PROVAS
PROVAS NULAS
PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVAS
AUTOS DE VIGILÂNCIA
AUTOS DE VISUALIZAÇÃO
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Sumário

I - Autos de vigilância (isto é, textos escritos pelos agentes policiais onde estes relatam aquilo que viram) não são documentos que possam ser utilizados na prova de factos num julgamento.
II - Autos de visualização com registos de imagens, prova resultante dos meios previstos no art. 6/1 do Lei 5/2002, de 10/11, não são admissíveis como prova para os crimes do art. 25 do Dec. Lei 15/93. Tendo sido autorizado o registo de imagem e voz para investigação de um crime de tráfico de droga do art. 21, a prova obtida por esse meio não pode ser utilizada para prova de crimes do art. 25.
III - Isto é, “logo que a conclusão pela insubsistência (v.g., por falta de prova) do crime do catálogo faz cair a conexão, fica insuprivelmente perdido o suporte e o fundamento da valoração para prova dos crimes não pertinentes ao catálogo”.
IV – Quatro vendas de 0,131 g cada, dispersas por dois dias de dois meses diferentes, e a posse, num terceiro mês, de 41 embalagens de cocaína e heroína, com aquele mesmo peso líquido, sem prova, no essencial, de mais nada, não ultrapassam aquele tráfico do art. 25.
V – Duas vendas de 0,16 g de droga por cada um de 4 dias, dispersos por 3 meses diferentes, e mais 3 vendas num dia de um 4º mês, junto com a posse, neste último dia, de 27,5 g de cocaína e heroína (que dariam para 171 embalagens de 0,16 g cada) podem ser consideradas como tráfico do art. 21, embora no limite do tráfico do art. 25.

Texto Integral

No processo PCC 42/08.8PJAMD da 5ª Vara Criminal de Lisboa foram condenados os arguidos:

V… nascido a 05/01/1978: por um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21/1 do Dec. Lei 15/93, de 22/01), na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; e um crime de detenção de armas proibidas [art. 86/1c) da Lei 05/2006 de 23/02], na pena de 2 anos de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão; na sua expulsão do território nacional por 8 anos, após o cumprimento da pena, nos termos dos arts 34/1 do Dec.-Lei 15/93 e 134/1 als. e) e f), 140/2 e 151/1, da Lei 23/07, de 04/07 [corrigiu-se o lapso notório da referência ao artigo 150, quando se quis escrever 151 – parênteses deste TRL].
G… nascido a 02/03/1987: como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21/1 do Dec. Lei 15/93), na pena de 5 anos de prisão; e um crime de detenção de armas proibidas [art. 86/1c) da Lei 05/2006], na pena de 1 anos e 6 meses de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão; na sua expulsão do território nacional por 6 anos, após o cumprimento da pena, nos termos dos arts 34/1 do Dec.-Lei 15/93, 134/1 als. e) e f), 140/2 e 151/1, da Lei 23/07.
M… nascido a 06/07/1987: por um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21/1 do Dec. Lei 15/93), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; e um crime de detenção de armas proibidas, [art. 86/1c) da Lei 05/2006], na pena de 1 ano de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão; na sua expulsão do território nacional por 6 anos, após o cumprimento da pena, nos termos dos arts 34/1 do Dec.-Lei 15/93 e 134/1 als. e) e f), 140/2 e 151/1, da Lei 23/07.
T… nascido a 01/04/1983: por um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21/1 do Dec. Lei.15/93), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; na sua expulsão do território nacional por 6 anos, após o cumprimento da pena, nos termos dos arts 34/1 do Dec.-Lei 15/93 e 134/1 als. e) e f), 140/2 e 151/1, da Lei 23/07.
Maria A…, nascida a 24/04/1960: por um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21/1 do Dec. Lei 15/93), na pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período; na sua expulsão do território nacional por 5 anos, após o cumprimento da pena, nos termos dos arts 34/1 do Dec.-Lei 15/93 e 134/1 als. e) e f), 140/2 e 151/1, da Lei 23/07.
J…, nascido a 06/03/1986: por um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21/1 do Dec. Lei 15/93), na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; e um crime de detenção de munições proibidas, [art. 86/1d) da Lei 05/2006], na pena de 10 meses de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 9 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período; na sua expulsão do território nacional por 5 anos, após o cumprimento da pena, nos ter-mos dos arts 34/1 do DL 15/93 e 134/1 als. e) e f), 140/2 e 151/1, da Lei 23/07.
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Estes seis arguidos interpuseram recurso destas condenações, todos eles impugnando parte dos factos, por falta de prova; o arguido T… pedindo a sua absolvição; e todos os outros (embora a arguida não o tenha feito expressamente) pedindo a redução das penas (o primeiro com base na atenuação especial da pena e todos com base na consideração de que o crime de tráfico não era o do art. 21 mas o do art. 25 do Dec. Lei 15/93); todos estes, à exceção do primeiro, pedem também a revogação da pena de expulsão de Portugal; aqueles que foram condenados a prisão efetiva, pedem a suspensão da pena.
A todos estes recursos respondeu o MP na 1ª instância, concluindo pela sua improcedência.
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A Srª Procuradora-Geral-Adjunta neste TRL suscitou a questão prévia da intempestividade dos recursos dos arguidos M… e T…, pois que foram interpostos não no prazo de 20 dias mas no de 30 dias. Ora, este último é apenas aplicável quando o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova (art. 411/4 do CPP).
No entanto, como se verá à frente, estes recursos visam, de facto, a reapreciação da prova, pelo que são tempestivos.
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O recurso do arguido V… terá sido interposto para o STJ, atentas algumas das expressões usadas no recurso. No entanto, de acordo com o disposto no art. 414/8 do CPP (havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto – vejam-se também os acs do STJ de 04/11/2009 e de 14/01/2010, publicados sob os nºs. 619/07.9PARGR.L1.S1 e 269/07.0GAMCD.P1.S.1, respetivamente, da base de dados do ITIJ), todos os recursos serão apreciados neste Tribunal da Relação de Lisboa (= TRL).
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Para as condenações referidas foram tidos em conta os seguintes factos (que se subordinam agora, neste TRL, a números, de modo a serem mais facilmente referenciados):
1. Os arguidos V…, G…, M… e T…, residem fora do Bairro de Santa Filomena.
2. Cerca das 16h20 do dia 01/10/2008, o arguido V… entrou na casa sita no nº 2 da Rua F…, do Bairro de Santa Filomena, Amadora, abrindo a respetiva porta de entrada com a chave que tinha consigo, demorando no seu interior alguns instantes, após o que se deslocou ao início da Rua E…, onde se encontrava um indivíduo de sexo feminino com cerca de 35 anos de idade a quem entregou várias embalagens de produto estupefaciente.
3. No mesmo local - início da Rua E… - encontrava-se ainda um indivíduo com cerca de 35 anos de idade, ao qual o arguido V… também fez a entrega de estupefaciente.
4. Cerca das 16h55 e depois de subir a Avª L… M…, estacionou junto a uma barraca em estado de abandono, a viatura de marca Opel Corsa, com a matrícula 00-00-XX, conduzida por um indivíduo com cerca de 40 anos de idade, que se deslocou para o inicio da Rua E…, onde foi contactado pelo arguido V…, que se deslocou de imediato para a Rua F…, nº 2, abrindo a porta de entrada através da chave que tinha consigo, demorando no interior desta habitação poucos instantes, após o que se deslocou novamente para junto do mesmo indivíduo, ao qual entregou pequenas embalagens que continham produto estupefaciente.
5. O arguido V… tinha consigo as chaves correspondentes às habitações sitas na Rua T… de P…, nº 17, r/c, Esq, Casal de S. Brás, Amadora onde morava e da casa sita no nº 2 da Rua F… do Bairro de Santa Filomena, Amadora, onde guardava para posterior venda o estupefaciente fornecido.
6. Assim e cerca das 18h do dia 01/10/2008 na residência sita no nº 2 da Rua F… do Bairro de Santa Filomena, Amadora, usada pelo arguido V… para a guarda dos estupefacientes, tinha o mesmo consigo para entrega a terceiros:
No quarto do lado esquerdo, em cima de uma pequena mesa, situada ao lado da cama tipo beliche:
- 20 embalagens de heroína no peso líquido de 3,062 gramas;
- 21 embalagens de cocaína no peso líquido de 2,227 gramas;
- uma tesoura para o corte das embalagens plásticas de cocaína e de heroína, com resíduos de heroína;
- uma embalagem de heroína no peso líquido de 6,013 gramas;
- uma embalagem de cocaína no peso líquido de 2,875 gramas;
- uma embalagem contendo uma mistura de paracetamol e cafeína no peso de 3,534 gramas;
- uma embalagem de cocaína no peso de 13,320 gramas;
- uma faca, tipo navalha, com resíduos de cocaína;
- uma embalagem de um produto farmacêutico denominado por Redrate, contendo no seu interior diversas carteiras, que usualmente é utilizado para ser misturado com produto estupefaciente;
- diversos recortes em plástico, já preparados para encher com estupefaciente.
No mesmo quarto do lado, escondido por debaixo do colchão do beliche:
uma balança de precisão, de cor preta, com as inscrições Pocket Scale, com resíduos de estupefacientes, em cima do colchão do beliche de cima, 7,70 € divididos em várias moedas, em cima do colchão do beliche de baixo, 8,03 €, divididos em várias moedas e no interior de uma bolsa a tiracolo que estava pendurada na porta, uma arma de fogo, pistola, de cor preta, sem marca e modelo visíveis, com o nº 115211, com o respetivo carregador vazio e respetivo coldre em cabedal de cor castanha.
No quarto em frente, em cima de uma mesa, situada num compartimento tipo sala de estar, no interior de uma caixa de garrafa de whisky, 9,29 €.
7. O arguido V… tinha consigo as chaves das fechaduras das portas desta habitação.
8. Na casa onde morava sita no Casal de S. Brás - Amadora tinha consigo o arguido V…, cerca das 17h45 do dia 01/10/2008, no hall de entrada em cima de um móvel, 3 notas de 20€.
No seu quarto, no interior de uma mala de viagem de cor preta:
- dentro de uma meia de cor cinzenta, um total de 900€, divididos numa nota de 100€ e 16 notas com o valor de 50€;
- dentro de um saco de papel de cor amarela, uma arma de fogo (pistola) alterada, com o calibre 7,65mm, com a inscrição AUTOMATIC BRUNI 96 made in Italy, com o respetivo carregador municiado com oito munições de calibre 7,65mm;
- uma arma de fogo (revolver) de calibre 6.35mm, com a inscrição BROWNING Cal 6.35, municiada com 4 quatro munições de calibre 6.35mm.
- dentro de um saco de plástico de cor branco, onze munições de calibre 7.65mm;
- dentro de um saco de plástico de cor azul, três pulseiras em metal de cor amarelo, dois pendentes em metal de cor amarelo, seis argolas em metal de cor amarelo e um anel em metal de cor amarelo;
9. Tinha ainda consigo nos bolsos das calças:
várias notas num total de 65€ e varias moedas do Banco Central Europeu, perfazendo o total de 12,45€ e três chaves, sendo uma delas da porta de acesso ao interior do prédio e outra da porta de acesso à habitação.
10. Para além do acima exposto, também nos dias 30/04/2008, 03/06/2008, 05/06/2008 e 18/07/2008, no Bairro de Santa Filomena, o arguido V… procedeu a entregas de produtos estupefacientes a vários indivíduos que se lhe dirigiam para o efeito e que em troca lhe pagavam com dinheiro.
11. O arguido G… estava cerca [das] 17h20 do dia 01/10/2008 na casa sita na Rua B…, n°9-A no Bairro de Santa Filomena, por si usada para guardar estupefacientes destinados à venda a terceiros:
No interior de tal casa tinha consigo no último quarto:
uma embalagem em plástico contendo 41 pequenas embalagens de produto estupefaciente: 31 de cocaína com o peso líquido de 4.158 gramas e 10 de heroína com o peso liquido de 1,216 gramas, bem como, um comprimido de Subutex que na sua composição contém Buprenorfina e um outro comprimido que continha naloxona.
Em cima da cama na qual se encontravam documentos pessoais de G…, tinha este:
305€ divididos em várias notas de 20, 15, 10 e 5€ e ainda 36,90 €.
12. Ao aperceber-se da entrada da polícia na casa, o arguido G… que se encontrava no respetivo corredor correu em direção ao ultimo quarto lançando para o chão uma embalagem em plástico contendo as mencionadas 41 embalagens de produto estupefaciente e os dois comprimidos acima citados.
13. Nos bolsos de uma camisa e de um casaco que se encontravam dentro de um roupeiro situado no corredor estavam:
duas munições, sendo uma de calibre .38 especial e outra de 9 mm, uma embalagem própria para medicamentos que acondicionavam uma pulseira contendo três ornamentações oito brincos, um anel e dois fios com crucifixo, tudo em ouro, um anel em prata etiquetado com o preço de 26,50 €, uma pulseira em prata com o nome de SERGIO e um fio em prata etiquetado com o preço de 105€.
14. Cerca das 18h15 do dia 01/10/2008, na casa onde morava sita na Rua C… de L…, n° 72, 2º-A, Casal do Cotão, São Marcos - Sintra, o arguido G… tinha consigo no seu quarto, dentro do roupeiro e no bolso exterior de um casaco de cor creme:
uma arma de fogo, tipo revolver de marca Browning, modelo desconhecido, numero desconhecido, calibre 6.35 mm, de cor preta e cinco munições do mesmo calibre, introduzidas no tambor;
no interior do roupeiro dentro do bolso interior do mesmo casaco:
uma arma de fogo, tipo revolver de marca Rossi, modelo desconhecido, número rasurado, calibre .32 S SW. Long, com seis munições do mesmo calibre introduzidas no interior do tambor e mais seis munições do mesmo calibre separadas à parte
e guardados na gaveta da mesinha de cabeceira:
300€ em notas.
15. Para além do acima exposto, também nos dias 05/06/2008 e 18/07/2008, no Bairro de Santa Filomena, o arguido G… procedeu a entregas de produtos estupefacientes a vários indivíduos que se lhe dirigiam para o efeito e que em troca lhe pagavam com dinheiro.
16. A 01/10/2008, cerca das 15h50, no Bairro de Santa Filomena em Amadora, junto ao “Café de D…" um indivíduo de sexo feminino com cerca de 18 anos de idade, no início da Rua E…, foi contactado pelo arguido T… que, em ato continuo, entrou na casa sita na Rua E…, nº 2, demorando no seu interior alguns instantes, após o que voltou para junto do mesmo indivíduo que já se encontrava à entrada do "Café de D…", fazendo-lhe a entrega de pequenas embalagens com produto estupefaciente.
17. De seguida, o arguido T… contactou o seu irmão [arguido] M… o qual de seguida se deslocou ao interior de uma viatura, de marca Fiat Uno abandonada no local, retirando da mesma, debaixo do banco do condutor, várias embalagens de produto estupefaciente, que posteriormente entregou ao arguido T…, que, em ato continuo, as entregou ao mencionado indivíduo de sexo feminino, o qual, em seguida, abandonou o Bairro pela Avª L… M…, enquanto os dois arguidos ficaram no local.
18. Cerca das 16h45, vindo da zona da Avª L… M…, um indivíduo com cerca de 25 anos de idade, que vestia uma camisa branca com a inscrição England na parte frontal e o nº 7 nas costas, deslocou-se para junto do "Café de D…", tendo cumprimentado os arguidos T… e M….
19. Ato contínuo, o arguido M… deslocou-se ao aludido Fiat Uno, retirando do mesmo, debaixo do banco do condutor, várias embalagens com produto estupefaciente que posteriormente entregou ao mesmo indivíduo, o qual abandonou o bairro pela Rua E…, enquanto os arguidos T… e o M… permaneceram no mesmo local.
20. Pelas 17h10, em tal local tinham os arguidos T… e M… as quantias, respetivamente, de 120€ e 95€, divididas em várias notas, proveniente da venda de estupefacientes.
21. Os arguidos M… e o T… tinham consigo na viatura abandonada que estava estacionada no Largo da C…, Fiat Uno, com as portas destrancadas, guardadas por baixo do banco do condutor, uma bolsa, que tinha no seu interior, 36 embalagens de heroína com o peso líquido de 5,534 gramas e 55 embalagens de cocaína com o peso líquido de 7,965 gramas.
22. Tinha também o arguido M… consigo, na casa por si habitada sita no 1° Esq° do n° 4 da Rua Avenida da G… em Casal de Cambra – Sintra:
1 embalagem de heroína com o peso liquido de 0,031 gramas, 1 embalagem de cocaína com o peso liquido de 7,921 gramas, 50€ e uma arma de calibre 8 mm, alterada para 6, 35 mm e quatro munições.
23. Na casa onde vivia, sita no 3° Dtº do nº1 da Rua V… E… em Falagueira, Amadora no dia 01/10/08, tinha consigo o arguido T…:
dois recortes em plástico normalmente usados para embalamento de produtos estupefacientes e uma embalagem de Redrate normalmente usado para ser misturado com produto estupefaciente.
24. Para além do acima exposto, também nos dias 03/06/2008 e 05/06/2008, no Bairro de Santa Filomena, o arguido T… procedeu a entregas de produtos estupefacientes a vários indivíduos que se lhe dirigiam para o efeito e que em troca lhe pagavam com dinheiro.
25. Também a 01/10/2008, cerca das 17h10 na residência sita na Rua E…, nº 2, no Bairro de Santa Filomena, Amadora, onde os mesmos habitavam tinham os arguidos Maria A… e J…, consigo:
No quarto do arguido J…, no interior da cómoda, numa gaveta, uma bolsa em pele de cor preta contendo 11 embalagens de cocaína com o peso liquido de 1,137 gramas e vários recortes em plástico próprios para embalar produto estupefaciente e no interior da mesa-de-cabeceira numa gaveta, seis munições de calibre 6.35mm de cor amarela por deflagrar acondicionadas num saco de plástico e 200€ fracionados em várias notas.
No quarto da arguida Maria A…, debaixo do colchão da cama, uma bolsa em pele de cor preta contendo 26 embalagens de produto estupefaciente, sendo 16 de cocaína, com o peso líquido de 2,431 gramas e 10 de heroína com o peso líquido de 1,196 gramas.
Na sala de estar dessa residência, no interior de um móvel estavam um cheque do Millenium BCP em nome de Duarte M… endossado à arguida, uma Caderneta da Caixa Geral de Depósitos em nome da arguida, um documento do Ministério da Justiça, Estabelecimento Prisional de Leiria, em nome do arguido J… e um documento da Segurança Social em nome da arguida.
26. Para além do acima exposto, também no dia 03/06/2008, os arguidos Maria A… e J… procederam a entregas de produtos estupefacientes a vários indivíduos que se lhe dirigiam para o efeito e que em troca lhe pagavam com dinheiro.
27. Todos os arguidos conheciam a natureza estupefaciente dos produtos que tinham consigo e que puseram em circulação através de venda direta.
28. Os arguidos V…, G…, M… e J… estavam perfeitamente ciente da natureza das armas de fogo e das munições por si guardadas e que tinham consigo quando aplicadas contra pessoas e em certas zonas do organismo humano, bem como das suas características e finalidades e que podiam ser usados contra terceiras pessoas sendo assim perigosa a sua posse e uso.
29. Todos os arguidos agiram consciente e deliberadamente, com plena liberdade de atuação e bem sabendo que a sua conduta lhes era punida por lei.
30. Todos os arguidos têm nacionalidade estrangeira.
31. O arguido V… é casado, vive com uma companheira e não tem filhos. Trabalha na construção civil, como pedreiro, ganhando cerca de 40€ por dia. Tem a 5ª classe. Por sentença de 24/01/2008, transitada em julgado em 03/07/2008, foi condenado na pena de 18 meses de prisão, suspensa na respetiva execução por idêntico período, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade praticado a 15/02/2005.
33. O arguido G… é solteiro, vive com os pais e não tem filhos. Desempregado há cerca de um mês, antes era operador de máquinas de lentes de óculos, ganhando cerca de 580€. Tem o 11º ano de escolaridade. Não regista antecedentes criminais
34. O arguido M… é solteiro, vive com a sua companheira e não tem filhos. Trabalha como servente de pedreiro, auferindo cerca de 550€ mensais. Tem o 9º ano de escolaridade. Não regista antecedentes criminais.
35. O arguido T… é solteiro e vive com o pai e não tem filhos. Trabalha como servente de pedreiro, auferindo cerca de 550€ mensais. Tem a 6ª classe. Não regista antecedentes criminais
36. A arguida Maria A… é solteira e vive com o arguido J…. Tem mais sete filhos, todos a viver em Cabo Verde. Trabalha como empregada doméstica, auferindo cerca de 850€ mensais. Não sabe ler nem escrever. Não regista antecedentes criminais
37. O arguido J… vive com a sua mãe, a arguida Maria A…, é solteiro e não tem filhos. Está desempregado há cerca de dois meses, sendo que antes disso trabalhava como servente de pedreiro com o seu tio, auferindo cerca de 30€ diários. Tem o 9º ano de escolaridade. Não regista antecedentes criminais.
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Não se provou, de essencial e constante da acusação, que os arguidos tivessem atuado, no acima descrito, a poucos metros de um jardim-de-infância frequentado por crianças em idade pré-escolar.
No mais, não se consideraram todas a matéria conclusiva ou de direito constante do libelo acusatório.
O tribunal coletivo fundamentou assim a sua convicção:
Importa agora elencar os meios de prova de que o Tribunal dispôs, nos termos do art. 374/2 do CPP.
O entendimento dos Tribunais Superiores sobre o cumprimento deste preceito encontra-se sedimentado: trata-se de exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu, na apreciação da prova, um processo crítico, lógico e racional, não sendo ilógica, arbitrária, contraditória, ou violadora das regras da experiência comum (sobre esta matéria vide, entre muitos, os acs do STJ de 9/1/97, in CJ.STJ, ano V, T 1, pág. 178; de 29/06/95, in CJ.STJ, ano III, T 2, pág. 256; de 9/11/95, CJ.STJ, ano III, T 3, pág. 238; de 29/6/95, in CJ.STJ, ano III, T 2, pág. 254 e de 07/07/93, in CJ.STJ, ano I, T 3, pág. 196).
Assim, tendo presente a matriz da livre apreciação probatória (art. 127 do CPP), o Tribunal atendeu aos meios de prova a seguir indicados na sua essencialidade, não só pelo seu valor individual, mas sobretudo pela concatenação geral.
Os arguidos não prestaram declarações, usando, todos, do denominado direito ao silêncio exceto em relação às suas condições pessoais, sobre as quais esclareceram o Tribunal.
Em sede de prova testemunhal o Tribunal dispôs dos seguintes depoimentos:
José C…, agente da PSP, afirmou ter efetuado todas as vigilâncias constantes do processo, que foram cinco, em 30/04/2008, 03/06/2008, 05/06/2008, 18/07/2008 e 01/10/2008, dia em que se procederam às buscas dos autos, dando assim por confirmado, na íntegra, o teor dos respetivos autos de vigilância.
As vigilâncias foram a todos os arguidos e foram feitas a uma distância que lhe permitia ver a entrega de embalagens, cujo respetivo conteúdo não conseguia ver em concreto, mas que suspeitava ser produto estupefaciente, como depois se confirmou pelas detenções a consumidores que tinham sido vistos a comprar aos arguidos.
Mais referiu, no essencial, o seguinte, tudo reportado a factos visionados pela própria testemunha:
O arguido V… permanecia durante o dia no Largo da C… ou Largo do barracão, junto ao Café de D…, no Bairro de Santa Filomena, sita na Rua E…, nº 4, sendo que os toxicodependentes que ali se deslocavam contactavam o arguido V…, ao qual entregavam dinheiro e permaneciam no local, aguardando alguns minutos.
O arguido V… deslocava-se à Rua F, nº 2, onde estava 1 ou 2 minutos e depois entregava algo que suspeitava ser produto estupefaciente, as respetivas embalagens aos indivíduos que lhe tinham dado dinheiro.
O arguido G… parava no mesmo local, mas tinha um negócio independente do V…, ainda que exercesse a mesma atividade que este, escondendo o produto estupefaciente no solo, misturado com lixo ou debaixo de alguma pedra.
O arguido J… morava com a sua mãe, a arguida Maria A… e relacionava-se com o arguido T…, tendo havido uma situação em que este tinha uma bolsa escondida junto aos caixotes do lixo, à qual ia buscar algumas embalagens para entregar aos toxicodependentes e uma vez entregou a bolsa ao arguido J..., o qual depois entrou na sua casa e voltou a sair já sem a bolsa.
O arguido T… entregou várias embalagens, que presumia ser estupefaciente, embalagens que retirava de uma bolsa escondida junto a caixotes de lixo, bolsa esta, que veio a ser apreendida, nela se encontrando embalagens de droga.
Chegou também a ver entregas de embalagens por parte do arguido J….
Intercetaram vários toxicodependentes após as vigilâncias, tinham sido vistos a comprar, tendo sido apreendida heroína e cocaína, que tinham visto a ser adquirida nas aludidas vigilâncias.
Em relação à, arguida Maria A… viu-a proceder uma vez à entrega de embalagens a um indivíduo que depois veio a ser intercetado na posse das mesmas, sendo ainda do seu conhecimento que a mesma trabalhava como empregada doméstica.
Viu o arguido M…, no dia 01/10/2008, a proceder a entregas de embalagens que supunha serem estupefaciente, as quais estavam dentro de um carro abandonado junto ao Café de D…, colocadas numa bolsa por baixo do banco do condutor do veículo, embalagens que vieram a ser apreendidas, confirmando-se que as mesmas continham produto estupefaciente.
Mais referiu, que o Bairro de Santa Filomena é um bairro degradado, com uma maioria de população proveniente de Cabo Verde.
João P…, agente da PSP, afirmou ter participado na abordagem de alguns indivíduos toxicodependentes que tinham na sua posse produto estupefaciente, indivíduos esses, que foram indicados pelo seu colega José C… que estava a fazer as vigilâncias, desconhecendo o depoente a quem é que esses indivíduos tinham comprado o produto estupefaciente.
Mais disse, que no dia 01/10/2008, efetuou uma busca na Falagueira, Amadora, que o arguido T… costumava frequentar, onde encontrou dois recortes de plástico e uma embalagem de Redrate, produto que é normalmente usado para ser misturado com produto estupefaciente, tendo ainda intercetado o arguido T…, na posse de 120€, quantia que foi apreendida.
Bruno P…, agente da PSP, afirmou ter tido intervenção na busca domiciliária na Rua F… nº 2 utilizada pelo arguido V…, habitação que foi arrombada sem ninguém ali se encontrar e onde foram apreendidas várias embalagens (quartas), de produto estupefaciente, uma balança de precisão, uma tesoura e uma arma de fogo e tudo o mais que consta do respetivo auto de apreensão, cujo teor confirma na íntegra.
Disse ainda, não saber se o arguido residia no local onde foi feita a busca, ainda que o mesmo tivesse as chaves desse local no bolso.
Mais referiu que o Café de D… é, há muito referenciado como um local de transação de estupefacientes no Bairro de Santa Filomena.
Raul V…, agente da PSP, disse ter tido intervenção na busca domiciliária efetuada ao arguido V…, na Rua T… de P…, no Casal de S. Brás, Amadora, confirmando, na íntegra, o teor do que foi ali foi apreendido, como conta do respetivo auto e ainda o que foi apreendido pessoalmente, ao arguido V…, na revista que lhe foi efetuada.
César N…, agente da PSP, disse que fez a busca ao nº 2 da Rua F… do Bairro de Santa Filomena, utilizada pelo arguido V…, confirmando, nesta parte, o depoimento do seu colega Bruno P….
Carlos R…, agente da PSP, declarou ter efetuado uma busca domiciliária na casa do arguido V…, na Rua T… de P…, no Casal de S. Brás, Amadora, confirmando assim o depoimento do seu colega Raul V….
Bruno M…, agente da PSP, afirmou ter participado na busca domiciliária efetuada na residência da arguida Maria A…, na Rua E… no Bairro de Santa Filomena, estando também presente o arguido J… que também ali residia, confirmando na íntegra o teor do auto de apreensão que consta dos autos, sendo que por ambos os arguidos foi confirmado em que quarto é que cada um dormia.
Paulo S…, agente da PSP, referiu ter feito a busca domiciliária numa residência do arguido G…, situada no Casal do Cotão, confirmando na íntegra o teor do auto de apreensão respetivo, ou seja, que apreendeu duas armas de fogo e 300€, tudo no quarto do arguido, sendo que o mesmo, na altura da busca, não se encontrava no local, tendo a mesma sido testemunhada pela irmã do arguido G….
João B…, agente da PSP, disse ter tido intervenção na busca domiciliária na residência da arguida Maria A… no Bairro de Santa Filomena, confirmando o que ali foi apreendido e consta da acusação, designadamente, no que se reporta ao que foi apreendido no quarto da arguida e que mesmo por esta foi confirmado que o quarto era o seu.
Ricardo O…, agente da PSP, mencionou ter tido intervenção na busca domiciliária da arguida Maria A…, na Rua E… no Bairro de Santa Filomena, busca esta, onde esteve no quarto do arguido J..., confirmando, na íntegra, o que consta com ali tenha sido apreendido e exarado, a tal propósito, na acusação.
Rui E…., agente da PSP, contou que teve intervenção numa busca domiciliária à casa do arguido G…, confirmando o que ali foi apreendido.
Em sede de prova documental, o Tribunal teve à sua disposição:
- autos de vigilância e de visualização com registo de imagem, decorrentes de fls. 47/69, 128/143, 172/193, 231/247 e 377/392, acompanhados dos respetivos fotogramas que constituem os anexos A a E;
- autos de busca e apreensão de fls. 402/406, 409/418, 421/424, 428/431, 442/443, 446/457, 454/456, 468/480, 481, 483/484, 493/498, 500, 503/504 e 506/508;
- autos de exame e avaliação de fls. 701, 748, 761/762 e 1090/1091;
- auto de exame de fls. 257, 259, 261, 263, 265, 267, 269, 278, 280, 282, 653, 774 e 897/899;
- fotos e croquis de fls. 304/309;
- auto de notícia de fls. 551/564;
- informações de fls. 1028/1029 e 1078;
- CRCs de fls. 723/729;
- relatório social a fls. 1253/1257;
Cotejando este acervo probatório, conclui o Tribunal, sem dúvida razoável, pela prática por todos os arguidos dos factos que lhes eram imputados, na medida em que os mesmos se baseavam, fundamentalmente, nas vigilâncias que lhes foram efetuadas e nas buscas realizadas no dia 01/10/2008.
Quanto às primeiras, o teor dos respetivos autos foi, como acima se disse, confirmado na íntegra pelo agente policial que as efetuou, em depoimento séria, natural, seguro e credível, de onde não decorreu qualquer animosidade em relação aos arguidos, mas tão só o relato circunstanciado de factos que tinha presenciado.
Nessa medida, entendeu o Tribunal poder dar por assente a matéria constante dos respetivos autos de vigilância e que se mostra plasmada na peça acusatória.
Em relação às buscas e apreensões efetuadas aos arguidos no dia 01/10/2008, de igual modo foi demonstrado em Tribunal, a veracidade dos autos que lhes são correspondentes, razão pela qual, também se assumiu por assente o que a tal propósito constava da acusação.
Já que no que se reporta à matéria referida na parte final do art. 50 da acusação, exigia a mesma concretização efetiva em Audiência de Julgamento, o que, não tendo assim ocorrido, determinou que a mesma se tivesse por não provada.
No que respeita às condições pessoais dos arguidos, o Tribunal aceitou como boas as suas próprias declarações.
*
Quanto aos factos o arguido G… formulou a seguinte conclusão do seu recurso:
I. O acórdão enferma de insuficiência de prova bastante para a condenação do arguido no que tange às operações de tráfico que lhe são imputadas nos dias 05/06/2008 e 18/07/2008, existindo aqui um erro notório na apreciação da prova produzida em julgamento [artigo 410/2c) do CPP].
Isto resume a seguinte motivação:
Diz o arguido – depois de sintetizar a análise crítica da prova feita pelo tribunal –, nos pontos 11 a 13, que
“percorrendo as audições dos depoimentos prestados por 11 testemunhas da PSP, não se vislumbra, salvo o devido respeito, onde é que reside a prova inatacável, segura, para além de toda a dúvida razoável, que possa fundamentar a existência do tráfico de droga imputável ao arguido nos dias 05/06/2008 e 18/07/2008 […], conforme transcrições das gravações de audiência em anexo e para as quais se remete [que consta a seguir ao recurso, fls. 1415/1416 – aditado por este TRL]. Para tanto, e na perspetiva do recorrente, não basta a convicção do agente José C…, nem o auto de vigilância faz fé em juízo. O que o agente afirmou em audiência, convenhamos, é insuficiente em termos de prova. Se não, vejamos: "dava a entender que cada um tinha o seu negócio independente"; "dava a entender que o arguido tinha embalagens no lixo ou debaixo de alguma pedra";"dava a entender que o conteúdo das embalagens era estupefaciente". Mais afirmou o agente José C… que durante as operações de vigilância, dava aos seus colegas a descrição dos toxicodependentes que iam adquirir droga, os quais eram intercetados no exterior do bairro. Sucede que em audiência, nenhum dos agentes da PSP identificou os adquirentes de droga, sendo certo que tendo sido alguns arrolados pela acusação, decidiram não comparecer em audiência e foram prescindidos pela Srª Procuradora. Consequentemente, não se ficou a saber que quantidades de estupefaciente foram transacionadas, se as embalagens continham efetivamente droga de acordo com a suspeição do vigilante, e, a haver estupefaciente, desconhece-se se as embalagens continham plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou IV, a que se refere o artigo 21 do Dec. Lei 15/93. Resta-nos assim a convicção do agente José C… de que se trata de estupefaciente, continuando-se a desconhecer que importâncias em dinheiro foram dadas em contrapartida. Pelo que tal imputação deve ser julgada improcedente.
Posto isto:
Se é certo que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, também é certo que as conclusões podem ser aperfeiçoadas até ao limite do que consta das motivações. Pelo que, se das motivações consta o suficiente para ser compreensível aquilo que é discutido pelo recorrente, há que recorrer a elas.
Tendo em conta, assim, o conteúdo das conclusões, completado o seu sentido com recurso às motivações, vê-se que, apesar do arguido invocar o artigo 410/2 do CPP e os vícios a que este artigo se refere, está também a impugnar a matéria de facto, dizendo quais os factos que considera que não estão provados apesar de o tribunal ter considerado o contrário, invocando o arguido, ainda, as provas que imporiam aquela decisão de não provado e indicando e transcrevendo mesmo as passagens em que funda a impugnação, tudo em cumprimento do disposto nos nºs. 3 e 4 do art. 412 do CPP.
Assim, entende-se que os factos foram impugnados quer pela via do art. 410/2 quer pela via do art. 412/3, ambos do CPP.
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Tendo em conta a análise crítica da prova feita pelo tribunal recorrido constata-se que os factos – todos eles, já que no acórdão não se faz a distinção (mais à frente, ver-se-á se é possível fazer distinções) - foram dados como provados com base também em autos de vigilância, dizendo-se ainda que a [principal] testemunha confirmou “na íntegra o teor dos respetivos autos de vigilância”, esclarecendo-se depois que “entendeu o Tribunal poder dar por assente a matéria constante dos respetivos autos de vigilância e que se mostra plasmada no peça acusatória”.
Ora, autos de vigilância não são documentos que possam ser utilizados na prova de factos. Autos de vigilância são textos escritos pelos agentes policiais onde estes relatam aquilo que viram. É pois um testemunho escrito que consta do processo de inquérito. Ora, as leituras de testemunhos prestados (e tinham que o ser formalmente, e não por escrito) durante o inquérito não são permitidas em julgamento, salvo exceções cujos pressupostos não foram – mas tinham de constar se existissem - invocados pelo acórdão recorrido. Em julgamento o que vale, por regra, é apenas o depoimento prestado no decorrer da audiência (arts. 355 a 357, todos do CPP).
Não podendo o tribunal utilizar tais autos como elementos de prova, mas tendo-o feito, verifica-se a violação de uma proibição de valoração de prova (art. 355 do CPP). Uma decisão de facto baseada numa prova cuja valoração estava proibida por lei é uma decisão que sofre de um vício de direito e que por isso teria que ser anulada, independentemente de também poder ser vista como uma decisão viciada de nulidade [art. 410/3 do CPP].
No mesmo sentido, embora para uma situação paralela, veja-se o Comentário do CPP de Paulo Pinto de Albuquerque, UCE, Dez2007, pág. 641, nota 34 – “o relato não tem qualquer valor probatório na audiência de julgamento, por força do princípio da imediação (art. 355/1) Só o depoimento pessoal do auto do “relato” (o agente encoberto) valo como meio de prova do que ele fez, viu e ouviu. Por isso, o relato, isto é, o texto escrito do agente encoberto que descreve o que ele fez, viu e ouviu, não é um documento” -, e o estudo de Sandra Pereira, A recolha de prova por agente infiltrado, nos Estudos Sobre Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Penal, Almedina, 2010.
Note-se, de resto, que não se trata tão-só de razões de ordem legal-processual que impediriam a utilização de tais autos de vigilância, mas razões “de ordem cognoscitiva: as hipóteses têm as suas regras (obviamente, não jurídicas) de formação e avaliação; e neste segundo ponto, é notório que não são suscetíveis de autoconfirmação. Pois, ‘o que serviu para formular uma hipótese não pode indiscriminadamente valer para confirmá--la (…). A pretensão de exibir em juízo como provas as declarações recolhi-das na investigação é análoga à do cientista que exigisse o reconhecimento dos resultados obtidos no seu laboratório privado, sem os reproduzir diante da comunidade dos investigadores’ (Ferrua)” (Perfecto Andrés Ibáñez, Sobre Prueba y Motivación, Consideraciones sobre la prueba judicial, Fundación Coloquio Jurídico Europeo, Madrid, 2ª edición, 2010, pág. 60).
*
Para além da utilização dos autos de vigilância, o tribunal coletivo utilizou ainda autos de visualização com registos de imagens. O tribunal está-se a referir às provas que resultaram dos meios previstos no art. 6/1 do Lei 5/2002, de 10/11 [aqui como em baixo, as leis citadas e as suas várias versões ao longo do tempo foram principalmente consultadas através do sítio da PGDL].
Diz este artigo que “
é admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no art. 1, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado”. Os crimes previstos no art. 1/1, na parte que interessa aos autos, são, al. a), os de tráfico de estupefacientes, nos termos dos artigos 21 a 23 e 28 do Dec. Lei 15/93, de 22/01.
Estes meios de prova não são pois admissíveis para os crimes do art. 25 do Dec. Lei 15/93. O que tem justificação no facto de este crime de tráfico de droga de menor gravidade não ser (tal como resulta do art. 51 do Dec. Lei 15/93) equiparado a casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada. Daí que, por exemplo, ele não admita prisão preventiva (tal como o esclareceu o ac. do STJ de 10/10/2007, publicado sob o nº. 07P3780 na base de dados do ITIJ) e admita julgamento por júri (acórdão 450/2008 do Tribunal Constitucional) ao contrário dos tráficos de maior gravidade.
Quer isto dizer que tendo sido autorizado o registo de imagem e voz para investigação de um crime de tráfico de droga, do art. 21 do Dec. Lei 15/93, a prova obtida por esse meio não pode ser utilizada para prova de crimes do art. 25 do Dec. Lei 15/93.
Tal como o juiz, que colocou em prisão preventiva um arguido por aquilo que havia fortes indícios de ser um crime do art. 21, deve soltar de imediato o arguido quando se aperceber que afinal se está perante um tráfico de menor gravidade, do art. 25, assim o juiz, mal se apercebe que a prova obtida ao abrigo do art. 6 da Lei 5/2002 está a ser utilizada para prova de crimes de tráfico de menor gravidade, deve impedir tal utilização.
Como diz Manuel da Costa Andrade “logo que a conclusão pela insubsistência (v.g., por falta de prova) do crime do catálogo faz cair a conexão, fica insuprívelmente perdido o suporte e o fundamento da valoração para prova dos crimes não pertinentes ao catálogo” [Bruscamente no verão passado”, a reforma do CPP – observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente, RJL 137, 3951, Julho- Agosto de 2008, pág. 350]. “Uma solução”, acrescenta, “que, para além de ter por si razões de índole normativa, axiológica e político-criminal, é em grande medida imposta pela urgência de obviar a um perigo, há muito sinalizado por Roxin: o perigo de se pretextarem crimes do catálogo só para, ‘por esse meio, poder investigar delitos para os quais não poderiam realizar-se escutas’”.
Ora, no caso dos autos, os factos que estão dados como tendo sido praticados pelos cinco últimos arguidos são exemplos típicos de crimes de tráfico de menor gravidade, do art. 25 do Dec. Lei 15/93.
Assim sendo, os autos de visualização com registo de imagens não podiam ser utilizados para a prova dos crimes praticados pelos cinco últimos arguidos, entre eles o do arguido G….
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Para se concluir que os factos são apenas configuráveis como crimes de tráfico de menor gravidade em relação aos cinco últimos argui-dos, veja-se, em termos sintéticos, o que o tribunal deu como provado:
O arguido V… nos dias 30/04/2008, 03/06/2008, 05/06/2008 e 18/07/2008, procedeu a entregas de produtos estupefacientes a vários indivíduos que se lhe dirigiam para o efeito e que em troca lhe pagavam com dinheiro.
No dia 01/10/2008 fez três entregas de droga a três indivíduos e tinha, numa casa que utilizava para o efeito, cerca de 27,497 g de cocaína e heroína (em 43 embalagens, duas delas com pesos mais significativos).
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O arguido G… nos dias 05/06/2008 e 18/07/2008 procedeu a entregas de produtos estupefacientes a vários indivíduos que se lhe dirigiam para o efeito e que em troca lhe pagavam com dinheiro.
No dia 01/10/2008, tinha, numa casa utilizada para o efeito, 41 de cocaína e heroína, com o peso líquido de 5,374 g (= 0,131/cada).
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O arguido T…, no dia 01/10/2008, fez duas entregas de droga a um indivíduo. Ele e o seu irmão, arguido M…, tinham consigo numa viatura abandonada 91 embalagens de heroína e cocaína, com o peso líquido de 13,499 g. (= 0,148/cada).
Também nos dias 03/06/2008 e 05/06/2008, o arguido T… procedeu a entregas de produtos estupefacientes a vários indivíduos que se lhe dirigiam para o efeito e que em troca lhe pagavam com dinheiro.
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O arguido M… no dia 01/10/2008 participou numa das entregas de droga do arguido T… e fez uma outra entrega a terceiro e tinha com o seu irmão a droga que foi apreendida no carro. Para além disso, tinha em sua casa 2 embalagens de heroína e cocaína com o peso líquido de 7,952 g.
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A arguida Maria A… (mãe do arguido J…) tinha no seu quarto, no dia 01/10/2008 26 embalagens de cocaína e heroína, com o peso líquido de 3,627g (= 0,1395/cada).
No dia 03/06/2008, procedeu a entregas de produtos estupefacientes a vários indivíduos que se lhe dirigiam para o efeito e que em troca lhe pagavam com dinheiro.
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O arguido J... (filho da arguida Maria A…) tinha no seu quarto, no dia 01/10/2008, 11 embalagens de cocaína com o peso líquido de 1,137 g (= 0,103g).
No dia 03/06/2008, procedeu a entregas de produtos estupefacientes a vários indivíduos que se lhe dirigiam para o efeito e que em troca lhe pagavam com dinheiro.
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Para se ter uma ideia do que está aqui em causa, o que consta dos autos de apreensão relativos aos dias 30/04, 03/06, 05/06 e 18/07, é um total de 17 sacos, com 2,678 g (= 0,16g/cada), a repartir por 5 arguidos, isto tendo em conta o seguinte:
O auto de exame de fls. 257, diz respeito a droga apreendida a um tal Y… V… que não tem nada a ver com nenhum daqueles autos [fls. 213, ofício 1359 ou 1360 – 3 sacos, 0,630 g – 0,116 g de tara - 18/06/2008],
O auto de fls. 259 [fls. 209 of. 2843 ou 2844, 1 saco, 0,108g – 0,01 g de tara – 18/06/2008], diz respeito a Mário J…, que está referenciado no de 03/06/2008;
O de fls. 261 [fls. 214, of. 1357 o 1358 - 1 saco, 0,236 g – 0,075g de tara – 18/06/2008], diz respeito a Rui M… que está referenciado no de 30/04;
O de fls. 263 [fls. 215 of. 1355 ou 1356 1 saco, 0,229 g – 0,081 g de tara – 18/06/2008], diz respeito a Sérgio V… que está referenciado no de 30/04;
O de fls. 265 [fls. 212, of. 1361 ou 2838 1 saco, 0,215 g – 0,060 g de tara – 18/06/2008], diz respeito a António A… que está referenciado no de 03/06/2008;
O de fls. 267 [fls. 211, of. 2839 ou 2840 1 saco, 0,190 g – 0,060 g de tara – 18/06/2008], diz respeito a Horácio R… que está referenciado no de 03/06/2008;
O de 269 [fls. 210, of. 2841 ou 2842 2 sacos, 0,316g – 0,102 g de tara – 18/06/2008], diz respeito a Albino M… que está referenciado no de 03/06/2008;
O de fls. 278 [fls. 254, of. 2895 4 sacos, 0,809g – 0,186 g de tara – 03/07/2008], diz respeito a António M… que está referenciado no de 05/06/2008;
O de fls. 280 [fls. 252, of. 2893 1 saco - 0,234 g , 0,073 g de tara – 03/07/2008] diz respeito a Ricardo G… que está referenciado no de 05/06/2008;
O de fls. 282 [fls. 253, of. 2894 1 envelope com canabis, 0,281 g – 03/07/2008], diz respeito a Paulo J…, que está referenciado no de 05/06/2008;
O de fls. 653 [fls. 350, of. 3883 ou 3884 2 sacos, 0,395 g- 0,119 g de tara – 18/08/2008], diz respeito a José A… que está referenciado no de 18/07/2008;
O de fls. 774 [fls. 346, of. 3878 ou 3886 2 sacos, 0,460 g – 0,140g de tara, 24/07/2008], diz respeito a Viriato F… que está referenciado no de 18/07/2008; e
O de fls. 897/899 diz respeito a ofício de 02/10/2008, ou seja, às buscas de 01/10/2008.
*
Ou seja,
No dia 30/04/2008 foram apanhados 2 sacos a 2 consumidores (= 0,42g líquidas: 2). O acórdão fala num vendedor (arguido V…).
No dia 03/06/2008 foram apanhados 5 sacos a 4 consumidores (= 0,594g líquidas : 4). O acórdão fala em 4 vendedores (arguidos V…, T…, Maria A… e J…).
No dia 05/06/2008 foram apanhados 5 sacos a 2 consumidores (= 0,784g líquidas : 2) e 1 envelope com 0,281 g de canabis a outro consumidor. O acórdão fala em 3 vendedores (arguidos V…, G… e T…).
No dia 18/07/2008 foram apanhados 4 sacos a 2 consumidores (= 0,596 líquidas : 2). O acórdão fala em 2 vendedores (arguidos V… e G…).
*
Posto isto e dada a imprecisão dos factos, que não pode ser valorada contra os arguidos (pelo que, quando se fala em entregas, no máximo o que pode estar em causa são 2 entregas, para respeitar o plural utilizado, mas não mais; e quando se fala em embalagens de droga, tal corresponde, no geral, a 0,16g/cada, a não ser que se chegue a resultado diferente), pode-se dizer que:
O arguido G… fez quatro vendas de droga repartidas por dois dias diferentes, e tinha consigo, num outro dia, numa casa utilizada para o efeito, 41 embalagens de cocaína e heroína, com o peso líquido de 5,374 g (= 0,131/cada). A atividade dele está assim reduzida a cerca de total de 6,014 g.
Este arguido pode assim ser considerado como um típico pequeno traficante de droga, em contacto direto com os consumidores, sem que se prove qualquer tipo de organização e ganho significativo com tal atividade (não há prova de quaisquer pagamentos).
E o mesmo se diga dos restantes arguidos, cuja situação é idêntica à do arguido G… ou mais leve ainda, à exceção do arguido V….
Quanto a este arguido, ele fez 2 vendas de droga por cada um de 4 dias e fez mais 3 vendas no dia 01/10/2008, sendo que neste dia tinha consigo, para venda a terceiros, cerca de 27,5 g de cocaína e heroína, o que já daria para 171 embalagens de 0,16g.
Assim, embora a situação deste arguido ainda se possa considerar numa zona fronteiriça com o crime do art. 25, ela já é enquadrável como crime do art. 21.
*
Isto tudo tendo em conta aquilo que tem sido considerado como tráfico do art. 21 e como tráfico do art. 25 daquele Dec. Lei:
Há mais de 10 anos que “situações que eram tratadas como consubstanciando o crime previsto e punido pelo art. 21 do Dec. Lei 15/93, de 22/1, vêm merecendo menor censura com a sua integração no crime privilegiado de tráfico de menor gravidade (cfr. os acórdãos do STJ de 24/11/99, no BMJ 491/88, de 22/10/98, no BMJ 480/43, e de 23/09/88, no BMJ 479/252)” (esteve-se a citar a anotação ao acórdão do STJ de 28/06/2000, publicado no BMJ. 498/59).
No acórdão do STJ de 27 de Junho de 2002, relatado por Carmona da Mota, depois de se fazer uma recolha de inúmera jurisprudência em que o art. 25 foi aplicado, doutrina-se no sentido de que:
“Embora timidamente enunciado, teve o legislador o propósito de não “meter no mesmo saco” todos os traficantes, distinguindo entre os casos “graves” (art. 21), os muito graves (art. 24), os pouco graves (art. 25) e os de gravidade reduzida (art. 26), redução essa motivada no fundo pela condição de toxicodependente do agente.
Pois bem: a jurisprudência esvaziou quase completamente os arts. 25 e 26, remetendo para o art. 21 a generalidade das situações. Para tanto, faz uma interpretação contra legem do art. 25.
Com efeito, estabelece este artigo que se aplica às situações em que “a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade” das drogas.
A interpretação que parece mais consentânea com o texto (e com a epígrafe do artigo) é a de que o legislador quis incluir aqui todos os casos de menor gravidade, indicando exemplificativamente circunstâncias que poderão constituir essa situação. Assim, será correto considerar-se preenchido este crime sempre que se constate a verificação de uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude, como poderá ser, por exemplo, uma quantidade reduzida de droga, ou esta ser uma “droga leve”, ou quando a difusão é restrita, etc. O crime do art. 25 é para o pequeno tráfico, para o pequeno “retalhista” de rua (Eduardo Maia Costa, Direito penal da droga, RMP 74-103, ps. 114 e ss)”.
Veja-se neste mesmo sentido, o estudo de João Conde Correia, revista Lusíada/Direito, 2002, Coimbra Editora, Outubro de 2003, Aspetos Jurídico-Penais da Lei da Droga: as fontes, muita jurisprudência e alguma doutrina, págs. 105 a 126: “a generalidade das situações julgadas nos nossos tribunais é, de facto, de pequeno tráfico, mesmo quando não são rotuladas como tal. Inicialmente essa jurisprudência [sobre o artigo 25] era muito restritiva. Hoje é mais flexível. O caráter cruzadista vai-se perdendo”.
E ainda neste mesmo sentido veja-se o artigo do Procurador da República Víctor Paiva, na Revista do Ministério Público, nº. 99, págs. 137 a 153.
No acórdão do STJ de 29/11/2005 chama-se de novo a atenção para que:
“A integração do crime de tráfico de menor gravidade, do art. 25, não pressupõe necessariamente uma ilicitude diminuta. Como resulta, designadamente, da moldura prevista na sua al. a), a ilicitude pode ser já considerável; deve, é, situar-se em nível acentuadamente inferior à pressuposta pela incriminação do tipo geral do art. 21”.
E ainda que
“a jurisprudência do STJ dos últimos anos tem vindo a alargar o campo de aplicação do aludido art. 25 a tudo quanto seja pequeno tráfico, aos ‘dealers’ ou ‘retalhistas’ de rua, sem ligações a quaisquer redes e quase sempre desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos, e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de droga – enfim, os pequenos tentáculos situados na base da grande pirâmide do narcotráfico”.
Neste sentido vejam-se os seguintes acórdãos (alguns deles citados no acórdão do STJ de Carmona da Mota) com casos que foram enquadrados, pelo STJ e pelas relações, no art. 25 e não no art. 21 do Dec. Lei:
1
O acórdão do STJ de 15/01/98, publicado na CJ.STJ.98.I. 161, referente à posse para consumo de um grupo de 15 pessoas num fim-de-semana, de 150 gramas de haxixe.
2
O acórdão do STJ de 8/10/98, publi­cado na CJ.STJ.98.III. 188, referente a uma senhora que foi detida com 18 embalagens de he­roína, com o peso de 5,687 g, que as destinava em parte à venda e em parte ao seu consumo pessoal e que no espaço de tempo de 2 meses tinha ido outras 6 vezes a Lisboa adquirir droga para o mesmo fim.
3
O ac. do STJ de 20/10/99, Proc. n.º 918/99: detenção de 1,46g de heroína; arguido atuava sozinho, por sua conta e risco, comprando pequenas doses, de que consumia metade e vendia a restante, a outros toxicodependentes; duração: 5 meses; quantidade vendida 17,3 gramas do referido produto (tanto quanto consumiu, no mesmo período).
4
O acórdão do STJ de 28/06/2000 refere-se a um consumidor de estupefacientes desde há três/quatro anos, que se abastecia então sem o recurso aos lucros do tráfico e que é referenciado como pequeno negociador de tais produtos durante três semanas antes da sua detenção.
5
O ac. do STJ de 30/11/2000, processo 2849/2000-5 refere-se a um arguido consumidor habitual de heroína, e por vezes, de cocaína; ia abastecer-se duas vezes por mês; nos últimos seis meses antes da sua detenção, dividia parte do produto em palhinhas que vendia esporadicamente em número não superior a cinco ou seis a consumidores que para o efeito o procurassem, ao preço de 1000$ cada; foram-lhe encontradas 3,089 g de heroína e 0,236 g de cocaína, adquiridas nesse dia, num total de 10 quarteiras de heroína e 1 quarteira de cocaína, tudo pelo preço de 27.500$.
6
O acórdão do STJ de 24/01/2001 Proc. 3826/00–3 (citado pelo de 19/12/2007, publicado sob o nº. 07P4203) refere-se à detenção, uma única vez, de 200,6 g de haxixe
Note-se, no entanto, que o acórdão do STJ de 19/12/2007 refere, contra, que o STJ já considerou que integrava a previsão do tipo base (art. 21) uma única detenção para venda de 174 gr de haxixe (no ac. de 12/6/97 publicado na CJ.STJ.97, T2, págs. 233 a 235) ou uma única detenção de 246,089 g do mesmo produto estupefaciente (ac. de 26/09/2001 publicado na mesma CJ.STJ.2001, T3, págs. 172 a 174: neste caso, o TRL tinha condenado na pena de 5 anos de prisão e o STJ baixou a pena para 4 anos e 4 meses).
7
O ac. do STJ de 14/2/2001, processo 4210/00-3, refere-se a um arguido consumidor da heroína, que atuava sozinho, e que ia buscar 15 a 20 "quartas" de heroína por semana, pelas quais pagava cerca de 50.000$, fazendo de cada "quarta" cerca de 5 ou 6 doses individuais, que vendia por 1.000$ cada, atividade que se prolongou por cerca de sete meses, tendo sido surpreendido, no momento da sua detenção, na posse de 23 embalagens com 1,231 g daquele produto, tendo cedido 0,110 g, em duas embalagens, à sua co-arguida (num total que não atinge 2 gramas) (tem um voto de vencido).
8
O acórdão do STJ de 05-12-2001 Proc. 3017/01-3ª (citado pelo de 19/12/2007, publicado sob o nº. 07P4203) refere-se à detenção pelo arguido de 3122,5 g de haxixe (não existem outros dados publicados).
9
Acórdão do STJ com o nº. 1101/03-5 nos sumários do STJ (citado pelo de 19/12/2007, publicado sob o nº. 07P4203)
Foi tido como «tráfico de menor gravidade» a detenção de 911,058 g de haxixe, uma vez que todas as demais circunstâncias provadas favoreciam o arguido, assim dando uma imagem global do facto suscetível de algum enfraquecimento da ilicitude (não existem outros dados publicados).
10
O acórdão do STJ de 29/11/2005, publicado na CJ.STJ.2005.III.219/222 altera a decisão da 1ª instância, passando a qualificar o crime como de tráfico de menor gravidade, do art. 25/a) do Dec. Lei 15/93, e baixando a pena de 9 anos de prisão para 3 anos e 6 meses de prisão, relativamente a um indivíduo, consumidor ocasional de droga, que foi apanhado, num dia, a vender cocaína, detendo ainda em seu poder 25 embalagens com o peso total de 9,572 gr, bem como 154,20€ provenientes de vendas anteriores desse produto, mas que não foi possível quantificar. Este arguido cometeu este crime num período de liberdade condicional de uma pena por um outro crime de tráfico de droga. E tinha pendente uma outra pena pelo crime de resistência e coação sobre funcionário.
11
No acórdão do STJ de 23/03/2006, publicado sob o nº. 06P767 da base de dados do ITIJ, substitui-se um acórdão do TRE que tinha condenado o arguido na pena de 4 anos e 8 meses de prisão pelo crime do art. 21 (em vez dos 5 anos e 5 meses da 1ª instância), por um acórdão que o condena na pena de 3 anos de prisão por um crime do art. 25, com base nas seguintes considerações:
I - Apurando-se que: - em dia não concretamente apurado de Março de 2004 o arguido transportou uma mochila que continha no seu interior pelo menos cerca de 700 g de heroína e quantidade não apurada de cocaína, o que ele sabia, entregando a mesma a um outro arguido, a solicitação deste; - o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo as qualidades estupefacientes dos produtos que transportou e que esta atividade e a sua mera detenção são proibidas; - o arguido foi condenado, em Junho de 2004, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de multa e inibição de conduzir; - trabalha, auferindo mensalmente quantia entre € 630 e € 650, e vive com esposa e uma filha de 2 anos, - foi consumidor de estupefacientes e encontra-se em tratamento à dependência destes produtos, entende-se que o arguido cometeu um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, pois a sua intervenção se limita ao «transporte» da droga «a solicitação» de outro arguido a quem a entregou, sendo que ninguém afirma, e muito menos se prova, que esse «transporte» constituísse um ato interessado do arguido ou qual o móbil da sua atuação, bem como não se sabe qual o trajeto do produto e sua duração.
12
No ac. do STJ de 12/10/2006, nº. 06P2683 da base de dados do ITIJ, condenaram-se dois arguidos, um por ter entregue, outro por ter recebido, 429 g de cocaína, ato esporádico e desinteressado, pelo crime do art. 25, na pena de 3 anos de prisão. Estes arguidos tinham sido condenados, no ac. substituído, nas penas de 4 anos e 6 meses e 5 anos e 6 meses, respetivamente. Diz-se no ac. que mesmo lidando com a posse de «droga dura», até, já em quantidade apreciável, não fica afastada a hipótese de aplicação do artigo 25 do DL 15/93, reportando-se a «tráfico de menor gravidade», já que não se limita a prever bagatelas, condutas «sem gravidade», tendo em conta que a moldura penal, em parte coincidente com a do artigo 21, pode ir até aos 5 anos de prisão.
13
No acórdão do TRP de 10/10/2007, publicado sob o nº. 0714610, substitui-se uma pena de 6 anos e 3 meses de prisão pelo crime do art. 21, por uma pena de 3 anos e 4 meses de prisão, pelo crime do art. 25, dizendo-se que comete este crime e não o outro aquele que detém cocaína e heroína suficiente para confecionar, respetivamente, 63 e 25 doses, não lhe sendo conhecidos outros atos enquadráveis na atividade de tráfico.
14
O acórdão do STJ de 8/11/2007 (sob o nº. 07P3164 da base de dados do ITIJ/STJ) condena dois arguidos não toxicodependentes que, após complicados contactos, faziam o transporte de um produto com cerca de 50 g (cujo princípio ativo era cocaína), pelo crime do art. 25, ao contrário da 1ª instância e da Relação, em penas de 2 anos e 6 meses e 3 anos de prisão respetivamente – o arguido punido com 3 anos já tinha estado anteriormente, num outro processo, preso por tráfico de droga). As penas da 1ª instância e do TRP tinham sido, respetivamente, 4 anos e 6 meses e 5 anos (esta depois de baixada pelo TRP).
15
O acórdão do STJ de 24/10/2007 (sob o nº. 07P3317 da base de dados do ITIJ/STJ) condena um arguido que não é toxicodependente e que já tinha estado preso por tráfico de droga e que vendeu droga desde meados de 2005 até 22/5/2006, a diversos indivíduos dela consumidores, nomeadamente: cocaína, por duas ou três vezes, a MR; cocaína, por uma ou duas vezes, a SF; heroína, regularmente (quase todos os dias) e durante quatro ou cinco meses, a JB. Em nenhum destes negócios foram transacionadas mais que duas doses de heroína ou de cocaína; por cada dose das mencionadas substâncias estupefacientes o arguido cobrava € 10; no dia 18/11/2005, tinha em seu poder 0,632 g de cocaína (cloridrato) e 1,255g de heroína, produtos que destinava à venda a terceiros; pelo crime do art. 25 na pena em 3 anos de prisão efetiva (tinha sido condenado pelo crime do art. 21 na pena de 5 anos e 6 meses de prisão).
16
O ac. do STJ de 19/12/2007, nº. 07P4203 da base de dados do ITIJ, pune com 3 anos e 6 meses de prisão, um arguido que tinha sido condenado em 4 anos e 3 meses de prisão pelo artigo 21, entendendo que a infração praticada integra os elementos constitutivos do crime previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22/01, considerando que:
- a imputação genérica de uma atividade de tráfico nos sobreditos termos não oferece relevância em termos de qualificar a atuação do arguido como integrando o crime p. e p. no art. 21.º do DL 15/93;
- resta a posse de cerca de 30 e 46 g de haxixe, a qual se situa numa zona limite de traficância entre o dealer de rua, com uma menor densificação da intensidade da ilicitude, porque reduzida a um tráfico de vizinhança, no qual o agente representa o último lugar da distribuição, e o tráfico de estupefacientes que se destina a um mercado mais amplo e a uma procura mais geral por forma a obter substanciais proveitos económicos.
17
O acórdão do STJ de 30/04/2008, publicado sob o nº. 08P1416:
I - A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado de tráfico de estupefacientes, respetivamente, dos arts. 21/1 e 25 do DL 15/93, de 22/01, reverte ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objetivas que se revelem em concreto, e que devem ser globalmente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da ação e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
II - A inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do ato ilícito a um único negócio de rua, sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que, por alguma forma, conflui com a gravidade do ilícito. Como elementos coadjuvantes relevantes e decisivos surgem, então, a quantidade e a qualidade da droga.
III - Numa situação em que: - inexiste referência a uma estrutura organizativa com uma dimensão formal; - para além da detenção de 7,644 g de cocaína (peso líquido), o arguido, entre o ano de 2005 e os primeiros meses de 2006, forneceu essa substância (além de, esporadicamente, 20 pastilhas de MDMA e 5 g de canabis) a cerca de 10 consumidores; - embora esteja em causa um período temporal relativamente longo, encontram-se parcialmente indefinidas as concretas circunstâncias em que os fornecimentos se verificaram e, nomeadamente, o espaçamento temporal, o conhecimento da quantidade fornecida e a definição do facto de o fornecimento ser isolado ou plúrimo, sendo tal indefinição de valorar em sentido favorável ao arguido; é de concluir que o mesmo praticou o crime de tráfico de estupefacientes a que alude o art. 25 do DL 15/93, de 22/1.
18
O acórdão do TRC de 19/11/2008 (2212/06.4 TAAVR.C1 na base de dados do ITIJ) alterou a decisão da 1ª instância, convolando o crime do art. 21 para o do art. 25 – a pena do tráfico baixou de 5 anos para 4 anos de prisão).
Diz-se no acórdão:
1. O regime do tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração conjunta dos diversos fatores que se apuraram na situação global dada como provada pelo Tribunal.
2. O juízo a emitir sobre a menor gravidade do tráfico deve ser um juízo global e abrangente sobre a conduta delitiva do agente.
3. A atividade que perdura por período de cerca de 2 anos, com largos períodos parcialmente indefinidos em termos de números de pessoas a quem vendiam estupefacientes e quantidades transacionadas, encontrando-se provadas vendas a 14 consumidores, não se sabendo exatamente que quantidades foram vendidas ou cedidas, sendo que no período em causa viviam os arguidos, na altura consumidores de heroína e de cocaína, essencialmente dos lucros que retiravam da diferença entre o preço de compra da heroína e cocaína e o maior preço que obtinham na sua venda a retalho, lucros esses modestos, integra a prática de um crime de crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25, al. a) do DL 15/93.
19
O ac. do TRL de 04/12/2008, publicado sob o nº. 7874/2008-9 da base de dados do ITIJ, alterou a decisão da 1ª instância, passando a aplicar o art. 25 e diminuindo as penas de 6 anos e 5 anos e 6 meses para, respetivamente, 4 anos e 3 anos e 6 meses, suspensas; isto tendo em conta que as qualidades e as quantidades que foram apreendidas aos arguidos bem como as restantes circunstâncias apuradas (a atuação sem sofisticação nem organização – venda à porta de casa, feita pelos membros da família - que, consequentemente, diminui o risco de disseminação; o número e o tipo de transações efetuadas; o não se ter apurado que auferissem grandes lucros), a imagem global dos factos revela uma projeção menor de ilicitude tendo por referência os pressupostos que enquadram o tipo base de tráfico de estupefacientes.
Por outro lado, como casos do art. 21 e mesmo assim situados na fronteira entre este e o artigo 25 (tal como se diz nos próprios acórdãos e/ou resulta das penas aplicadas), vejam-se os seguintes acórdãos:
1
No acórdão do STJ de 30/11/2006 (com a referência 06P4076 no sítio do ITIJ) trata-se de um indivíduo que era reincidente no tráfico e que na sua atividade de revenda de cocaína e heroína, embora “cortadas”: a) não contactava diretamente o consumidor, mas, mais elaboradamente, utilizava, para tanto, um colaborador, a quem adiantava, de cada vez, 10 embalagens, cujo stock, depois de esgotado e pago, logo refazia; b) prolongou a sua atividade entre 13/01/05 e 15/03/05, data em que foi detido; c) utilizava, como colaboradores, «toxicodependentes profundos»; d) dirigia o seu negócio a partir de casa, não sendo procurado pelos interessados nem vendendo diretamente na rua e, assim, não ocupando, na cadeia de comercialização da droga, o último lugar; e e) quando detido, tinha em casa, para revenda, 169 embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso total líquido de 14,866 g, e 24 embalagens de heroína, com o peso total líquido de 1,805 g, além de € 111, produto de vendas anteriores. O STJ considerou que se tratava de tráfico de fronteira entre o tráfico comum e o tráfico menor e que a respetiva penalização devia refletir essa proximidade, punindo com uma pena de 4 anos de prisão, enquanto o tribunal de 1ª instância tinha condenado o arguido em 5 anos de prisão.
2
No acórdão do STJ de 7/12/2006 (com a referência 06P4355 no sítio do ITIJ) diz-se que se mostra adequada a pena de 5 anos de prisão imposta na 1.ª instância, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21/1 do DL 15/93, de 22/01, a uma arguida sem antecedentes criminais; desempregada e residente em Portugal, com 2 filhos menores, que, no âmbito de um transporte como correio de droga, desembarcou no Aeroporto de Lisboa, procedente de Bissau, transportando no corpo e no fundo e tampo falso da mala de mão, 4 embalagens contendo cocaína, com o peso líquido global de 5590,700g.
3
No acórdão do STJ de 21/12/2006 (com a referência 06P4337 no sítio do ITIJ) trata-se de um indivíduo que faz de correio entre a Venezuela e Lisboa, transportando cocaína, com o peso líquido de 967,891 g e o STJ confirmou a pena de 4 anos e 6 meses de prisão em que foi condenado em 1.ª instância, como autor de um crime do art. 21 do DL 15/93, de 22/01. Diz-se no acórdão: No da ilicitude, poder-se-á, dizer, como diz o recorrente, que a quantidade de estupefaciente não é elevada. Efetivamente, 967,891 g de cocaína não são uma quantidade elevada, mas também não são uma quantidade reduzida. O peso da cocaína transportada pelos “correios” oscila entre cerca de 1 kg, como era o caso, e os 5 kg. Diremos que a droga transportada pelo recorrente se situa no limiar do mínimo normal, o que não impede que se deva caracterizar a situação, também neste aspeto, de normal.
4
No acórdão do STJ de 15/2/2007 (com a referência 06P4092 no sítio do ITIJ) trata-se de tráfico de droga praticado por um arguido CC que está em cumprimento de pena de 21 anos por uma série de outros crimes, entre eles o de tráfico; a atividade parece durar de Nov2002 a Maio de 2003; o arguido organiza toda a atividade através da prisão; há uma série de intervenientes; o transporte é feito do Continente para a Madeira; só numa das viagens estão em causa 95g de heroína; o tipo de crime foi considerado pelo STJ, em relação a todos os arguidos, o do tráfico base (21). A pena foi de 5 anos de prisão.
5
No acórdão do STJ de 15/3/2007 (com a referência 07P648 no sítio do ITIJ) estavam em causa 51 consumidores a quem os arguidos tinham vendido droga e um período de atividade de cerca de 6 meses. Discutiu-se se se tratava de um caso de tráfico base (21) ou menor (25), tendo o processo baixado à 1ª instância para apuramento da quantidade de droga que estava em causa.
6
No ac. do STJ de 24/02/2010, publicado sob o nº. 141/08.6P6PRT.S1 da base de dados do ITIJ, o arguido foi detido com 424 embalagens de heroína, com o peso líquido de 53,949 g. A essa quantidade de droga há que juntar a que já tinha vendido por aproximadamente 910€, o que indicia quantidade nada despicienda; foi punido pelo art. 21 com 4 anos e 6 meses de prisão.
7
No ac. do STJ de 20/01/2010, publicado sob o nº. 18/06.GAVCT.S1 da base de dados do ITIJ, o arguido desde 2006, juntamente com outro, dedicava-se à venda de doses de heroína e cocaína a terceiros, no acampamento em que viviam, destinando-se o numerário obtido ao sustento da família; até ao dia 3/08/2007, o arguido preparava doses individuais de heroína e de cocaína, que acondicionou em saquetas de plástico, as quais foi vendendo aos vários clientes que para o efeito convergiam para o acampamento, pelo valor de € 10 por unidade; durante esse período, o arguido e outro venderam tais doses a vários clientes habituais, bem como a clientes ocasionais, ou a indivíduos por eles transportados nas respetiva viaturas; nesse dia, achavam-se na barraca do arguido 79 embalagens com 6,736 g, de um produto composto por heroína; o arguido foi condenado pelo crime do art. 21 com 5 anos e 6 meses de prisão;
*
No ac. do STJ de 25/11/2009, publicado sob o 220/02.3GCSJM.P1.S1 da base de dados do ITIJ, está em causa a compra e venda de heroína e cocaína; os produtos destinavam-se a um número de consumidores de algum relevo, procedendo-se a comercialização como revendedor, mas apenas por via direta; a culpa é acentuada e revelada pelo modo de atuação, operando o recorrente e sua companheira, de modo geral em pleno dia, recebendo clientes na residência e locais públicos; a atividade de tráfico perdurou por cerca de 21 meses, de forma ininterrupta, quase diariamente; na base do negócio estava uma estrutura organizativa mínima, em que o recorrente dispunha de vários contactos com fornecedores e clientes e da ajuda da companheira, co-arguida, dispondo de quatro telemóveis para tais efeitos e ainda de dois automóveis e um ciclomotor para as deslocações e transporte, de uma balança digital, não sendo dispicienda a consideração da presença de Noostam; a motivação da conduta prende-se com a obtenção de vantagem patrimonial, a fim de garantir o consumo próprio, mas não só, uma vez que o recorrente não desempenhava qualquer atividade profissional; o arguido era consumidor de estupefacientes; não tem antecedentes criminais e não assumiu a prática dos factos; o arguido foi condenado por um crime do art. 21 na pena de 5 anos e 2 meses de prisão.
*
Para além desta prova documental (autos de vigilância, sempre; autos de visualização, no caso, porque respeitante a crime do artigo 25), que não podia ser utilizada para prova dos factos praticados por todos os arguidos, com exceção do arguido V…, existe a prova testemunhal.
Esta prova testemunhal trata-se, principalmente, no que se refere aos factos que não dizem respeito às buscas, do agente policial José C…. Ora, este foi quem fez aquelas recolhas de imagens, pelo que, não podendo elas servir de prova, também não pode servir de prova o seu autor, pois que, se não, estar-se-ia a subverter a proibição de valoração de prova em causa.
Quanto às restantes testemunhas, que são todas agentes da PSP, o acórdão recorrido apenas lhes dá relevo para as buscas realizadas no dia 01/10/2008, confirmando os seus resultados. Apenas em relação a um deles o acórdão recorrido acrescenta algo mais: a testemunha João P… participou na abordagem de alguns indivíduos toxicodependentes que tinham na sua posse produto estupefaciente, tendo sido indicados pela testemunha José C… (o erro do nome, em que incorreu, segundo diz um dos recorrentes, sempre seria irrelevante), desconhecendo a quem é que esses indivíduos tinham comprado o produto estupefaciente.
Assim, nenhum daqueles meios de prova até agora analisados podiam ser utilizados para a prova de factos que não sejam relativos às buscas, no que se refere a todos os arguidos à exceção do arguido V…. E nenhuns outros meios de prova têm relevo autonomamente. Pelo que não há prova de todos esses factos.
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Quanto aos resultados das buscas de 01/10/2008?
Note-se que os relatórios das buscas são documentos autênticos e que podem ser utilizados como tal, fazendo fé em juízo, até serem impugnados procedentemente (art. 169 do CPP), o que não aconteceu. Por outro lado, tudo o que consta das mesmas buscas foi confirmado por todas as outras testemunhas da PSP, não havendo qualquer razão para as pôr em dúvida.
Assim sendo, estes factos podem ser tidos como provados.
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Poderia, no entanto, dizer-se que as buscas só tinham sido possíveis devido à atividade investigatória anterior. Ora, não podendo esta última ser aproveitada, nem direta nem indiretamente, as buscas dela dependentes também não o poderiam ser. É a questão do efeito-à-distância das proibições de prova.
No entanto, a questão não foi levantada por nenhum dos arguidos. Não o tendo sido, o tribunal só pode utilizar, para se pôr e decidir a questão, dos factos apurados nos autos e dos elementos de prova que foram invocados pelo acórdão recorrido.
Ou seja, se as proibições de prova e os seus efeitos sobre outras provas são de conhecimento oficioso, a possibilidade de o tribunal de recurso se pronunciar sobre umas e outros depende dos factos e dos elementos de prova que tem ao seu dispor para o efeito.
No caso dos autos o tribunal não tem elementos (factos e elementos de prova) suficientes para dizer que as buscas só puderam ser efetuadas com base nos conhecimentos adquiridos com os registos de imagem. Isto é, que elas estejam dependentes delas. Pelo que não pode dizer que também os resultados das buscas não podem ser utilizados.
Note-se que nem sequer se trata de uma prova proibida. O tribunal não tem qualquer razão para dizer que as imagens foram registadas ilicitamente Do que se trata é apenas da impossibilidade de valoração de uma prova para um determinado tipo de crime. Isto não quer dizer que a prova tenha sido ilicitamente obtida. Assim sendo, são facilmente representáveis uma série de situações em que a investigação poderia ter chegado ao conhecimento de elementos suficientes para se impor a realização das buscas realizadas, mesmo que não fosse possível ter feito a precisa investigação que foi feita com uso dos registos de imagens.
Pelo que não há razão para pôr também em causa os restantes factos provados.
*
Em suma, a conclusão do recurso do arguido G… quanto à impugnação dos factos dos dias 05/06/2008 e 18/07/2008 (sob o ponto 15 da matéria de facto provada) procede.
*
O arguido M… formulou a seguinte conclusão quanto aos factos:
I - Do ponto de vista do recorrente, os factos referidos nos pontos 1 a 6 do presente recurso que referem o tráfico de estupefacientes não foram cabalmente provados em audiência de discussão e julgamento, como se alcança da gravação efetuada pelo tribunal a quo, e considerando que o tribunal apenas fundou a sua convicção numa outra convicção que é a do vigilante agente da PSP José C…, o que constitui erro notório na apreciação da prova [artigo 410/2, al. c) do CPP].
O arguido está-se a referir aos factos sob 17 a 19, parte final de 20 (proveniência do dinheiro apreendido) e 21 (na parte em que se diz que era ele e o seu irmão que tinham a droga que aí foi encontrada).
Depois de fazer a síntese da análise crítica da prova feita pelo tribunal, o arguido, nos pontos 13 a 17 da respetiva motivação, discute a prova daqueles factos e depois, no ponto 18, explica a sua conclusão quanto àquela parte do ponto 21:
“obviamente, que a existência de um carro abandonado, com as portas destrancadas, num sítio conhecido pelas autoridades como local habitual de tráfico de estupefacientes, poderá constituir um esconderijo de estupefaciente.
Mas resta a dúvida se esse esconderijo é utilizado por um ou vários traficantes, e não há maneira de saber se no período compreendido entre o momento em que o arguido deixou de ser observado pelo vigilante e se procedeu à busca no interior do veículo, alguém lá foi pôr ou tirar embalagens com estupefaciente cuja quantidade e natureza se desconhece. Querendo isto dizer, que a interceção do utilizador do carro abandonado é condição sine qua non da imputação de um ilícito criminal inatacável a qualquer título”.
Quanto aos factos que não são os relativos às buscas realizadas (e ao arguido V…), este TRL já pôde constatar a existência de um erro de direito, por terem sido utilizadas provas que, por razões jurídicas, não o podiam ter sido. Em relação a estes factos, pois, este TRL pode concluir que não podiam ser considerados provados. O que afasta também a parte final do ponto 20, por irremediavelmente conexionada com estes factos.
Em relação à busca ao Fiat Uno, o tribunal coletivo apenas invocou o respetivo auto. Das testemunhas ouvidas nem uma só foi considerada pelo tribunal recorrido para esta matéria.
Ora, esse auto não permite dizer que as coisas aí encontradas eram deste arguido (que nem sequer estava no automóvel, mas sim no Largo da C…), tanto mais que se trata de um carro abandonado pelo que nem sequer seria imaginável uma presunção natural ou judicial de que, se o arguido fosse o dono ou possuidor do veículo, o que lá estava lhe pertencia.
Assim, tem que ser retirado dos factos provados, a conexão da droga apreendida no Fiat Uno ao arguido M….
Em suma, a conclusão do recurso do arguido M… quanto à impugnação dos factos sob 17 a 19, 20 – na parte final – e 21 – na parte em que diz que era o arguido e o seu irmão que tinham a droga aí apreendida - da matéria de facto provada) procede.
*
O arguido T… formulou a seguinte conclusão quanto aos factos:
I - Do ponto de vista do recorrente, em sede de audiência e julgamento não foi obtida prova inequívoca e para além de toda a dúvida razoável dos factos referidos nos pontos 1 a 7 do presente recurso que remetem para a matéria de facto elencada, como se alcança da gravação efetuada pelo tribunal a quo, e considerando que o tribunal apenas fundou a sua convicção numa outra convicção que é a do vigilante agente da PSP José C…, o que constitui erro notório na apreciação da prova (artigo 410/2c) do CPP) - vide também transcrições das gravações de audiência em anexo.
O arguido está-se a referir aos factos sob 16, 17 (na parte que lhe diz respeito), 18, 19, 20 (parte final), 21 (na parte em que se diz que era ele e o seu irmão que tinham a droga que aí foi encontrada) e 24.
Depois de fazer a síntese da análise crítica da prova feita pelo tribunal, o arguido, nos pontos 16 a 20 da respetiva motivação, discute a prova daqueles factos já retirados e depois, no ponto 21, explica a sua conclusão quanto àquela parte do ponto 21, fazendo-o nos precisos termos utilizados no recurso do seu irmão M….
Quanto aos factos que não são os relativos às buscas realizadas (e ao arguido V…), este TRL já pôde constatar a existência de um erro de direito, por terem sido utilizadas provas que, por razões jurídicas, não o podiam ter sido. Em relação a estes factos, pois, este TRL pode concluir que não podiam ser considerados provados. O que afasta também a parte final do ponto 20, por irremediavelmente conexionada com estes factos.
Quanto à parte impugnada do ponto 21 da matéria de facto, relativa a este arguido, duplicam as razões da procedência do recurso, visto que o auto de busca (a fls. 481) ao veículo nem sequer lhe diz respeito, mas sim, apenas, ao seu irmão M….
Em suma, a conclusão do recurso do arguido T… quanto à impugnação dos factos sob 16 a 19, 20 – na parte final – 21 – na parte em que diz que era o arguido e o seu irmão que tinham a droga aí apreendida - da matéria de facto provada) e 24 procede.
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A arguida Maria A… formulou a seguinte conclusão quanto aos factos:
I – […] considerando […] a não provada operação de venda reportada ao dia 03/06/2008.
VI – […] a insuficiência de prova relativamente à condenação de uma única operação de venda […]
VII – […] a par da ausência de prova bastante da operação de venda a que atrás se faz referência.
Está assim a pôr em causa os factos sob 26.
Como já se viu, quanto aos factos que não são os relativos às buscas realizadas (e ao arguido V…), este TRL já pôde constatar a existência de um erro de direito, por terem sido utilizadas provas que, por razões jurídicas, não o podiam ter sido. Quer isto dizer que em relação aos factos sob 26, este TRL pode concluir que não podiam ser considerados provados.
Em suma, a conclusão do recurso da arguida M… quanto à impugnação dos factos sob 26 na parte que lhe diz respeito procede.
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O arguido J… formulou a seguinte conclusão quanto aos factos:
I - No caso em apreço um mero auto de vigilância assinado por um agente da PSP, fez fé em juízo, só porque o seu autor suspeitou que uma determinada embalagem continha droga que o dinheiro era a contraprestação de uma venda e que foi identificado o adquirente. Apesar de não ter sido ouvido em juízo esse adquirente porque não compareceu em tribunal para confirmar ou infirmar a suspeita do agente de autoridade.
II - O tribunal de 1a Instância julga de acordo com a livre convicção fundada e nas regras da experiência, nos termos apoiado no art. 127 do CPP. Mas não se vislumbra que tal prerrogativa possa viabilizar o estatuto de prova irrefutável que foi dado a um mero auto de vigilância.
III - Pelo que jamais se poderão considerar como provadas as entregas de produtos estupefacientes reportadas a 03/06/2008 e que são imputadas ao ora recorrente e a sua mãe Maria A… […].
Ou seja, está-se a reportar ao facto sob 26, em relação qual são as mesmas as razões de procedência invocadas quanto ao recurso da arguida Maria.
Em suma, a conclusão do recurso do arguido J… quanto à impugnação dos factos sob 26 na parte que lhe diz respeito procede.
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O arguido V… formulou a seguinte conclusão quanto aos factos:
j) […] prova de transações efetuadas (que no entender do recorrente não foi efetivamente produzida) […]
Ou seja, está-se a reportar aos factos que não têm a ver com as buscas e está a impugnar matéria de facto quando disse que só ia recorrer de direito e até o terá feito para o STJ e não para este TRL.
Seja como for, em relação a este arguido foi já visto que não procedem as conclusões quanto à admissibilidade dos autos de visualização do registo das imagens, nem quanto ao depoimento do seu autor, agente José C…, pois que os factos do arguido V… são enquadráveis como crime do art. 21 do Dec. Lei 15/93.
E para estes, a prova resultante dos autos de visualização com registos de imagens pode ser utilizados sem qualquer impedimento, e o agente de PSP pode depor para esclarecer o seu conteúdo (se tal for necessário…).
Pelo que improcede esta impugnação.
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Assim, da matéria de facto dada como provado há que retirar todos os factos abrangidos pelas impugnações procedentes que antecedem (sendo os factos em causa desde já assinalados com diminuição do tipo de letra e colocação em itálico para melhor perceção), devendo vários dos outros sofrer as necessárias adaptações de leitura, para os pôr de acordo com esta eliminação de factos (assim, o facto 21 passa a reporta-se à existência, apenas, de droga numa viatura abandonada; no facto 22 deixa de fazer sentido a referência a também; e no facto 27 a 2ª metade passa a dizer respeito só ao arguido V…).
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Quanto ao tipo de crime que está em causa:
Os arguidos G…, M…, Maria A… e J… têm todos uma conclusão no seu recurso quanto a esta questão do tipo de crime (a II quanto ao primeiro e segundo, a VII quanto à arguida, com afloramentos em outras conclusões, e a IV quanto ao arguido J…), todos eles pugnando pela condenação não pelo crime do art. 21 mas sim pelo crime do art. 25.
Como já teve que ser visto acima, têm razão os arguidos, já que o crime que eles cometeram foi o de tráfico de menor gravidade, do art. 25 do Dec. Lei 15/93 (mesmo que se tivessem em conta os factos que foram retirados dos factos provados). Ou seja, a prova de detenção de droga, nas quantidades em causa, e sem prova de mais nada, não pode ser considerada como a média ou grande criminalidade que está em causa no art. 21 do Dec. Lei 15/93.
Pelo que procedem estas conclusões destes arguidos.
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O arguido T… pede a sua absolvição com base no seguinte:
II - Em sede de matéria de direito, o acórdão sustenta que as quantidades apreendidas, a natureza da droga e uma atividade de venda que em alguns casos se prolongou por vários meses, afastam a aplicação do normativo penal de tráfico de menor gravidade (art. 25 do DL 15/93, de 22/01). Tal conclusão nunca se aplicaria ao recorrente considerando a apreensão de 7,965g de cocaína e 0,031g de heroína, mesmo que tal matéria tivesse sido provada em audiência, o que não aconteceu.
III - Face ao exposto, vem o recorrente pugnar pela sua absolvição considerando que o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo constitucionalmente consagrado no artigo 32 da CRP.
Como se vê dos factos que subsistem (os sob os pontos 23 e parte do 20), a este arguido apenas pode ser imputada a posse de 120€ divididas em várias notas, e, na casa onde vivia, de dois recortes em plástico normalmente usados para embalamento de produtos estupefacientes e uma embalagem de Redrate normalmente usado para ser misturado com produto estupefaciente.
Estes factos não podem preencher nenhum tipo de crime, pelo que procedem estas conclusões e este arguido tem de ser absolvido.
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Quanto à medida das penas, à suspensão delas e à revogação da pena de expulsão
Quanto a estas questões, o tribunal coletivo, depois de tecer as habituais e corretas considerações gerais sobre os critérios de determinação delas, e de fazer considerações sobre o tráfico de droga e o bem jurídico que este visa proteger, disse depois:
As drogas comercializadas pelos arguidos são, poder-se-á dizer, drogas duras, com efeitos reconhecidamente devastadores na saúde dos consumidores.
As quantidades de droga apreendida são apreciáveis.
O modo de execução criminosa não tem particulares sofisticações, sendo adequado à prossecução criminosa.
O dolo dos arguido é direto e intenso, adequado à dinâmica delitiva.
Não se podem ainda olvidar as condições pessoais dos arguidos.
Para além destes fatores o Tribunal considerou ainda a dimensão da atividade dos arguidos, nalguns casos estendida por vários meses, o que desde logo estabelece diferenças entre os mesmos.
Com efeito, se ao arguido V…, se apuraram factos reveladores de cinco momentos de tráfico de estupefacientes, tal já ocorreu apenas por três vezes em relação aos arguidos T… e M…, por duas vezes no que concerne ao arguido G… e apenas por uma vez no que respeita aos arguidos Maria A… e J….
Nessa medida, as penas aplicadas aos arguidos foram graduadas tendo em conta o juízo de censura inerente a tal atividade, sendo ainda de notar que o arguido V… praticou os factos dos autos no decurso de uma suspensão da execução de uma pena de prisão que foi aplicada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
Ao contrário, todos os restantes arguidos não registam antecedentes criminais.
Também no que respeita aos crimes punidos pela denominada lei das armas, o tribunal graduou as penas tendo em conta que num caso (arguido V…) estamos na presença de três armas, noutro (arguido G…), perante duas armas, noutro ainda, diante de uma só arma (arguido M…) e por fim, no caso do arguido J…, estão somente em causa munições.
Na fixação das penas concretas atendeu-se assim à medida da atuação e do comportamento delituoso dos vários arguidos, na medida em que essa é a medida da culpa de cada um, a baliza do juízo de censura que é suscetível de lhes ser formulado.
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Em sede de cúmulo jurídico, o Tribunal, avaliando, em bloco, o conjunto dos factos e a personalidade dos arguidos, fixou as penas unitárias dos arguidos, nos termos do art. 77 do CP.
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No que respeita aos arguidos Maria A… e J…, pois só a estes é que o Tribunal, atenta a dimensão das penas que foram aplicadas, se viu defrontado com essa questão, entende-se que a dimensão residual do que foi apurado quanto a estes arguidos, a ausência de antecedentes criminais dos mesmos e as suas condições pessoais, justificavam a concessão de uma oportunidade ressocializadora, consubstanciada na suspensão da execução das penas que lhes vão ser aplicadas, por acreditar que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para os afastar da criminalidade, satisfazendo-se, com segurança, as finalidades punitivas supra enunciadas.
Tendo em conta que todos os arguidos, como abaixo se explicará, serão condenados na pena acessória de expulsão do território nacional, não se dará cumprimento, ao disposto no nº 3 do art. 53 do CP, por impossibilidade prática do mesmo, face a tal pena acessória.
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A factualidade supra descrita, designadamente, a dimensão da pena em que os arguidos vão ser condenados e a gravidade dos ilícitos praticados, fazem com os mesmos incorram na sanção acessória de expulsão do território nacional, nos termos dos arts 34/1 do DL 15/93 e 134/1e) e f), 140/2 e 150/1, todos da Lei 23/07.
Diz o arguido G… quanto a isto nas suas conclusões:
III - Outrossim, no que respeita ao crime de detenção de armas proibidas (1 ano e seis meses), apelando para a redução da medida da pena que lhe foi fixada pelo tribunal a quo, atento o facto de que é arguido primário.
IV - Para o imigrante é mais doloroso perder o objetivo que o trouxe ao país que o acolheu - o da sua sobrevivência, do que sofrer um castigo nesse mesmo país em resultado de uma condenação por atos ilícitos praticados. A pena acessória de expulsão também é excessiva, tendo em conta que o recorrente já exerceu uma atividade profissional em Portugal, que perdeu devido à recessão económica existente, sendo certo que é um jovem absolutamente ressocializável, bastando a ameaça da prisão e expulsão para o inibir de praticar outros crimes.
V - Vem assim apelar para que o TRL se digne reapreciar a medida da pena que lhe foi fixada pelo acórdão recorrido, atenta a alteração da matéria de facto dada como provada que o recorrente invocou, as suas condições pessoais, a sua situação económica, a sua juventude, o facto de ser nacional de Cabo Verde pertencente a comunidade laboriosa que é extensão da cultura e dos valores nacionais portugueses, sendo certo que, como tudo na vida, incluindo a justiça, há sempre um lado humano de julgar (arts 40, 50 e 71/2d do CP).
O crime de tráfico de droga do art. 25/a) do Dec. Lei 15/93 é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos.
O crime de detenção de armas proibidas do art. 86/1c) da Lei 05/2006 [na versão anterior à Lei 17/2009, de 06/05, por esta ser mais pesada e por isso não aplicável: art. 2/4 do CP] é punível com pena de prisão de 1 mês até 5 anos ou com pena de multa de 10 até 600 dias.
Aquilo que nesta parte tem de ser ponderado, quanto ao arguido G…, então com 21 anos, é, quanto ao crime de droga o que consta de 11 (detenção de 41 embalagens, com 5,374 g de cocaína e heroína) e quanto ao outro crime o que consta de 13 e 14 (no essencial: a detenção de 26 munições e duas armas de fogo, uma 6,35 mm e uma .32). Atuou com dolo direto em relação a ambos os crimes. Sabe-se que é solteiro, vive com os pais e não tem filhos e que estava desempregado há cerca de um mês, sendo que antes era operador de máquinas de lentes de óculos, ganhando cerca de 580€. Tem o 11º ano de escolaridade. Não regista antecedentes criminais
O facto de o arguido estar envolvido em simultâneo nestes dois crimes – tráfico de droga e porte de armas – e o facto de serem duas armas de fogo e 26 munições, e o arguido ter atuado com dolo direto, leva a considerar que a pena de multa não é suficiente para assinalar a gravidade da situação, pelo que ela será preterida em relação à prisão (art. 70/1 do CP).
Quanto ao mais, o grau de ilicitude e de culpa nada têm de especial, pelo que, quanto ao tráfico, o limite superior da moldura de prevenção construída nos termos indicados pelo acórdão recorrido, não vai para além dos 3 anos e o limite mínimo pode ficar pelo legal. O facto de até recentemente o arguido ter estado a trabalhar, ter apenas 21 anos, viver integrado familiarmente, tendo tirado o 11º ano, e não ter antecedentes criminais, aponta para que sejam reduzidas as exigências de prevenção especial.
Assim, para o crime de tráfico do art. 25 praticado por este arguido a pena é fixada em 1 ano e 6 meses de prisão.
Quanto ao crime de detenção de arma de fogo, o grau de ilicitude e de culpa são maiores pelo que, embora o limite superior da moldura de prevenção se possa manter nos 3 anos, o limite mínimo sobe para os 6 meses. Dentro desta moldura, não se vê que as exigências de prevenção especial ou que as considerações feitas pelo arguido imponham uma pena fixada em menos do que o entendeu o tribunal coletivo, pelo que não se altera a mesma.
Considerando as exigências de prevenção geral e especial assinaladas e a ilicitude global e personalidade que os factos destes dois crimes revelam, a pena única é fixada em 2 anos de prisão.
No caso de vir a ter que ser cumprida a pena de prisão, descontar-se-á os 3 dias de detenção sofridos pelo arguido (art. 80/1 do CP).
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Quanto à suspensão da pena: atenta a mudança do tipo de crime e a pena agora aplicada, as mesmas razões que levaram o tribunal coletivo à suspensão da pena aplicada aos arguidos Maria A… e J… implica, sem mais, que também a deste arguido deva ser suspensa. Tanto mais que também se trata de arguido primário, à data com 21 anos, inserido familiar e laboralmente. É pois possível arriscar um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que, a censura desta pena e a ameaça da sua execução serão suficientes para evitar que volte a cometer novo crime.
Dado que o arguido vai condenado em menos de 3 anos de prisão, tem mais de 21 anos e o processo esteve pendente quase 2 anos, não se considera conveniente a sujeição a regime de prova.
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Quanto à expulsão de Portugal:
O arguido trabalhava até há 1 mês [da data do acórdão de 1ª instância]. Estava integrado num agregado familiar (pai e mãe). Estudou até ao 11º ano. Não tem antecedentes criminais. Expulsá-lo será afastá-lo da família.
O tipo de crime em causa já não é o que estava na mente do tribunal coletivo quanto o considerou suficiente para a expulsão. Trata-se de um crime substancialmente menos grave, punido com uma pena mais leve.
A pena acessória foi aplicada a pedido do MP com referência ao art. 151, nºs. 1, 2 e 3, da Lei 23/07. Está-se assim, embora tal não conste expressamente do acórdão, de um cidadão estrangeiro com residência permanente em Portugal. Neste caso, a expulsão só é aplicada quando a conduta do cidadão constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional. Ora, nos autos nada demonstra a existência dessa ameaça – e a suspensão da pena não pode deixar de, tal como a arguida Maria A… e o arguido J… sugerem, ser demonstração suficiente da inexistência de razões para a expulsão, pois que a suspensão está dependente de um juízo de prognose favorável aos arguidos.
O art. 34 do Dec. Lei 15/93 não prevê a expulsão como consequência automática. Dá apenas ao tribunal possibilidade de a aplicar.
Por tudo isto, entende-se que deve ser revogada a pena acessória em causa.
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Diz o arguido M…, quanto a esta parte, nas suas conclusões:
III - Outrossim, no que respeita ao crime de detenção de armas proibidas (1 ano de prisão), apelando para a redução da medida da pena que lhe foi fixada pelo tribunal a quo, atento o facto de que é arguido primário.
IV - Para o imigrante é mais doloroso perder o objetivo que o trouxe ao país que o acolheu - o da sua sobrevivência, do que sofrer um castigo nesse mesmo país em resultado de uma condenação por atos ilícitos praticados. A pena acessória de expulsão também é excessiva, tendo em conta que o recorrente tem uma atividade profissional em Portugal, sendo certo que é um jovem absolutamente ressocializável, bastando a ameaça da prisão e expulsão para o inibir de praticar outros crimes.
V - Vem assim apelar a que o TRL se digne reapreciar a medida da pena que lhe foi fixada pelo acórdão recorrido, atenta a alteração da matéria de facto dada como provada que o recorrente invocou, as suas condições pessoais, a sua situação económica, a sua juventude, o facto de ser nacional de Cabo Verde pertencente a comunidade laboriosa que é extensão da cultura e dos valores nacionais portugueses, sendo certo que, como tudo na vida, incluindo a justiça, há sempre um lado humano de julgar (arts 40, 50 e 71/2d) do CP).
Aquilo que nesta parte tem de ser ponderado, quanto ao arguido M…, então também com 21 anos, é que este tinha 7,952 g de heroína e cocaína e uma arma de calibre 8 mm, alterada para 6, 35 mm e quatro munições. Atuou com dolo direto. É solteiro, vive com a sua companheira e não tem filhos. Trabalha como servente de pedreiro, auferindo cerca de 550€ mensais. Tem o 9º ano de escolaridade. Não regista antecedentes criminais.
Ou seja, um quadro de coisas no essencial idêntico ao arguido G…, embora levemente atenuado, por se estar, quanto ao crime de detenção de arma, perante só uma arma e muitas menos munições. E por outro lado, por o arguido estar a trabalhar e estar inserido já num núcleo familiar autónomo.
Por isso, quanto ao crime de tráfico de droga a pena deve ser a mesma, de 1 ano e 6 meses, e quanto ao crime de detenção de arma, a pena deve ser mantida. E, por tudo isto, a pena única deve ficar em 1 ano e 10 meses de prisão.
No caso de vir a ter que ser cumprida a pena de prisão, descontar-se-á os 3 dias de detenção sofridos pelo arguido (art. 80/1 do CP).
Pelas mesmas razões referidas quanto ao recurso do arguido G…, também aqui a pena deve ser suspensa (também sem sujeição a regime de prova) e deve ser revogada a pena de expulsão.
Diz a arguida M…, quanto a esta parte, nas suas conclusões:
I - Na perspetiva da recorrente a pena de expulsão é excessiva e não está em consonância com a prática dos ilícitos por que foi condenada no presente processo considerando a não significativa quantidade de estupefaciente apreendida e a não provada operação de venda reportada ao dia 3 de Junho de 2008.
II - De notar que a recorrente tem uma profissão onde não há desemprego reservada aos imigrantes menos instruídos como é o caso da recorrente, a típica cabo-verdiana analfabeta cheia de filhos a lutar pela sobrevivência que originariamente demandou o país para salvar o seu filho de uma enfermidade congénita do foro cardiológico.
III - Sendo primária a ameaça de prisão constituirá um dissuasor que impedirá a prática de novos ilícitos, dedicando-se à sua vida de trabalho como tem acontecido até à presente data.
IV - Não sendo expulsa do nosso país poderá contribuir com a sua força de trabalho para o engrandecimento da terra que a acolheu e não deixou morrer o seu filho, sendo certo que é oriunda de uma antiga colónia portuguesa cujos naturais são conhecidos pelas suas qualidades de trabalho e honestidade não sendo ousado afirmar que muitos setores parariam se de um dia para o outro abandonassem o território português tal é a dimensão do seu envolvimento no setor laboral primário, afetando transversalmente a Vida diária dos portugueses
V - O artigo 40/2 do CP concede ao intérprete e aplicador do direito criminal critérios de escolha e de medida das penas e das medidas de segurança visando atingir os fins últimos para os quais todos os outros convergem que são a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do delinquente na sociedade (Maia Gonçalves, CP, Português 13ª edição). No caso em apreço não se vislumbra o interesse em suspender uma pena de prisão a um delinquente primário reconhecendo que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e depois livrar-se dele dando-lhe assim um presente envenenado subvertendo o sentido e alcance do art. 40 do CP que o tribunal a quo violou.
VI - A quantidade de droga apreendida, a insuficiência de prova relativamente à condenação de uma única operação de venda, as condições pessoais da arguida, os seus hábitos de trabalho, são fatores que não estão em consonância com a pena acessória de expulsão porque desproporcionada injusta e inadequada e desconforme a Justiça portuguesa que sedimentou ao longo da sua história um lado humano de julgar de que muitos outros países não se podem orgulhar.
Aquilo que nesta parte tem de ser ponderado, quanto à arguida Maria A…, então 50 anos de idade, é o facto de esta ter, debaixo da colchão da cama, uma bolsa 26 embalagens de heroína e cocaína, com um total de 3,627 g e ter atuado com dolo direto. É solteira, tem 8 filhos, entre eles o arguido J… que vive consigo, estando os outros a viver em Cabo Verde. Trabalha como empregada doméstica, auferindo cerca de 850€ mensais. Não sabe ler nem escrever. Não regista antecedentes criminais.
Um quadro mais atenuado ainda que o do arguido M…, pelo que a pena, pelo tráfico de droga, deve ficar pelos 15 meses de prisão.
No caso de vir a ter que ser cumprida a pena de prisão, descontar-se-á os 3 dias de detenção sofridos pela arguida (art. 80/1 do CP).
Por maioria de razão, em relação ao que foi dito quanto ao recurso dos arguidos G… e M…., também aqui deve ser revogada a expulsão do território nacional.
*
Diz o arguido J..., quanto a esta parte, nas suas conclusões:
V – Outrossim, é manifestamente desadequada e desproporcional a punição de 10 meses de prisão pela prática do crime de detenção de 6 munições de arma de defesa pessoal cujo calibre é de 6,35mm.
VI - O tribunal a quo fez errada interpretação dos fins das penas previstas no artigo 40/2 do CP. Sendo certo que cumpre em concreto ponderar na determinação da medida da pena a aplicar ao arguido, o grau de ilicitude do facto que não é muito elevado considerando o modo de execução do mesmo, já que, a aceitar o crime de trafico, é iniludível que o recorrente, aliás deficiente crónico do foro cardiológico, não passa de um vulgar pé descalço reduzido ao mais baixo nível do dealer de rua
VII - Quanto à suspensão da pena prevista no artigo 50 do CP e ainda que se subscrevesse a pena única fixada ao arguido com que jamais se concordara atentos os motivos atrás expostos não se vislumbra a filosofia da aplicação de tal instituto (suspensão da execução da pena) quando se desvirtua tal magnanimidade com a aplicação de uma pena de expulsão de território nacional num pais de emigrantes desde os tempos mais remotos.
Aquilo que nesta parte tem de ser ponderado, quanto ao arguido J…, então com 22 anos, é o facto de ter, no seu quarto, 11 embalagens de cocaína com o peso líquido de 1,137 g, e seis munições de calibre 6.35mm. Atuou com dolo direto. Vive com a sua mãe, a arguida Maria A…, é solteiro e não tem filhos. Está desempregado há cerca de dois meses, sendo que antes disso trabalhava como servente de pedreiro com o seu tio, auferindo cerca de 30€ diários. Tem o 9º ano de escolaridade. Não regista antecedentes criminais.
Uma situação que, quanto ao tráfico, é semelhante à da sua mãe, pelo que deve ser punido com a mesma pena, de 15 meses.
Quanto ao crime de detenção de munições, do art. 86/1d) (na versão anterior à da Lei 17/2009, por esta ser mais pesada e por isso não aplicável: art. 2/4 do CP), relativo a meia dúzia de munições que para além disso são só de 6,35mm, sendo o mesmo punível com pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou com pena de multa de 10 até 360 dias:
No caso, não podem ser invocadas as mesmas razões que acima para a escolha da pena de prisão, já que a posse de munições, sem arma, não tem o grau de ilicitude, de danosidade e de perigosidade envolvidos naquela. Pelo que, aqui, se escolhe a pena de multa, fixada em 60 dias, à taxa diária de 6€, dadas as condições económicas do arguido.
O cúmulo destas penas corresponde à justaposição de ambas: ou seja, 15 meses de prisão e 60 dias de multa, a 6€ diários, num total de 360€, com 40 dias de prisão subsidiária para o caso de não cumprimento.
Nos dias de multa descontam-se, à razão de 1 dia e 1/3 por cada um (porque o tempo de privação da liberdade pesa mais, mas também tendo em conta que 2 dos dias de detenção não foram totais), os dias de detenção sofrida pelo arguido de 01/10 a 03/10/2008 (art. 80/2 do CP).
Por maioria de razão, em relação ao que foi dito quanto ao recurso dos arguidos G… e M…, também aqui deve ser revogada a expulsão do território nacional.
*
O arguido V… ainda formula as seguintes conclusões quanto ao resto:
a) Atendendo aos princípios gerais de direito e à tão visada reinserção social afere-se como excessivamente gravosa a medida da pena aplicada ao ora recorrente.
b) Ao contrário do que julgou o tribunal a quo na decisão ora recorrida, entende-se ser possível fazer-se o tal juízo de prognose favorável à reintegração social do arguido
c) Salvo o devido respeito, não foram levados em consideração os critérios enunciados no nº 2 do art. 71 do CP.
d) Nomeadamente no que diz respeito ao disposto na sua alínea d).
e) A própria condição pessoal do agente, é de molde a decidir-se por medida que contribua para a reintegração e não para a segregação, cumprindo-se assim o disposto no artigo 40 do CP.
f) Tão pouco foram levadas em consideração as circunstâncias pessoais que depondo a favor do recorrente, concorriam para uma atenuação da pena.
g) O doseamento da pena arbitrado pelo tribunal a quo denuncia uma nítida violação do princípio da proporcionalidade das penas.
h) A este respeito, desde já se advoga que as normas constitucionais que se consideram violadas são as vertidas no nº. 2 do art. 32 e nº 6 do art. 29 da Constituição da República Portuguesa.
i) Crê-se que estão reunidas as condições de facto e de direito para uma efetiva redução da pena.
j) S.m.o., estamos perante um caso excecional, em que, apesar de se poder configurar o crime de tráfico a mera detenção desacompanhada da prova de transações efetuadas (que no entender do recorrente não foi efetivamente produzida) deve ser suscetível de baixar a pena a um patamar que sendo ainda comunitariamente suportável para cumprir a função de prevenção geral, possa responder à menor exigência de reintegração social,
k) Deste modo, atenta a moldura legal do crime p.p. no art. 21/1 do Dec. Lei 15/93, de 22/01, depois de ser especialmente atenuada nos termos do art. 73/1 als. a) e b) do CP, é de punir o ora recorrente com pena de prisão não superior a cinco anos
l) Seguindo o expendido raciocínio, é forçoso colocar a hipótese de suspensão da pena, ao abrigo do art. 50/1 do CP, concluindo-se, como pugnamos, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
m) Aliás, invocando aqui uma parte do texto do acórdão do STJ de 13/02/2003, in www.dsgi.pt (…) a estratégia repressiva atinge basicamente os consumidores, traficantes/consumidores, pequenos traficantes.
n) Embora não incluída na norma legal típica, a intenção lucrativa, a sua intensidade e desenvolvimentos. assumem papel decisivo na definição do traficante, grande, médio, pequeno ou consumidor.
o) “A tipificação do art. 25 (...) parece significar o objetivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que embora porventura de gravidade ainda significativa ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21 e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar" – ac. do STJ proferido em 15­/12/1999 no proc. 912/99.
p) A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspetos decorrentes de uma prevenção especial positiva consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos
q) O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada. que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de caráter preventivo que social e normativamente se imponham.
r) O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa proteção dos bens jurídicos
s) E é dentro destes dois limites que se situará o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
t) Além do mais, devido à sua condição socioeconómica, a sua baixa instrução académica, consciência social, discernimento, e responsabilidade, não poderá ser como a de um indivíduo normal, segundo os critérios gerais.
u) No entanto, esta mesma realidade, acrescida do facto de haver sido condenado nos presentes autos, que poderá (caso se mantenha a medida de pena em que vem condenado) assumir, no espírito e personalidade do arguido, pela sua vulnerabilidade, um sentido precisamente inverso à tão pretendida reinserção social, comprometendo a sua preparação para conduzir a sua vida de forma socialmente responsável sem cometer crimes.
v) Não parece ser esta a intenção do legislador.
w) O nosso sistema penal tem subjacente um direito mais re-educador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, prevendo uma atenuação da pena nos termos gerais, se para tanto concorrerem razões no sentido de que assim se facilitará aquela reinserção.
x) É exatamente nestes casos em que a ideia de prevenção especial que também preside aos fins das penas, assume especial relevo.
y) O principal escopo das penas aplicadas, é evitar que voltem a cometer crimes e que se tornem cidadãos responsáveis, socialmente úteis e cumpridores da lei.
z) Caberá ao julgador no caso concreto apreciar os seus critérios de aplicação.
aa) Por tudo o que antecede, e atendendo aos já referidos princípios gerais de direito e à visada reinserção social afere-se, salvo o devido respeito, como excessivamente gravosa e, acima de tudo, contraproducente a pena aplicada.
Ou seja, e no essencial, três questões: i) a redução da pena, por via da atenuação especial; ii) a suspensão da pena; e iii) inconstitucionalidades;
Quanto à redução da pena:
A resenha que acima se fez da jurisprudência quanto aos casos que são qualificáveis como crimes de tráfico de menor gravidade e de média ou grande criminalidade, e as penas que se vêm aí aplicadas a cada um desses casos, permite duas conclusões imediatas, uma delas já referida: o caso do arguido V… está na fronteira dos dois crimes, embora seja um crime de tráfico do art. 21 (e com isto improcedem as conclusões do arguido que, embora fale na atenuação especial da pena, se referem à condenação do arguido pelo artigo 25 em vez de pelo artigo 21); a outra é: para estes casos, ou um pouco mais graves, as penas aplicadas têm ficado pelos 4 anos e 6 meses ou 5 anos. Ou seja, a pena aplicada é de facto excessiva para um caso de fronteira entre os dois tipos de crimes.
Não tem razão o arguido, de qualquer modo, quando invoca a atenuação especial. Está-se perante uma situação de atenuação especial quando se é levado a considerar o caso do arguido uma hipótese especial, “deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo “normal” de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respetiva” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas 1993, pág. 302). Isto é, para a atenuação especial da pena, a imagem global do facto tem de se apresentar com uma gravidade tão diminuída que... tem de ser um caso extraordinário ou excecional (ainda FD, obra citada, págs. 306/307), o que não é manifestamente o caso, como resulta do que já foi dito (pois que cabe, embora no limite, no crime do art. 21).
O acórdão recorrido diz que o arguido cometeu o crime destes autos no decurso do período de suspensão de uma anterior pena. Mas não é assim, já que antes do trânsito em julgado daquela outra condenação, já o arguido tinha praticado atos de execução do crime destes autos. Ora, o período de suspensão só se inicia com o trânsito em julgado da condenação (art. 50/5 do CP). Não é fator, pois, que deva entrar na medida da pena.
Tendo então em conta aqueles casos jurisprudenciais citados, a pena do crime do art. 21/1 praticado pelo arguido V… deve baixar para os 4 anos e 6 meses de prisão, procedendo assim, embora por razões que pouco têm a ver com os argumentos avançados pelo arguido, as suas conclusões quanto a esta questão.
Quanto à pena pelo crime da detenção de armas, 3 armas de fogo, como se viu, o recorrente não invoca razões substanciais nem concretas, mas apenas considerações teóricas e abstratas, para que este TRL considere que a pena aplicada, de 2 anos de prisão, é excessiva, isto tendo em conta uma moldura de prevenção formada tendo em vista as exigências de prevenção geral e especial e o limite imposto pela culpa, pelo que improcedem as conclusões do recorrente quanto a esta questão.
A pena única por estes dois crimes deve ser a de 5 anos e 2 meses de prisão, aplicando-se a lógica, correta, do acórdão recorrido, quanto à fixação da pena única.
Quanto à suspensão da pena:
Perante esta pena não é possível suspender a pena de prisão, pelo que improcedem todas as conclusões do recorrente relativas a tal questão, recurso que, aliás, não atentou que o arguido também tinha sido punido pelo crime de detenção de três armas de fogo e que a suspensão da pena é questão que só se coloca perante a pena única e não perante penas parcelares.
Questão das inconstitucionalidades:
A questão da inconstitucionalidade invocada pelo arguido na sua conclusão h) deve-se, com certeza, a um lapso seu, mas sempre se dirá, à cautela, que na decisão recorrida, ou neste acórdão, não se aplicou qualquer norma com interpretação que ponha em causa a regra do art. 29/6 da CRP (: os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos), nem a norma do art. 32/2 da mesma CRP (: todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa).
No tempo de prisão, terá que se descontar todo o tempo de detenção e prisão preventiva sofridos pelo arguido desde 01/10/2008 (art. 80/1 do CP).
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Como se disse acima, entre o crime do processo da 2ª secção do 5º juízo criminal de Lisboa, PCS 152/05.3PHLSB, e os crimes destes autos, não existe uma situação de sucessão mas de concurso.
Para se ver se é assim ou não, tiveram-se em conta, apenas para estes efeitos, os dados que se podem extrair da certidão de fls. 1480 e segs, bem como o que resulta ainda do acórdão recorrido e deste do TRL, ou seja:

Tribunal e processoData dos factosData da decisão e do trânsitoCrimes e penasTempos de detenção
12ª secção do 4º juízo criminal de Lisboa – PCS 102/03.1PHLSB – certidão a fls. 1480 e segs24/01/200301/02/2010, transitado a 03/03/2010Tráfico – 16 meses de prisão – esteve 116 dias preso preventivo à ordem deste processo
21ª secção do 2º juízo criminal de Lisboa – PCS 911/04.4PHLSB28/08/200421/07/2009, transitada a 29/09/2009Tráfico art. 25 – 2 anos de prisão, suspensa
32ª secção do 5º juízo criminal de Lisboa – PCS 152/05.3PHLSB – certidão a fls. 830 e segs15/02/200524/01/2008, transitada a 03/07/2008Tráfico – art. 25 – 18 meses de prisão, suspensa
45ª vara criminal de Lisboa – PCC 42/08.8PJAMD.L130/04/2008, 03/06, 05/06, 18/07 e 01/10/200818/05/2010, ainda não transitadaTráfico – art. 21 – 4 anos e 6 meses
Detenção de armas de fogo – 2 anos de prisão
Pena única: 5 anos e 2 meses de prisão
Está preso preventivo à ordem deste processo desde 01/10/2008
Quer isto dizer que todos os crimes foram praticados (o crime de tráfico deste processo não se pode dividir em várias parcelas…) antes da data do trânsito da 1ª condenação (que é a do processo 3, ou seja, 03/07/2008) pelo que todos eles estão em concurso. Não existe, de facto, uma sucessão de crimes.
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Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedentes os recursos dos arguidos G…, M…, T..., Maria A… e J…, quanto à impugnação dos factos, eliminando-se, por isso, os factos sob 15 a 19, a parte final de 20 (a partir de ‘proveniente’ inclusive), a parte inicial de 21 (até ‘consigo’ inclusive), 24 e 26 (devendo a leitura dos factos sob 21, 22 e 27 ter em conta esta eliminação, nos termos concretizados na parte final da pág. 34 deste acórdão).
Face a esta eliminação de factos:
- revoga-se a condenação do arguido T…, absolvendo-se o mesmo do crime que lhe era imputado.
- altera-se a condenação do arguido G…, que passa a ser punido pelo crime de tráfico do art. 25 e não pelo do art. 21 do Dec. Lei 15/93, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; mantém-se a pena de 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime de detenção de armas de fogo, do art. 86/1c) da Lei 5/2006; e fixa-se a pena única por estes dois crimes em 2 anos de prisão, que se suspende pelo mesmo período de tempo (se vier a ter que ser cumprida a pena de prisão, ter-se-á em conta os 3 dias de detenção sofridos pelo arguido).
- altera-se a condenação do arguido M…, que passa a ser punido pelo crime de tráfico do art. 25 e não pelo do art. 21 do Dec. Lei 15/93, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; mantém-se a pena de 1 ano de prisão pelo crime de detenção de armas de fogo, do art. 86/1c) da Lei 5/2006; e fixa-se a pena única por estes dois crimes em 1 ano e 10 meses de prisão, que se suspende pelo mesmo período de tempo (se vier a ter que ser cumprida a pena de prisão, ter-se-á em conta os 3 dias de detenção sofridos pelo arguido).
- altera-se a condenação da arguida Maria A…., que passa a ser punida pelo crime de tráfico do art. 25 e não pelo do art. 21 do Dec. Lei 15/93, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período de tempo (se vier a ter que ser cumprida a pena de prisão, ter-se-á em conta os 3 dias de detenção sofridos pela arguida).
- altera-se a condenação do arguido J…, que passa a ser punido pelo crime de tráfico do art. 25 e não pelo do art. 21 do Dec. Lei 15/93, na pena de 15 meses de prisão; altera-se a condenação pelo crime de detenção de munições de arma de fogo, do art. 86/1d) da Lei 5/2006 para a pena de 60 dias de multa; e fixa-se a pena única por estes dois crimes em 15 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período de tempo; e 60 dias de multa, a 6€ diários (de que se descontam 4 dias, pelo tempo de detenção já sofrido, pelo que fica reduzida a 56 dias a 6€, num total de 336€, com 37 dias de prisão subsidiária para o caso de não pagamento).
Revogam-se as penas de expulsão aplicadas a estes quatro arguidos.
Quanto ao arguido V…, julga-se parcialmente procedente o recurso, baixando para 4 anos e 6 meses a pena pelo crime de tráfico do art. 21 do Dec. Lei 15/93; mantém-se a pena de 2 anos de prisão pelo crime de detenção de armas de fogo, do art. 86/1c) da Lei 5/2006; e fixa-se a pena única por estes dois crimes em 5 anos e 2 meses de prisão (onde haverá que descontar o tempo de detenção e prisão preventiva sofridos pelo arguido desde 01/10/2008). Mantém-se a pena de expulsão aplicada a este arguido.
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O dinheiro apreendido aos arguidos T… e M…, referido no ponto 20 (120€ e 95€, respetivamente) deve ser restituído aos mesmos, por não se provar a sua relação com qualquer crime.
Comunique este acórdão, se e após trânsito, ao PCS 102/03.1PHLSB da 2ª secção do 4º juízo criminal de Lisboa, ao PCS 911/04.4PHLSB da 1ª secção do 2º juízo criminal de Lisboa e ao PCS 152/05.3PHLSB da 2ª secção do 5º juízo criminal de Lisboa.
Sem custas, digo: custas pelos arguidos, com o mínimo de taxa de justiça, à excepção do arguido V… que vai condenado em 3 UC de taxa de justiça.

Lisboa, 25 de Maio de 2010

Pedro Martins
Nuno Gomes da Silva
José Pulido Garcia