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OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
LIBERALIDADE
SOCIEDADES COMERCIAIS
GARANTIA DO PAGAMENTO
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
CONFISSÃO
Sumário
I – A assunção de dívida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem. II – As sociedades podem validamente praticar actos gratuitos, nomeadamente prestar garantias a dívidas de terceiros quando a esses actos presida um interesse próprio da sociedade garante. III - No caso concreto não está provado nenhum facto do qual resulte que a sociedade tenha um justificado interesse na assunção da dívida perante o exequente. Ao invés, resulta do depoimento de parte do exequente que a assunção de dívida se destinou apenas a prosseguir o interesse do terceiro devedor e o interesse do exequente. Portanto, a assunção de dívida pela sociedade é um acto nulo, porque contrário à lei, nos termos dos art. 280º nº 1 e 294º do Código Civil. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Tribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
O executado “A” deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa instaurada por “B” contra si e contra “C” – Preparação e Comércio de Carnes Lda», “A”, “D” e “E”, alegando, em síntese:
- no documento de confissão de dívida junto como título executivo é referido que a dívida de 53.040.000$00 tem origem em transacções comerciais entre a “C” Lda e o credor “B” ora exequente;
- porém, é falso que a co-executada “C” Lda fosse ou seja devedora ao exequente de qualquer quantia, nomeadamente a referida naquele documento;
- dado que nunca existiram transacções comerciais entre o exequente e a co-executada “C” Lda;
- pelo que tal documento, nomeadamente quanto à existência e confissão do débito aí referidos é falso, impugnando-se o respectivo conteúdo;
- não sendo válida a obrigação principal (de a “C” Lda) também não será a fiança prestada através do documento junto aos autos, que assim não poderá ter-se como título executivo.
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O exequente contestou alegando, em resumo, que a dívida resulta de pagamentos por ele feitos a fornecedores de A “C” Lda, de créditos laborais do exequente sobre essa sociedade por força das funções de gerência que nela exerceu e também representa os pagamentos feitos pelo exequente em nome e a favor da sociedade relativamente à aquisição de bens de equipamento e direitos necessários e no interesse da actividade da mesma sociedade.
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Realizada audiência de discussão e julgamento e dadas as respostas à base instrutória, foi depois proferida sentença que julgou procedente a oposição e determinou a extinção da execução.
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Inconformado, apelou o exequente, tendo sido admitido o recurso.
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II – Questão prévia
Neste Tribunal da Relação foi proferido pela relatora o seguinte despacho:
«A carta para notificação do despacho que admitiu o recurso foi expedida ao recorrente em 07/10/2009, presumindo-se que a notificação foi efectuada em 12/10/2009. Assim, o prazo de 30 dias para a apresentação da alegação terminou em 11/11/2009. Porém, o recorrente só apresentou a sua alegação em 16/11/2009, ou seja, no 3º dia útil posterior, sem que tenha pago a multa prevista no art. 145º do CPC.
Nesta conformidade, proceda a secretaria à notificação do recorrente para proceder ao pagamento da multa nos termos do art. 145º nº 6 do Código de Processo Civil, notificando este despacho».
Veio então o recorrente reclamar para a conferência, invocando, em síntese:
- Do suporte informático (CD) realizado com a gravação da audiência de julgamento, relevância quanto à matéria de facto para o presente recurso, apenas interessa o depoimento de parte do Exequente e aqui recorrente.
- É que o Mmo Juiz a quo decidiu quando da resposta à matéria de facto ou aos quesitos de fls. 65/66, que não se atribui relevo ao depoimento da testemunha “F” atendendo à forma evasiva e omissiva como foi prestado quanto à caracterização das suas relações com o exequente e com os executados, bem como a afirmação genérica de desconhecimento dos negócios celebrados entre o exequente e o opoente incompatível quer com a matéria alegada pelo opoente, quer com o teor do depoimento de parte do exequente.
- Ora, para além do depoimento de parte prestado em audiência de julgamento com gravação da prova, nada mais existe quanto à matéria de facto com interesse em sede de recurso, na medida em que o opoente prescindiu inclusivamente da outra testemunha por ele arrolada.
- Assim, dispõem os nºs 2 e 6 do art. 698º do CPC que “o recorrente alega por escrito no prazo de 30 dias” e que “se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores”.
- Sucede que, sem qualquer margem para dúvida para o recorrente, as alegações por sai apresentadas tem por objecto matéria de facto, conforme prescreve o art. 690º A do CPC nessa parte, e matéria de direito, sendo que as conclusões reafirmam, inequivocamente, tal objecto dual, como fundamento do pedido de apreciação pelo Tribunal Superior e Venerando da Relação de Lisboa.
- Pelo que, no espírito e na acção do recorrente sempre se configurou a única e plausível hipótese do recurso abranger a matéria de facto e a matéria de direito, cuja impugnação daquela é manifesta nas suas alegações, atenta a relevantíssima circunstância de, como resulta da gravação da audiência de julgamento, apenas ter relevância o único elemento de prova quanto à matéria de facto, ou seja, o depoimento de parte.
- Ora, a contagem do prazo para apresentação da suas alegações foi efectuado de acordo com as regras constantes das normas supra referidas do art. 698º do CPC, sendo que o seu termo ocorreria em 21/11/2009.
- Pelo que, no entendimento do recorrente, e salvo o devido respeito, as alegações de recurso foram entregues dentro do prazo.
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A parte contrária não respondeu.
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Apreciando a questão prévia:
A formulação das conclusões do apelante não é bem explícita no que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mas ponderando novamente o corpo da alegação e respectivas conclusões conclui-se que assiste razão ao reclamante.
Na verdade, no ponto 36. da alegação diz o apelante: «Por fim, o Tribunal a quo deu por não provados os três quesitos da base instrutória relativos ao apuramentos das “transacções comerciais”, embora diversa conclusão devesse retirar, na medida em que é inequívoca a existência da dívida e as partes quer na prova documental, quer quanto ao depoimento de parte, e também inequivocamente, identificaram os negócios que estariam na base da declaração de reconhecimento da dívida por parte dos executados.»
E nas alíneas h), i), j),l) das conclusões sustenta:
«h) O Tribunal a quo, de algum modo omitindo as relações negociais que as partes vieram expressamente afirmar aos autos, e que conheciam bem, escudou-se na terminologia conceptual de “transacções comerciais” para negar na sentença o direito do Exequente, nem sequer reconhecendo a sua existência.
i) Apesar de, e algo contraditoriamente, com o devido respeito, em sede de resposta à matéria de facto o Tribunal ter reconhecido que: «A resposta restritiva dada ao quesito 1.º assim resultou em virtude do teor do depoimento de parte do Exequente que admitiu que o montante constante do título executivo não se referia a transacções celebradas entre si e a sociedade de que foi sócio, mas sim a transacção realizada entre si, “F” e as pessoas indicadas pelo mesmo com vista à venda da sociedade e ressarcimento da dívida deste para consigo e com a mesma sociedade.»
j) Por um lado, o Tribunal não teve em conta toda a prova produzida quer pelo Exequente, quer pelo Oponente, quanto aos negócios entre si celebrados, optando por decidir por força de um mero conceito comercial constante do título executivo, mas sem correspondência com a realidade de que o Tribunal tomou directamente conta.
l) Estamos perante um verdadeiro erro de julgamento, na medida em que o Tribunal decidiu, tendo em conta uma realidade que não é aquela que as partes vieram trazer aos autos.».
Nesta conformidade, verificando-se que o apelante impugnou a decisão sobre a matéria de facto, invocando o teor do depoimento de parte que prestou em audiência de discussão e julgamento, conclui-se que a apresentou a sua alegação tempestivamente atento o disposto no art. 698º nº 6 do CPC.
Pelo exposto, deferindo-se a reclamação, decide-se que não há lugar ao pagamento de multa nos termos do art. 145º nº 6 do CPC, anulando-se a guia cível 703180008363609 de fls. 194 e procede-se de imediato ao conhecimento do objecto do recurso.
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III – Do objecto do recurso
O apelante rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
a) O documento assinado e reconhecido pelos Executados reporta-se a vários créditos que o Exequente, tal como menciona no Requerimento Executivo, é credor.
b) Esses créditos sobre os Executados resultam de diversas dívidas por transacções comerciais entre a Executada “C” e um seu devedor.
c) Reporta-se ainda o referido documento a dívidas por contratos de trabalho e suprimentos entre o Exequente e a referida Executada.
d) Os Executados, em representação do principal devedor da Executada “C”, assumiram a obrigação de pagar tais dívidas ao Exequente.
e) Para tanto, os Executados além do documento dado à execução foram cessionários da totalidade das quotas da “C”, cedidas pelo aqui Exequente e mulher.
f) Estamos assim perante dois documentos de forte força probatória, ou seja, documentos elaborados em Notário, concretamente uma escritura pública, e outro com assinatura reconhecida na presença daquele.
g) Exequente e Oponente demonstraram sem qualquer margem de dúvida conhecer concreta e objectivamente o conteúdo dos negócios que celebraram entre si, como expressão da sua vontade.
h) O Tribunal a quo, de algum modo omitindo as relações negociais que as partes vieram expressamente afirmar aos autos, e que conheciam bem, escudou-se na terminologia conceptual de “transacções comerciais” para negar na sentença o direito do Exequente, nem sequer reconhecendo a sua existência.
i) Apesar de, e algo contraditoriamente, com o devido respeito, em sede de resposta à matéria de facto o Tribunal ter reconhecido que: «A resposta restritiva dada ao quesito 1.º assim resultou em virtude do teor do depoimento de parte do Exequente que admitiu que o montante constante do título executivo não se referia a transacções celebradas entre si e a sociedade de que foi sócio, mas sim a transacção realizada entre si, “F” e as pessoas indicadas pelo mesmo com vista à venda da sociedade e ressarcimento da dívida deste para consigo e com a mesma sociedade.»
j) Por um lado, o Tribunal não teve em conta toda a prova produzida quer pelo Exequente, quer pelo Oponente, quanto aos negócios entre si celebrados, optando por decidir por força de um mero conceito comercial constante do título executivo, mas sem correspondência com a realidade de que o Tribunal tomou directamente conta.
l) Estamos perante um verdadeiro erro de julgamento, na medida em que o Tribunal decidiu, tendo em conta uma realidade que não é aquela que as partes vieram trazer aos autos.
m) Por fim, a douta sentença violou os art.ºs 236.º, nºs 1 e 2, 376.º, n.ºs 1 e 2 do C. Civil e 264.º, n.º 2 e 3 do C. Processo Civil.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas deve ser declarado procedente o presente recurso de apelação, e em consequência revogada totalmente a sentença de 1ª instância, declarando-se a improcedência da oposição
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Não foi apresentada contra-alegação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir
IV – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC) sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso (art. 660º nº 2 e 713º nº 2 do CPC) pelo que as questões a decidir são estas:
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se a dedução da oposição constitui abuso do direito
- se deve a oposição à execução ser julgada improcedente
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V – Fundamentação
A) Os factos
A) 1. Na sentença recorrida vem dado como provado:
1. O Exequente instaurou a execução de que os presentes autos são apenso com base em certidão notarial (cfr. fls 13/14 dos autos de execução) de escrito contendo as assinaturas dos executados “A” e “E”, reconhecidas em 25.11.1997 no 2.º Cartório Notarial de ..., por si e na qualidade de únicos sócios e gerentes da sociedade “A “C”, Lda.”, com o seguinte teor:
«CONFISSÃO DE DIVIDA
“A “C”-Preparação e Comércio de Carnes, Ltda.”, Pessoa Colectiva nº. ..., com sede na Rua ..., nº. ..., freguesia de ..., aqui representada pelos seus únicos sócios, Srs. “A”, casado sob regime da comunhão de adquiridos com “D”, residente na Rua ..., n.º ..., ..., ... e “E”, divorciado, residente na Rua de ..., ..., ..., ..., confessa-se devedora ao Exmo. Senhor “B” da quantia de 53.040.000$00, (Cinquenta e Três Milhões e Quarenta Mil Escudos) quantia essa que será paga em trezentas e doze prestações semanais de cento e setenta mil escudos, a primeira das quais com vencimento na primeira segunda feira do próximo mês de Dezembro de 1997 e as restantes em igual dia das semanas imediatamente subsequentes, ou no primeiro dia útil seguinte, pagamentos esses que serão efectuados através de transferência para a conta bancária nº.... (agência de ... do Banco Espírito Santo).
A supra mencionada divida tem origem em transacções comerciais existentes entre a sociedade e o credor acima identificados.
Os aqui indicados sócios obrigam-se pessoal e solidariamente com a sociedade aqui referida no pagamento do débito da mesma afastando-se o benefício da excussão prévia.»
2 - A “C”, Lda., entregou a título de cumprimento do negócio a que se refere o documento provado em A), sete prestações de Esc. 170.000$00, no valor global de Esc. 1.190.000$00.
3 - Essas prestações foram feitas, respectivamente, em 9 de Dezembro de 1997 - duas, 15 de Dezembro de 1997, 26 de Dezembro de 1997, 5 de Janeiro de 1998, 9 de Janeiro de 1998 e 21 de Janeiro de 1998.
4 - O exequente “B” foi sócio fundador da sociedade co-executada “A “C”-Preparação e Comércio de Carnes, Ltda”.
5 - Por escritura pública outorgada em 25 de Novembro de 1997 no 2.º Cartório Notarial de ..., “B” e mulher “G”, declararam, o primeiro, ceder a “E” as duas quotas de Esc. 150.000$00 de que era titular e, a segunda, ceder a “A” a quota também de Esc. 150.000$00 de que era titular, correspondentes à totalidade do capital social da referida sociedade.
6 - Na referida escritura ficou a constar que a cessão feita pelos outorgantes “B” e mulher “G” compreende a renúncia à gerência social, tendo ainda sido declarado, pelos outorgantes “E” e “A”, além do mais, alterar o pacto social da referida sociedade, quanto ao artigo 8.º, nos seguintes termos:
«A gerência social fica afecta a ambos os sócios e ainda a “H” (...), sendo necessária a assinatura de dois gerentes, para obrigar validamente a sociedade, em todos os actos e contratos»
7 - Por escritura pública realizada em 17 de Abril de 1998, no 1.º Cartório Notarial de ..., “A”, em seu nome e no de sua mulher, declarou ceder a “H” a quota de Esc. 150.000$00 de que era titular e “E” declarou ceder a “I” as duas quotas que possui na sociedade, no valor de Esc. 150.000$00 cada.
8 - A “C” – Preparação e Comércio de Carnes, Lda. foi declarada falida por sentença proferida em 27.03.2003, transitada em julgado em 16.05.2003, no processo n.º .../03.5TYVNG do 1.º Juízo do Tribunal do Comércio de ....
9 - O montante constante do título executivo não tem origem em transacções comerciais existentes entre o Exequente e a “C”.
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A) 2. Na audiência de discussão e julgamento foi prestado depoimento de parte pelo exequente.
Na acta da audiência de discussão e julgamento (fls 144 a 145 dos autos) consta que o exequente respondeu a toda a matéria e que «Para efeito do artigo 563º do CPC consignou-se que o exequente declarou quanto à matéria dos factos controvertidos que foi chamado a depor o seguinte: Enquanto sócio e gerente da “C” estabeleceu relações comerciais com “F”. Dessas relações comerciais resultou uma dívida de “F” relativa a fornecimento de carne e a um ano de salários, enquanto colaborador do mesmo. Para regularização dessa dívida o exequente e “F” acordaram que o segundo cederia à “C” seis talhos situados na zona do Porto. “F” efectuou a cedência de dois talhos. Após, propôs ao exequente a aquisição das “C” e assim saldar o remanescente da dívida. Para concretização desse negócio foi realizada a escritura referida em e) e assinado, na mesma ocasião, o documento que consubstancia o título executivo. Os outorgantes da escritura referida em E) e do título executivo, “A” e “E” foram indicados por “F” que declarou não estar em condições de realizar o negócio. O montante que consta da confissão de dívida corresponde ao preço da cedência de quotas outorgada na respectiva escritura referida em e) tendo em consideração o valor da dívida de “F” para com a “C”.».
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Da audição do depoimento de parte do exequente contido no CD apenso a estes autos, verifica-se que a redução a escrito do depoimento reproduz em súmula esse depoimento excepto na parte em que se refere apenas que «O montante que consta da confissão de dívida corresponde ao preço da cedência de quotas outorgada na respectiva escritura referida em e) tendo em consideração o valor da dívida de “F” para com a “C”.», pois o depoente explicou que no preço da cedência das quotas foi considerado o valor da dívida de “F” para com a «“C” – Preparação e Comércio de Carnes Lda» e o valor dos salários em dívida para com o exequente.
No que respeita aos salários o depoente explicou que a dívida resultou do seguinte:
- Como “F” começou a apresentar dificuldades em proceder ao pagamento dos fornecimentos de carne que lhe foram feitos pela «“C” – Preparação e Comércio de Carnes Lda», convidou o exequente para ir trabalhar consigo para viabilizar o negócio dos seus talhos, tendo-se combinado um vencimento para o exequente.
– O exequente aceitou e esteve a trabalhar com “F” durante cerca de um ano, mas este não lhe pagou os salários.
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Importa ainda, reduzir a escrito que o depoente, perguntado sobre a razão de constarem no documento de «Confissão de Dívida» os dizeres «transacções comerciais», respondeu: «Isso é coisa que me ultrapassa, são termos jurídicos, foi feito por advogados» e que perguntado se teve alguma intervenção no texto desse documento respondeu «Não. Tenho a instrução primária.» e perguntado «Como é que o senhor interpretou isto “transacções comerciais”?» respondeu:«Dr juiz, eu estava de boa fé, tenho instrução primária, sou comerciante de carnes desde que nasci».
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Estabelece o nº 1 do art. 563º do CPC que «O depoimento é sempre reduzido a escrito, mesmo que tenha sido gravado, na parte em que houver confissão do depoente, ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória.».
O art. 360º do Código Civil, sob a epígrafe «Indivisibilidade da confissão» prevê:
«Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão».
Sobre o princípio da indivisibilidade da confissão explicam Pires de Lima e Antunes Varela:
«1.(…) Quer se trate duma confissão qualificada (ex: recebi, mas não com juros; recebi mas paguei; recebi, mas o acto é nulo por dolo, coacção, etc), a confissão é sempre indivisível e, como tal, tem de ser aceita na íntegra, salvo provando-se a inexactidão dos factos que transcendem a declaração estritamente confessória.
2. Diz-se geralmente que o princípio da indivisibilidade assenta, neste capítulo, sobre duas razões essenciais: uma, de ordem lógica, consistente na unidade da declaração confessória; a outra, de ordem prática, traduzida na vantagem de estimular o reconhecimento dos próprios factos desfavoráveis ao declarante.
A justificação da solução, porém, há-de procurar-se antes em considerações de razoabilidade de outra índole.
Se a declaração confessória é especialmente valorizada pelas grandes probabilidades que tem de ser verdadeira ou exacta uma afirmação contrária aos interesses da própria parte, não faria sentido, nem seria justo, que este crédito de sinceridade concedido ao declarante não acompanhasse a parte restante da sua declaração. Não seria justo, noutros termos, que a parte contrária pudesse sacar em seu proveito a presunção de seriedade do confitente que a lei estabelece, e a repudiasse ao mesmo tempo na parte em que a declaração contraria os seus interesses.
Outra é a situação, se a parte contrária ao confitente, aceitando embora a presunção de veracidade que cobre a confissão, chama a si o encargo de demonstrar que ela não é exacta na parte favorável aos interesses do declarante» (in Código Civil anotado, vol I, 4ª ed., pág. 319/320).
Vejamos então o caso concreto.
No art. 1º da base instrutória pergunta-se: «Entre o exequente e a co-executada “A “C” Lda” nunca existiram transacções comerciais?»
Na 1ª instância este artigo mereceu a seguinte resposta: «Provado apenas que o montante constante do título executivo não tem origem em transacções comerciais existentes entre o Exequente e a “C”».
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto consignou a 1ª instância: «A resposta restritiva ao quesito 1º assim resultou em virtude do teor do depoimento de parte do Exequente que admitiu que o montante constante do título executivo não se referia a transacções celebradas entre si e a sociedade de que foi sócio, mas sim a transacção realizada entre si, “F” e as pessoas indicadas pelo mesmo com vista à venda da sociedade e ressarcimento da dívida deste para consigo e com a mesma sociedade».
Perante o depoimento de parte do exequente mostra-se correctamente apreciada a prova na 1ª instância no que respeita ao art. 1º da base instrutória.
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Nos art. 2º e 3º da base instrutória pergunta-se, respectivamente: «As transacções comerciais a que alude o documento referido em A), foram realizadas entre o Exequente e duas sociedades denominadas “J” Lda” e “L” Lda”?» «… ou entre o exequente e “F”?»
Na 1ª instância estes artigos mereceram as respostas: «Não provado».
Perante o depoimento de parte mostra-se correcta a apreciação da prova feita pela 1ª instância, pois de acordo com o depoimento do exequente não houve transacções comerciais entre si e “F” mas sim entre a “C” Lda e este e que são as referentes aos fornecimentos de carne, sendo que a dívida de “F” para com o exequente refere-se a salários.
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No ponto 22 do corpo da sua alegação sustenta o recorrente que é credor da “C” por suprimentos. Porém, tal alegação não tem qualquer apoio no depoimento que prestou na audiência de discussão e julgamento pois à pergunta do senhor juiz «por vezes o sócio entra com dinheiros, recebe remunerações, tem dinheiro a haver da sua própria sociedade, não é o caso?», respondeu: «Não é nada disso, não é o caso, senhor juiz».
Assim, nada mais há a acrescentar ao registo escrito do depoimento de parte.
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B) O Direito
O escrito intitulado «Confissão de Dívida» é um documento particular cuja autoria está reconhecida nos termos do art. 375º do Código Civil, pois as assinaturas estão reconhecidas presencialmente no cartório notarial.
Estabelece o art. 376º do Código Civil nos seus nº 1 e 2:
«1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão».
Portanto, «os factos compreendidos na declaração consideram-se provados se e na medida em que a declaração possa ser considerada como confissão, o que significa que a prova dos factos compreendidos na declaração não decorre da força probatória do documento particular (que se limita a provar plenamente a emissão da declaração), mas sim da força probatória que a lei atribui à confissão que, eventualmente esteja contida na declaração constante do documento.» (cfr Ac da RP de 16/12/2009 – Proc. 1282/06.0TVPRT.P1 – in www.dgsi.pt).
De harmonia com o art. 352º do Código Civil «Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária».
No que respeita à força probatória da confissão extrajudicial constante de documento particular, dispõe o nº 2 do art. 358º: «considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena».
Nos termos do art. 393º nº 2 «não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio de prova com força probatória plena».
Também o nº 1 do art. 394º estipula que «É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373ºa 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores».
Porém, nada impede que se recorra à prova testemunhal para demonstrar a falta ou vícios da vontade com base nos quais se impugna a declaração documentada, pois o documento não prova nem garante, nem podia garantir que as declarações não estejam viciadas por erro, dolo ou coacção ou que não sejam simuladas.
Sublinhe-se, no entanto, que mesmo não sendo admissível a prova testemunhal, é admissível a confissão. Assim, refere-se no Ac do STJ de 10/7/2008 (Proc. 08A1582 – in www.dgsi.pt): «O autor do documento pode impugná-lo alegando e demonstrando o contrário do que declarou e consta desse documento, demonstração essa susceptível de fazer-se por qualquer meio de prova legalmente admissível, como este STJ tem julgado de forma uniforme, com a concordância da doutrina mais qualificada. No caso presente aconteceu justamente isto. Na fundamentação da decisão de facto, com efeito, pode ler-se, que foi decisiva para a convicção do julgador o “conjunto da prova produzida” (…) bem como o “teor do depoimento do exequente (…). O que daí se infere é que a 1ª instanciam decidindo a matéria de facto em obediência ao princípio da livre apreciação das provas fixado no art. 655º nº 1 do CPC apreciou também livremente a força probatória material da confissão judicial não escrita do exequente (…); e isto é consentido pelo art. 358º nº4 do CC, segundo o qual, precisamente, a confissão judicial que não seja escrita é apreciada livremente pelo tribunal.
(…)
Tratou-se (…) de valorar uma confissão judicial não escrita nos termos que se assinalaram, sendo certo que relativamente a este meio de prova não se aplicam as restrições fixadas nos art. 393º e 394º, exclusivas da prova testemunhal.».
Conclui-se que é admissível a prova por confissão do exequente, de que o montante constante do título executivo não tem origem em transacções comerciais entre o exequente e a “C” Lda.
Nem o exequente se insurgiu contra a produção de prova relativamente à matéria levada à base instrutória. Ao invés, o exequente até pretende que se aproveite integralmente o seu depoimento pois, no seu entender, só assim se poderá saber quais os negócios que estiveram na origem do seu alegado crédito.
Ora, face ao depoimento de parte do exequente o devedor não é a sociedade “C” Lda mas sim “F”.
Estando assim demonstrada a inexistência da causa da dívida indicada no título executivo seríamos levados a concluir, sem mais, pela procedência da oposição. Com efeito, o recorrido ao declarar naquele documento obrigar-se «pessoal e solidariamente com a sociedade no pagamento do débito da mesma afastando-se o benefício da excussão prévia» constituiu-se fiador, sendo certo que a obrigação deste é acessória da que recai sobre o principal devedor (art. 623º do Código Civil), tendo o fiador o direito de opor ao credor os meios que competem ao devedor (art. 637º nº 1).
Mas da análise do depoimento do exequente, verificamos, em obediência ao princípio da indivisibilidade da confissão, que este se considera credor da sociedade “C” Lda e dos demais executados em virtude de a quantia indicada no documento de confissão de dívida corresponder ao preço da cedência das quotas tendo em consideração o valor da dívida de “F” para com a “C” relativa a fornecimentos de carne e o valor da dívida correspondente a um ano de salários do exequente enquanto trabalhou com “F”.
Porém, resultando do depoimento de parte do exequente que a sociedade não lhe devia qualquer quantia, é de entender que se está perante uma assunção da dívida de “F” pela sociedade “C” – Preparação e Comércio de Carnes Lda.
Na verdade, prevê o art. 595º do Código Civil:
«1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
2. Em qualquer dos casos, a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado».
A assunção de dívida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem.
A assunção opera uma mudança na pessoa do devedor mas sem que haja alteração do conteúdo, nem da identidade da obrigação (cfr Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», vol II, 4ª ed., pág. 349).
Nos termos do art. 597º, sob a epígrafe «(Invalidade da transmissão)» «Se o contrato de transmissão de dívida for declarado nulo ou anulado e o credor tiver exonerado o anterior obrigado, renasce a obrigação deste, (…)».
Como ensina Antunes Varela ««Não bastam a existência e a validade da dívida para garantir a eficácia do compromisso tomado pelo assuntor, com o fim de liberar o primitivo obrigado. É necessária ainda a validade do próprio contrato de transmissão de dívida; de contrário, se este for declarado nulo ou anulado, a obrigação do primitivo credor renasce, (…). Tratando-se de assunção cumulativa, a nulidade ou anulação do contrato, tem como resultado a eliminação da obrigação do novo devedor, persistindo apenas o dever de prestar a cargo do primitivo obrigado.» (in Manual …pág, 363/364)».
Ora, entendendo-se que a sociedade “C” – Comércio e Preparação de Carnes Lda» quis assumir a dívida de “F” para com o exequente temos de atender ao disposto no art. 6º do Código das Sociedades Comerciais.
Assim, este normativo, sob a epígrafe «Capacidade» dispõe nos nºs 1, 2 e 3:
«1. A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.
2. As liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta.
3. Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.«
A assunção da dívida de “F” não pode ser considerada uma liberalidade prevista no nº 2 do art. 6º do CSC pelo que tem de ser considerada contrária ao fim da sociedade “C” – Comércio e Preparação de Carnes Lda» de harmonia com a previsão do nº 3 do art. 6º do CSC.
Dada a sua pertinência para a questão em apreço passamos a citar o Ac do STJ de 17/9/2009 (Proc. 267/09.9YFLSB.S1 – in www.dgsi.pt):
«1. validade e eficácia da obrigação de assunção de dívida assumida pela sociedade Q…- Lda.
1.1. Considerou-se no acórdão recorrido que a obrigação assumida pela Q. – Lda era nula desde logo porque se traduzia na prática de um acto gratuito, contrário ao seu fim lucrativo.
Preconiza o nº 1 do art. 6º do CSC (…)
Para no nº3 se dispor (…)
Deste normativo, em consonância, aliás, com o disposto no art. 160º do C. Civil, não decorre uma incapacidade absoluta das sociedades para a prática de liberalidades. Apenas na ponderação do circunstancialismo que acompanhou a situação concreta se deve aferir da licitude, ou não, da liberalidade efectuada pelos órgãos sociais da sociedade. E este entendimento aparece corroborado quando o nº 2 do citado art. 6º determina que as liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta.
As sociedades podem validamente praticar actos gratuitos, nomeadamente prestar garantias a dívidas de terceiros quando a esses actos presida um interesse próprio da sociedade garante, ainda que deles não decorra uma vantagem económica imediata. Basta que haja o objectivo de ser alcançado um fim convenientes à prossecução de vantagens de cariz económico da sociedade e não de proporcionar uma vantagem ao credor garantido.
A não se demonstrar um justificado interesse em vista da prossecução de vantagens lucrativas da sociedade garante, então o acto de prestação de garantia é nulo, porque contrário à lei, na conformidade do disposto nos art. 280º, nº 1 e 294º do C.Civil.».
No caso concreto não está provado nenhum facto do qual resulte que a sociedade tenha um justificado interesse na assunção da dívida de “F” perante o exequente. Ao invés, resulta do depoimento de parte do exequente que a assunção de dívida se destinou apenas a prosseguir o interesse do devedor “F” e o interesse do exequente.
Portanto, a assunção de dívida pela “C” – Comércio e Preparação de Carnes Lda» é um acto nulo, porque contrário à lei, nos termos dos art. 280º nº 1 e 294º do Código Civil.
Sendo nula a obrigação principal, neste caso a obrigação de assunção de dívida, é também nula a fiança (art. 285º do mesmo diploma legal).
Mas no corpo da sua alegação (pontos 38. a 48.) o recorrente sustenta que a dedução de oposição para o recorrido se eximir ao pagamento da dívida configura abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que o recorrido participou em negócio que sabia que não iria cumprir integralmente, reconhecendo dívidas e iniciando mesmo o seu pagamento.
Estabelece o art. 334º do Código Civil: «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Como se refere no Ac do STJ de 4/6/2002 (Proc. 02A1442 – in www.dgsi.pt) para que o exercício do direito seja abusivo é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder, é preciso que o direito seja exercido em termos “clamorosamente ofensivos da justiça”.
O venire contra factum proprium tem vindo a ser admitido na doutrina e na jurisprudência como uma das modalidades do abuso do direito e nela se enquadram, por exemplo, os casos em que a pessoa pretende destruir uma relação jurídica ou um negócio, invocando determinada causa de nulidade e anulação, resolução ou denúncia do contrato depois de fazer crer à contraparte que não lançaria mão de tal direito ou depois de ter dado causa ao facto invocado como fundamento da extinção da relação do contrato (cfr Ac do STJ de 13/1/2009 – CJ XVII, 1º, pág. 51).
Como escreve Meneses Cordeiro «O ponto sensível do modelo de venire contra factum proprium reside na detecção de facto susceptível de gerar uma situação de confiança legítima. Podemos induzir esta matéria a partir das regras referentes às declarações de vontade, com relevo para a normalidade típica do caso – 236º/1 – e para o equilíbrio – 237º.
(…)
O investimento de confiança, por fim, pode ser sinteticamente explicitado como a necessidade de, em consequência do factum proprium a que aderiu, o confiante ter desenvolvido uma actividade tal que o regresso à situação anterior, não estando vedado de modo específico, seja impossível em termos de justiça.« (in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo IV, 2007, pág. 293/294).
No caso dos autos está provado que «A “C” Lda entregou a título de cumprimento do negócio a que se refere o documento provado em A), sete prestações de Esc. 170.000$00, no valor global de Esc. 1.190.000$00», que «Essas prestações foram feitas, respectivamente, em 9 de Dezembro de 1997 – duas, 15 de Dezembro de 1997, 26 de Dezembro de 1997, 5 de Janeiro de 1998, 9 de Janeiro de 1998 e 21 de Janeiro de 1998» e que «Por escritura pública realizada em 17 de Abril de 1998 (…) “A”, em seu nome e no de sua mulher, declarou ceder a “H” a quota de Esc. 150.000$00 de que era titular (…) estando também provado que o recorrido “A” havia adquirido a quota em 25/11/1997.
Ou seja, enquanto o recorrido foi sócio e gerente da “C” Lda esta sociedade efectuou diversos pagamentos em cumprimento do declarado no documento intitulado «Confissão de Dívida».
Não está provado, pois, que tenha sido o recorrido a efectuar qualquer pagamento. No entanto, como era sócio e gerente da sociedade, é de admitir que tais pagamentos foram efectuados com o seu conhecimento e acordo.
Poder-se-á entender que o recorrente, perante esses pagamentos confiou que seria cumprida a obrigação assumida pela sociedade e pelo recorrido, este na qualidade de fiador, e que este não iria posteriormente invocar a inexistência da dívida.
Mas não foi alegado nem está provado qualquer facto do qual resulte que em consequência da confiança que depositou no documento de «Confissão de Dívida» e nos pagamentos efectuados o recorrente tenha ficado impedido de exercer o seu direito de crédito contra o devedor “F”. Nem resulta do depoimento de parte que o exequente só celebrou a escritura pública de cessão de quotas porque foi lavrado o documento de «Confissão de Dívida».
Nesta conformidade, a conduta do recorrido na execução, apesar de contraditória com o seu comportamento anterior, não configura abuso do direito.
Em conclusão, procede a oposição à execução deduzida pelo executado “A”.
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VI – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida embora com fundamentação não totalmente coincidente, mantendo-se a decisão de extinção da execução quanto ao executado “A”.
Custas pelo recorrente.
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Proceda-se à anulação da guia cível 703180008363609 de fls. 194.
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Lisboa, 29 de Junho de 2010
Anabela Calafate
Folque de Magalhães
Maria Alexandrina Branquinho