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FORMA DE PROCESSO
ACÇÃO COM PROCESSO COMUM
PROCESSO DE INVENTÁRIO
Sumário
I - Não enferma de erro na forma de processo a acção comum proposta por quem se arroga titular de um direito de crédito sobre herança aberta e indivisa, reclamando nela o pagamento desse crédito, se à data da sua propositura não existia pendente inventário instaurado para partilha dos bens deixados pelo autor dessa herança. II - A posterior instauração de processo de inventário não interfere na adequação formal daquela acção, não acarretando, quanto a ela, erro na forma de processo.
Texto Integral
Processo nº 598/16.1T8PFR.P1
Comarca do Porto Este
Paços de Ferreira – Inst. Local – Secção Cível – J1
Relatora: Judite Pires
1ºAdjunto: Des. Aristides de Almeida
2ª Adjunta: Des. Inês Moura
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
1. B… propôs acção declarativa sob a forma de processo comum contra a HERANÇA INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE C…, representada pelos herdeiros D…, E… e F…, peticionando a condenação da referida Ré na quantia de €41.400,00 (quarenta e um mil e quatrocentos euros).
Alegou a Autora, para tanto, que o seu pai faleceu em 6 de Maio de 2016, no estado de viúvo, tendo deixado como sucessores os seus filhos, a aqui Autora e D…, E… e F….
Referiu que o pai, após ter ficado viúvo, apenas beneficiou da assistência da Autora, enquanto os restantes filhos o desprezaram, e que em Agosto de 2010 o falecido e a Autora celebraram um contrato verbal, nos termos do qual a Autora se obrigou a prestar ao pai todos os cuidados de higiene, alimentação e saúde, bem como a dar-lhe alojamento em sua casa, mediante a contrapartida mensal de €600,00
Invocou também que foi acordado que a contrapartida mensal seria paga após o falecimento de C…, seu pai, pela sua herança.
Alegou, finalmente, que a partir de Agosto de 2010 o pai passou a residir em casa da Autora até ao seu falecimento, pelo que tem esta a receber da herança o montante global de €41.400,00, correspondente à quantia mensal de €600,00 multiplicada por 69 meses, período durante o qual a Autora prestou ao pai a assistência acordada.
A Ré, através dos seus representantes, contestaram, nos termos que resultam de fls. 36 e seguintes, invocando a inexistência de qualquer acordo verbal entre o falecido e a Autora, impugnando parte da factualidade constante da petição inicial, e concluíram pela improcedência da acção.
A Autora apresentou ainda requerimento, ao abrigo do princípio do contraditório, pronunciando-se designadamente sobre os documentos juntos com a contestação (cfr. fls. 68).
Foi designada data para a realização de audiência prévia, com as finalidades previstas nas alíneas a) a g) do artigo 591.º do CPC.
Em sede de audiência prévia a Autora informou que se encontrava em curso um processo de inventário por morte do pai, no Cartório Notarial da Dr.ª G….
Ordenou-se a notificação do mandatário da Ré para juntar cópia/certidão do requerimento inicial do processo de inventário, o que mesmo fez (cfr. fls. 128 e ss.).
Notificados para se pronunciarem quanto à necessidade/possibilidade de conhecimento do suscitado nestes autos, a Autora pugnou pela rectidão do meio processual utilizado e a Ré defendeu que há erro na forma de processo.
Seguidamente, foi proferida decisão que declarou “verificada a excepção dilatória de nulidade do processado” e absolveu “a Ré da instância (arts. 193.º, 196.º, 278.º, n.º 1, al. b), 576º ́, números 1 e 2, 577.º, al. b), todos do CPC)”.
2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Autora recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: 1ª - A recorrente, instaurou a p. ação, em 13 de Setembro de 2016, que identificou como “ação declarativa sob a forma de processo comum”, contra a Herança Indivisa Aberta por óbito de C…, representada pelos herdeiros, e, peticionou a condenação da referida ré a pagar-lhe a quantia de €41.400,00 (quarenta e um mil e quatrocentos euros), proveniente de um contrato de prestação de serviços que celebrou com o seu pai, já falecido. 2ª - Posteriormente, o Tribunal teve conhecimento de que em 10 de Outubro de 2016, foi instaurado por F…, Inventário por morte do seu pai, que também é o pai da autora, ora recorrente, 3ª - Nesses autos de Inventário, a cabeça-de-casal indicada, ainda nem sequer prestou compromisso de honra do bom desempenho dessa função de cabeça de casal, - cfr. Doc. nº 1, que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. 4ª - O que significa que não existe homologação da partilha; 5ª - Ora, como é comumente sabido, a intervenção dos credores no processo de inventário é facultativa, enquanto não exista homologação da partilha, como é o caso dos autos. 6ª - E é precisamente, em virtude do acabado de expor, que o art. 10º nº 3 da Lei 23/2013, de 5 de Março, dispõe que “ainda que não reclamem os seus direitos, os titulares ativos de encargos da herança não ficam inibidos de exigir o pagamento pelos meios judiciais comuns, mesmo que tenham sido citados para o processo” 7ª - E, assim sendo, não é o credor obrigado a aguardar que a partilha se processe na adequada forma para, no processo, ir reclamar o seu crédito e se a partilha não estiver efetuada, ele pode exigi-lo de todos os herdeiros, desde que a todos demande, pois se a herança não se encontra partilhada, são eles que representam a herança (artigo 2091º do Código Civil). 8ª - Inexistindo homologação do passivo, como no caso, não existe qualquer obstáculo processual a que a credora/recorrente use dos procedimentos comuns para recuperar o seu crédito. 9ª – Ate porque, o fim principal, essencial do processo de inventário é a descrição e partilha de bens (dissolve-se uma universalidade, substituindo-lhe a formação de quinhões ou quotas individuais e concretizadas) -; 10ª – Ora, a p. ação não se compreende naquele que é o fim principal, essencial do processo de inventário – a descrição e partilha de bens – já que, apenas se discute e peticiona o pagamento de uma dívida, pelo que, é inolvidável que a recorrente pode, como o fez, recorrer aos meios comuns para obter o pagamento do seu crédito. 11ª - Acresce que, segundo o art. 16º do RJPI se, na pendência do inventário, se suscitarem questões prejudiciais de que dependa a definição dos direitos dos interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas, determina-se a suspensão da instância, até que ocorra decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns, logo que os bens se mostrem relacionados. 12ª – Desta norma, resulta claro que devem distinguir-se duas situações: uma é de no decurso do processo de inventário se suscitarem questões prejudiciais à partilha, outra é a de na data da instauração do processo de inventário já se encontrar pendente causa onde se discutam questões prejudiciais à partilha, 13ª - Ora, a p. ação, que foi instaurada previamente ao Inventário, representando precisamente uma causa que é prejudicial à partilha, pelo que, devem suspender-se os termos do processo de inventário até que esta seja decidida, e isto ainda que a natureza e a complexidade das questões prejudiciais em discussão nessa ação fossem perfeitamente compatíveis com a decisão das mesmas no processo de inventário. 14ª – Este regime do conhecimento das questões incidentais que contendem com a partilha, deixa claro que embora essas questões possam ser decididas no âmbito do inventário, não é forçoso que as mesmas aí sejam decididas, podendo perfeitamente sê-lo separadamente em ações declarativas comuns, instauradas previamente ao inventário. 15ª - O que significa que é o próprio RJPI que nos diz que autora/recorrente, como titular ativo de um encargo sobre a herança, não está obrigada a invocar o seu crédito em sede de inventário, podendo fazê-lo através de uma ação declarativa comum. 16ª - E, assim sendo, não há dúvidas de que a autora/recorrente pode recorrer aos meios judiciais comuns para obter o pagamento do seu crédito, como o fez, através da interposição da p. ação. 17ª - Pelo que, a opção da autora pela instauração da p. ação - ação com processo comum - não consubstancia qualquer erro na forma de processo. 18ª - Ao decidir como decidiu a Ma Juíz “a quo” violou, designadamente, o disposto no art. 193º do CPC e, ainda, o disposto nos art.s 10º e 16º da lei 23/2013, de 5 de Março. NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito, que V.Ex.as, como sempre, mui doutamente suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso, e em consequência, revogado, em conformidade com o exposto, o despacho recorrido, ordenando-se, ainda, o prosseguimento ulterior dos p. autos até final, sempre com todas as legais consequências.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se se verifica excepção dilatória de nulidade do processado, por erro na forma de processo.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Mostram-se relevantes à apreciação do objecto do recurso, além dos narrados no relatório introdutório, os seguintes factos/incidências processuais:
- A acção declarativa foi proposta a 13.09.2016.
- No Cartório da Notária G… pende, desde 10.10.2016, sob o n.º 4947/16, inventário para partilha de bens, em que é requerente F… e inventariado C….
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Após informação prestada pela própria Autora no decurso da audiência prévia de que fora instaurado inventário por óbito de C…, determinou a Sr.ª Juiz que fosse junta certidão do requerimento inicial apresentado no âmbito do referido inventário e, após ter sido assegurado o contraditório, proferiu a decisão de fls. 152-157, na qual, afirmando, entre o mais, que “...considerando a natureza daquele, devem as todas as questões suscitadas nesta lide ser objecto de conhecimento no âmbito de um processo de inventário e sendo esse um processo especial, não pode a Autora recorrer ao processo declarativo, como fez”, conclui existir erro na forma de processo, determinante da excepção dilatória de nulidade do processado, absolvendo, com base nela, a Ré da instância.
É contra tal decisão que se rebela a Autora, através do presente recurso, sustentado que não havendo homologação da partilha, como no caso, em que nem sequer foi ainda nomeado o cabeça de casal, as questões suscitadas na acção não têm necessariamente de ser conhecidas no âmbito de um processo de inventário, instaurado, de resto, depois da propositura da acção, não havendo, por conseguinte, qualquer erro na forma de processo.
A Autora veio demandar a Herança Indivisa Aberta por Óbito de C…, representada pelos seus herdeiros, filhos do falecido C…, afirmando ter sobre ela um crédito no montante de €41.400,00, correspondente ao valor dos serviços prestados a este, enquanto vivo, durante 69 meses, mediante a prestação mensal, entre eles acordada, de €600,00.
Tal acção, recorde-se, foi proposta a 13.09.2016, tendo posteriormente, a 10.10.2016, sido instaurado inventário para partilha dos bens do falecido C…, a requerimento de um dos seus herdeiros, F…, o qual corre os seus termos no Cartório da Notária G…, sob o n.º 4947/16.
Tendo sido a Autora nomeada cabeça de casal no referido inventário, foi nele designado o dia 30 de Março de 2017 para prestar compromisso de honra e declarações.
O n.º 1 do artigo 546.º do Código de Processo Civil distingue duas formas para o processo: o comum e o especial.
De acordo com o n.º 2 do mesmo normativo, “o processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial”.
Sob a epígrafe “adequação formal”, estabelece o artigo 547.º do mesmo diploma legal que “o juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”.
Já Alberto dos Reis[1], esclarecia: “Quando a lei define o campo de aplicação do processo especial respectivo pela simples indicação do fim a que o processo se destina, a solução do problema da determinação dos casos a que o processo é aplicável, está à vista: o processo aplicar-se-á correctamente quando se use dele para o fim designado pela lei. E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial. Vê-se, por um lado, para que fim criou a lei o processo especial; verifica-se, por outro, para que fim o utilizou o autor. Há coincidência entre os dois fins? O processo especial está bem empregado. Há discordância entre os dois fins? Houve erro na aplicação do processo especial.”
Quem demanda não pode escolher livremente a forma de processo através do qual faz valer judicialmente a sua pretensão. Terá, ao invés, de escolher a forma de processo que se adeqúe, de acordo com os critérios legais pré-definidos, à pretensão que deduz, em função do pedido que formula e da causa de pedir que o suporta.
A Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, que aprovou o regime jurídico do inventário, dispõe no seu artigo 2.º, sob a epígrafe, “Função do inventário”:
1 — O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de se realizar a partilha, a relacionar os bens que constituem objeto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança.
2 — Ao inventário destinado à realização dos fins previstos na segunda parte do número anterior são aplicáveis as disposições da presente lei, com as necessárias adaptações.
3 — Pode ainda o inventário destinar-se, nos termos previstos nos artigos 79.º a 81.º, à partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges.
Como resulta do citado normativo, o processo de inventário tem por objectivo fundamental por fim à comunhão hereditária, ou, não carecendo de ser realizada a partilha, à relacionação dos bens que integram o património sucessório e a servir de base à eventual liquidação da herança.
O processo [especial] de inventário constitui o meio processual adequado à concretização da descrição e partilha dos bens deixados por pessoa falecida ou de uma comunhão conjugal dissolvida. Lopes Cardoso[2], definia o processo de inventário como um “processo «misto», «complexo»”, acrescentando: “é, fundamentalmente, esta dupla finalidade que define o inventário «quo tali»; por um lado faz a descrição pormenorizada dos bens que ficaram por falecimento de alguma pessoa e por outro atribuem-se esses bens aos beneficiados em testamento e aos herdeiros legítimos”.
Para atingir essa sua função, por vezes eclodem no processo de inventário determinadas questões, algumas de natureza prejudicial, designadamente, a legitimidade dos interessados, a necessidade de excluir ou aditar bens ao acervo patrimonial objecto de descrição e de partilha, que podem/devem ser equacionadas no âmbito do próprio processo de inventário, só podendo ser este suspenso ou as partes remetidas para os meios comuns nos estritos condicionalismos definidos no artigo 16.º da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, determinando o n.º 2 do artigo 17.º da mesma Lei que “só é admissível a resolução provisória, ou a remessa dos interessados para os meios judiciais comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar a redução das garantias das partes”.
Quanto à temporalidade e âmbito, em distintos momentos e contextos podem surgir as questões prejudiciais à partilha: no decurso do processo de inventário, devendo as questões incidentais, por regra, ser resolvidas no âmbito do mesmo, só podendo ser remetidas para os meios comuns quando a sua complexidade ou natureza desaconselhem o seu conhecimento no referido processo especial; ou quando exista já pendente, à data da instauração do processo de inventário, acção comum em que se discuta questão prejudicial à partilha prosseguida pelo processo de inventário, hipótese em que se justifica a suspensão deste até decisão da questão prejudicial colocada na acção comum, ainda que a natureza e complexidade e tal questão fosse compatível com o seu conhecimento no processo de inventário[3].
A Autora, apesar de no inventário entretanto instaurado por impulso do seu irmão F… para pôr termo à comunhão hereditária relativamente à herança aberta por óbito de C…, ter sido nomeada para o cargo de cabeça de casal, na acção declarativa por si proposta, antes de iniciado o processo de inventário, contra a Herança Indivisa, arrogando-se titular de um direito de crédito sobre a mesma, reclama o seu pagamento.
Como destaca o acórdão da Relação de Guimarães, de 17.12.2014[4], “o A. não está obrigado a invocar este seu crédito na partilha. A intervenção dos credores no processo de inventário é, aliás, facultativa. São admitidos a reclamar os seus créditos ainda que o cabeça-de-casal os não tenha relacionado, mas se não o fizerem, e mesmo que tenham sido citados, não ficam inibidos de exigir o pagamento pelos meios comuns (art.º 10º, nºs 2 e 3, da Lei nº 23/2013, de 5 de março; anterior art.º 1331, nº 2, do Código de Processo Civil). O processo de inventário tende para a divisão de bens, é um processo divisório, tem por objetivo a partilha de uma massa de bens pelos respetivos titulares; relacionam-se bens com vista à preparação da partilha [...], dissolve uma universalidade, substituindo-lhe a formação de quinhões ou quotas individuais e concretizadas”.
Os credores – e essa veste assume a Autora na acção comum que propôs contra a Herança Ré, ao invocar a seu favor a existência de um crédito cujo pagamento reclama – não estão confinados ao processo de inventário, que pode nem sequer existir ou ser tardiamente instaurado, para exercerem os seus direitos contra a herança, enquanto património autónomo, pois como se diz no acórdão da Relação do Porto de 31.01.2012[5], “o inventário não é um processo organizado em benefício dos credores, mas dos herdeiros, com vista à repartição da herança”.
Como também salienta o acórdão da Relação de Coimbra de 17.01.2012[6], “o credor não pode ser obrigado a aguardar que as partilhas se processem – o que pode até nunca acontecer – para reclamar o seu crédito.
Se não houver inventário, se não estiver pendente inventário e se as dívidas não forem pagas voluntariamente pelos herdeiros ou pelo cabeça-de-casal, o credor pode exigir judicialmente o seu crédito dos herdeiros; de todos os herdeiros – já que são eles, todos eles, os representantes da herança (2091.º do CC) – qualidade em que são demandados pelos encargos/dívidas da herança (sendo assim partes legítimas em acção destinada à respectiva cobrança)”.
Quando ainda não existia inventário, a Autora demandou a Herança Indivisa Aberta por Óbito de C… reclamando dela o pagamento da quantia a que se arroga com direito sobre a referida Herança. O processo foi o próprio face à pretensão formulada e à causa de pedir que lhe está subjacente.
A ulterior instauração do processo de inventário não afecta a adequação formal da referida acção, não desencadeando qualquer erro na forma de processo como, indevidamente, se afirma na decisão aqui escrutinada.
A prejudicialidade que a questão discutida na acção comum eventualmente represente para o processo de inventário poderá, no momento oportuno, justificar a suspensão dos termos processuais deste até decisão daquela questão, mas jamais poderá ditar o proclamado erro na forma de processo, e, com base nele, a absolvição da Ré da instância.
Procede, consequentemente, o recurso, com revogação da decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento da acção, se outras razões a tal não obstarem.
* Síntese conclusiva:
- Não enferma de erro na forma de processo a acção comum proposta por quem se arroga titular de um direito de crédito sobre herança aberta e indivisa, reclamando nela o pagamento desse crédito, se à data da sua propositura não existia pendente inventário instaurado para partilha dos bens deixados pelo autor dessa herança. - A posterior instauração de processo de inventário não interfere na adequação formal daquela acção, não acarretando, quanto a ela, erro na forma de processo.
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Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar a decisão recorrida, devendo, em consequência, o tribunal recorrido determinar o prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais da acção proposta pela Autora, aqui recorrente, se outras razões não obstarem a esse prosseguimento.
Custas – pela apelada.
Porto, 14 de Junho de 2017
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Inês Moura
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[1] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 288.
[2] “Partilhas Judiciais,” Almedina, 4.ª edição, vol. I, pág. 41 e 45.
[3] Neste sentido, cfr. acórdão da Relação do Porto de 13.06.2013, processo n.º 159/12.4TBALJ.P1, www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 3698/11.0TBBCL.G1, www.dgsi.pt.
[5] Processo n.º 3678/05.5TJVNF-C.P1, www.dgsi.pt.
[6] Processo n.º 181/08.5TBOFR.C1, www.dgsi.pt.