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REVERSÃO
DÍVIDA
DÍVIDA FISCAL
PAGAMENTO
SUBROGAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
REQUISITOS
Sumário
I – Tendo sido notificados para o efeito seria no processo de execução fiscal que os RR., sócios-gerentes da sociedade contra quem a execução fora primitivamente deduzida, deveriam ter discutido que não deveria haver lugar à reversão – é no próprio processo de execução fiscal que devem ser apurados os pressupostos da reversão e é por meio da oposição à execução que o revertido deve pôr em causa perante os tribunais tributários os pressupostos da responsabilidade subsidiária que lhe foi atribuída. II - Se sem qualquer oposição do A. e dos RR. foi considerado nas execuções fiscais que se verificava o circunstancialismo previsto no nº 1 do art. 24 do CPT, tendo as mesmas prosseguido nesses termos, contra os apelantes e o apelado tal questão encontra-se assente, não sendo discutível no presente processo – era à jurisdição fiscal que competia a determinação dos responsáveis pelo pagamento tributário subsidiário. III – Sendo o A. e os RR., nos termos do nº 1 do art. 24 da LGT, responsáveis solidariamente entre si pelo pagamento das dívidas fiscais a que nos reportamos, tal remete-nos directamente para o regime das obrigações solidárias, neste caso solidariedade resultante da lei, funcionando a presunção constante do art. 516 do CC de que os devedores comparticipam em partes iguais na dívida. IV - Se o A. procedeu ao pagamento da totalidade das dívidas, satisfazendo na íntegra o direito do credor, teria direito de regresso contra os RR. – a não ser que estes lhe opusessem qualquer meio de defesa subsumível ao disposto no art. 525 do CC. V – Sendo o pagamento de coimas da responsabilidade dos RR. apelantes, havia um enriquecimento destes directamente relacionado com o empobrecimento correspondente do A. quando ele assumiu aquele pagamento, inexistindo causa justificativa para o referido enriquecimento. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I –J... intentou a presente acção declarativa no âmbito do regime experimental instituído pelo dl 108/2006, de 8-6, contra C..., B... e «Estúdio..., Lda.».
Em resumo, alegou o A.:
O A. e os dois primeiros RR. foram sócios gerentes da sociedade terceira R., embora o A. apenas gerente de direito que não de facto. A sociedade não pagou dívidas fiscais, tendo sido instaurados processos executivos fiscais e tendo havido reversão das dívidas de impostos, custas e coimas para os sócios gerentes. Na sequência o A. acabou por pagar as dívidas, no valor de € 68.709,04.
Pediu o A. que os RR. sejam condenados, com base no direito de regresso, a pagar-lhe aquela quantia de quantia de € 68.709,04, ou, subsidiariamente, cada um dos dois primeiros réus condenados a pagar ao A. a quantia de € 22.903,01.
Os dois primeiros RR. contestaram, alegando essencialmente que o A. era gerente de direito e de facto e que não estão obrigados pagar-lhe qualquer quantia, não existindo direito de regresso.
O processo prosseguiu vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido do A. e condenou os RR. nos seguintes termos: - O R. C..., a pagar 1/3 do valor pago pelo A. e correspondente a impostos em dívida; - O R. B..., a pagar 1/3 do valor pago pelo A. e correspondente a impostos em dívida; - A R. sociedade a pagar 1/6 do valor pago pelo A. e correspondente a impostos em dívida; - O R. C..., a pagar 1/2 do valor pago pelo A. e correspondente a coimas em dívida; - O R. B..., a pagar 1/2 do valor pago pelo A. e correspondente a coimas em dívida (tudo a liquidar em execução de sentença).
Da sentença apelaram os RR. C... e B..., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
a) Quanto ao primeiro e segundo argumentos da sentença o mesmo é tudo menos certeiro pois que não bastaria ao recorrido, para obter o direito de regresso face aos recorrentes, limitar-se a provar que tinha havido uma reversão da execução fiscal por insuficiência de bens da sociedade e que havia procedido ao pagamento.
b) A responsabilidade dos administradores e gerentes por dívidas fiscais constitui um verdadeiro regime próprio do Direito Fiscal, uma figura sui generis, não se confundindo com quaisquer figuras existentes no ordenamento jurídico como as situações de fiança ou aval.
c) Tal responsabilidade depende sempre de culpa do terceiro chamado a responder por dívidas da sociedade e que isto assim é se retira do próprio artigo 24° da LGT pois que do mesmo resulta, n° 1 alíneas a) e b), que numa situação terá de ser a DGCI a provar a culpa do gestor e noutra terá de ser este último a ilidir a presunção de culpa existente.
d) Em suma, para a ocorrência de responsabilidade do gestor face à DGCI terá de existir sempre culpa da sua parte, quer a mesma seja ou não presumida.
e) Havendo de existir culpa dos recorrentes a mesma tinha de ter sido provada pelo recorrido, recorrido este que nem sequer alegou factos tendentes a demonstrar tal.
f) Só assim não seria se o recorrido beneficiasse da presunção de culpa de que a DGCI usufrui nos termos do artigo 24°, n° 1 b) da LGT só que não é esse o caso pois que, como supra aflorado, o regime em causa é um regime especial de Direito Tributário que apenas logra aplicação nesse ramo do Direito e não sendo extensível às questões que se levantem entre administradores ou gerentes em sede de direito de regresso.
g) A sentença acolhe, ao presente caso, uma aplicação de cariz automático do artigo 524° do Código Civil mas as coisas não se passam assim porquanto:
I) Não se está perante uma situação de responsabilidade independente de culpa;
II) E não o estando incumbiria ao recorrido provar, enquanto facto constitutivo do seu direito, a culpa dos recorrentes na prática de actos que levaram à insuficiência do património da sociedade para solver as dívidas fiscais;
III) Não tendo o recorrido feito tal prova nem, tão pouco, alegado os necessários factos tendentes a demonstrar tal.
h) Quanto ao argumento de que a invocação feita pelos recorrentes, no sentido de que o recorrido se deveria ter oposto à execução fiscal e com vista a aqueles se eximirem ao pagamento, consubstanciaria um abuso de direito revela má colocação da questão pois que foi o recorrente, e não os recorridos, que invocou na sua P.I. que não exercia funções na sociedade originária devedora, pelo que se tivesse oposto à execução fiscal com certeza seria "ilibado" de qualquer responsabilidade pelo pagamento das dívidas fiscais da sociedade.
i) Isto uma vez que o regime atinente à responsabilidade subsidiária dos gestores se dispensa, para a sua aplicação, a gerência de direito não dispensa a gerência de facto pelo que não existindo esta última o recorrido não poderia ser responsabilizado face à DGCl.
j) Pelo que é de todo incorrecto dizer-se que o sustentado pelos recorrentes, quando os mesmos se limitaram a fazer uso do alegado pelo recorrido na sua PI, constituiria um abuso de direito nos termos do artigo 334° do Código Civil.
k) E é-o, em primeira linha, porque só há a possibilidade de existir abuso de direito se os recorrentes estivessem, passe a quase redundância, a abusar de um direito seu, mas o direito de deduzir oposição à execução, e pelos vistos com sucesso atento o alegado pelo recorrido, assistia a este recorrido e não aos recorrentes.
1) Em segunda linha mesmo que existisse um direito dos recorrentes dos quais estes abusaram, o que jamais se concederá, tal havia de ser clamoroso e ostensivo não se conseguindo perceber como é que tal possa ter sucedido quando os recorrentes se limitaram a invocar algo que foi alegado pelo próprio recorrido.
m) Quanto à questão das coimas entendeu por bem a sentença condenar os recorrentes por ter entendido que as mesmas eram juridicamente exigíveis pelo que o pagamento efectuado pelo recorrido não o seria no cumprimento de uma obrigação natural mas as coimas pagas pelo recorrido não lhe eram juridicamente exigíveis conforme resulta da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo supra citada.
n) Ora se não pode haver reversão então a putativa obrigação do recorrido não é juridicamente exigível e não o sendo o cumprimento que este fez foi no âmbito do cumprimento de uma mera obrigação natural e que, por o assim ser, não podia pretender exercer o direito de regresso sobre os aqui recorrentes.
o) O instituto do enriquecimento sem causa não tem qualquer aplicação no caso presente.
p) O suposto empobrecimento do recorrido resulta do cumprimento de uma obrigação natural (em parte) e do cumprimento de uma obrigação que decidiu pagar por não se ter oposto à execução fiscal, onde lhe seria possível demonstrar a bondade da sua argumentação que conduziria, como ele próprio alega, à sua não responsabilização das dívidas da sociedade.
q) Ou seja e em suma, o recorrido pagou aquilo que não tinha de pagar (por inexistência de qualquer dever legal) e aquilo que lhe seria fácil demonstrar que não lhe podia ser exigido, pelo que não pode lançar um labéu ressarcitório sobre os recorrentes devido a omissões e comportamentos seus.
r) Violou a sentença os artigos 334°, 342°, 476°, 524° e 525° do Código Civil, 24° da Lei Geral Tributária, 148°, n° 1 e 153°, n° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não se podendo manter antes devendo ser revogada e substituída por uma decisão que declare improcedente a acção intentada pelo recorrido com a inerente absolvição dos recorrentes.
O A. contra alegou nos termos de fls. 249 e seguintes.
* II -O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
A) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Sintra, sob o anterior nº ..., a sociedade comercial por quotas denominada "Estúdio..., Lda.", 3ª Ré nos presentes autos, pessoa colectiva nº. ..., com sede social na Urbanização ..., São Marcos, Sintra, cujo objecto social é a actividade de estúdio de gravação de discos e vídeo, edição de material audiovisual e livros, com o capital social de € 5.000,00, dividido em três quotas, uma no valor nominal de € 1.666,66 pertencente ao Réu B..., outra no valor nominal de € 1.666,67, pertencente ao Autor J... e outra no valor nominal de € 1.666,67, pertencente ao Réu C..., que se obrigava com a assinatura conjunta de dois gerentes, exercendo a gerência todos os sócios. (Doc. fls. 11 a 14 e de fls. 15 a 19).
B) Os Réus C... e B... são músicos profissionais e integram o designado agrupamento musical "K".
C) Desde pelo menos 2002, a sociedade Ré deixou de cumprir as suas obrigações fiscais declarativas e de pagamento, não entregando ao Estado o IVA liquidado e cobrado aos clientes, não efectuando a entrega ao Estado do IRS retido na fonte e não pagando IRC sobre rendimentos da mesma.
D) De que resultaram a instauração de processos de contra-ordenação fiscal e execução fiscal por omissão de pagamento de IVA, IRC e IRS e a respectiva condenação em coimas, conforme documento junto de fls. 23 a 24 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
E) Em Novembro de 2006, o Autor renunciou à gerência da sociedade Ré e em 09/11/2006 cedeu a sua quota referida em A) a favor dos 1º e 2º Réus. (Doc. fls. 11 a 14 e 54 a 58).
F) Os Réus não procederam ao pagamento das dívidas tributárias referidas em D).
G) Durante o ano de 2006 o Autor e os 1º e 2º Réus foram notificados pelos Serviços de Finanças de Sintra-3-Cacém, da reversão contra si de várias dívidas por impostos, custas e coimas constantes dos processos referidos em D).
H) Na data referida em G), inexistiam bens da Ré sociedade susceptíveis de penhora.
I) Durante o ano de 2007, a Administração Fiscal por via do Serviço de Finanças de Sinta-3 efectuou a penhora dos seguintes bens do autor:
- um imóvel sito em Odivelas e das respectivas rendas.
- valores mobiliários depositados no BCP e Real Seguros, S.A.
J) O Autor suportou o pagamento da quantia de € 65.113,08 em 16/11/2007 de dívida fiscal da sociedade Ré.
L) Acrescido do pagamento da quantia de € 920,00 de rendas penhoradas, depositadas à ordem dos processos de execução fiscal da sociedade e de € 2.675,96 de reembolso de IRS do ano de 2006.
M) O Autor e os 1º e 2º Réus não se opuseram aos processos executivos da Ré sociedade contra si revertidos.
N) Desde o início da constituição da Ré Estúdio..., Limitada até à actualidade, apenas os réus C... e B... exerciam de facto as funções de gerência da sociedade.
O) Tal deve-se ao facto referido em B).
P) E por revelarem capacidades técnicas para o objecto social de gravação de discos e produção de vídeo e edição de material áudio visual.
Q) Realizando e produzindo discos e cd's para terceiros e para o grupo que integravam.
R) Foram sempre os 1º e 2º Réus quem subscrevia contratos, emitia cheques e tomava decisões de gestão da sociedade referida em A).
S) O Autor nunca assinou nenhum cheque, letra, livrança e nunca interveio na celebração de qualquer contrato da sociedade referida em A).
T) No mês de Fevereiro de 2006 e nos seguintes, o Autor informou os 1º e 2º Réus dos factos referidos em G) e H), entregando-lhes os documentos de dívida e referindo-lhes que eram responsáveis pelas mesmas.
U) E recordou aos 1º e 2º Réus que apenas acedeu a constituir a sociedade para os ajudar numa nova actividade que estes iriam desenvolver e cedendo a quantia de 6.000.000$00 para o efeito.
V) E que nunca pretendeu intervir na gestão da sociedade.
X) Por tal ser incompatível em termos de horários, desgaste e disponibilidade profissional com a actividade profissional do Autor de odontologia e professor universitário.
Z) Tendo os 1º e 2º Réus tranquilizado o Autor e prontificando-se a regularizarem as dívidas da 3ª Ré ao Estado através dos seus próprios meios ou por via da sociedade Ré.
AA) Na mesma altura referida em I), foram retirados ao Autor os benefícios fiscais em sede de IMI.
BB) Perante a iminência da venda judicial dos bens referidos em I), para pagamento das dívidas da sociedade nos processos de execução fiscais em curso, o Autor decidiu pagá-las.
* III - Na sentença recorrida seguiu-se, sensivelmente, o percurso que seguidamente se enuncia. Dividiram-se as questões de direito emergentes em duas partes distintas: a referente à análise do direito de regresso para as dívidas por falta de pagamento de impostos e a referente ao pagamento das coimas. No que à primeira respeita entendeu-se que, havendo vários gerentes da sociedade contra quem a reversão opere, era solidária a responsabilidade dos mesmos, tratando-se de um caso de solidariedade entre devedores; o A. teria direito de regresso contra o devedor principal – a sociedade – bem como contra os condevedores, bastando-lhe alegar e provar que houve uma reversão da execução fiscal por insuficiência de bens da sociedade e que pagou a dívida desta, sendo os RR. quem teria de invocar e provar que o A. pagara mal. Acrescentando-se, subsidiariamente, que os RR. também foram citados no processo de execução fiscal, nada tendo feito, pelo que ao pretenderem eximir-se ao pagamento da parte que lhes competia incorrem em abuso de direito.
Quanto às coimas entendeu-se na sentença recorrida que a responsabilidade dos gerentes dependia de ter havido actuação culposa; atentos os factos provados o A. não era civilmente responsável pelo pagamento das coimas pelo que não teria qualquer direito de regresso. Todavia, a obrigação de pagamento das coimas existia e era exigível aos RR., só assim não sucedendo se houvessem provado no âmbito deste processo que não tiveram culpa na inexistência de património da sociedade, o que não sucedeu, integrando-se a situação dos autos na figura do enriquecimento sem causa, visto não ter sentido que fosse o A. a suportar pagamentos que os RR. deveriam ter feito.
Defendem os apelantes nas conclusões das suas alegações de recurso, no que respeita ao primeiro aspecto, que a responsabilidade dos gerentes por dívidas fiscais depende sempre da culpa daquele que é chamado a responder por dívidas da sociedade e que a haver culpa dos apelantes a mesma tinha que ser demonstrada pelo A.; acrescentam que atentos os factos invocados pelo próprio A. na respectiva p.i. o A. não poderia ter sido responsabilizado perante a DGCI, inexistindo abuso de direito.
No que concerne ao pagamento das coimas defendem os apelantes que as coimas pagas pelo A. não lhe eram juridicamente exigíveis, havendo apenas por parte do A. o cumprimento de uma obrigação natural que não pode ser transmutada numa obrigação jurídica com base no instituto do enriquecimento sem causa.
Neste contexto, sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da alegação - arts. 684, nº 3 e 690, nº 1do CPC – as questões que essencialmente se colocam são as seguintes: se, face à factualidade provada, os RR. eram subsidiariamente responsáveis pela dívida de impostos da R. sociedade, tendo o A. direito de regresso contra eles, isto mesmo quando o A. procedera ao pagamento da totalidade da dívida sem oportunamente alegar meio de defesa de que dispunha; se, quanto ao pagamento das coimas, o A. se limitou a cumprir uma obrigação natural não se verificando uma situação de enriquecimento sem causa.
* IV – 1 – Comecemos pelo que respeita às questões que se colocam relativamente ao pagamento das dívidas de impostos.
Resultou provado nos presentes autos que, desde pelo menos 2002, a sociedade comercial por quotas denominada "Estúdio..., Lda." deixou de cumprir as suas obrigações fiscais declarativas e de pagamento, não entregando ao Estado o IVA liquidado e cobrado aos clientes, não efectuando a entrega ao Estado do IRS retido na fonte e não pagando IRC sobre rendimentos da mesma, daí resultando a instauração de processos de contra-ordenação fiscal e execução fiscal por omissão de pagamento de IVA, IRC e IRS.
Provou-se, igualmente, que durante o ano de 2006 o A. – sócio e gerente da referida sociedade ([1]) – e os 1º e 2º RR. – igualmente sócios e gerentes da mesma - foram notificados pelos Serviços de Finanças de Sintra-3-Cacém, da reversão contra si de várias dívidas por impostos (e, também, de custas e coimas) constantes daqueles processos, sendo que naquela ocasião inexistiam bens da sociedade susceptíveis de penhora e que quer o A. quer os 1º e 2º RR. não se opuseram aos processos executivos da R. sociedade contra si revertidos.
É neste circunstancialismo que durante o ano de 2007, a Administração Fiscal por via do Serviço de Finanças de Sintra-3 efectuou a penhora de bens do A. - um imóvel sito em Odivelas e respectivas rendas, bem como valores mobiliários depositados no BCP e Real Seguros, S.A., vindo o A. a suportar o pagamento da quantia de € 65.113,08 em 16-11-2007 de dívida fiscal da sociedade R., acrescido do pagamento da quantia de € 920,00 de rendas penhoradas, depositadas à ordem dos processos de execução fiscal da sociedade e de € 2.675,96 de reembolso de IRS do ano de 2006.
Nos termos do nº 1 do art. 24 da LGT «os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».
No caso que nos ocupa, no âmbito da execução fiscal, considerou-se ter lugar a reversão das dívidas, sendo que qualquer dos sócios-gerentes da R. sociedade – apelantes e apelado - notificados pelos Serviços de Finanças de Sintra-3-Cacém da reversão contra si daquelas dívidas a que se reportavam os mencionados processos, não se opuseram aos processos executivos da R. sociedade contra si revertidos.
Como decorre do art. 23 da LGT, a responsabilidade tributária subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, dependendo da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, sendo que mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação ([2]).
O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários dependerá da verificação da inexistência de bens penhoráveis do devedor e da fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido – art. 153 do CPPT.
Ora, tendo sido notificados para o efeito, seria no processo de execução fiscal que os RR. sócios-gerentes deveriam ter discutido que não deveria haver lugar à reversão. Saliente-se que, de acordo com o art. 151 do CPPT compete ao tribunal tributário de 1ª instância da área onde correr a execução, depois de ouvido o Ministério Público, decidir a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária.
Refere, a propósito, António Lima Guerreiro ([3]) que a reversão da execução fiscal depende de acto fundamentado da Administração Tributária, sendo «no próprio processo de execução fiscal que devem ser apurados os respectivos pressupostos e não em acção a propor perante os tribunais comuns ou tributários. É, por outro lado, por meio da oposição à execução que o revertido deve, por sua vez, pôr em causa perante os tribunais tributários os pressupostos da responsabilidade subsidiária que lhe foi atribuída».
Qualquer oposição no sentido de ser demonstrada a falta de verificação da situação que, nos termos do aludido nº 1 do art. 24, levava a que os sócios-gerentes da sociedade R., ou seja, o A. e os RR. fossem considerados subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias daquela, haveria de ser discutida no processo fiscal que não na presente acção. Ou seja, se sem qualquer oposição do A. e dos RR. foi considerado naquelas execuções que se verificava o circunstancialismo previsto no nº 1 do art. 24 do CPT, tendo as mesmas prosseguido nesses termos, contra os apelantes e o apelado tal questão encontra-se assente, não sendo discutível no presente processo ([4]) – era à jurisdição fiscal que competia a determinação dos responsáveis pelo pagamento tributário subsidiário.
* IV – 2 - Consoante resulta do citado nº 1 do art. 24 da LGT o A. e os RR. sócios-gerentes são responsáveis pelo pagamento das dívidas a que nos reportamos, solidariamente entre si– o que nos remete directamente para o regime das obrigações solidárias, neste caso solidariedade resultante da lei (art. 513 do CC).
Nos termos do art. 516 do CC nas relações entre si presume-se que os devedores comparticipam em partes iguais na dívida, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que só um deles deve suportar o encargo da dívida.
No caso dos autos funciona a presunção constante deste preceito – da relação entre A. e RR. nada nos conduz a uma diferente medida de comparticipação de cada um deles na dívida. Saliente-se, uma vez mais, que perante a DGCI todos eles eram subsidiariamente responsáveis pela dívida da R. sociedade.
O A., na sequência da penhora acima referida, procedeu ao pagamento da totalidade da dívida, satisfazendo na íntegra o direito do credor.
De acordo com o que dispõe o art. 524 do CC, o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores na parte que a estes compete.
Deste modo teria o A. direito de regresso contra os RR. – a não ser que estes lhe opusessem qualquer meio de defesa subsumível ao disposto no art. 525 do CC.
* IV – 3 - Face ao que dispõe o art. 525 dos CC os condevedores podem opor àquele que satisfez o direito do credor qualquer meio de defesa, quer este seja comum quer respeite pessoalmente ao demandado.
Da conjugação dos nºs 1 e 2 daquele artigo resulta que os meios de defesa que cada um dos condevedores possuía em relação ao cumprimento da obrigação,quer sejam comuns quer sejam pessoais do demandado, podem ser opostos ao credor de regresso, a menos que sendo um meio comum de defesa não tivesse sido oportunamente utilizado por culpa desse devedor ([5]).
Supõe-se aqui a existência de meios de defesa, quer comuns quer pessoais do demandado – o que este não pode é invocar um meio de defesa pessoal do condevedor que satisfez a obrigação, não podendo invocar em seu proveito os meios pessoais de defesa que o titular do direito de regresso tivesse contra o credor ([6]).
Como vimos, não tendo os apelantes discutido a reversão contra si no processo fiscal não eram estes autos o local adequado para o fazerem. Seria a eles, de qualquer modo, que competiria a invocação e demonstração de qualquer meio de defesa, quer comum, quer pessoal (deles, apelantes), o que não sucedeu.
Salientam os apelantes que face aos factos alegados pelo próprio A., não exercendo este, de facto, a gerência da sociedade, poderia ter deduzido, com êxito, oposição contra a execução fiscal, não podendo ser responsabilizado face à DGSI.
Vejamos.
Ser apenas gerente de direito não executando realmente quaisquer actos de gerência nos termos que ficaram demonstrados nos autos poderia, eventualmente, fazer concluir pela inexistência de culpa por parte do A., susceptível de conduzir a não verificação da possibilidade reversão da execução quanto a si. Por outro lado, a possibilidade de no âmbito da execução fiscal suscitar a questão (de, quanto a si, não poder haver reversão) competia ao aqui A., que não aos RR.. Sucede que sendo este um meio pessoal de defesa de que o A. dispunha contra o credor comum (e não um meio de defesa comum dos condevedores ou pessoal destes) no âmbito da presente acção não pode ser invocado pelos RR. sobre o A., consoante acima mencionámos.
Nestas circunstâncias concluímos pela responsabilidade dos apelantes pelo pagamento ao A. dos valores correspondentes a 1/3 da quantia por este paga correspondente a impostos em dívida – sendo escusada a consideração do instituto do abuso de direito.
* IV – 4 – Debrucemo-nos agora sobre o que respeita ao pagamento das coimas.
Dispõe o art. 8 do RGIT que os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento, bem como pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento. Ainda de acordo com este preceito legal tal responsabilidade subsidiária é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.
Sucede que, como acima aludido, se apurou que a sociedade R. deixou de cumprir as suas obrigações fiscais declarativas e de pagamento do que resultou a instauração de processos de contra-ordenação fiscal e execução fiscal por omissão de pagamento de IVA, IRC e IRS e a respectiva condenação em coimas, pagamentos a que os RR. não procederam. Inexistiam bens da R. sociedade susceptíveis de penhora e o A. e os RR. C... e B... foram notificados pelos Serviços de Finanças da reversão contra si de várias dívidas também por coimas, não se tendo oposto. Apenas estes RR. exerciam de facto as funções de gerência da sociedade.
Os RR. defendem, agora, não poder haver reversão no que toca às coimas. Todavia, só aqui o fazem, não tendo reagido anteriormente quando a reversão teve, efectivamente, lugar(pelo menos assim resultando dos factos provados). De qualquer modo, os apelantes não põem propriamente em causa a sua responsabilidade (extracontratual, consoante reconhecido na sentença), situando-se, antes, no âmbito da obrigação cumprida pelo A. dizendo que o cumprimento que o A. fez foi o de uma obrigação natural.
De acordo com o art. 402 do CC a obrigação diz-se natural quando se funda num mero dever de ordem moral ou social cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.
As obrigações naturais têm, pois, três características: fundamento em mero dever de ordem moral ou social; correspondendo a um dever de justiça; de cumprimento não judicialmente exigível.
No caso dos autos não se vislumbra em que termos sobre o A. impendia qualquer dever de ordem moral ou social de pagamento das quantias em causa correspondendo tal pagamento a um dever de justiça.
Não estaremos, assim, perante o cumprimento de uma obrigação natural.
* IV – 5 - Reconheceu-se na sentença recorrida que o A. não seria responsável pelo pagamento dos valores referentes às coimas, atribuindo-se a obrigação desse pagamento aos RR. aqui apelantes – do que estes, aliás, não chegam a discordar. Os apelantes afirmam que o A. não tinha que pagar aquilo que pagou à DGSI - referente às coimas - e não que eles próprios não estivessem obrigados à satisfação dessas prestações.
O que os apelantes sustentam é que o instituto do enriquecimento sem causa não poderá ter aplicação visto o suposto empobrecimento do A. ter resultado do cumprimento de uma obrigação natural, tendo não só pago aquilo que não tinha que pagar como aquilo que lhe seria fácil demonstrar que não lhe podia ser exigido.
Como vimos, a obrigação que o A. cumpriu não era uma obrigação natural, falhando, desde logo, o pressuposto em que os apelantes se apoiam.
Nos termos do art. 473, nº 1, do CC, aquele que sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
Vem-se entendendo que a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos ([7]):
1 – Que haja um enriquecimento, consistindo este na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista – aumento do activo patrimonial, diminuição do passivo, uso ou consumo de direito alheio, ou exercício de direito alheio, poupança de despesas;
2 - Que aquele enriquecimento careça de causa justificativa, ou porque nunca a tenha tido, ou tendo-a inicialmente a haja depois perdido – o que se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que à luz dos princípios aceites no sistema legitime o enriquecimento;
3 - Que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
No caso que nos ocupa o pagamento das coimas seria da responsabilidade dos RR. apelantes, havendo um enriquecimento destes directamente relacionado com o empobrecimento correspondente do A. quando ele assumiu aquele pagamento e inexistindo causa justificativa para o referido enriquecimento ([8]).
Improcede, pois, a argumentação dos apelantes.
* V – Face ao exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
*
Lisboa, 9 de Junho de 2010
Maria José Mouro
Neto Neves
Teresa Albuquerque
[1] O que sucedeu até Novembro daquele ano, embora desde o início da constituição da sociedade apenas os RR. Carlos Augusto Teixeira da Costa e Júlio Teixeira da Costa exercessem de facto as funções de gerência. [2] De fls. 125 e segs. retira-se que foi determinada a notificação dos apelantes para o exercício do direito de audição prévia, sendo os fundamentos da reversão a inexistência/insuficiência de bens do originário devedor e o exercício da gerência na data a que respeitam os factos tributários (arts. 23 e 24, nº 1-b) da LGT, que essa notificação para exercer o direito de audição prévia para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão teve lugar, vindo a ser determinada a citação dos apelantes, por reversão, para no prazo assinalado pagarem a quantia que contra si revertera. [3] Em «Lei Geral Tributária Anotada», pag. 141. [4] Assim, entendeu-se no acórdão do STJ de 24-10-2006, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 06A2476: «… desde já haverá a esclarecer, que, reportando-se a omissão invocada pelo recorrente à apreciação, in concretu, da totalidade dos requisitos exigíveis para a reversão da execução contra os responsáveis subsidiários, requisitos esses que se traduzem:
- na inexistência de bens penhoráveis do devedor ; ou,
- na fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido,
- art. 153º, n.º 2 do CPPT -, sempre, todavia, seria no processo de execução fiscal que haveria lugar ao apuramento da existência ou inexistência dos referidos pressupostos e não em acção cuja tramitação decorre nos tribunais comuns». [5] Ver, a propósito, Menezes Leitão, «Direito das Obrigações», vol. I, 5ª edição, pag. 171. [6] Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. I, pag. 510 e Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», I vol. (4ª edição), pag. 691. [7] Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. I, pag. 427; Antunes Varela, obra citada, pags. 401-418. [8] Como ensina Almeida Costa, «Direito das Obrigações», 5ª edição, pag. 400, reputa-se que o enriquecimento carece de causa «quando o direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial…»