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REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
SUBSTITUIÇÃO DE PENA DE PRISÃO
Sumário
O regime de permanência na habitação previsto no artº 44º do Código Penal não constitui um mero regime de cumprimento da pena de prisão que possa ser aplicado posteriormente, por via incidental, na fase de execução da pena privativa da liberdade, mas tão só na sentença condenatória pelo tribunal de julgamento.
Texto Integral
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.
RELATÓRIO.
1.Nos presentes autos de processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, com o número supra identificado, a correr termos na 8ª Vara Criminal de Lisboa, em que é arguido, entre outros, A… , com os sinais dos autos, por despacho judicial de 18.12.2009, foi-lhe indeferido o pedido de autorização para cumprimento do remanescente da pena de prisão de dois anos que lhe falta cumprir em regime de permanência na habitação.
2. Do referido despacho, certificado a fls. 346-349, consta de mais relevante, o seguinte: (transcrição): “A fls. 566 do Apenso A veio o arguido A… requerer a autorização para que o remanescente da pena de prisão que falta cumprir de dois anos, o seja em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo á distancia do disposto no artº 44º do CPP. (...). Este normativo legal (artº 44º do CP) foi instituído no nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 59/2007, de 4.09, em vigor desde 15.09.2007. Como comummente vem sendo afirmado, quer na jurisprudência quer na doutrina, trata-se de uma nova pena de substituição de pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano e, ainda, ao remanescente não superior a um ano de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Excepcionalmente, o remanescente não superior a dois anos, quando se verifiquem circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselhem a privação da liberdade em estabelecimento prisional, quais sejam as elencadas nas alíneas nº 2. Ora, como pena de substituição, o momento para decidir sobre a sua aplicação é o da prolação da decisão condenatória, tal como sucede com a prisão por dias livres e o regime de semi-detenção, devendo estar reunidos, nesse momento, os respectivos pressupostos. (...). Ora, no caso dos presentes autos, o Ac. condenatório foi prolatado já na vigência da Lei nº 59/2007, de 4.09, pelo que inexiste qualquer questão de sucessão de leis no tempo que imponha a reapreciação da modalidade da pena aplicada. Vem o arguido A… alegar ser este o momento para apreciar a questão, uma vez que só agora tem o remanescente de dois anos a cumprir. De acordo com o que acima se deixou expresso, assim seria se estivéssemos em face de um instituto respeitante ao âmbito da execução da pena e não a uma figura a inserir nas penas substitutivas à prisão. O raciocínio do arguido assenta na primeira hipótese formulada, que não encontra, a nosso ver, suporte legal. Aliás, só assim se compreende a exigência da norma ao impor o momento da condenação no nº2 como aquele em que devem ser avaliados os requisitos excepcionais da aplicação da figura. Desta feita, por se entender o artº 44º do CP deve ser ponderado no momento da prolação da decisão condenatória e, excepcionalmente, em momento posterior, julga-se legalmente inadmissível o requerimento formulado pelos arguidos, pelo que vai o mesmo indeferido. Porém, sempre se acrescentará o seguinte. Ainda que assim se não entendesse, sempre teria de improceder o pedido. (...). No que respeita ao arguido A…, porque, a sua situação não se compreende no nº1, mas na norma do nº2, e esta só se aplica a situações excepcionais. Alega o arguido que tem dois filhos menores a seu cargo. Em concreto, ter filhos menores não é livre conduto para a aplicação do regime. Necessário se torna que a aplicação da prisão ao arguido tenha como consequência uma situação de carência e perigo dos menores, não suprível por qualquer forma que não seja, em último ratio, a entrega dos menores a terceiros familiares ou a institucionalização. Ora, á data da prolação da decisão condenatória, momento exigido pela norma para apreciar a questão, o arguido encontrava-se sujeito á medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, vivia com os filhos e a esposa e era esta quem, com o produto do seu trabalho, sustentava o agregado familiar, provendo, designadamente, ao sustento e educação dos filhos, não se compreende, pois, em que argumento sustenta o arguido a excepcionalidade que a norma impõe, uma vez que, como é por demais evidente, a situação de prisão de um pai afecta, sempre, o equilíbrio emocional e financeiro, se contribuir para o seu sustento, dos filhos. Mas essa é a regra, não a excepção cujos requisitos a norma exige.”
3. O arguido veio interpor recurso desta decisão, cuja motivação termina com a formulação das seguintes conclusões: (transcrição). “1. A verificação dos pressupostos de aplicação do regime de execução da pena, previsto no artº 44º, nºs. 1 e 2 do CP, pode ocorrer, pelo menos, até ao trânsito em julgado da decisão condenatória. 2.A aplicação do disposto no artº 44º nº 2 justifica-se, não apenas em situações excepcionais, mas em todas as situações que “desaconselhem a privação da liberdade em estabelecimento prisional”, designadamente aquelas que, exemplificativamente, ali se enumeram. 3.A interpretação feita pelo tribunal dos aludidos comandos legais é violadora do princípio da legalidade, consagrado no artº 29º da CRP. 4.Mormente do comando contido no nº 4 do citado preceito constitucional, que exige que ninguém sofra pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos. 5. Assim, ao decidir como decidiu, violou o tribunal recorrido o disposto nos artigos 44º, nº 1 e 2, al. a) do CP e 29º, nº4 da CRP”
4.O Ministério Público respondeu á motivação apresentada, concluindo nos seguintes termos: “1. O normativo legal contido no artº 44º da CP foi instituído pela Lei nº 59/2007 de 4.9, em vigor desde 15.09.2007, sendo entendimento uniforme da doutrina e jurisprudência que se trata de uma nova pena de substituição da pena de prisão e não de um novo regime de execução da pena de prisão. 2. Assim, o momento adequado para apreciar e decidir sobre a sua aplicação é o da prolação da decisão condenatória. 3. Deste modo, tendo o acórdão condenatório sido proferido já na vigência da referida Lei nº 59/2007, inexiste questão de sucessão de leis no tempo que justifique a reapreciação da modalidade de pena a aplicar. 4. E sendo compreensível a posição assumida pelo tribunal a quo á luz dos referidos critérios de interpretação e de aplicação da lei, pelo que não foram violados os normativos dos artigos 44º, nºs. 1 e 2, al. d) do CP e 29º nº 4 da CRP. 5.Consequentemente, entendemos que deve ser negado provimento ao recurso interposto”.
5.O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão recorrida (cfr. fls.7766).
6.Neste Tribunal, a Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu o seu parecer no sentido da improcedência do recurso, subscrevendo na íntegra os fundamentos constantes da despacho recorrido, reiterados na resposta apresentada pelo Ministério Público da 1ª instância, no sentido de que o artº 44º do CP contempla uma pena de substituição á pena de prisão, constituindo um instrumento legal diferente do regime de adaptação da liberdade condicional prevista no artº 62º do CP.
7.Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, não tendo o arguido oferecido qualquer resposta.
8. Foram colhidos os Vistos legais e procedeu-se á Conferência.
Cumpre, agora, decidir.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
O objecto do presente recurso reporta-se fundamentalmente á questão de saber se o regime de permanência na habitação nos casos do artº 44º do CP, em que o remanescente da pena de prisão não excede um ano ou excepcionalmente dois anos, pode ser aplicado ao arguido em momento posterior á sentença condenatória?
Decidindo.
1.Questão de facto.
Verificam-se com relevo as seguintes ocorrências processuais:
1.1.O arguido, ora recorrente, foi condenado nos presentes autos, na pena única de quatro anos de prisão, por acórdão proferido em 14.11.2008, decisão confirmada, quanto ao arguido, por acórdão do TRL de 12.05.2009, complementado pelos acórdãos de 20.07.2009 e 15.09.2009.
1.2.O arguido esteve privado da liberdade á ordem dos presentes autos de 17.05.2007 a 15.05.2009 (em prisão preventiva e sujeito á obrigação de permanência na habitação, sob vigilância electrónica).
1.3.O arguido, por requerimento apresentado em 3.08.2009, veio solicitar que o cumprimento do remanescente da pena de prisão tivesse lugar em regime de obrigação de permanência na habitação ao abrigo do disposto no artº 44º, nº 2 do Código Penal.
1.4.Tal pedido foi-lhe indeferido por despacho de fls. 7709 a 7712, ora sob recurso.
2. Questão de Direito.
O recorrente insurge-se contra o despacho recorrido que lhe indeferiu o pedido de cumprimento do remanescente da pena de dois anos que lhe resta cumprir em regime de permanência na habitação.
O ora recorrente justificou a oportunidade de tal pedido com a circunstância de apenas após o acórdão condenatório se terem mostrado verificados os respectivos pressupostos, quanto ao remanescente do período da pena de prisão a cumprir, invocando ainda que tem dois filhos menores a cargo, que sempre teve hábitos de trabalho, considerando estarem reunidas todas as condições para beneficiar do regime excepcional previsto no nº2 do artº 44º do Código Penal.
O indeferimento de tal pedido assentou basicamente na seguinte argumentação:
No facto de o regime de permanência na habitação previsto no artº 44º do CP ter a natureza de uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão, e não de um específico regime de execução da pena, pelo que o momento da sua aplicação é a sentença condenatória. Será na sentença o momento próprio para ponderar a ocorrência dos respectivos pressupostos, á semelhança do que ocorre com outras medidas de substituição como a prisão por dias livres ou o regime de semi-detenção.
Pois bem, desde já avançamos que temos por correcto o entendimento perfilhado pela decisão recorrida.
Como sabemos, este preceito legal foi introduzido pela reforma de 2007, inexistindo dispositivo correspondente nas anteriores versões do Código Penal. È certo que a obrigação de permanência na habitação não é propriamente novidade, encontrando-se prevista como medida de coacção no artº 201º do CPP. O que é novidade é a transposição desta medida para Código Penal (artº 44º), agora como modo de execução da pena de prisão, com uma natureza mais substantiva que processual.
O novo artigo 44º do C.P. veio estabelecer uma nova pena de substituição (pelo menos em sentido impróprio). A obrigação de permanência na habitação será, pelo menos, uma pena de substituição em sentido impróprio, no mesmo sentido em que se consideram como penas de substituição ou modos de execução a prisão por dias livres e o regime de semidetenção (cfr. Figueiredo Dias,”Direito Penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime”). São penas de substituição detentivas da liberdade que se traduzem, no fundo, numa alternativa ao cumprimento da prisão em estabelecimentos prisionais.
Resulta então da al. a) do nº1 do citado 44º que a obrigação de permanência na habitação substitui a pena de prisão aplicada em medida não superior a um (1) ano, quando for de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Contudo, estando em causa condenações em pena superior, mas em que o remanescente a cumprir em regime de permanência na habitação não exceder um ano, descontado o tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação (al. b) do nº1, do artº 44º), ou excepcionalmente, o remanescente não exceder dois anos ( nº2, do artº 44º), poderemos dizer com maior propriedade que nestes casos já não estaremos perante uma pena de substituição, mas antes perante uma regra de execução da pena de prisão Neste sentido Maria João Antunes “Alterações ao Sistema Sancionatório, in revista do CEJ, fls.9., a aplicar em sede de sentença condenatória.
A grande razão de discordância do recorrente prende-se com o momento em que deve ser aplicado o regime de permanência na habitação?
Não nos merece qualquer dúvida de que, como pena de substituição (pelo menos em sentido impróprio) estando em causa a substituição do cumprimento da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, á semelhança do que ocorre com a prisão por dias livres e o regime de semidetenção.
Mas também a sentença condenatória é o momento para aplicar o regime de permanência na habitação como regra de execução nos casos de cumprimento do remanescente da pena.
A verdade é que a forma de execução do remanescente da pena de prisão é igualmente ponderado no momento da condenação. E se nestes casos do remanescente da pena, do ponto de vista dogmático e no rigor dos princípios, se não pode dizer que se trata de uma pena de substituição detentiva da liberdade, mas antes de uma regra de execução do remanescente, não é menos certo que o regime previsto no citado artº 44º impõe que a aplicação do regime de permanência na habitação seja ponderado e decidido aquando da sentença condenatória. O que se estabelece é o regime de execução do remanescente da pena, verificados aqueles pressupostos, “á data da condenação”, havendo do mesmo modo que ponderar na sentença condenatória se “aquela forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
E porque assim é, nunca o regime de permanência na habitação previsto no artº 44º do CP poderá ser aplicado na fase de execução da sentença, como se de um mero incidente se tratasse, como fez o recorrente, (cerca de um ano depois da sentença condenatória), invocando para que lhe fosse aplicado aquele regime, que adquiriu entretanto o requisito formal temporal dos dois anos.
Mais, o tribunal do julgamento deverá, do nosso ponto de vista, ocorrendo os limites temporais previstos no artº 44º, fundamentar na sentença condenatória a não aplicação deste regime de permanência na habitação.
Em síntese conclusiva, diremos que o regime de permanência na habitação previsto no artº 44º do Código Penal não constitui um mero regime de cumprimento da pena de prisão que possa ser aplicado posteriormente, por via incidental, na fase de execução da pena privativa da liberdade, mas tão só na sentença condenatória pelo tribunal de julgamento Neste sentido veja-se o Ac do TRE de 10.12.2009, in www dgsi.pt..
Assim sendo, tem-se por prejudicada a análise da ocorrência dos requisitos de índole excepcional, de natureza pessoal ou familiar invocados pelo arguido.
Termos em que, em face do exposto, se conclui que bem andou o tribunal a quo em indeferir a aplicação de tal regime de permanência na habitação, tendo feito correcta interpretação do artº 44º do C.P., não merecendo por isso a decisão recorrida qualquer censura.
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III-Decisão.
Face ao exposto, acordam os Juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 4Uc a taxa de justiça.
Notifique.
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Lisboa, 30/06/2010.
Elaborado, revisto e assinado pela Relatora Conceição Gonçalves e assinado pelo Desembargador Rui Gonçalves.