NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário

I- Em processo contra-ordenacional, havendo defensor, quer constituído pelo arguido, quer nomeado oficiosamente, nos casos em que é obrigatória a notificação, ela é necessariamente efectuada ao mandatário, enviando-se nesses casos ao arguido apenas cópia da decisão;
II- Tendo a decisão final da autoridade administrativa sido notificada apenas à arguida e não ao seu mandatário judicial, não é defensável considerar que o prazo de três dias para arguir a irregularidade da falta de notificação ao mandatário se conte a partir da data da notificação da decisão à própria arguida;
III- Faltando a notificação obrigatória da decisão da autoridade administrativa ao advogado da arguida, está-se perante o fundamento de oposição à execução previsto no art. 814º al. a) do CPC, já que que tal decisão não tem carácter definitivo, não constituindo, por conseguinte, título executivo.

Texto Parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

“A…, SA", executada na execução comum instaurada pelo M.P. junto do Tribunal do Trabalho do Funchal, com base na decisão da autoridade administrativa proferida no processo de contra-ordenação laboral nº 864-CO/06 da Inspecção Regional do Trabalho da Região Autónoma da Madeira, em que lhe foi aplicada a coima de € 10.000 e ordenado o pagamento de € 17,66 ao trabalhador IA… e € 6,89 à Segurança Social, deduziu, por apenso, os presentes autos de oposição à execução, alegando, em síntese, a falta de notificação da decisão administrativa ao mandatário constituído pela arguida, bem como a ilegalidade do diploma em que a autoridade administrativa se fundamentou para proferir a sua decisão.
Pediu que fosse considerado nulo todo o processado desde a decisão que serve de título executivo, ordenando-se a notificação da decisão administrativa ao mandatário da executada.
A oposição foi liminarmente admitida e, notificado o exequente, não contestou no prazo legal.
Foi então proferida a sentença de fls. 25 e seg. que julgou improcedente a oposição à execução, ordenando o prosseguimento dos termos desta para obter o pagamento da quantia exequenda.
A executada inconformada, apelou terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
O M.P. contra-alegou, sustentando que se negue provimento ao recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar, sendo que a primeira questão que vem colocada é a de saber se houve erro de interpretação dos factos resultantes dos autos e na aplicação que lhes foi efectuada do disposto no art. 123º do CPP e, por outro lado, se a decisão da autoridade administrativa se fundou em disposição ilegal (o art. 8º nº 1 do Decreto Legislativo Regional nº 11/90/M, de 22/5, na redacção do Decreto Legislativo Regional nº 20/2000/M, de 9/8, por violar o disposto no art. 26º nº 1 do DL 294/90, de 21/9).

Na decisão recorrida foram dados por provados (com base nos elementos que constam do processo de contra-ordenação incorporado na acção executiva e da confissão dos factos articulados no requerimento inicial, por falta de contestação - cfr. art. 817°, n°3 do C.P.C.), os seguintes factos:
1 - A oponente/executada depois de ter sido notificada nos autos de contra-ordenação n° 648-CO/2006, nos termos e para os efeitos previstos no art. 50° do Dec-Lei n° 433/82 de 27/10, juntou procuração forense, conforme se pode ver de fls.17 dos autos apensos.
2 - Por decisão administrativa proferida nos autos n° 648-CO/06 a ora oponente foi condenada na coima de € 10 000,000 e no pagamento de € 17,66 ao trabalhador e € 6,89 à segurança social, cujo teor de dá aqui por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais.
3. - Esta decisão foi apenas notificada à arguida, ora oponente, em 18.12.06.
4 - Em 1 de Março de 2007 o M°P° instaurou execução para pagamento da coima, da quantia devida ao trabalhador e à segurança social e custas.

Apreciação
A sentença recorrida, embora reconhecendo que a decisão da autoridade administrativa apenas foi notificada à própria arguida, e não ao respectivo mandatário judicial, apesar de ter sido junta procuração forense logo após a notificação do auto de notícia, e não obstante o preceituado pelo art. 47º do RGCO (DL 433/82, de 27/12), porque no regime processual penal (aplicável por força do art. 41º do RGCO) as nulidades são típicas (cf. art. 118º nº s 1 e 2 do CPP) e não existe qualquer norma que considere nula a notificação nos termos assinalados, considerou que a conduta da administração é uma mera irregularidade, que deveria ter sido suscitada no prazo de três dias a contar daquele em que o interessado tiver sido notificado para qualquer termo do processo (art. 123º do CPP). Contando esse prazo a partir da notificação da decisão final à própria arguida, que ocorreu em 18/12/2006, entendeu que há muito que o mesmo se esgotou, ficando por isso sanada a irregularidade e tornando-se, assim, definitiva a decisão da autoridade administrativa, em termos de poder ser executada (cf. art. 88º nº 1 do RGCO).
Quanto à inconstitucionalidade da norma em que a autoridade administrativa se fundou para proferir a decisão de aplicar a coima, face ao carácter definitivo dessa decisão, ficou precludida a possibilidade de reapreciação de tal facto como contra-ordenação.
Tornando-se definitiva, a oponente só poderia invocar os fundamentos de oposição à decisão administrativa referidos no art. 814º do CPC, o que não fez.
Foram estes os fundamentos da decisão.
Contra esta apreciação se insurge a recorrente.
No que concerne à sanação da irregularidade da falta de notificação da decisão final ao mandatário judicial, cremos que lhe assiste razão. Vejamos porquê.
Dispõe o art. 47º do RGCO
1- A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.
2- A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado.
3- No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho.
4- Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo de impugnação só começa a decorrer depois de notificada a última pessoa.
Dele decorre que, havendo defensor, quer constituído pelo arguido, quer nomeado oficiosamente, nos casos em que é obrigatória a notificação (ou seja, tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, cf. nº 2 do art. 46º) ela é necessariamente efectuada ao mandatário, enviando-se nesses casos ao arguido apenas cópia da decisão (isto é, sem a exigência dos esclarecimentos necessários sobre a admissibilidade, prazo e forma de impugnação que têm de existir na notificação). O que bem se compreende pois, se o arguido dispõe dos serviços de um técnico de direito encarregado da sua defesa, é de admitir que lhe confie o acompanhamento da tramitação do processo e designadamente a necessidade de nele praticar qualquer acto, bem como o controlo dos respectivos prazos.
Tendo a decisão final da autoridade administrativa sido notificada apenas à arguida e não ao mandatário forense, como era exigido, não nos parece correcto, como entendeu a Srª Juíza, considerar que o prazo de três dias para arguir a irregularidade da falta de notificação ao mandatário se conte a partir da data da notificação da decisão à própria arguida. É que, nada nos permite afirmar que, ao receber aquela notificação a arguida ficou desde logo a saber que fora omitida a notificação ao mandatário. É certo que, face às regras comuns da experiência, é de admitir que, ao receber a notificação de uma decisão final de um processo, o arguido contacte o seu mandatário, até para delinear a posição a adoptar relativamente a eventual impugnação. O que não quer dizer que isso suceda sempre e, sobretudo, que suceda imediatamente após a notificação. Pode, eventualmente, ter sucedido e, constatada a falta de notificação ao mandatário, terem decidido aguardar essa notificação, já que seria sempre a partir da última notificação que se contaria o prazo de impugnação. Mas também pode não ter sido assim. Não sabendo de todo se isso aconteceu, ou não, também não podemos afirmar que era exigível que a arguida assim procedesse. O que era exigível, sim, é que a autoridade administrativa notificasse quem tinha de notificar: o mandatário judicial, enviando cópia da decisão à própria arguida. E não foi o que fez.
O que determina o art. 123º do CPP (aplicável por força do art. 41º do RGCO) é “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
Ora, a falta de notificação da decisão administrativa ao mandatário da arguida não foi cometida em qualquer acto processual em que a própria arguida ou o respectivo mandatário estivessem presentes e não consta dos autos que, após essa omissão, quer a arguida, quer o mandatário tivessem sido notificados para o que quer que seja. Apesar de, em 4/12/2007, ter sido expedido, por via electrónica, ao Tribunal Judicial de Oeiras, o pedido de penhora, não se mostra sequer que a executada, ora opoente à execução e recorrente, ou o respectivo mandatário tivessem participado em algum acto de processo de execução.
Assim sendo, quando em 18/12/2007 a opoente deduziu oposição à execução, nada da tramitação dos autos permitia afirmar que a irregularidade em causa se tivesse sanado.
Faltando a notificação obrigatória da decisão da autoridade administrativa ao advogado da arguida, nem sequer se iniciou (cf. nº 4 do art. 47º do RGCO) o prazo de impugnação estabelecido no art. 59º nº 3 do mesmo regime, pelo que tal decisão não tem carácter definitivo, não constituindo, por conseguinte, título executivo (art. 89º e 88º nº 1 do RGCO).
Procede, por isso, o fundamento de oposição à execução previsto no art. 814º al. a) do CPC, pelo que a decisão recorrida deve ser revogada.
Em consequência fica prejudicada a apreciação da questão da ilegalidade da norma em que se baseou a decisão da autoridade administrativa.

Decisão
Pelo exposto acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, e, em sua substituição, julgar procedente a oposição à execução com o fundamento previsto no art. 814º al. a) do CPC (inexistência de título).
Sem custas por delas estar isento o recorrido.

Lisboa, 25 de Maio de 2010

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira