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REGISTO PREDIAL
NULIDADE
RECTIFICAÇÃO
Sumário
1- Estando em causa a nulidade do registo prevista na al. a) do art. 16º, a mesma só poderá ser invocada depois de ser intentada acção judicial com vista a vê-la declarada (art. 17º, nº 1), não podendo o registo ser objecto de rectificação, com tal fundamento. 2- A divergência de áreas que decorra de erro de medição pode ser rectificada pela forma desburocratizada prevista no art. 30º, nº 2 do CRP, devendo, neste caso, o interessado esclarecer a razão da divergência (se devida a erro de medição) e juntar planta do prédio e declaração assinada pelos proprietários confinantes. 3- A planta e as declarações destinam-se, apenas, a corroborar os factos alegados. (sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO.
C requereu junto da Conservatória do Registo Predial a rectificação do registo correspondente à descrição efectuada pela apresentação nº referente ao prédio descrito na referida conservatória sob o nº, inscrito a favor da sociedade M., Lda.
Alegou, em síntese, que:
É dono, na proporção de 2/3 indivisos, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial.
O seu prédio é contíguo ao prédio descrito sob o nº da mesma freguesia, em relação ao qual confronta a Sul.
Com a apresentação nº e de 14.03.03, que deu origem ao averbamento 3 à discrição do referido prédio, a área de terreno do requerente ficou completamente absorvida por aquele prédio.
O averbamento em causa foi efectuado sem títulos suficientes que demonstrem a propriedade do titular inscrito sobre a área que a descrição do prédio passou a ter a mais, pois que o requerente apenas apresentou o documento de participação na matriz e declarações complementares para o efeito, nas quais declarou tratar-se de um erro de medição.
Consequentemente, o averbamento deverá ser considerado nulo e, portanto, cancelado, ordenando-se a sua rectificação, de modo a que passe a constar que o prédio identificado tem a área de 799 m2, sendo 618 m2 de área coberta e 181 m2 de área descoberta e que confronta a Norte com o prédio descrito sob o nº .
Citada, M., Lda. deduziu oposição.
Após alegações, a Sra. Conservadora emitiu despacho indeferindo o pedido de rectificação pretendida, por ser manifestamente improcedente.
Inconformado com tal decisão, recorreu o requerente para o Tribunal, pedindo a revogação da decisão da Sra. Conservadora, pedindo que fosse substituída por outra que ordene o cancelamento do averbamento 3 à descrição em causa.
A M., Lda impugnou os fundamentos do recurso e propugnou pela manutenção da decisão da Sra. Conservadora.
Dada vista ao MP junto daquele Tribunal, o mesmo aderiu aos fundamentos invocados no despacho da Sra. Conservadora.
Foi, então, proferida decisão que julgou improcedente o recurso e manteve o despacho recorrido.
Mais uma vez, não se conformando com o teor de tal decisão judicial, recorre o requerente, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A) O ora recorrente instaurou processo de rectificação de registo referente ao averbamento 3 à descrição n.º …visando com este procedimento o cancelamento daquele averbamento, que consistiu na rectificação da área do prédio, de tal modo que o mesmo passou a ter uma área total de 1.496,00m2, quando inicialmente tinha uma área de 799,00m2.
B) O recorrente fundamentou a sua pretensão no facto de o seu prédio - – ser contíguo ao prédio … e de tal averbamento ter absorvido a área do seu terreno.
C) Alegou, ainda, que o referido averbamento foi lavrado sem títulos suficientes que demonstrem a propriedade do titular inscrito sobre a área que a descrição do prédio passou a ter a mais e que, em consequência, o averbamento em apreço deveria ser considerado nulo e, portanto, cancelado.
D) A Senhora Conservadora veio, a final, indeferir o pedido de rectificação do registo formulado pelo recorrente, alegando que não pode considerar-se que o Averbamento n.º 3 tenha sido lavrado com base em títulos falsos, que enferme de omissões ou inexactidões graves e que não foi baseado em títulos insuficientes para a prova legal da área a rectificar, porquanto a apresentação foi instruída com declaração subscrita pelo proprietário, pelos anteriores proprietários e pelas pessoas singulares indicadas como sendo as confinantes;
E) A Senhora Conservadora alegou, ainda, que a prova dos factos não se faz pelas participações e pedidos de actualização e rectificação na matriz e que o registo predial baseia-se na confiança no proprietário, nas declarações prestadas por este, não sendo lícito ao Conservador, por sistema, desconfiar das mesmas.
F) Não se conformado, o ora recorrente apresentou recurso contencioso da decisão da Senhora Conservadora.
G) Por seu turno, o Tribunal “a quo” julgou improcedente o recurso contencioso com o fundamento de que do processo não decorre que o averbamento n.º 3 à descrição predial … tenha sido efectuado com base em títulos falsos, pois não se pode concluir que as declarações prestadas pelo titular inscrito, corroboradas pela planta junta e pelas declarações dos proprietários confinantes, bem como pela certidão matricial relativa ao prédio, sejam, falsas e que, pese embora a estranheza da alteração de área constante do averbamento 3, nada permite
concluir que não se está perante erro de medição, ou seja, que o invocado no título é falso.
H) Por fim, a Mm.ª Juiz a quo” conclui que no que concerne à insuficiência de títulos para a prova legal do facto registado, a mesma também não ocorre, face às exigências probatórias legalmente exigidas e à suficiência das declarações dos proprietários para obter o averbamento em causa.
I) Contudo, da análise de todos os documentos juntos aos autos resulta que o averbamento n.º 3 à descrição …. é nulo.
J) De facto, a O inscreveu a seu favor a aquisição de um prédio por si comprado que deu origem à constituição e abertura da descrição.., sendo que tal descrição, como não podia deixar de ser, menciona a área que consta da escritura de compra e venda – 618m2 de área coberta, 295m2 de área descoberta e a parte em ruínas com 147m2, num total de 1.060m2.
K) A O vendeu a M uma parcela com a área de 261m2, a desanexar do seu prédio, o n.º 1760, pelo que, pelo averbamento n.º 2 à descrição 1760 ficou a constar que o prédio mantinha a mesma área coberta de 618m2, mas que a área descoberta passou a ser de 181m2.
L) Na mesma data a O apresentou na Repartição de Finanças declaração modelo 129 para actualizar a inscrição matricial do prédio nos termos supra descritos, ou seja, que o prédio passara a ter menos área descoberta.
M) Já com a área actualizada, fazendo constar isso na escritura, a O vendeu o prédio 1760 à M. .
N) A M. registou a aquisição a seu favor do prédio 1760 com a área que o prédio tinha, quer na descrição predial, quer na inscrição matricial, quer na própria escritura pública, i. e., com a área coberta de 618m2 e descoberta de 181m2.
O) Aliás, se por erro de medição, ou outra qualquer razão, o prédio tivesse mais área, ela não lhe pertencia, porque não a comprou. Antes pertencia aos proprietários que o venderam.
P) De igual modo a M. averbou em seu nome, com base na escritura de compra e venda, o artigo matricial n.º que comprou, com a área coberta de 618m2 e descoberta de 181m2, sem qualquer reclamação à matriz, mormente no que diz respeito à área do prédio.
Q) Em 10 de Janeiro de 2003 ( três anos depois da compra) a M. apresenta no Serviço de Finanças uma Reclamação, sem qualquer suporte documental, a não ser a sua própria declaração, declarando que o prédio tinha a área coberta de 619,50m2 e descoberta de 876,50m2.
R) Após a M. apresentou na C.R.P. um requerimento, pedindo a rectificação da área da descrição n.º, sendo que para o efeito apenas juntou caderneta predial com a “nova” área e uma planta, tendo declarado que “ ...supõe ter havido erro de medição...”
S) Dentro do que é razoável pode invocar-se um “ simples erro de medição” quando há divergência de área entre a descrição predial e a inscrição matricial (anterior art.º 30.º do CRP e vigor à data do averbamento).
T) O próprio art.º 28.º do mesmo Código apontava como “razoável”, dispensando a harmonização, quando essa diferença não ultrapassasse os 5% nos prédios urbanos (actualmente 10%). Não quase 100%, como é o caso dos autos.
U) Ora, não se pode considerar “simples erro de medição” a uma diferença de área quase no dobro, como, de resto, entende o próprio Tribunal a quo ao afirmar que “ ...a diferença de área constante do averbamento em causa é sem dúvida expressiva...é erro de especial grandeza...”.
V) No caso dos autos, na verdade, nunca houve divergência entre a área constante na descrição predial e a constante na inscrição, até que a M. a criou, pelo que, sempre estaríamos perante um registo lavrado com base em documentos/declarações falsas - cfr. artigo 16.º, alínea a) do CRP.
X) Por outro lado, mesmo que houvesse, no caso dos autos, erro de medição, tinha a M. que juntar ao seu requerimento na Conservatória uma planta do prédio e declaração assinada por todos os proprietários confinantes com a própria planta e não só em declarações complementares de que não houve alterações na configuração do prédio – cfr. art.º 30.º, n.º 2 do CRP em vigor àquela data, actual art.º 28.º, n.º 2,ii).
Z) Considerando o facto de a área do prédio descrito sob o n.º …ter sido desanexada do prédio n.º 491, e constando essa área na escritura de compra e venda, dada a diferença substancial de áreas que resultaria da rectificação, sempre deveria ter sido exigido pela Conservatória que se rectificasse em primeiro lugar o documento que lhe serviu de base, ou seja, a escritura de compra e venda que deu origem à abertura da descrição do prédio 1760, em que a O foi compradora.
AA) Tal como tinha que ser igualmente rectificada a segunda escritura de compra e venda pela qual a O vendeu o prédio à M..
BB) O que se passou, na verdade, com a rectificação de área constante do averbamento n.º 3 à descrição predial …. equivaleu a inscrever, sem qualquer título, ou com título manifestamente insuficiente – caderneta predial com área declarada pelo interessado na rectificação - a aquisição de uma parte do prédio com 697m2 de área a favor da M..
CC) Pelo que, quando muito, o averbamento n.º 3 à descrição…– averbamento/rectificação de área – sempre seria nulo nos termos do artigo 16.º, alínea b) do CRP, por ter sido lavrado com base em título insuficientes para a prova legal do facto registado.
DD) Assim, pelo exposto, salvo o devido respeito, houve por parte do Tribunal “ a quo” uma incorrecta interpretação ao decidir pela improcedência do recurso contencioso, violando deste modo os preceitos legais invocados, nomeadamente os artigos 16.º, alíneas a) e b), 28.º, n.º 2 e 3 e 30.º, n.º 1 e 2, todos do Código do Registo Predial em vigor à data do recurso.
Termina pedindo que se dê provimento ao recurso, anulando-se a decisão que julgou improcedente o recurso contencioso e confirmou a decisão da Senhora Conservadora da Conservatória do Registo Predial, devendo substituir-se por outra que declare a nulidade do averbamento n.º 3 à descrição predial n.º….
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Mmo Juiz recorrido manteve o despacho recorrido.
QUESTÃO A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente ( arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC ) a única questão a decidir é se o averbamento n.º 3 à descrição predial n.º …é nulo. Corridos os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Na 1ª instância foram dados como assentes os seguintes factos, os quais se completam, em itálico, com os resultantes da certidão junta aos autos:
1) O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial encontra-se inscrito, pela ap…., a favor de “M., L.da”, por compra.
2) Tal prédio tinha inicialmente a seguinte descrição predial: Prédio Urbano – três compartimentos em ruínas e logradouro – área coberta 618 m2, descoberta 442 m2 – norte, caminho público; sul, nascente e poente lote n.º 1 (constando que o mesmo estava omisso na matriz mas participado em 08.01.91). 2a) Sobre tal prédio mostra-se inscrita, por Ap. …., a aquisição a favor de O.
3) Pela ap. …relativa ao mesmo prédio foi averbada a desanexação do prédio n.º … que tem a seguinte descrição predial: “prédio urbano –terreno para construção – 261 m2 – norte, O; sul, lote 154; nascente,…; poente, …., cujo direito de propriedade se encontra inscrito a favor de M, por compra a O….;
4) Pela ap. …., que deu origem ao av. 2, a descrição do prédio mencionado em 1) passou a ser a seguinte: área coberta: 618 m2; área descoberta: 181 m2; norte:; Sul:; Nascente:; Poente:..;
5) Pelas aps…., que deu origem ao av. 3, a descrição do prédio mencionado em 1) passou a referir as seguintes áreas e confrontação: área coberta: 619,50 m2; área descoberta: 876,50 m2; norte:…;
6) Para instruir as aps. mencionadas em 5) a requerente “M., L.da”, “O”, J e M fizeram as seguintes declarações complementares: “declara que o prédio descrito sob o número tem uma área total de mil quatrocentos e noventa e seis metros quadrados, sendo seiscentos e dezanove metros e meio de área coberta e oitocentos e setenta e seis metros quadrados e meio de área descoberta. A M., L.da não era proprietária do prédio à data do último averbamento de área, mas supõe ter havido erro de medição por não se ter recorrido a meios técnicos modernos, pois o prédio encontra-se delimitado por dois lados por ruas, ou seja, a norte a; a sul, e, também não tem sofrido alterações na sua delimitação nas outras duas confrontações, a nascente; e, a poente”.
7) Em 15 de Fevereiro de 1999, o Sr. Presidente da Câmara certificou que a actual Rua designada por Rua, já se designou anteriormente Rua ;
8) Em 20 de Março de 2006 a Câmara Municipal certificou que os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nºs, assinalados na planta de localização anexa (da responsabilidade da requerente), na freguesia, são contíguos”, sendo a requerente a mandatária do recorrente.
9) A declaração Mod. 129 apresentada no Serviço de Finanças em 20/08/1999, por “O”, que deu origem ao apresenta como confrontações do mesmo: norte,…; sul,…; nascente,; poente, M; e indica como área coberta do prédio 618 m2 e como área descoberta 181 m2 (devido a venda de 261 m2 a M, participada em 03-01-1991), num total de 799 m2.
10) O artigo ….º da matriz predial urbana encontra-se actualmente inscrito a favor de M., L.da, apresentando uma área coberta de 619,50 m2 e uma área descoberta de 876,50 m2 e as confrontações referidas em 9).
11) O recorrente requereu a rectificação do averbamento 3 mencionado em 5), pela Ap. nº…., o que lhe foi indeferido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, a O, inscreveu a seu favor a aquisição de um prédio por si comprado que deu origem à descrição …. da freguesia de, com a seguinte descrição predial: Prédio Urbano – três compartimentos em ruínas e logradouro – área coberta 618 m2, descoberta 442 m2 – norte, caminho público, sul, nascente e poente lote n.º 1, omisso na matriz.
A O… vendeu a M uma parcela com a área de 261 m2 a desanexar do referido prédio, pelo que pela ap. relativa ao mesmo prédio foi averbada a desanexação do prédio n.º...
Em 20.08.1999, a O apresentou no Serviço de Finanças a declaração Mod. 129, que deu origem ao art.º…, apresentando como confrontações do prédio a norte,; sul,; nascente,; poente, , indicando como área coberta do prédio 618 m2 e como área descoberta 181 m2 (devido a venda de 261 m2 a M, participada em 03-01-1991), num total de 799 m2.
E pela Ap…, que deu origem ao Av. 2, a descrição do mencionado prédio passou a ser a seguinte: área coberta: 618 m2; área descoberta: 181 m2; norte:; Sul:; Nascente: ; Poente:.
Pela Ap…., o prédio passou a estar inscrito a favor de “M. , Lda”, por compra.
Pelas Aps., que deram origem ao Av. 3, a descrição do prédio passou a referir as seguintes áreas e confrontação: área coberta: 619,50 m2; área descoberta: 876,50 m2; norte:.
Para instruir as referidas apresentações, a requerente “M. L.da”, “O”, J e M fizeram as seguintes declarações complementares: “declara que o prédio descrito sob o número tem uma área total de mil quatrocentos e noventa e seis metros quadrados, sendo seiscentos e dezanove metros e meio de área coberta e oitocentos e setenta e seis metros quadrados e meio de área descoberta. A M. L.da não era proprietária do prédio à data do último averbamento de área, mas supõe ter havido erro de medição por não se ter recorrido a meios técnicos modernos, pois o prédio encontra-se delimitado por dois lados por ruas, ou seja, a norte ; a sul a, e, também não tem sofrido alterações na sua delimitação nas outras duas confrontações, a nascente; e, a poente”.
Em 15 de Fevereiro de 1999, o Sr. Presidente da Câmara certificou que a actual Rua designada por, , já se designou anteriormente Rua.
É contra o averbamento 3 (Av.3) que o recorrente se insurge, pretendendo que se declare a sua nulidade, porque nunca houve divergência entre a área constante da descrição predial e a constante da inscrição, até a M. a ter criado, pelo que estamos perante um registo lavrado com base em documentos/declarações falsas (art. 16º, al. a) do CRP).
E mesmo que houvesse erro de medição, não tendo sido junta ao requerimento apresentado na CRP uma planta do prédio e, com esta, uma declaração assinada por todos os proprietários confinantes de que não houve alterações na configuração do prédio, nem tendo havido uma prévia rectificação das escrituras de compra, a rectificação equivale a inscrever, sem qualquer título ou com título manifestamente insuficiente (caderneta predial com área declarada pelo interessado na rectificação) a aquisição de uma parte do prédio com 697 m2 de área a favor da M. (art. 16º, al. b) do CRP).
Dispõe o art. 16º do CRPredial (na redacção vigente à data dos factos) que “o registo é nulo: a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos; b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado; ...”.
O registo predial destina-se essencialmente “a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário” (art. 1º do CRP).
Pode, porém, o registo padecer de vícios que a lei classifica, conforme a respectiva causa, em vício de inexistência (art. 14º do CRP), de nulidade (art. 16º do CRP) ou de inexactidão (art. 18º do CRP).
E para tais vícios a lei estabeleceu regimes diversos, a saber: a simples negação de efeitos, para os casos de inexistência, com possibilidade de arguição a todo o tempo e por qualquer pessoa, independentemente de decisão judicial (art. 15º do CRP); a impossibilidade, como regra [1], da nulidade ser invocada antes de ter sido declarada por decisão judicial transitada em julgado (art. 17º); a rectificação, como regra, para os registos inexactos (arts. 18º, nº 2 e 120º e ss. do CRP), passando o registo a considerar-se perfeito.
Conforme escreve Isabel Mendes Pereira, in Código de Registo Predial Anotado, 5ª ed., págs. 73 e 74, “a inexistência determina que se ignore o registo, tal como se não tivesse sido efectuado. A inexactidão pode ser rectificada por averbamento (arts. 18º, nº 2 e 120º e segs.), passando o registo a considerar-se perfeito e inatacável. A nulidade do registo não permite a rectificação deste, o qual se mantém com o vício que o inquina, e só pode ser invocada depois de ter sido declarada por decisão judicial transitada em julgado. Este regime da nulidade sofre duas excepções: uma, quando tenha havido violação do princípio do trato sucessivo (art. 120º, nº 2) e outra quando o registo tiver sido indevidamente lavrado (alínea b) do art. 16º e arts. 120º, nº 1 e 123º). No primeiro caso, pode ser sanada pela feitura do registo em falta, se não tiver sido registada a acção de declaração de nulidade; no segundo, se houver consentimento de todos os interessados ou decisão judicial, em processo de rectificação, o registo pode ser cancelado”.
Só pode, pois, haver lugar a rectificação do registo em caso de inexactidão, ou no caso de ocorrer a nulidade prevista na alínea b) do art. 16º do CRP.
Estando em causa (no que ora interessa) a nulidade do registo prevista na al. a) do art. 16º, a mesma só poderá ser invocada depois de ser intentada acção judicial com vista a vê-la declarada (art. 17º, nº 1), não podendo o registo ser objecto de rectificação, com tal fundamento.
Os presentes autos respeitam a processo de rectificação instaurado pelo recorrente na CRP, nos termos do art. 120º e ss. do CRP, como o mesmo expressamente refere, e visa obter a rectificação do averbamento 3 feito à descrição, com o cancelamento do respectivo averbamento.
Ora, tal rectificação e cancelamento só poderão, pois, ser feitos com base na verificação da nulidade prevista na al. b) do art. 16º do CRP.
De facto, dispõe o art. 121º, nº 2 do CRP que “os registo indevidamente lavrados que enfermem de nulidade nos termos da alínea b) do artigo 16º podem ser cancelados com o consentimento dos interessados ou em execução de decisão tomada neste processo” [2].
O registo eventualmente nulo por verificação do disposto na al. a) do art. 16º do CRPredial não é susceptível de rectificação, tendo a acção de improceder, necessariamente, nessa parte, por tal nulidade não ser fundamento do peticionado pelo recorrente.
Vejamos, então, se o pedido de rectificação / cancelamento deveria proceder, por se estar perante registo indevidamente lavrado por enfermar da nulidade prevista na alínea b) do art. 16º.
As descrições têm por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios – art. 79º, nº 1 do CRP.
E embora sejam feitas na dependência de uma inscrição (de propriedade, como no caso foi) ou na dependência de um averbamento (art. 80º, nº 1 do CRP), na verdade são o suporte das inscrições, como resulta do nº 3 do art. 79º.
Portanto, objecto da descrição é o prédio – um prédio (nº 2 do art. 79º) -, devendo constar da mesma os elementos referidos no art. 82º do CRP (em vista, precisamente, a identificar física, económica e fiscalmente o prédio), como sejam a natureza, denominação, situação, composição, área e situação matricial, dando a lei particular relevância à harmonização entre a identidade registral e fiscal dos prédios, como resulta dos arts. 28º a 33º do CRP.
De facto, dispõe o art. 28º do CRP, sob a epígrafe “harmonização com a matriz”, que “... 2 - na descrição dos prédios urbanos e dos prédios rústicos ainda não submetidos ao cadastro geométrico [3], a exigência de harmonização é limitada aos números dos artigos matricias e suas alterações e à área dos prédios”.
Por seu turno, estatui o art. 30º do mesmo diploma legal que “ 1 – Nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo, a identificação dos prédios não pode ser feita em contradição com a inscrição na matriz, nos termos do art. 28º, nem com a respectiva descrição, salvo se, quanto a esta, os interessados esclarecerem que a divergência resulta de alteração superveniente ou que, tratando-se de matriz não cadastral, provém de simples erro de medição. 2- No caso do erro previsto na última parte do número anterior, devem os interessados juntar a planta do prédio e declaração assinada por todos os proprietários confinantes de que não houve alterações na configuração do prédio. ...”.
Este último artigo estipula que nos títulos (v.g. escrituras) respeitantes a actos sujeitos a registo, a identificação dos prédios não pode ser feita em contradição com a inscrição na matriz (art. 28º) nem com a respectiva descrição, excepto, quanto a esta, se a contradição resultar de alteração superveniente ou erro de medição, situação em que devem constar dos títulos os elementos actuais, devendo os interessados esclarecer (nos títulos) as razões da divergência.
Esta norma está dirigida a quem tem a responsabilidade de lavrar os títulos, como decorre do próprio texto do artigo “nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo, a identificação dos prédios não pode ser feita em contradição ...” e visa a harmonização entre os títulos e a inscrição matricial o a descrição predial.
Mas a doutrina deste normativo aplica-se à feitura do registo, como complemento da titulação [4].
Sobre esta matéria, escreve Mouteira Guerreiro in Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), 2º Ed., págs. 190 e 191 que “as contradições entre as várias áreas constantes da descrição, da matriz e dos títulos, violando o disposto no art. 28º do C.R.P. (e 74º do C.N.) só podiam encontrar solução, antes do Dec.-Lei nº 60/90, no processo de rectificação. A reforma operada por este diploma introduziu, porém, uma nova possibilidade, ora prevista no art. 30º do C.R.P. É que a divergência pode apenas resultar de um erro de medição na matriz não cadastral – cuja imprecisão já se fez notar. A hipótese de rápida solução que o legislador encontrou – mantendo aberta, é claro, a via da rectificação do registo – foi a indicada no nº 2 do art. 30º: pode ser junta uma planta do prédio assinada pelos proprietários confinantes. ...”.
A divergência de áreas que decorra de erro de medição pode ser rectificada pela forma desburocratizada prevista no art. 30º, nº 2 do CRP, devendo, neste caso, o interessado esclarecer a razão da divergência (se devida a erro de medição) e juntar planta do prédio e declaração assinada pelos proprietários confinantes.
“A exigência da assinatura dos confinantes é motivada pela necessidade de haver aceitação “por parte daqueles a quem a rectificação possa prejudicar”, designadamente porque o interessado poderia pretender expandir os limites do seu prédio sobre os dos vizinhos (sendo esta a razão básica da planta). Só quando as confrontações são com acidentes (estradas, rios ou semelhantes) é que, obviamente, não há lugar a assinaturas” – Mouteira Guerreiro in ob. citada, págs. 191 e 192.
No caso, a M. pediu a rectificação da área, instruindo tal pedido com declarações suplementares, prestadas no verso do requerimento, feitas pela requerente “M., L.da”, “O”, J e M nos seguintes termos: “declara que o prédio descrito sob o número tem uma área total de mil quatrocentos e noventa e seis metros quadrados, sendo seiscentos e dezanove metros e meio de área coberta e oitocentos e setenta e seis metros quadrados e meio de área descoberta. A M., L.da não era proprietária do prédio à data do último averbamento de área, mas supõe ter havido erro de medição por não se ter recorrido a meios técnicos modernos, pois o prédio encontra-se delimitado por dois lados por ruas, ou seja, a norte a; a sul a, e, também não tem sofrido alterações na sua delimitação nas outras duas confrontações, a nascente; e, a poente”.
É certo que não foi junta qualquer planta do prédio, muito menos assinada pelos proprietários confinantes, mas foram juntas declarações complementares daqueles (art. 46º, nº 1, al. b) do CRP) corroborando a área do prédio e a inexistência de alterações na sua delimitação com as suas confrontações.
Bem como foi junta caderneta predial conferida em 2003 [5].
A planta e as declarações destinam-se, apenas, a corroborar os factos alegados.
Como referiu a Sra. Conservadora, no caso, o “título” que serviu de base ao requerido averbamento foi a declaração prestada pelo proprietário [6], corroborada pelas declarações complementares dos confinantes e pela caderneta junta.
E, nesta sequência, também não fazia qualquer sentido, a conservatória ter exigido, em primeiro lugar, a rectificação das escrituras de compra e venda do prédio (à O e à M.).
Não se pode, pois, concluir, como pretende o recorrente, que se verifica a insuficiência do título, improcedendo a arguida nulidade do registo com este fundamento.
Nada há, pois, a censurar à sentença recorrida, que deverá ser mantida, improcedente o recurso, na sua totalidade.
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
*
Lisboa, 8 de Junho de 2010
Cristina Coelho
Roque Nogueira
Abrantes Geraldes
---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Com as excepções previstas no art. 121º, nºs 2 e 4 do CRP. [2] O de rectificação regulado nos arts. 120º e ss. [3] Caso dos autos. [4] Cfr. parecer do CT da DGRN no Proc. 26/93. [5] Cfr. fls. 105. [6] Art. 38º do CRP.