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MARCAS
REGISTO DE MARCA
USO
FALTA
PROVA
CADUCIDADE
Sumário
I – O titular da marca que tivesse omitido a declaração de intenção de uso da marca prevista no art.º 256.º do CPI podia obstar à caducidade do seu registo se, nomeadamente ao ser notificado para se pronunciar sobre requerimento de declaração da caducidade do registo da marca, fizesse prova do seu uso efectivo. II – A supra aludida obrigação de declaração de intenção de uso da marca foi eliminada pelo Dec.-Lei n.º 143/2008, de 25.7, tendo sido vontade expressa do legislador aplicar imediatamente a revogação da obrigação de declaração de intenção de uso de marca e do consequente regime de caducidade do respectivo registo a situações em que se verifique tal omissão e ainda não tenha sido declarada a caducidade do registo. (JL)
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Em 28.6.2006 T..., sociedade francesa, com sede em ... Paris, França, interpôs no Tribunal de Comércio de Lisboa recurso do despacho do Director de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de 29 de Agosto de 2005, proferido em sede de subdelegação de competências do Conselho de Administração, que indeferiu o pedido de declaração de caducidade do registo da marca nominativa nacional n.º ... “THALES”, pertencente a D..., Lda.
A recorrente alegou, em síntese, que em 01.02.2003 apresentou perante o INPI pedido de registo da marca “THALES”, para assinalar produtos da classe 9.ª, ou seja, computadores, periféricos de computadores, etc.. Acontece que o INPI considerou o registo da referida marca nacional THALES, pertencente a “D...”, obstativo à protecção da marca internacional THALES, da ora recorrente. Na sequência do correspondente despacho de recusa provisória parcial de protecção proferido pelo INPI, a ora recorrente apresentou, em 26.11.2006, um pedido de declaração de caducidade do registo da marca nacional “THALES”, o que fez com o fundamento de não ter sido apresentada a legalmente devida declaração de intenção de uso referente ao ano de 1999. Notificada para, querendo, responder, a D... veio dizer que não cumprira a aludida formalidade por a desconhecer e juntou cinco facturas que os serviços do INPI consideraram aptas a comprovar o uso de tal marca. Seguidamente o INPI indeferiu o pedido de declaração de caducidade da marca nacional “THALES”. Ora, diz a recorrente, nos termos do artigo 256.º n.º 3 do CPI, as marcas para as quais não foi apresentada declaração de intenção de uso não são oponíveis a terceiros, sendo declarada a caducidade do respectivo registo pelo INPI a requerimento de qualquer interessado ou quando se verifique prejuízo de direitos de terceiros no momento da concessão de outros registos. Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, o registo só será de novo considerado em vigor se o titular fizer prova de uso da marca e não tiver sido pedida nem declarada a caducidade do registo. Ora, a D... tentou fazer a prova do uso da marca já após ter sido formulado o pedido de declaração de caducidade do registo.
A recorrente terminou pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se a caducidade do registo da marca nacional n.º ... “THALES”.
Remetido o processo administrativo pelo INPI, a recorrida respondeu ao recurso, pugnando pela confirmação do despacho recorrido.
Em 14.10.2009 foi proferida sentença que concedeu provimento ao recurso e consequentemente revogou o aludido despacho e declarou a caducidade da marca nacional n.º ... “THALES”.
A recorrida apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1.ª A sentença recorrida ao revogar o despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial violou o disposto nos arts. 36° n° 5 do Código da Propriedade Industrial (CPI) aprovado pelo Decreto-Lei n° 16/95, de 24 de Janeiro, 256° n° 6 e 270° n° 3 do CPI aprovado pelo Decreto-Lei n° 36/2003 e 10° n° 2 do Decreto-Lei n° 143/2008.
2.ª Na sentença recorrida foi entendido que, após a apresentação de um pedido de caducidade do registo, não é possível mais ao seu titular ilidir a presunção estabelecida no art. 269° n° 1 do CPI de 2003, correspondente ao art. 216° n° 1 do Código de 1995.
3.ª Tal entendimento vai em sentido contrário ao preceituado na Lei – Códigos de 1995 e de 2003 - e, com mais ênfase, nas alterações operadas pelo Decreto-Lei n° 143/2008.
4.ª Fazendo uma análise aos preceitos legais que disciplinam esta matéria, observa-se a tendência de uma cada vez maior protecção do titular do registo face a terceiros que, recorrendo unicamente ao não cumprimento de formalismos previstos na lei, vêm, na verdade, apropriar-se de um direito pertencente àqueles.
5.ª Daí, que o despacho emanado do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), face à prova de uso da Marca apresentada pelo legítimo titular, não pudesse ser outro senão de indeferimento do pedido de caducidade apresentado pela agora Recorrida (Recorrente na primeira instância).
6.ª A presunção do não uso da Marca estabelecida no art. 269° n° 1 do Código de 2003, decorrente do não cumprimento do disposto no art. 256° n° 1, é, por força da conjugação do disposto nos arts. 256° n°6, 269° n° 4 e 270° n° 3, todos do mesmo Código, ilídivel por prova em contrário pelo titular do direito.
7.ª O n° 6° do art. 256° determina expressamente que "no caso previsto no n° 3 (quando é apresentado um pedido de caducidade por falta da apresentação da declaração de intenção de uso) há sempre lugar a notificaçãodo titular do registo".
8.ªE o 270° n° 3. "o titular do registo é sempre notificado do pedido de declaração de caducidade para responder, querendo, no prazo de dois meses"(correspondente ao art. 36° n° 5 do Código de 1995).
9.ª É esta a melhor interpretação que decorre da evolução legislativa verificada nesta matéria. Veja-se a opção legislativa tomada nas alterações operadas pelo Decreto-Lei n° 143/2008, de 25 de Julho, ao extinguir, pura e simplesmente, a obrigatoriedade, que vigorava nos Códigos anteriores, de apresentação da declaração de intenção de uso para manter um registo de Marca. É a supremacia da substância sobre a forma.
10.ª Sendo que o art. 10° n° 2 deste Decreto-Lei preceitua que "o número anterior (que dispensa os titulares de registos de marca da apresentação da declaração de intenção de uso) é aplicável aos titulares de registo de marca que, à data da publicação do presente decreto-lei, não tenham apresentado atempadamente a declaração de intenção de uso, deixando de poder ser declarada a caducidade dos respectivos registos oficiosamente pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial ou a requerimento de qualquer interessado."
11.ª Nos termos do art. 16° n° 2, este art. 10° entrou em vigor em 26 de Julho de 2008 pelo que, aplicando-o ao caso dos autos, a sentença recorrida deverá ser, pura e simplesmente, revogada.
A apelante terminou pedindo que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que reponha o despacho que indeferiu o pedido de declaração de caducidade da marca nacional n.º ... "THALES".
A apelada contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A concessão do registo de uma marca confere ao seu titular um direito ao uso exclusivo daquela, no que concerne aos produtos e serviços assinalados aquando do pedido de registo, sendo que esse direito de monopólio não é ilimitado.
2. O titular do registo de uma marca tem não só o direito de a usar mas ainda o dever de a usar.
3. O direito de monopólio está limitado pelo efectivo uso da marca à qual foi conferida protecção pelo registo.
4. A Apelante subverte ou pretende subverter as mais elementares regras de processo civil apresentando um extenso rol de factos novos em sede de recurso tentando por esta via alcançar o que não logrou atingir em sede de 1.ª Instância.
5. Está vedado à Apelante trazer a juízo nesta sede novos factos, para além de que são absolutamente irrelevantes no que concerne ao âmbito do presente recurso.
6. De acordo com o consagrado no art.° 256.° n.° 3 e n.° 4 do CPI de 2003, a falta de apresentação da declaração de intenção de uso faz presumir o não uso do sinal.
7. Esta é uma presunção juris tantum, e a Lei estipula que a predita presunção possa ser ilidida.
8. Não obstante, a Lei não estatui que essa presunção possa ser ilidida a todo o tempo.
9. A possibilidade de ilidir a presunção do não uso da marca registada preclude se tiver sido pedida ou declarada a caducidade do registo.
10. O regime legalmente fixado no CPI de 2003 preceituava que a partir do momento em que fosse pedida a declaração de caducidade do registo da marca, estava vedado ao titular desta, fazer prova que afastasse a presunção.
11. Das disposições conjugadas dos n.os 3 e 4 do art.° 256.° do CPI de 2003 resulta que quando o titular de uma marca não apresentava a declaração de intenção de uso da marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial a marca não era oponível a terceiros, e a caducidade do registo da marca era declarada pelo INPI a requerimento de qualquer interessado ou quando se verificasse prejuízo de direitos de terceiros no momento da concessão de outros registos.
12. Apenas quando não tivesse sido pedida ou declarada a caducidade do registo da marca poderia o titular desta fazer prova do seu uso para que a marca ficasse novamente em pleno vigor.
13. Nenhum outro entendimento do estatuído no art.° 256.° n.° 3 do CPI de 2003 e supra vertido, seria possível sob pena de este normativo ficar esvaziado do seu conteúdo, na medida em que a marca em relação à qual não tivesse sido apresentada declaração de intenção de uso continuaria a ser oponível a terceiros bastando para tal que o seu titular, após notificado do pedido de declaração de caducidade, viesse fazer prova do uso, o que não é de todo legalmente admissível.
14. Face ao supra exposto, a decisão do tribunal a quo é irrepreensível, devendo ser negado provimento ao recurso e mantendo-se a sentença recorrida, que declara a caducidade da marca nacional n.° ... THALES.
Foram colhidos os vistos legais. FUNDAMENTAÇÃO
A questão a apreciar neste recurso é se, omitida que foi a declaração da intenção de uso da marca titulada pela apelante, deve ser declarada a caducidade do respectivo registo.
O tribunal a quo deu como provada a seguinte Matéria de facto
1 - Por despacho datado de 07 de Abril de 1994 o I.N.P.I. concedeu o registo da marca nacional n° ... "THALES", pedido por "D..., Lda.", destinada a assinalar produtos da classe 9a" ---
2 — Até 26 de Novembro de 2002 não foi apresentada qualquer declaração de intenção de uso da referida marca.
3 — Em 26 de Novembro de 2002 a ora recorrente pediu a declaração de caducidade da marca referida em 1 invocando falta de uso sério.
4 — Notificada a titular da marca, apresentou, em 3 de Junho de 2003, declaração de intenção de uso e cinco facturas, datadas de 17 de Dezembro de 1999, 29 de Dezembro de 2000, 5 de Março de 2001, 18 de Abril de 2002 e 19 de Maio de 2003, juntas a fls. 13 a 17 do apenso, bem como contestação ao pedido de declaração de caducidade.
5 - Por despacho de 29 de Agosto de 2005 o Sr. Vogal do Conselho de Administração do I.N.P.L, por delegação de competências, indeferiu o pedido de declaração de caducidade da marca por entender que a sua titular provou o uso da mesma e, por conseguinte, infirmou a presunção decorrente da falta de apresentação da declaração de intenção de uso.
6 – A recorrente requereu a extensão a Portugal do registo da marca internacional ° ..., destinada a assinalar entre outros produtos da classe 9a.
7 – Tendo o respectivo pedido sido indeferido no que aos produtos da classe 9a respeita por ser confundível com a marca recorrida.
À enunciação dos factos provados operada na sentença recorrida há tão só que censurar o conteúdo do n.º 3: efectivamente, conforme decorre do processo administrativo, em que se baseou o juízo sobre a matéria de facto, a ora apelada não pediu a declaração de caducidade da marca referida em 1 invocando “falta de uso sério”, mas tão só invocando a circunstância de a ora apelante não ter apresentado a declaração de intenção de uso referente ao ano de 1999.
Nesta parte, pois, altera-se a matéria de facto (art.º 712.º n.º 1 alínea b) do CPC). O Direito
O despacho recorrido foi proferido em 29.8.2005, quando vigorava o Código de Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março (o qual entrou em vigor em 1 de Julho de 2003).
Será pois, este o diploma que servirá como ponto de partida para a análise da matéria deste recurso, sem prejuízo da apreciação de diplomas que o antecederam e bem assim da alteração a ele introduzida pelo Dec.-Lei n.º 143/2008, de 25.7 (o CPI de 2003 foi alterado por outros diplomas para além do Dec.-Lei n.º 143/2008, mas sem relevo para o caso em apreço).
A marca é um sinal distintivo dos produtos ou serviços de uma empresa, destinado e adequado a distingui-los dos de outra empresa (cfr. art.º 222.º do CPI).
O registo da marca confere ao seu titular o direito exclusivo de usar a marca nos produtos ou serviços a que se destina e o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de a usar em produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca foi registada, se desse uso resultar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor (artigos 228.º e 258.º do CPI).
Porém, o titular da marca tem não só o direito de a usar mas também o dever de a usar, sob pena de violação do princípio geral da lealdade de concorrência (Luís Couto Gonçalves, “Manual de direito industrial: patentes, marcas, concorrência desleal”, Almedina, 2005, pág. 320). Conforme escreve o Professor Oliveira Ascensão, citado na sentença recorrida, “os direitos industriais não servem para jogos especulativos, para meras reservas de lugar, mas têm contrapartida no desempenho de uma função socialmente útil” (Direito Comercial, vol. II, Lisboa, páginas 180 e 181).
O CPI de 1940, aprovado pelo Decreto n.º 30 679, de 24 de Agosto, previa, no n.º 3 do art.º 124.º, que o registo da marca caducava “se a marca não for usada durante três anos consecutivos, salvo caso de força maior devidamente justificada.”
O Dec.-Lei n.º 176/80, de 30.5, introduziu alterações ao nível da caducidade das marcas. A razão de ser de tais alterações constam no preâmbulo do diploma, que se transcreve:
“A efectivação da caducidade por falta de uso da marca é uma exigência de todas as legislações, incluindo a portuguesa, mas que tem sido entre nós inoperante e que manifestamente convém tornar eficaz. Assim, será possível considerar caducos muitos registos de marcas que nos chegam do estrangeiro, que não têm sido aplicados em Portugal e que, por isso mesmo, constituem, sem qualquer utilidade prática, um impedimento para novos registos.”
O artigo 1º do diploma estipulava que “de cinco em cinco anos, salvo quando forem devidas as taxas relativas à renovação do registo, os titulares dos registos de marcas deverão apresentar uma declaração de uso da sua marca, sem a qual esta se presumirá não usada”.
Porém, declarada a caducidade, “a partir da publicação do aviso de caducidade por falta de declaração de intenção de uso, o titular do registo terá o prazo de um ano para pedir a revalidação do registo fazendo prova do uso da marca.” (art.º 2.º do diploma).
A obrigatoriedade do uso da marca foi expressamente consagrada, ao nível comunitário, na Directiva do Conselho, de 21.12.1988 (89/104/CEE), que visou a harmonização das legislações do Estados-membros em matéria de marcas. No respectivo artigo 10.º n.º 1 determinou-se que “se, num prazo de cinco anos a contar da data do encerramento do processo do registo, a marca não tiver sido objecto de uso sério pelo seu titular, no Estado-membro em questão, para os produtos ou serviços para que foi registada, ou se tal uso tiver sido suspenso durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca fica sujeita às sanções previstas na presente directiva, salvo justo motivo para a falta de uso.”
No art.º 12.º da Directiva, sob a epígrafe “motivos de caducidade”, estipulou-se, no n.º 1, o seguinte:
“O registo de uma marca fica passível de caducidade se, durante um período ininterrupto de cinco anos, não tiver sido objecto de uso sério no Estado-membro em causa para os produtos ou serviços para que foi registada e se não existirem motivos justos para o seu não uso; contudo, ninguém poderá requerer a caducidade do registo de uma marca se, durante o intervalo entre o fim do período de cinco anos e a introdução do pedido de caducidade, tiver sido iniciado ou reatado um uso sério da marca; o início ou o reatamento do uso nos três meses imediatamente anteriores à introdução do pedido de caducidade, contados a partir do fim do período ininterrupto de cinco anos de não uso, não será, contudo, tomado em consideração se as diligências para o início ou reatamento do uso só ocorrerem depois de o titular tomar conhecimento de que pode vir a ser intoduzido um pedido de caducidade.”
A obrigação do uso da marca sob pena de caducidade foi justificada no oitavo considerando do preâmbulo da Directiva com a finalidade de “reduzir o número total de marcas registadas e protegidas na Comunidade e, por conseguinte, o número de conflitos que surgem entre elas”.
O Código de Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro, integrou no seu seio normas destinadas a cumprir a aludida Directiva (cfr. art.º 216.º).
Também o actual CPI tem em conta o aludido instrumento comunitário.
Assim, no n.º 1 do art.º 269.º estipula-se que “a caducidade do registo deve ser declarada se a marca não tiver sido objecto de uso sério durante cinco anos consecutivos, salvo justo motivo e sem prejuízo do disposto no n.º 4 e no artigo 268.º”
O n.º 4 do art.º 269.º estabelece que “o registo não caduca se, antes de requerida a declaração de caducidade, já tiver sido iniciado ou reatado o uso sério da marca, sem prejuízo do que se dispõe no n.º 4 do artigo anterior.”
O n.º 4 do art.º 268.º dispõe que “o início ou o reatamento do uso sério nos três meses imediatamente anteriores à apresentação de um pedido de declaração de caducidade, contados a partir do fim do período ininterrupto de cinco anos de não uso, não é, contudo, tomado em consideração se as diligências para o início ou reatamento do uso só ocorrerem depois de o titular tomar conhecimento de que pode vir a ser efectuado esse pedido de declaração de caducidade.”
O prazo de caducidade inicia-se com o registo da marca (n.º 5 do art.º 269.º).
Os pedidos de declaração de caducidade são apresentados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (n.º 1 do art.º 270.º).
Nos termos do n.º 2 do art.º 270.º, “estes pedidos podem fundamentar-se em qualquer dos motivos estabelecidos nos n.ºs 1 a 3 do artigo anterior, ou que indiciem a falta de uso de marca e a sua não oponibilidade em relação a terceiros”.
O motivo de caducidade estabelecido no n.º 1 do artigo 269.º é, como se viu supra, o facto de a marca não ter sido objecto de uso sério durante cinco anos consecutivos. Quanto à parte final do n.º 2 do art.º 270.º, em que se refere como fundamento da declaração da caducidade do registo da marca “motivos (…) que indiciem a falta de uso de marca e a sua não oponibilidade em relação a terceiros”, tem-se em vista, nomeadamente, situações em que o titular da marca não procedeu à declaração de intenção de uso da mesma (neste sentido, Luís Couto Gonçalves, obra citada, pág. 319; Jorge Cruz, Código da Propriedade Industrial, Lisboa 2003, Edição-Pedro Ferreira, pág. 658).
Com efeito, nos termos do n.º 1 do art.º 256.º do CPI, “de cinco em cinco anos, a contar da data do registo, salvo quando forem devidas as taxas relativas à renovação, deve ser apresentada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial uma declaração de intenção de uso da marca.”
Essa declaração deve ser apresentada “no prazo de um ano, que se inicia seis meses antes e termina seis meses após o termo do período de cinco anos a que respeita” (n.º 2 do art.º 256.º).
A falta da referida declaração terá como efeito que a marca não será oponível a terceiro, “sendo declarada a caducidade do respectivo registo pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, a requerimento de qualquer interessado, ou quando se verifique prejuízo de direitos de terceiros no momento da concessão de outros registos” (n.º 3 do art.º 256.º).
Porém, “se não tiver sido pedida nem declarada a caducidade do registo, este é novamente considerado em pleno vigor desde que o titular faça prova de uso da marca” (n.º 4 do art.º 256.º).
No CPI de 1995 a obrigação de declaração de intenção de uso foi prevista em termos idênticos aos que passaram para o actual Código (art.º 195.º do CPI de 1995), com a diferença de que no CPI de 1995 manteve-se a expressa menção, herdada do Dec.-Lei n.º 176/80, de que sem a falta de declaração de intenção de uso presumir-se-ia que esta não estava a ser usada. Por outro lado, tanto no CPI de 1995, como no de 2003, deixou de se prever, contrariamente ao que acontecia no Dec.-Lei n.º 176/80, a possibilidade de, no prazo de um ano a contar da “publicação do aviso de caducidade por falta de declaração de intenção de uso, o titular do registo (…) pedir a revalidação do registo fazendo prova do uso da marca.” (art.º 2.º do diploma).
Como se vê, a falta de declaração de intenção de uso poderá fundar um pedido de declaração de caducidade do registo da marca (que se fundará na falta da declaração, sem necessidade de invocação expressa da falta de uso da marca) ou a admissão do registo de marca com ela confundível.
Porém, quem proceder à tempestiva declaração de intenção de uso da marca não fica isento, obviamente, de proceder ao efectivo uso da marca, concretizando a intenção que publicitou. A declaração em causa não substitui nem equivale ao uso da marca. Daí que a existência da declaração não iniba qualquer interessado de invocar o não uso da marca para obter a caducidade do respectivo registo. Ou seja, se não tiver sido emitida a declaração de intenção de uso, ao interessado basta arguir a falta dessa declaração, a qual constitui indício da falta de uso da mesma (citado n.º 2 do art.º 270.º). Emitida a declaração de uso, o interessado que tenha conhecimento que a mesma não tem tradução na realidade poderá requerer a declaração de caducidade do registo da marca invocando o não uso efectivo da marca.
Em todas as situações recairá sobre o titular do registo o ónus da prova do uso da marca. Com efeito, no nº 6 do art.º 270.º do CPI estabelece-se que, no âmbito do processo desencadeado pelo pedido de declaração de caducidade “cumpre ao titular do registo ou a seu licenciado, se o houver, provar o uso da marca, sem o que esta se presume não usada.”
Estabelece-se, aqui, uma inversão do ónus da prova, que recai sobre o titular do registo ou o seu licenciado (Jorge Cruz, obra citada, pág. 710).
Portanto, em regra, tudo quanto se pede ao requerente da declaração de caducidade do registo é que produza indícios da falta de uso da marca (v.g., declarações de comerciantes ou industriais do ramo), pois a última palavra pertence ao titular do registo, provando, eventualmente, o uso da marca durante os últimos cinco anos (cfr. Jorge Cruz, obra citada, pág. 710). Para esse efeito é sempre notificado do pedido de declaração de caducidade, podendo responder no prazo de dois meses, prorrogável (n.ºs 3 a 5 do art.º 270.º do CPI).
O titular do registo da marca deve fazer desta um “uso sério.”
O uso sério é, conforme vem sendo ponderado pela jurisprudência comunitária, o uso efectivo da marca,em conformidade com a sua função essencial que é garantir a identidade de origem dos produtos ou serviços para os quais a marca foi registada, a fim de criar ou conservar um mercado para estes produtos e serviços, com exclusão de usos de carácter simbólico que tenham como único objectivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca (cfr. acórdão do Tribunal de Justiça de 11.3.2004, proferido em sede de pedido de decisão prejudicial no processo Ansul BV contra Ajax Brandbeveiliging BV - processo C-40/01, in Colectânea de Jurisprudência 2003 página I – 02439; Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 15 de Janeiro de 2009, no processo C-495/07, Silberquelle GmbH contra Maselli-Strickmode GmbH, pedido de decisão prejudicial).
Note-se que a Directiva 89/104/CEE do Conselho foi revogada e substituída pela Directiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22.10.2008, a qual não modificou os preceitos pertinentes à obrigação do uso sério das marcas e da consequente caducidade.
A falta de uso sério da marca pelo período ininterrupto de cinco anos fundamenta a caducidade da marca, que pode ser suscitada por qualquer interessado.
Porém, tal caducidade não operará se o uso sério da marca tiver sido iniciado ou reatado antes de ser requerida a declaração de caducidade.
Esta última excepção sofre, por sua vez, uma restrição: se o início ou o reatamento do uso da marca ocorrerem nos três meses imediatamente anteriores à apresentação de um pedido de declaração de caducidade, contados a partir do fim do período ininterrupto de cinco anos de não uso, o início ou o reatamento do uso da marca não serão tomados em consideração se as diligências para o início ou reatamento do uso só ocorrerem depois de o titular tomar conhecimento de que pode vir a ser efectuado esse pedido de declaração de caducidade.
Mas, em suma, em situações em que o titular da marca não a usou durante cinco anos, é-lhe dada a possibilidade de obstar à caducidade do respectivo registo se demonstrar que havia reiniciado o seu uso sério antes da apresentação do requerimento de declaração de caducidade.
Parece lógico, então, que igual possibilidade seja concedida àquele que sempre usou a marca mas apenas omitiu a formalidade administrativa de declarar a intenção de uso da marca.
Porém, não parece ser essa a solução consagrada no CPI de 2003 (tal como no de 1995), face à redacção que temos tido em vista.
Com efeito, recorde-se, o n.º 3 do art.º 256.º do CPI de 2003 (assim como o n.º 3 do art.º 195.º do CPI de 1995) estipula que “as marcas para as quais essa declaração não foi apresentada não serão oponíveis a terceiro, sendo declarada a caducidade do respectivo registo pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, a requerimento de qualquer interessado, ou quando se verifique prejuízo de direitos de terceiros no momento da concessão de outros registos”. E o n.º 4 do aludido artigo 256.º (assim como no n.º 4 do art.º 195.º do CPI de 1995) dispõe que “se não tiver sido pedida nem declarada a caducidade do registo, este é novamente considerado em pleno vigor desde que o titular faça prova de uso da marca”.
Ou seja, aparentemente o titular não poderá fazer prova de uso da marca, se a caducidade já tiver sido pedida.
Foi essa a interpretação dada ao preceito pelo STJ, em acórdão proferido em 24.11.2002, confirmativo de acórdão da Relação de Lisboa, de 21.02.2002 (acórdãos respectivamente publicados na internet, dgsi-itij, processo 02B2488 e processo 00119438 – neste último caso, só sumário), ambos citados pela apelada.
Ora, um tal regime é, conforme se admite no citado acórdão do STJ, “um regime duro, de consequências draconianas, que lança mão, como diz o recorrente, de uma presunção bizarra (da omissão declarativa de um projectado uso futuro presume-se um não uso passado) e que posterga o contraditório na declaração de caducidade.” Ou, como se aventa em comentário a este acórdão publicado in “Vida Judiciária” (n.º 74, Nov./2003, pág. 34, Pedro Iria), “é um sistema teoricamente justo, mas cujas consequências práticas se podem tornar escandalosamente gravosas.”
Mesmo Jorge Cruz, que aplaude o entendimento expresso neste acórdão do STJ (cfr. obra citada, pág. 661 e 662), admite ser “evidente que a não apresentação da DIU [declaração de intenção de uso] não constitui, de per si, um fundamento de caducidade do registo: o fundamento é a falta de uso da marca, conforme dispõe o artigo 12.º da Directiva. Mas a caducidade do registo por falta de uso da marca não é de actuação automática, quer dizer, é necessário apurar ou verificar se a marca está ou não a ser usada: e a DIU não passa de uma formalidade processual que permite essa verificação.” (obra citada, pág. 657).
No n.º 6 do art.º 256º do CPI estipula-se que no caso previsto no n.º 3 “há sempre lugar a notificação do titular do registo”. Também no art.º 270.º, regulador do processo de declaração de caducidade, se estipula, no n.º 3, que o titular do registo é sempre notificado do pedido de declaração de caducidade, para responder.
Jorge Cruz entende que, nos casos de alegada omissão de declaração de intenção de uso da marca, esta notificação tem interesse para eventualmente o titular poder provar que juntou a DIU ao processo, que o INPI não teria detectado ou, até, que a DIU ainda não seria devida; eventualmente possibilitaria ao titular tentar um acordo com o requerente da declaração de caducidade ou o titular do registo da marca oposta, que extinguiria o processo de caducidade (obra citada, pág. 660).
Afigura-se-nos que a notificação do titular tem um âmbito mais vasto: ela destina-se a possibilitar, além das finalidades aventadas por Jorge Cruz, que o titular, que por qualquer razão tenha omitido a tempestiva declaração de intenção de uso, comprove o uso efectivo da marca. Na falta da declaração, o requerente de registo incompatível ou de declaração da caducidade não tem de produzir qualquer prova ou início de prova da falta de uso sério da marca: basta-lhe invocar a falta da declaração. Sobre o titular recai o ónus e a possibilidade de provar que realmente tem usado a marca.
Repita-se: não faz sentido que ao titular que comprovadamente não fez uso da marca por mais de cinco anos (mas fez a declaração de intenção de uso) seja dada a possibilidade de provar que antes do requerimento da declaração de caducidade iniciou ou reiniciou o uso sério da mesma, anulando os efeitos do pedido de declaração da caducidade, e que a quem sempre usou a marca não seja concedido benefício semelhante, apenas porque não cumpriu a aludida formalidade administrativa e o requerimento de declaração da caducidade ou a constatação pelos serviços da incompatibilidade com determinada marca registanda ocorreram antes de ele ter feito a prova do uso sério.
O regime considerado pela sentença do tribunal a quo à luz do art.º 256.º do CPI está em desarmonia com o regime previsto nos artigos 268.º e 269.º do CPI e, afinal, colide com a Directiva, na qual se concede ao titular do registo a possibilidade de provar o uso sério da marca e, mais do que isso, a possibilidade de beneficiar de início ou reinício de uso da marca, comprovadamente ocorrido em prazo razoavelmente anterior ao início das diligências tendo em vista a declaração de caducidade.
A estas incongruências mostra-se sensível Américo da Silva Carvalho, que defende que se o titular da marca não efectua a declaração de intenção de uso, mas continua a usar a marca, se esta for declarada caducada o titular pode recorrer de tal decisão comprovando que está a usar a marca (“Direito de marcas”, Coimbra Editora, 2004, pág. 158).
Também Couto Gonçalves, apodando o regime legal de confuso, defende que o titular da marca que não tenha feito a declaração de intenção de uso deve poder provar o uso efectivo da marca, para obstar à declaração de caducidade do registo (obra citada, páginas 318 e 319).
Consideramos, pois, que a autoridade recorrida (INPI) agiu bem ao ter admitido que a titular do registo fizesse prova do uso sério da marca e, ao considerar conseguida essa prova, tenha indeferido o pedido de declaração de caducidade deduzido pela ora apelada.
Assim, discorda-se da sentença recorrida.
Acresce que o Dec.-Lei n.º 143/2008, de 25.7, introduziu no CPI alterações que bulem directamente com esta matéria.
Conforme consta no respectivo preâmbulo, neste diploma pretendeu-se eliminar “diversas formalidades que oneram os utilizadores do sistema da propriedade industrial desnecessariamente. No que diz respeito às marcas, suprime-se a obrigatoriedade de obtenção do título de concessão e da apresentação periódica da declaração de intenção de uso, reduzindo os custos para obtenção e manutenção de uma marca, que oneravam excessivamente os cidadãos e empresas.”
Assim, foi revogado o art.º 256.º do CPI, eliminando-se por conseguinte a figura da declaração de intenção de uso de marca.
Mais, no Capítulo II do diploma, destinado às “disposições finais e transitórias”, incluiu-se um art.º 10.º, com a seguinte redacção: Declaração de intenção de uso 1 — Aos registos de marca relativamente aos quais, à data da publicação do presente diploma, esteja a decorrer o prazo para entrega de uma declaração de intenção de uso aplicam-se as alterações ao Código da Propriedade Industrial introduzidas pelo presente decreto-lei, ficando os titulares dispensados da sua apresentação. 2 — O número anterior é aplicável aos titulares de registos de marca que, à data da publicação do presente decreto-lei, não tenham apresentado atempadamente a declaração de intenção de uso, deixando de poder ser declarada a caducidade dos respectivos registos, oficiosamente pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial ou a requerimento de qualquer interessado.”
Ou seja, foi vontade expressa do legislador aplicar imediatamente a revogação da obrigação de declaração de intenção de uso de marca e do consequente regime de caducidade do respectivo registo (essa alteração entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação do diploma, nos termos do art.º 16.º n.º 2 do Dec.-Lei), de molde a abarcar situações em que se verificava tal omissão e ainda não havia sido declarada a caducidade do registo.
Ora, era essa a situação aquando da prolação da sentença sob recurso, pelo que mal andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu.
Deve, pois, revogar-se a sentença recorrida, subsistindo o recorrido despacho do INPI. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida, mantendo-se o despacho do Director de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de 29 de Agosto de 2005, proferido em sede de subdelegação de competências do Conselho de Administração, que indeferiu o pedido de declaração de caducidade do registo da marca nominativa nacional n.º ... “THALES”, pertencente a D..., Lda.
As custas são, em ambas as instâncias, a cargo da apelada.
Lisboa, 24.6.2010 Jorge Manuel Leitão Leal Ondina Carmo Alves Ana Paula Boularot