de 07-07-2016, disponível in www.igfej.pt
Apenas se provou que, desde Janeiro de 2012, a ré procedeu ao reposicionamento remuneratório de parte do demais pessoal de enfermagem, como é o caso das enfermeiras C..., D..., E... e F..., esta última com o salário já actualizado no ano de 2012, por ter, à data, mais de 6 anos de serviço.
A autora, como os outros enfermeiros que foram reposicionados, exercia funções há 6 anos com avaliações sempre positivas.
Em 2012, a ré fazia operar a progressão na carreira e os consequentes aumentos de forma análoga para todos os enfermeiros que estivessem integrados no SNS, tendo daí resultado que todos estes enfermeiros, com avaliação positiva, que a 1 de Janeiro de 2011 fossem graduados por estarem há pelo menos seis anos na categoria de enfermeiros e, pelo menos desde 2004, estivessem no 1.º escalão dessa categoria, que passaram a auferir € 1.201,48 mensais e o mesmo ocorreu para os demais enfermeiros graduados integrados no SNS, com avaliação positiva, a 1 de Janeiro de 2012 e para os demais enfermeiros a 1 de Janeiro de 2013.
A autora iniciou funções como enfermeira a 28 de Novembro de 2005, tendo atingido os 6 anos nas funções a 29 de Novembro de 2011. A ré atualizou o salário da autora em Janeiro de 2016 (com efeitos patrimoniais desde Outubro de 2015).
Daqui não resultam, como se deixou dito, uma situação de injustificada desigualdade: os enfermeiros do SNS têm diversa vinculação jurídico-funcional de origem.
Além do mais, a autora trabalha 35 horas semanais, quando os demais enfermeiros, com vínculo de emprego público, trabalham 40 horas semanais.
Em conclusão: assim sendo, improcede a pretensão da autora.
III. - A Decisão
Atento o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso apresentado pela autora e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela autora.
Porto, 2017.06.08
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
__________ Sumário
I - A junção de documentos na fase de recurso apenas tem lugar nos casos de impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso (superveniência, objetiva ou subjetiva, do documento) ou de o julgamento de primeira instância ter introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II – Ao apresentante incumbe o ónus de alegação e prova da superveniência que justifica a admissão.
III – O cumprimento do ónus de impugnação especificada impõe que o réu, na posição por si assumida, aceite/repugne os factos de forma inequívoca.
IV – Tal ónus não opera quanto a juízos conclusivos ou matéria de direito.
V – Nos casos de discriminação ao autor compete alegar e provar não só quais os trabalhadores relativamente aos quais foi discriminado como os factos que possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação previstos na lei. Não o fazendo e invocando a violação do princípio de trabalho igual, salário igual, terá de alegar e provar os factos integradores de que presta tal trabalho, quanto à natureza, qualidade e quantidade. Descritores: recurso de apelação; junção de documento; ónus de impugnação especificada; factos conclusivos; enfermeiro; trabalho igual, salário igual; discriminação, ónus da prova