ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
Sumário

«1. Perante a falta de pagamento de rendas, o senhorio tem duas vias legais diante de si. Se enveredar por uma, obtém a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas e o valor destas em singelo. Se for pela outra, protege o contrato, deixando-o subsistente, e cobra, além das rendas, uma indemnização correspondente a 50% do seu valor.
2. A parte final do o n.º 1 do Artigo 1041.º do Código Civil apenas exclui a indemnização se ocorrer, cumulativamente: a) a resolução do contrato e b) essa resolução se tiver fundado na omissão do pagamento das rendas de emanação contratual.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

C, com os sinais constantes dos autos, intentou contra E, neles também melhor identificada, acção declarativa de condenação com processo ordinário pela qual pediu a condenação da Demandada no pagamento da quantia de € 24.864,31 acrescida de «juros legais» à taxa anual de 4% a contar desde a citação até efectivo pagamento.
Alegou, para o efeito, que:
Deu três lojas de arrendamento comercial de duração limitada mediante o pagamento de € 2.500,00 de renda, alterada para € 2.577,50 a partir de 1/2/2007, sendo que o contrato teve o seu início no dia 1 de Fevereiro de 2006; a Ré constituiu-se fiadora da locatária; a inquilina deixou injustificadamente de pagar as rendas devidas a partir de Novembro de 2006, estando assim em dívida as relativas aos meses de Dezembro de 2006 a Maio de 2007; deixou, igualmente, de satisfazer as dívidas de condomínio no montante de € 2.099,31.
A Ré contestou, defendendo-se por excepção mediante invocação da incompetência territorial do Tribunal e dando conta de não ter tomado consciência de que teria, no contrato, renunciado ao benefício da excussão prévia.
Concluiu apenas dever o processo ser enviado para o Tribunal competente.
Este articulado foi objecto de resposta, tendo o Demandante sustentado a improcedência da excepção.
Foi elaborado despacho saneador que julgou improcedente tal excepção e, acto contínuo, proferida decisão de mérito por, alegadamente, possuírem já os autos todos os elementos a ela necessários.
Essa decisão julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar ao Autor «15.310,00 € de rendas em atraso referentes aos meses de Dezembro de 2006 a Maio de 2007» e «1899,31 € de despesas de condomínio em atraso», absolvendo-a do mais peticionado.
É desta decisão que vem o presente recurso de apelação interposto pelo Demandante.
Este formulou as seguintes conclusões:
O despacho saneador/sentença proferido julgou improcedente o pedido de pagamento da indemnização legal correspondente a 50% das rendas em dívida e não conheceu sequer do pedido acessório dos juros de mora; porém, a presente acção não tem a natureza de uma acção de despejo, pois nenhum dos pedidos nela formulado tinha em vista a obtenção da cessação do arrendamento, tanto mais que o contrato que tinha por objecto o locado dos autos cessou por iniciativa da própria sociedade inquilina pelo que, «tal contrato não foi assim resolvido pelo senhorio e aqui A., nem muito menos foi isso sequer realizado com base na falta de pagamento das rendas peticionadas»; por via disso, e para além do montante dessas rendas em atraso, o A. tem igualmente direito a haver da própria Ré, como fiadora e principal pagadora que é da sociedade arrendatária, o valor da indemnização legal correspondente a 50% do montante das aludidas rendas em dívida; acresce que, na petição inicial, o A. formulou também o pedido acessório de juros de mora, à taxa anual de 4%, contados desde a data da citação e até ao efectivo pagamento das quantias aí reclamadas; porém, a sentença recorrida não se pronunciou por qualquer forma acerca de tal pedido acessório, o que configura e se traduziu, pois, na nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do art. 668°, do C.P.C.; a sentença recorrida, na parte impugnada, por errada interpretação e/ou aplicação, violou, assim, entre outras disposições legais, o art. 1041.º, n.º 1, do Código Civil e o art. 668.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C.
Terminou pedindo que fosse alterada a sentença recorrida e substituída, na parte impugnada, «por outra decisão que julgue também procedente: (i) o pedido de pagamento da quantia de €7.655,00 referente à indemnização legal correspondente a 50% do valor das rendas em dívida e (ii) o pedido acessório dos juros de mora sobre todas as quantias peticionadas, à taxa anual de 4%, contados desde a data da citação e até à do efectivo pagamento dessas quantias, e condene ainda a Ré a satisfazer esses pagamentos ao A».
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. Dado que o contrato em apreço nos autos não foi resolvido com fundamento na falta de pagamento de rendas, tem o Demandante direito a indemnização por mora do locatário, a ser paga pela fiadora demandada?
2. A sentença recorrida omitiu pronuncia relativa à matéria dos juros moratórios, que são devidos à taxa indicada e deverão ser contemplados na decisão final deste processo?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vêm provados os seguintes factos, que não foram postos em crise no recurso:
1. Por escrito particular datado de 7 de Fevereiro de 2006, o A. deu de arrendamento comercial de duração limitada, para os fins a que são destinadas, nomeadamente para o comércio de bebidas e comidas, à sociedade por quotas denominada J, Lda., as fracções autónomas designadas pelas letras "R", "S" e "T", correspondentes, respectivamente, às lojas n.ºs 20, 21 e 22, do prédio urbano….;
2. O referido contrato teve o seu início no dia 1 de Fevereiro de 2006, embora com quarenta e três dias de carência de renda, e esta foi inicialmente estabelecida em € 2.500,00 e alterada para € 2.577,50 a partir de 1/2/2007, mercê da correspondente actualização anual;
3. A Ré constituiu-se fiadora da locatária e obrigou-se como «principal pagadora, sem os limites previstos no art. 655.º do Código Civil, e com renúncia ao benefício da excursão prévia, mantendo-se assim a mesma fiança para todo o período de vigência do contrato e eventuais renovações, mesmo após a alteração da renda e o eventual decurso do prazo de cinco anos, previsto no nº 2 da supra citada disposição legal»;
4. A J, Lda. deixou injustificadamente de pagar as rendas devidas a partir de Novembro de 2006, estando assim em dívida as relativas aos meses de Dezembro de 2006 a Maio de 2007, no montante global de € 15.310,00;
5. A J, Lda. deixou igualmente de satisfazer o pagamento das despesas de condomínio no montante de €2.099,31, sendo € 1.407,61 relativas ao ano de 2006 e € 691,70 dos meses de Janeiro a Maio de 2007;
6. O contrato findou em Maio de 2007, tendo sido entregue ao Autor o locado.
Fundamentação de Direito
1. Dado que o contrato em apreço nos autos não foi resolvido com fundamento na falta de pagamento de rendas, tem o Demandante direito a indemnização por mora do locatário, a ser paga pela fiadora demandada?
São adequadas a qualificação do contrato feita na sentença e o enquadramento jurídico da fonte das obrigações da demandada aí realizado.
Por esta razão e porque tal matéria não foi questionada no recurso, avançar-se-á, de imediato para a análise da concreta questão proposta para avaliação.
A norma decisiva para a solução do problema proposto é o n.º 1 do Artigo 1041.º do Código Civil, com o seguinte teor: «1. Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento».
Resulta até de uma linear hermenêutica jurídica que, perante a falta de pagamento de rendas, o senhorio tem duas vias legais diante de si. Se enveredar por uma, obtém a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas e o valor destas em singelo. Se for pela outra, protege o contrato, deixando-o subsistente, e cobra, além das rendas, uma indemnização correspondente a 50% do seu valor.
A parte final do preceito apenas exclui a indemnização se ocorrer, cumulativamente: a) a resolução do contrato e b) essa resolução se tiver fundado na omissão do pagamento das rendas de emanação contratual (vd., neste sentido, COELHO, F. M. Pereira, Arrendamento, Lições ao curso do 5.º ano de Ciências Jurídicas no ano lectivo de 1986-1987, Coimbra, 1987, pág. 180).
Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça esclareceu que: «(...) II – O artigo 1041º do Código Civil concede ao locador o direito à indemnização aí referida, desde a mora, sob condição (resolutiva) de aquele não obter a resolução do contrato com base na falta de pagamento da renda, dependendo, porém, a verificação da condição da efectiva resolução com esse fundamento. Não deriva, de resto, da lei que o pagamento da indemnização apenas seja obrigatório quando o locatário mantém ou pretende manter o arrendamento, pelo que o referido direito do locador se não extingue se o locatário voluntariamente, ainda que na pendência da acção de despejo, abandonar ou entregar o locado» (Boletim do Ministério da Justiça 406, 601)
A simplicidade da questão dispensa mais densas considerações.
Não resulta dos factos provados que o senhorio tenha resolvido o contrato com aquele fundamento, sendo da Demandada o ónus da respectiva alegação e prova nos termos do disposto no n.º 2 do art. 342.º do Código Civil.
A sentença recorrida não merece subsistir por ter considerado, sem matéria fáctica que sustentasse essa conclusão, que o «fim» do contrato em apreço ocorreu com fundamento na falta de pagamento de rendas. Tal não resulta, designadamente, do n.º 6 dos factos provados.

2. A sentença recorrida omitiu pronuncia relativa à matéria dos juros moratórios, que são devidos à taxa indicada e deverão ser contemplados na decisão final deste processo?
A sentença ignorou literalmente a questão dos juros.
Ora, como se sublinhava no aresto jurisprudencial emanado do Supremo Tribunal de Justiça supra-invocado, «(…) III – A mora no cumprimento da obrigação da indemnização de montante fixo taxado no artigo 1041º do Código Civil tem as consequências cominadas nos artigos 804.º e seguintes deste Código, correndo os juros compensatórios respectivos desde o dia da constituição em mora (artigo 806.º, n.º 1)».
É juridicamente aceitável o pedido de contagem dos juros desde a citação, face ao disposto no n.º 1 do art. art. 805.º do Código Civil.
Os juros devidos são os legais – ex vi do n.º 2 do art. 806.º do mesmo encadeado normativo.
Tais juros devem ser contados à taxa emergente da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril – 4% – até integral pagamento.

III. DECISÃO
Pelo exposto:
Julgamos a apelação do Autor totalmente procedente e, em consequência, revogamos a sentença recorrida e condenamos a Ré a pagar-lhe a quantia de 24.864,31 EUR acrescida de juros a contar à taxa legal desde a citação até integral pagamento, sendo a mesma, presentemente, de 4% ao ano.
Custas pela Recorrida.

Lisboa, 24 Julho de 2010

Carlos Manuel Gonçalves de Melo Marinho (Relator)
José Albino Caetano Duarte (1.º Adjunto)
António Pedro Ferreira de Almeida (2.º Adjunto)