INVENTÁRIO
OPOSIÇÃO
CASO JULGADO
PROPRIEDADE
PRESUNÇÃO
Sumário

- A decisão proferida no incidente de oposição ao inventário não constitui caso julgado quanto a existência de determinado bem a partilhar;
- Não havendo dúvidas sobre a propriedade dos bens, não há que recorrer à pre­sunção do n.º 2 do artigo 1736º do Código Civil.
(sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


No inventário por morte de J, vieram M, L, U e R reclamar da relação de bens. Con­testou a cabeça de casal, F– pedindo a conde­nação das requerentes como litigantes de má fé. A reclamação veio a ser julgada par­cialmente procedente e foi indeferido o pedido de condenação como litigantes de má fé. Desta deci­são vem o presente recurso interposto pelas requerentes/reclamantes, tendo a cabeça de casal interposto recurso subordinado.

As Apelantes alegam, em resumo:
- Foram as recorrentes que requereram o inventário por morte de seu pai, tendo a recorrida deduzido oposição ao inventário com o fundamento de que a partilha estava feita e não havia mais bens a dividir;
- Nessa oposição, veio a ser proferida decisão, que transitou em julgado por não ter sido objecto de recurso, em que se afirma que o inventariado era pos­suidor de bens ainda não partilhados;
- Foi dado como provado, nessa decisão, que o inventariado ficou na posse de bens que, por morte da mãe das requerentes, couberam por partilha à recor­rente I, entre os quais um serviço de chá, um serviço de café e um cofre de prata, bem como outros objectos que compunham o recheio da casa de morada de família do inventariado com a mãe das requerentes;
- E foi ordenado o prosseguimento do inventário para pôr termo à comunhão hereditária por haver bens que ainda não estavam partilhados;
- A decisão recorrida viola o caso julgado constituído pela decisão proferida na oposição ao inventário;
- Havendo uma decisão a mandar prosseguir o inventário por haver determina­dos bens que o despacho sob recurso vem agora considerar como não perten­cendo à herança, esta decisão viola o caso julgado resultante da decisão ante­rior;
- A decisão recorrida pronuncia-se e conhece novamente de matéria já conhe­cida e decidida em decisão anterior;
- A circunstância de não se ter provado agora que tais bens pertenciam ao inven­tariado não pode levar à conclusão de que sejam pertença exclusiva da cabeça de casal, devendo-se presumir que eram compropriedade do inventa­riado e da cabeça de casal;
- A circunstância de não se provar que exista agora o cofre de prata não per­mite retirar a conclusão de que não está provada a existência do dito cofre à datada morte do inventariado;
- Se, à luz da decisão proferida na oposição, havia um cofre que era preciso par­tilhar e o mesmo agora não existe, a cabeça de casal tem de ser responsa­bilizada pelo seu extravio.
A recorrida contralegou, dizendo:
- A oposição ao inventário é um incidente do processo de inventário cuja decisão se basta com a avaliação perfunctória sobre a existência ou não de bens, não se tratando nem tal sendo exigido pela lei, que em definitivo e em concreto se fixem os bens existentes;
- A existência em concreto de bens é decidida posteriormente no processo de inventário por via da apreciação da relação de bens e das reclamações contra esta apresentadas;
- Aliás, as recorrentes fazem uma interpretação deficiente da decisão proferida na oposição já que aí não se provou em concreto que determinados bens tenham sido levados pelo inventariado para a casa onde veio a viver com a cabeça de casal;
- Não há que recorrer à presunção do n.º 2 do artigo 1736º do Código Civil por­que se provou que os bens em causa eram bens próprios da cabeça de casal.
Corridos os vistos, cumpre decidir.



Foram considerados provados os seguintes factos:
- A propósito da oposição ao inventário apresentada pela cabeça de casal foi dado como provado que “também compunham o recheio da casa diversos objectos em prata – como seja, bandejas, jarras, serviços de chá, jarrões, candelabros, cesto do pão – e em cristal, designadamente, serviços de copos, candelabros e lustres”;
- A propósito da reclamação à relação de bens não ficou provado que os bens descritos no artigo 45º do articulado de reclamação à relação de bens (bens do artigo 62º da resposta à oposição) pertencessem ao inventariado;
- A propósito da oposição ao inventário apresentada pela cabeça de casal foi dado como provado que “o pai das interessadas ficou na posse de alguns dos bens que compunham o recheio da casa que tinha com a sua anterior mulher (mãe das ora reque­rentes), bens esses que tinham cabido, por partilha por morte de sua mãe, `interessada I, que à data era menor. O pai das interessadas e a cabeça de casal trouxeram esses bens para a casa onde foram morar e que são, entre outros, um serviço de chá chi­nês, um serviço de chá inglês e um cofre de prata;
- A propósito da reclamação à relação de bens não ficou provado que exista o cofre a que alude o artigo 52º da reclamação;
- Fazem parte da herança do inventariado e não foram partilhados os seguintes bens: 1 fio em ouro grosso, 2 pulseiras em ouro, uma das quais grossa, 2 botões de punho;
- A cabeça de casal, há cerca de 20 anos, comprou ao Dr. M os bens descritos no artigo 36º da resposta à reclamação;
- A cabeça de casal comprou, há cerca de 20 anos, os bens descritos no artigo 37º da resposta à reclamação;
- Os móveis que fazem parte do recheio da casa que foi a última residência do falecido, salvo os relacionados, foram adquiridos pela cabeça de casal com dinheiro próprio.


O âmbito do recurso define-se pelas conclusões das apelantes (artigo 684º do Código de Processo Civil). No presente recurso há que decidir se:
- foi violado o caso julgado;
- deve recorrer-se à presunção do n.º 2 do artigo 1736º do Código Civil.
Dispõe o artigo 671º do Código de Processo Civil:
“1 – Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e seguintes…”
Os artigos 497º a 499º do Código de Processo Civil definem o que se considera caso julgado e dispõem sobre os seus requisitos e efeitos. Em resumo, pode-se dizer que, verificando-se os pressupostos do artigo 498º, referido, não se pode repetir a causa.
Há que apurar qual a relação material controvertida no incidente de oposição ao inventário para se determinar o alcance do caso julgado da respectiva decisão. Aquele incidente visava decidir se haveria lugar a inventário ou se, pelo contrário, já não havia quaisquer bens a partilhar. A decisão proferida apenas decide esta questão material: existência ou não existência de bens a partilhar. Os bens eventualmente referidos no incidente apenas servem de fundamentação da decisão que decide o prosseguimento do inventário mas não podem ser incluídos no alcance do respectivo caso julgado. O que havia a decidir, e foi decidido, era da existência de bens e não da existência deste ou daquele bem determinado. Não pode, por isso, o que consta da fundamentação daquela decisão constituir caso julgado e obstar a que a decisão deste incidente de reclamação se pronuncie sobre a existência ou inexistência e a partilha prévia ou por efectuar de determinado bem em concreto.
Por sua vez, prevê o n.º 2 do artigo 1736º do Código Civil:
“Quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges, os bens móveis ter-se-ão como pertencentes em compropriedade a ambos os cônjuges.”
A decisão ora sob recurso afirma que determinados bens eram bens próprios da cabeça de casal não suscitando quaisquer dúvidas sobre a sua propriedade. O que as recorrentes pretendem é que as suas afirmações quanto à propriedade de determinados bens móveis sejam tomadas como dúvidas e permitam o recurso a este normativo. Só que a decisão, depois de efectuada a prova, concluiu pela propriedade dos bens pela cabeça de casal. E, se a decisão não levanta quaisquer dúvidas quanto a este facto, não necessidade de recurso a esta presunção.
Em resumo:
- A decisão proferida no incidente de oposição ao inventário não constitui caso julgado quanto a existência de determinado bem a partilhar;
- Não havendo dúvidas sobre a propriedade dos bens, não há que recorrer à pre­sunção do n.º 2 do artigo 1736º do Código Civil.



Termos em que acordam negar provimento ao agravo, confir­mando na íntegra o despacho recorrido.
Custas pelas Apelantes.

Lisboa, 24 de Junho de 2010

José Albino Caetano Duarte
António Pedro Ferreira de Almeida
Fernando António Silva Santos