Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
COMPROPRIEDADE
DIVISIBILIDADE
INDIVISIBILIDADE
USUCAPIÃO
Sumário
I – Na compropriedade cada um dos direitos em concurso incide sobre a coisa comum, embora não se refira a parte específica da mesma, pelo que sendo os requeridos (bem como os requerentes) comproprietários aqueles não detinham qualquer direito sobre uma parte concreta e determinada da área do imóvel a que se reportam os autos. II - A construção de um muro delimitativo, por si, não determinava a cessação da situação de compropriedade, fazendo extinguir o concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes e tendo por objecto a mesma coisa, por divisão (de facto) da coisa comum; a divisão de facto apenas conduziria a uma “divisão de direito” com a cessação da situação de compropriedade, sendo juridicamente relevante, pelo decurso do prazo da usucapião - desde que tivesse havido posse efectiva e essa posse se revestisse dos requisitos exigidos. III - O uso exclusivo pelos requeridos de parte determinada do imóvel não constituiria posse exclusiva dos mesmos sobre a referida parte, o que somente sucederia se tivesse ocorrido inversão do título, sendo que sem estar demonstrada a inversão, não começava a correr o prazo da usucapião. IV - Existem casos de indivisibilidade determinada por lei, aí se encontrando os previstos no 1376 do CC, em que se fixa uma dimensão mínima da propriedade rústica para além da qual o fraccionamento daquela propriedade é legalmente vedado. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
* I –B... e Maria intentaram a presente acção especial de divisão de coisa comum contra C... e D....
Alegaram os AA., em resumo:
Por partilha deferida em inventário por óbito de Z..., de que os presentes autos são apenso, os AA. adquiriram 1/3 do prédio rústico denominado “Ladeira do Beco Pequeno ou Becos Pequeno e Grande”, prédio esse que identificam.
Posteriormente, por compra, adquiriram sucessivamente 1/3 e 1/6 do mesmo prédio, sendo actualmente comproprietários de 5/6 deste prédio, pertencendo o restante 1/6, em regime de compropriedade, aos RR..
O prédio não é divisível em substância, por a divisão ser legalmente proibida.
Os AA. não pretendem continuar a permanecer em compropriedade com os RR. e não foi possível pôr termo à mesma pela via extrajudicial.
Pediram os AA. que se ponha termo à compropriedade, procedendo-se à adjudicação ou venda do imóvel.
Citada, a R. C... informou que o R. D... havia falecido e contestou. Em sede de contestação alegou a R., designadamente:
A R. adquiriu, juntamente com o falecido marido, 1/6 do prédio em referência em 1979, tendo desde então entrado na posse e fruição de parte determinada deste prédio correspondente ao referido 1/6; em 1980 muraram essa parcela de terreno, vindo a construção a ser licenciada por alvará emitido em 1987. Ao entrar na posse da referida parcela e ao murá-la a R. e o seu falecido marido fizeram-no em nome próprio, tendo desde essa data mantido essa posse pública e pacífica, e havendo adquirido desse modo o direito de propriedade sobre a mesma por usucapião.
Ainda que assim se não entendesse, não seria de aplicar o disposto no artigo 1376º do Código Civil, na medida em que o prédio não deverá ser classificado como rústico, mas sim como urbano.
Concluiu pela improcedência do pedido formulado pelos AA..
Foi deduzido incidente de habilitação dos herdeiros do falecido D... e proferida decisão que julgou habilitados para os termos da causa a primitiva R. e J..., E... e F....
Também o A. faleceu no decurso da acção, tendo sido deduzido incidente de habilitação dos seus herdeiros e proferida decisão que julgou habilitados para os ulteriores termos da causa a primitiva A. e G... e I....
O processo prosseguiu vindo a ser proferida sentença que julgou «improcedente a excepção peremptória invocada e procedente a acção concluindo serem a A. e os habilitados no lugar do primitivo A. juntamente com a R. e os habilitados no lugar do primitivo R. comproprietários do prédio rústico objecto dos autos e ainda pela indivisibilidade material do mesmo prédio».
Desta decisão apelaram os RR., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
A. O Tribunal a quo não fundamentou a seguinte resposta negativa: "Não se provou que os primitivos requeridos tenham adquirido em 1979 1/6 do prédio supra identificado" o que determina a nulidade da sentença nos termos do artigo 668.º, n.° 1,b), do Código de Processo Civil.
B. Ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo deveria ter-se julgado provado que "os primitivos requeridos tenham adquirido em 1979 1/6 do prédio supra identificado".
C. Resulta do processo, dos quais presentes autos constituem um apenso, que o mapa da partilha foi aceite por todos os herdeiros do falecido Z...e no dia 17 de Fevereiro de 1984 e que veio a ser homologado por sentença 18 Maio 1984.
D. Realizada a partilha, confirma-se a transmissão da propriedade de certos bens específicos para os herdeiros conforme o mapa em causa, embora essa transmissão produza efeitos retroactivos, a contar da data da morte do autor da sucessão, que, no caso sub judice, corresponde ao ano de 1979, o que também resulta dos autos.
E. Deve revogar-se a resposta dada pelo Tribunal a quo ao facto em questão e, consequentemente, julgar-se provado o seguinte:
"Os primitivos requeridos adquiriram em 1979 1/6 do prédio supra identificado”.
F. O Tribunal a quo deveria ter julgado provado os seguintes factos: " Os Requeridos possuem e fruem parte determinada do referido prédio correspondente a 1/6 do mesmo"; e "Os Requeridos entraram em nome próprio na posse de parcela determinada do prédio rústico em causa nos autos e usam e têm o usufruto exclusivo da parcela que moraram.
G. Tal resulta da análise dos seguintes elementos juntos aos autos:
a. Certidão emitida no dia 30 Maio de 1973 pelo Cartório Notarial do qual consta uma escritura de doação em que são partes o Senhor Z..., autor da sucessão e pai da Recorrente I... e esta, a qual foi junta como o requerimento de 8 de Abril 2009;
b. Certidão do prédio descrito sob o nº ..., a fls. ..., do livro ... da ... secção da Conservatória de Registo Predial, datada de Junho de 1976, a qual foi junta com o requerimento de 8 de Abril de 2009;
c. Relatório Pericial de Maio de 2008, a fls. 314;
d. Auto de Inspecção Judicial datado de 17 Junho de 2009;
e. Certidão emitida pelo Cartório Notarial, dia 15 de Setembro de 1976, relativamente a uma escritura de constituição de duas servidões celebradas no mesmo dia, constituídas pelo Senhor Z... a favor dos Recorrentes; e
f. Relatório Pericial, de Outubro de 2008.
H. Tendo em conta algumas passagens dos documentos, pode irremediavelmente concluir-se o seguinte :
a. Em 1973, o Pai da Recorrente I..., Senhor Z... doou à Recorrente Irene Duarte um prédio urbano contíguo ao prédio dos autos;
b. Em 1976, o Senhor Z... e a Recorrente I... constituíram duas servidões com o objectivo de a Recorrente I... poder aproveitar águas de um poço do prédio rústico em crise, sendo que o prédio dominante reconduz-se ao prédio propriedade daquela;
c. Em data não concretamente apurada, mas antes de 30 de Maio de 1987, os Recorrentes construíram um muro que delimita 1/6 do prédio rústico em crise cujo terreno é contíguo do prédio urbano de que são proprietários e onde vivem.
d. O terreno que constitui 1/6 do prédio em crise é igualmente logradouro do prédio propriedade dos Recorrentes e onde estes têm uma habitação.
I. Em face destas conclusões, que se reconduzem a factos instrumentais da reapreciação que se pretende, apenas se poderá, por sua vez, concluir que os Recorrentes:
a. possuem e fruem da parte determinada do referido prédio correspondente a 1/6 do mesmo;
b. entraram em nome próprio na posse de parcela determinada do prédio rústico em causa nos autos; e
c usam e têm o usufruto exclusivo da parcela que muraram.
J. Atendendo às regras da experiência, devemos entender efectivamente que os Recorrentes assumem a parte correspondente a 1/6 do prédio rústico em crise como sua, com o intuito de a usufruírem na sua plenitude.
K. A construção um muro por parte dos Recorrentes, delimitando igualmente o logradouro que serve a sua habitação situada num prédio contíguo constitui um comportamento inequívoco de que usam e têm o usufruto exclusivo da parcela em causa, correspondente ao logradouro. A construção de um muro que delimita especificamente uma área constitui um sinal inequívoco por parte quem o erguer de que se pretende marcar território!
L. Em face destes elementos, o Tribunal ad quem deve julgar como provados os seguintes factos:
"Os Requeridos possuem e fruem parte determinada referido prédio correspondente a 1/6 do mesmo"; e
"Os Requeridos entraram em nome próprio na posse de parcela determinada do prédio rústico em causa nos autos e usam e têm o usufruto exclusivo da parcela que muraram.
M. O Tribunal a quo julgou incorrectamente que se "Não se provou que os requeridos suportem quaisquer encargos inerentes à parcela de terreno que muraram".
N. Resulta do comprovativo da licença de construção do muro concedida pela Câmara Municipal, correspondente ao Alvará de Licença n.° ..., junto com o requerimento de 8 de Abril de 2009 que foram os Recorrentes que suportaram o pagamento da referida licença, designadamente a Recorrente I....
O. Assim, deve o Tribunal julgar provado o seguinte facto:
"Os requeridos suportam encargos inerentes à parcela de terreno que muraram".
P. Da reapreciação da aplicação do Direito com base nos factos dados como provados pelo tribunal a quo, outra terá ser inevitavelmente a decisão do Tribunal. Não obstante, ainda que não se atenda à reapreciação de facto requerida no capítulo anterior, sempre deveria a solução jurídica ser outra.
Q. O argumento primacial apresentado pelo Tribunal a quo para ter considerado não estarem preenchidos os pressupostos para a admissão da usucapião reconduziu-se ao facto de os Recorrentes não terem demonstrado que "tivessem invertido o título de posse, passando de meros detentores a possuidores em nome próprio".
R. A premissa utilizada pela Tribunal a quo para a solução desta questão está incorrecta, por uma razão muito simples: os Recorrentes apenas invocaram a usucapião da parte correspondente a 1/6 que efectivamente ocupavam e na qual ergueram um muro para a delimitar e não a usucapião de todo o prédio rústico, do qual eram comproprietários.
S. A inversão do título de posse apenas é necessária quando se pretende possuir para além da quota que corresponde ao comproprietário.
T. Para que se verifique a usucapião de uma parcela de um terreno da propriedade de vários condóminos correspondente à quota de um comproprietário, basta que este exerça a posse, nos termos do artigo 1251.° do Código Civil, nessa parcela.
U. Por outro lado, a inversão do título da posse não tem que ser objecto de análise, porquanto já não existe compropriedade. Tal sucede na medida em que a divisão material da coisa põe necessariamente termo à propriedade.
V. Assim, após a construção do muro que dividiu o prédio rústico em crise em duas metades, uma de 5/6 e outra de 1/6, atestada pelo facto 6, terminou a compropriedade em relação ao referido prédio.
W. Pelo menos, desde a data que consta do Alvará de construção do muro, que os Recorrentes passaram a ocupar, gozar, utilizar, fruir na forma que queriam e bem lhes apetecia (sem dar contas a ninguém) da parcela de terreno correspondente a 1/6 do prédio rústico em crise. Por outro lado, a construção do muro a delimitar essa área de 1/6 constitui um acto inequívoco de que queriam exercer de forma exclusiva a posse dessa parcela, com prejuízo dos aqui Recorridos.
X. Aceitando a divisão da propriedade, 5/6 e 1/6, encontrando-se fisicamente delimitadas pelo muro, todos os comproprietários, voluntariamente abdicaram, da posse de parte daquela parcela terreno. Assim, o que sucede com a divisão da coisa comum – ainda que não seja respeitada a forma exigida por lei – é que, por acordo, fica extinta a compropriedade e a composse, se esta tiver chegado a existir, por abandono recíproco, relativamente aos bens atribuídos aos outros comproprietários e adquirida nova posse por apossamento relativa a este bem.
Y. Segundo os factos 6, 7 e 10 a 13, os Recorrentes usaram de forma exclusiva e excludente da compropriedade, e consequentemente, logo corpus e animus correspondentes ao proprietário exclusivo.
Z. Esta posse exclusiva e em nome próprio, pacífica e pública, titulada por partilha, é inequivocamente de boa fé, pois desde o inicio que os Recorrentes ignoravam que estivessem a lesar direitos de outrem, porquanto estavam necessariamente convictos de que exerciam um direito próprio, na sequência não só dos anos já passados naquela parcela de terreno que, por vontade do primitivo proprietário do mesmo, estava na disposição de sua filha que ali construíra uma casa em terreno anexo àquele, servindo esta parcela de logradouro. Os Recorrentes apenas ocuparam uma parte correspondente ao 1/6 que sabiam ser titulares. Para o efeito, recorde-se o mapa de partilha datado de 1984.
AA. A posse acima descrita que conduziu à aquisição daquela parcela de terreno, por usucapião, na sequência do decurso do prazo 25 anos, (artigo 1296.0 do Código Civil), contando-se o mesmo desde a partilha do terreno, com efeitos desde 1979, até à data de citação dos Recorrentes da presente acção, ou 17 anos, desde a data de construção do muro, que marca indelevelmente a vontade de os Recorrentes assumiram a utilização exclusiva da parcela corresponde ao 1/6 contígua a um outro prédio da propriedade dos Recorrentes, até à citação referida.
BB. Os Recorrentes têm exercido efectivamente sobre a parte do terreno que têm como sua, em função da divisão que fizeram, uma posse plena, como resulta da factualidade que se apurou, pelo que não são de relevar quaisquer situações incompatíveis com a propriedade plena que adquiriu, que nem sequer se apuraram. Nem parece que possa ser outra a conclusão da factualidade provada, ou da prova para tal produzida, como o relatório pericial a fis 309 a 319 dos autos, e a acta do auto de inspecção judicial, cuja acta consta de fls... dos autos, ambos concludentes da situação de posse em nome próprio, pública e pacifica (cfr. artigos 1293.° al, a), 1297.° e 1300, n.°1 do Código Civil).
CC. Não obstante, a divisão da parcela de terreno, no nosso caso com um muro, é suficiente para inversão do título.
DD. Os Recorrentes adquiriram efectivamente por usucapião a parcela correspondente a 1/6 do prédio rústico em crise e, consequentemente, deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
EE. O prédio dos autos é divisível nos termos do artigo 209.° do Código Civil, o que é atestado pelo Relatório Pericial de Maio de 2008.
FF. Podem existir casos de indivisibilidade legal, como seja o fraccionamento previsto no artigo 1376 do Código Civil.
GG. O terreno em análise está apto para cultura, porquanto, segundo o relatório pericial de Maio de 2008, está classificado como área florestal e silvo-pastoril, em que, de acordo, com o artigo 79.º, n.° 1 do Regulamento do PDM de Loures, o uso dominante é o florestal ou silvo-pastoril; embora acolha outras utilizações, conforme decorre do n.° 6 do artigo 79.°, 1 do Regulamento do PDM de Loures, ao contrário das áreas agrícolas que não admitem construções (vd. artigo 80.° do mesmo diploma). O terreno situa-se em aglomerado urbano, apto a construção, o que também se demonstra e a licença de construção n.º ... (junta aos autos a fls...) relativa ao processo n.º ..., licenciando a construção de um imóvel no prédio em causa nos autos (factos provados).
HH. O terreno dos autos é igualmente apto a receber construções, uma vez que, conforme se viu, o terreno está igualmente inserido num aglomerado urbano, pelo que o seu destino não tem que se reconduzir necessariamente à agricultura.
II. A proibição do fraccionamento não é aplicável se o terreno constituir uma componente de um prédio urbano, sendo que se considera um logradouro é uma componente de um prédio urbano,
JJ. Consta do relatório pericial de Maio de 2008 que "A área do prédio pertencente ao RR confronta com outra sua propriedade constituída por uma casa de habitação, funcionando o terreno em análise como logradouro da mesma.".
KK. A proibição não é aplicável nos presentes autos, uma vez que o terreno é presentemente o logradouro de um outro prédio, pelo que apenas se pode concluir que o mesmo é divisível,
LL. Tendo sido erguido um muro que originou dois prédios autónomos e distintos, deve-se considerar que tal é uma construção nos termos do disposto na al. c) do artigo 1377.° do Código Civil, desta forma afastando a proibição do fraccionamento e, consequente mente admitindo que o terreno dos auto divisível.
MM. O facto de o muro já estar construído não pode afastar a aplicabilidade do artigo 1377.° do Código Civil. Com efeito, se não é pelo facto de ainda não se ter erguido a construção e o terreno continuar a ser apto para a cultura que pode impedir o fraccionamento, muito menos será quando a construção já estiver terminada.
NN. A construção do muro visa exactamente outro fim, designadamente delimitar uma parcela de modo a que esta funcione como logradouro de um outro prédio pertencente aos Recorrentes.
OO. Estão reunidos os pressupostos para que não se aplique a proibição do fraccionamento nos termos das alíneas a) e c) do artigo 1377.° do Código Civil e, deste modo, se determine que o prédio rústico em crise é, em termos jurídicos, divisível.
PP. O Tribunal a quo ter considerado que o prédio em questão se trata de um terreno apto para construção, preenchendo assim o disposto nas alíneas a) e c) do artigo 1377.° do Código Civil.
QQ. O prédio dos autos é divisível, nos termos dos artigos 209.° e 1377.° do Código Civil.
* II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1 - Por partilha, judicialmente homologada, em inventário por óbito de Z..., autuado sob o nº ... e que correu termos na secção, do Juízo deste Tribunal Judicial da Comarca Loures, de que os presentes autos são apenso, os aqui primitivos requerentes adquiriram 1/3 do prédio rústico denominado “Ladeira do Beco Pequeno ou Becos Pequeno e Grande” com a área de 2.966m2, composto de matos e confrontando a Norte com H..., a Sul com Z..., a Nascente com K... e de Poente com caminho, prédio este descrito sob a ficha nº ... da ..Conservatória do Registo Predial de Loures e inscrito na competente matriz predial sob o artigo ..., Secção ... da freguesia de Lousa, aquisição essa registada a seu favor mediante a inscrição ....
2 - Em virtude da supra referida partilha os ora primitivos requeridos adquiriram igualmente 1/3 do identificado prédio, aquisição essa registada a seu favor mediante a inscrição ....
3 - Tendo o restante 1/3 sido pela mesma via adquirido por Cesaltina Duarte casada com Manuel Gonçalves, aquisição essa registada a seu favor mediante a inscrição G2 – Ap. 28/960822.
4 - Posteriormente, por compra os primitivos requerentes adquiriram a L... e N... o 1/3 do prédio rústico, aquisição essa registada a seu favor mediante a inscrição ....
5 - Por último adquiriam outro 1/6 aos aqui primitivos requeridos, aquisição essa registada a seu favor mediante a inscrição ....
6 - Os requeridos muraram uma parcela de terreno concreta do prédio supra referido, estando tal construção licenciada pela Câmara Municipal de Loures, através do alvará de licença nº ..., emitido em 30 de Setembro de 1987.
7 - Os requeridos cultivam a parcela de terreno que muraram.
8 - Em 2 de Dezembro de 2003 a Câmara Municipal de Loures emitiu o alvará de licença de construção nº ... relativo ao Proc. Nº ..., válido até 3 de Setembro de 2004, licenciando a construção de um imóvel no prédio em causa nos autos.
10 - O prédio em causa nos autos situa-se num aglomerado urbano.
* III - Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da alegação - arts. 684, nº 3 e 690, nº 1do CPC – as questões que essencialmente se colocam, atento o teor das conclusões apresentadas, são as seguintes: se a sentença é nula, nos termos do art. 668, n º 1-b) do CPC; se deverá ser alterada a decisão da matéria de facto nos concretos pontos indicados pelos apelantes; se os requeridos adquiriram por usucapião a parcela de terreno por eles assinalada; se o imóvel em causa nos autos e nas circunstâncias dos mesmos é legalmente divisível.
* IV – 1 - Defendem os apelantes que a sentença é nula, nos termos do art. 668, n º 1-b) do CPC, uma vez que não fundamentou a seguinte resposta negativa: «Não se provou que os primitivos requeridos tenham adquirido em 1979 1/6 do prédio supra identificado».
Efectivamente entre os factos declarados não provados, na decisão quanto à matéria de facto constante do despacho de fls. 454 e seguintes, encontra-se o acima aludido.
Todavia a invocação da nulidade da sentença por parte dos recorrentes assentará, aparentemente, num equívoco.
Resulta do nº 1-b) do art. 668 do CPC que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Assim, há nulidade da sentença quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, constituindo nulidade, designadamente, a falta de discriminação dos factos provados. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, sendo que por «falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto»; a insuficiência ou mediocridade da motivação não produz nulidade ([1]).
Ora, a sentença recorrida, indica claramente qual a fundamentação de facto – enunciando expressamente os factos supra apontados em II) – bem como a fundamentação de direito, mencionando as disposições legais em que se baseia e aplicando-as – feitas as necessárias interpretações e aludidos os conceitos considerados convenientes – à factualidade provada.
Assim, não se verifica a invocada nulidade.
Decerto os apelantes quereriam antes situar-se no âmbito da deficiente fundamentação do despacho que decidiu a matéria de facto, que não no da mencionada nulidade da sentença.
O nº 2 do art. 653 do CPC preceitua: «A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador» ([2]).
Dispondo o nº 5 do art. 712 daquele Código: «Se a decisão sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados, ou repetindo a produção de prova, quando necessário...»
Assim, se os apelantes entendiam que a decisão sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estava fundamentada, poderiam ter requerido em conformidade com esta última disposição legal – o que não fizeram.
Pelo que nada há a determinar neste âmbito.
* IV – 2 - Argumentam os apelantes que sempre se deveria ter dado como provado que «os primitivos requeridos adquiriram em 1979 1/6 do prédio supra identificado», o que realizam a partir de deduções retiradas de elementos dos autos e com recurso ao disposto nos arts. 2119 e 2031 do CC – isto embora se situem, ainda, no âmbito da matéria de facto.
Vejamos.
O que se apurou foi que por partilha, judicialmente homologada, em inventário por óbito de Z..., autuado sob o nº ... e que correu termos na secção, do Juízo do Tribunal Judicial da Comarca Loures, os aqui primitivos requeridos adquiriram 1/3 do prédio rústico denominado “Ladeira do Beco Pequeno ou Becos Pequeno e Grande”.
Resulta, por outro lado, de fls. 3 do mencionado processo de inventário a que estes autos se encontram apensos, que o Z... falecera a 13-8-1979.
Por fim, ficou provado que os primitivos requerentes adquiriram 1/6 do imóvel aos aqui primitivos requeridos (aquisição essa registada a seu favor mediante a inscrição ..., certidão de fls. 9 e seguintes), embora desconheçamos a data concreta em que aquela aquisição teve lugar.
Deste modo (independentemente das conclusões a que nos conduzem os invocados arts. 2119 e 2031 do CC, a considerar, eventualmente, quando da subsunção ao direito) temos que por partilha por óbito de Z... ocorrido em 1979, os primitivos requeridos adquiriram 1/3 indiviso do imóvel a que se reportam os autos (e não 1/6 do mesmo imóvel) e que posteriormente os primitivos requerentes adquiriram aos primitivos requeridos 1/6 daquele imóvel (ou seja, metade do 1/3 indiviso que a estes pertencia), ficando a partir daí os primitivos requeridos titulares do restante 1/6.
Assim, nada nos permite afirmar que os primitivos requeridos adquiriram em 1979 1/6 do prédio.
* IV – 3 - Defendem, igualmente, os apelantes que o Tribunal deveria ter julgado provado: «Os requeridos possuem e fruem parte determinada do referido prédio correspondente a 1/6 do mesmo»; e «Os Requeridos entraram em nome próprio na posse de parcela determinada do prédio rústico em causa nos autos e usam e têm o usufruto exclusivo da parcela que muraram».
Saliente-se desde logo que tal matéria – sobretudo a referida em segundo lugar – soará mais a conclusão jurídica do que a factos concretos.
É certo que enquanto relativamente a certas expressões podemos assentar seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas. Assim, Antunes Varela ([3]) considerava que os factos, no campo do direito processual, abrangem, principalmente embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real. Nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) haverá que distinguir entre aqueles cuja emissão se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família, do homem comum, e aqueles que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Enquanto os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto, os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei.
Ora, afirmar que «os Requeridos entraram em nome próprio na posse de parcela determinada do prédio rústico em causa nos autos» e que «possuem e fruem parte determinada do referido prédio correspondente a 1/6 do mesmo» corresponderá a juízos de valor formulados com base em critérios legais, a conclusões que se retirariam aplicando a factos concretos certos conceitos jurídicos.
Acresce que os documentos invocados pelos apelantes não nos conduziriam ao por eles pretendido.
A certidão da escritura de doação datada de 30 de Maio de 1973 (fls. 416 e seguintes) reporta-se à doação, com dispensa de colação, feita por Z... a C... (aqui requerida), de um lote de terreno para construção urbana com a área de 144 m2, lote que ficou a constituir um prédio distinto do prédio de que foi separado - o prédio dos autos (descrição nº ..., ficha nº ..., consoante resulta do confronto de fls. 418 com a certidão de fls. 9 e seguintes). A este lote de terreno doado à requerente em 1973 – muito antes do óbito do Z... - correspondeu a descrição predial nº ... (certidão de fls. 406 e seguintes). Posteriormente, em 15 de Setembro de 1976, o mesmo Z... e a requerida C... estipularam constituir uma servidão de água para gastos domésticos, extraída de um poço existente no prédio a que se reportam estes autos e uma servidão de passagem de pé posto, no mesmo prédio e para acesso ao poço, «com início no limite do logradouro» do prédio da requerida (escritura de constituição de servidão que se encontra a fls. 410 e seguintes).
Não se vê como estes documentos poderiam conduzir no sentido pretendido pelos apelantes: remetem para factos sucedidos anteriormente e dos quais resulta existirem dois prédios contíguos, o da requerida e o que se encontra em discussão nestes autos, com duas servidões – uma de água e outra de passagem – do primeiro sobre o segundo.
Na sequência, os apelantes socorrem-se do auto de inspecção judicial, bem como do relatório da perícia efectuada.
Efectivamente, naquele relatório (fls. 310 e seguintes) o perito nomeado pelos RR. menciona que «a área do prédio pertencente aos RR. confronta com outra sua propriedade constituída por uma casa de habitação, funcionando o terreno em análise como logradouro da mesma» (fls. 314). Mas isso, como consta expressamente do mesmo relatório é a «opinião» daquele perito (ver fls. 312).
Tendo a prova pericial «por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial» (art. 388 do CC), «a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal» (art. 389 do CC).Vigora, pois, o princípio da prova livre – o que não significa arbitrária, mas sim apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com liberdade e sem estar adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais ([4]). A prova pericial é sempre livremente apreciada pelo tribunal, juntamente com as restantes provas que forem produzidas sobre os factos que dela são objecto.
Ora, no caso que nos ocupa, foram ouvidas testemunhas a toda a matéria em discussão (ver acta de fls. 438-440) e os peritos prestaram esclarecimentos (referida acta, bem como a de 433-437) sendo que quer os depoimentos quer os esclarecimentos produzidos não foram gravados e aqueles influíram na convicção do julgador (ver fundamentação de folhas 456-457).
Quanto à inspecção judicial do respectivo auto apenas consta que «sensivelmente a meio do lado direito está construído um muro, o qual divide o imóvel em causa nos autos, constituindo uma barreira de facto entre as duas metades do terreno». Também o resultado da inspecção é livremente apreciado pelo Tribunal (art. 391 do CC), logo juntamente com as restantes provas, designadamente aquelas a que este Tribunal não tem acesso. Este Tribunal não pode, pois, na parte a que nos reportamos, alterar a decisão sobre a matéria de facto, reapreciando a prova produzida (nº 1-a) do art. 712 do CPC), sendo certo que os elementos fornecidos pelo processo – concretamente os documentos juntos aos autos – não impõem uma decisão diversa (nº 1-b) do art. 712 do CPC).
Assim, também nesta parte nada há a alterar.
* IV – 4 - Defendem os apelantes que se deverá julgar provado que «os requeridos suportam encargos inerentes à parcela de terreno que muraram», facto que o Tribunal de 1ª instância julgou não provado. Para o efeito socorrem-se dos documentos por eles juntos a fls. 428-429, referentes ao pagamento por parte da requerida da taxa de 500$00, tendo em conta o alvará de licença nº ... para construção de um muro de vedação na Freixeira, Loures. Ora, estes documentos dizem respeito à taxa em referência – relacionada com a construção de um muro – nada inculcando quanto aos encargos da parcela de terreno.
Pelo que, igualmente nesta parte nada há a alterar.
* IV – 5 - Na sentença recorrida entendeu-se não estarem preenchidos os requisitos necessários à aquisição por usucapião da parcela de terreno identificada pelos requeridos, desde logo por não se ter demonstrado que estes tivessem invertido o título de posse.
Os apelantes continuam a defender que adquiriram por usucapião a parcela correspondente a 1/6 do prédio a que se reportam os presentes autos. Argumentam que «apenas invocaram a usucapião da parte correspondente a 1/6 que efectivamente ocupavam e na qual ergueram um muro para a delimitar e não a usucapião de todo o prédio rústico, do qual eram comproprietários»; que «a inversão do título de posse apenas é necessária quando se pretende possuir para além da quota que corresponde ao comproprietário»; que «para se verifique a usucapião uma parcela de um terreno da propriedade de vários condóminos correspondente à quota de um comproprietário, basta que este exerça a posse, nos termos do artigo 1251.° do Código Civil, nessa parcela»; que «após a construção do muro que dividiu o prédio rústico em crise em duas metades, uma de 5/6 e outra de 1/6, atestada pelo facto 6, terminou a compropriedade em relação ao referido prédio».
Vejamos.
Por força da partilha que teve lugar no inventário por óbito de Z... e das sucessivas aquisições que tiveram lugar – aquisição de 1/3 a L... e N... e de 1/6 aos próprios primitivos requeridos – os primitivos requerentes quedaram comproprietários de uma quota correspondente a 5/6 ([5]) do prédio denominado “Ladeira do Beco Pequeno ou Becos Pequeno e Grande”, enquanto os primitivos requeridos quedaram comproprietários de uma quota correspondente a 1/6.
De acordo com o disposto no art. 1403 do CC há compropriedade quando duas ou mais pessoas detêm simultaneamente o direito de propriedade sobre uma mesma coisa; as situações jurídicas de cada um dos comproprietários são qualitativamente iguais – embora possam não o ser do ponto de vista quantitativo (assim ocorrendo no caso dos autos em que os requerentes são comproprietários de 5/6 e os requeridos de 1/6). A compropriedade configura-se como um conjunto de direitos de propriedade – qualitativamente iguais – sobre uma mesma coisa e, como tal, autolimitados; cada um dos direitos em concurso incide sobre a coisa comum, embora não se refira a parte específica da mesma ([6]).
Sendo os requeridos (bem como os requerentes) comproprietários do imóvel nos termos aludidos é óbvio que aquelesnão detinham qualquer direito sobre uma parte concreta e determinada da área do imóvel.
É certo que se provou que os requeridos muraram uma parcela de terreno concreta do prédio supra referido - construção licenciada pela Câmara Municipal de Loures, através do alvará de licença nº 621, emitido em 30 de Setembro de 1987 – e que cultivam a parcela de terreno que muraram.
Não se compreende, contudo, em que se baseiam os apelantes para afirmarem que após a construção do referido muro «terminou a compropriedade em relação ao referido prédio» - a construção de um muro delimitativo, por si, não determina tal consequência, não sendo modo de cessação da situação de compropriedade, fazendo extinguir o concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes e tendo por objecto a mesma coisa, por divisão (de facto) da coisa comum.
Aquela invocada divisão de facto apenas conduziria a uma “divisão de direito” com a cessação da situação de compropriedade, sendo juridicamente relevante, pelo decurso do prazo da usucapião - desde que tivesse havido posse efectiva e essa posse se revestisse dos requisitos exigidos.
* IV – 6 - Atento o nº 1 do art. 1406 do CC, na falta de acordo a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se da coisa, contanto que não a empregue para fim diferente daquele a que se destina e não prive os outros consortes do uso a que, igualmente, têm direito. O uso é aqui tratado como «utilização directa da coisa ou como aproveitamento imediato das aptidões naturais dela» ([7]). Assim, como comproprietários os requeridos poderiam cultivar uma parte do terreno, como faziam.
Refere Carvalho Fernandes ([8]) que envolvendo o uso da coisa comum o exercício de poderes de facto sobre ela, ou seja, a sua posse, justifica-se a necessidade sentida pelo legislador de esclarecer o alcance de tal posse. Assim «nos termos do nº 2 do art. 1406, o uso exclusivo da coisa pelo comproprietário não constitui posse superior à respectiva quota e, muito menos, posse exclusiva. Ressalva-se, como é evidente, o caso de ter havido inversão do título. Aí, porém, a nova posse decorre de outro facto, apto a produzir a inversão, e não do simples uso da coisa comum». Saliente-se que a expressão «quota» aqui utilizada tem a ver com o direito de cada comproprietário no aspecto quantitativo, aferido em função de uma quota abstracta ou ideal e não com uma parte determinada da coisa.
Deste modo, o uso exclusivo pelos requeridos daquela parte determinada do imóvel não constituía posse exclusiva dos mesmos sobre a referida parte – o que somente sucederia se tivesse ocorrido inversão do título ([9]).
A inversão do título da posse «supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio. A uma situação sem relevo jurídico especial vem substituir-se uma posse com todos os seus requisitos e com todas as suas consequências legais» ([10]). Tal inversão poderá dar-se por dois meios: por oposição do detentor do direito conta aquele em cujo nome possuía, ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse, consoante decorre do art. 1265 do CC. No primeiro meio torna-se necessário um acto de oposição contra a pessoa em cujo nome o opoente possuía, devendo o detentor tornar directamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía (quer judicial, quer extra-judicialmente) a sua intenção de actuar como titular do direito.
Deste modo, os requeridos haviam de ter demonstrado o aludido acto de oposição levado ao conhecimento dos requerentes, sem o que se não poderia concluir pela inversão do seu título de posse (precária) na parte em que excede a sua mencionada quota de 1/6 ([11]). É duvidoso que com o simples uso de uma parte determinada do prédio e a construção do muro se encontrasse preenchida aquela inversão.
Atento o disposto no art. 1290 do CC, sem estar demonstrada a inversão, não começava a correr o prazo da usucapião.
Acresce, ainda, o seguinte:
Determina o art. 1287 do CC que a posse do direito de propriedade, ou de outro direito real de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, a isto se chamando usucapião.
Assim, a verificação da usucapião depende de dois elementos: a posse e o decurso de certo período de tempo. A usucapião assenta numa posse reiterada que se prolonga durante um certo período de tempo fixado na lei, sendo o decurso do tempo um elemento determinante do seu regime.
Para conduzir à usucapião a posse tem de revestir sempre duas características: ser pública e pacífica; as restantes características (boa ou má fé, titulada ou não titulada) influirão, apenas, no prazo.
A lei estabelece regimes distintos para a usucapião de coisas móveis e imóveis, variando o prazo em função das características da posse (se é de boa ou de má fé, se existe, ou não, justo título ou registo da posse…). Quanto aos imóveis, não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos se for de má fé (art. 1296 do CC).
Ora, no caso dos autos, para além de não estar demonstrada a inversão da posse (logo o momento a partir do qual começava a correr o prazo da usucapião) também não temos qualquer elemento temporal que nos conduza a um prazo a não ser o de que a construção do muro foi licenciado pela Câmara Municipal de Loures, através do alvará de licença nº ..., emitido em 30 de Setembro de 1987 – o que é pouco. Soçobra, pois, toda a argumentação dos apelantes com respeito à aquisição por usucapião de 1/6 concreto e determinado da área do imóvel.
* IV – 7 - No que concerne à divisibilidade entendeu-se na sentença recorrida estarmos perante um prédio rústico e que atentos os arts. 209 e 1376 do CC bem como a Portaria nº 202/70, de 21-4, o mesmo é indivisível.
Vejamos.
Estamos em face de um prédio rústico - denominado “Ladeira do Beco Pequeno ou Becos Pequeno e Grande” com a área de 2.966 m2 e composto de matos – embora situado num aglomerado urbano. Isto é o que resulta dos factos provados, sendo que «não se provou que o prédio em causa nos autos não esteja afecto a uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», «nem que não tenha esse destino normal» (ver fls. 455-456). Provou-se, aliás, que os requeridos cultivam a parcela de terreno que muraram.
Tal prédio, correspondendo a uma área de 2.966 m2, será um prédio rústico, atento o disposto no nº 2 do art. 204 do CC ([12]).
Nos termos do art. 209 do CC são divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam. Trata-se, aqui, de um conceito jurídico que não físico ou naturalístico – materialmente todas as coisas são divisíveis. Todavia, independentemente deste critério existem casos de indivisibilidade determinada por lei, aí se encontrando os previstos no 1376 do CC, em que se fixa uma dimensão mínima da propriedade rústica para além da qual o fraccionamento daquela propriedade é legalmente vedado.
De acordo com este último preceito «os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do país». Em consonância a parte final da alínea a) do art. 1377 exclui da proibição de fraccionamento os terrenos que «se destinem a algum fim que não seja a cultura».
Como salientam Pires de Lima e Antunes Varela ([13]) a limitação relativa ao fraccionamento dos prédios rústicos diz respeito apenas aos terrenos aptos para cultura, isto é, próprios para fins agrícolas, florestais ou pecuários, sendo a doutrina a mesma que emerge da diferente expressão constante do Código italiano: «terrenos destinados a cultura ou susceptíveis de cultura».
O dl 384/88, de 25-10, dispôs no seu art. 19 que ao fraccionamento de terrenos «com aptidão agrícola ou florestal» se aplicam, além das regras dos arts. 1376 e seguintes do CC, as disposições deste diploma, determinando no art. 21 que os limites mínimos da superfície dos prédios rústicos , «designados por unidades de cultura» seriam fixadas mediante decreto regulamentar. Na sequência, o dl 103/90, de 22-3, prescreveu que enquanto não fossem fixadas as unidades de cultura previstas naquele art. 21 se mantinha em vigor a portaria 202/70, de 21-4 ([14]).
A área da unidade de cultura fixada pela portaria 202/70, de 21-4, para a região de Lisboa é, respectivamente, de 2 hectares, 0,50 hectares e 4 hectares consoante se trate de terrenos de regadio arvenses ou hortícolas e de terrenos de sequeiro.
No art. 72 do Plano Director Municipal de Loures, por seu turno, estipula-se que sem prejuízo do disposto na legislação vigente sobre parcelamento e emparcelamento rural e dos direitos já constituídos, do fraccionamento dos prédios rústicos não poderão resultar parcelas com área inferior a: a) Terrenos de regadio abrangidos pela RAN – hortícolas – 1 ha; arvenses 4 ha; b)Terrenos de sequeiro abrangidos pela RAN – 8 ha; 4 ha em todas as restantes áreas.
Á indivisibilidade – legal – do imóvel dada a sua dimensão e a sua aptidão para cultura contrapõem os apelantes ser o mesmo apto para receber construções e constituir uma componente de um prédio urbano, no âmbito das alíneas a) e c) do art. 1377 do CC.
Nos termos da alínea c) do mencionado art. 1377 a proibição de fraccionamento não é aplicável se este «tiver por fim a desintegração de terrenos para construção». Efectivamente, sendo o terreno afectado a qualquer construção, destina-se a um fim que não é a cultura, agrícola ou florestal.
Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela ([15]) que a palavra «construção» deve ser entendida no seu sentido amplo, não se tratando apenas da construção de prédios urbanos ou, muito menos, de prédios para habitação; qualquer dos edifícios mencionados no nº 2 do art. 204º, considerados parte componentes de um prédio rústico, ou sejam, as construções sem autonomia económica, como os celeiros, as adegas, ou as coberturas para alfaias agrícolas e outras obras, mesmo que não se trate de edifícios, como muros, poços de captação de água, aquedutos de derivação, estarão abrangidas pela alínea c).
Ora, não resultou provado que o terreno a que nos reportamos estivesse afectado a qualquer construção – sabemos, tão só, que em 2 de Dezembro de 2003 a Câmara Municipal de Loures emitiu o alvará de licença de construção nº ... relativo ao Proc. Nº ..., válido até 3 de Setembro de 2004, licenciando a construção de um imóvel no prédio em causa nos autos, o que não é suficiente para o efeito pretendido pelos apelantes.
Saliente-se que não tem qualquer consistência a argumentação dos apelantes quando defendem:
«LL. Tendo sido erguido um muro que originou dois prédios autónomos e distintos, deve-se considerar que tal é uma construção nos termos disposto na al. c) do artigo 1377.° do Código Civil, desta forma afastando a proibição do fraccionamento e, consequente mente admitindo que o terreno dos auto divisível.
MM. O facto o muro já estar construído não pode afastar a aplicabilidade do artigo 1377.° Código Civil. Com efeito, se não é pelo facto de ainda não se ter erguido a construção e o terreno continuar a ser apto para a cultura que pode impedir o fraccionamento, muito menos será quando a construção já estiver terminada».
É que o muro está feito, não há que proceder a qualquer fraccionamento destinando-se o terreno à sua construção - o terreno não está afectado a qualquer construção, designadamente de um muro.
Pelo que não está preenchido o condicionalismo previsto na parte final da alínea a) e na alínea c) do art. 1377 do CC.
Nos termos do nº 2 do art. 204 do CC entende-se por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo com os terrenos que lhe sirvam de logradouro. O logradouro corresponderá à parcela de terreno adjacente a um prédio urbano e que funcionalmente lhe é conexa, servindo de jardim, quintal ou pátio, sendo uma parte componente de um prédio urbano (que não um prédio rústico); sendo componente de um prédio urbano a proibição de fraccionamento não lhe é aplicável. Porém, dos factos apurados não resulta que o imóvel dos autos seja logradouro do prédio urbano dos requeridos. Sucede, aliás, que da certidão de registo predial que se encontra a fls. 406 e seguintes, junta aos autos pelos requeridos e referente ao prédio urbano que lhes pertence, se retira que no lote de terreno para construção com a área de 144 m2 foi construído um prédio composto de rés-do-chão para habitação com a área coberta de 90 m2 e logradouro com 54 m2.
Pelo que não dimanando dos autos que o terreno constitua parte componente de prédio urbano (ou se destine a algum fim que não seja a cultura, como já vimos), também não ocorre a exclusão de proibição de fraccionamento prevista na alínea a) do art. 1377 do CC.
Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação dos apelantes.
* V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
*
Lisboa, 9 de Junho de 2010
Maria José Mouro
Neto Neves
Teresa Albuquerque
[1] Ver Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil, Anotado», vol. V, pag. 140. [2] Preceito para o qual remete, igualmente, o nº 5 do art. 304 do CPC, aplicável ao processo especial de divisão de coisa comum nos termos do nº 2 do art. 1053 do mesmo Código. [3] No comentário ao acórdão do STJ de 8-11-84, Rev. Leg. e Jurisp. Ano 122º, pags. 209 e segs.. [4] Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. I, pag. 338. [5] 1/3 + 1/3 + 1/6 = 5/6. [6] Ver Carvalho Fernandes, «Lições de Direitos Reais», 4ª edição, pags. 336-337. [7] Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. II, pag. 356. [8] Obra citada, pag. 341. [9] Ver, a propósito de caso similar, o acórdão do STJ de 31-1- 2007, ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt/jstj.nsf., processo 06A4199, aliás citado na sentença recorrida. [10] Ver Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. III, pags. 30-31. [11] No aludido aspecto quantitativo, aferido em função de uma quota abstracta ou ideal e não com uma parte determinada da coisa. [12] De acordo com o qual se entende como prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica. [13] «Código Civil Anotado», vol. III, pag. 259. [14] Sendo que consoante o art. 50 do dl 555/99, de 16-12, ao fraccionamento de prédios rústicos aplica-se o disposto nos dl 384/88, de 25-10, e dl 103/90, de 22-3. [15] Obra citada, pag. 263.