NOTA DE CULPA
AUDIÊNCIA DO ARGUIDO
TESTEMUNHAS
Sumário

No âmbito do CT de 2003, o empregador só pode recusar a inquirição das testemunhas de defesa arroladas pelo trabalhador arguido na resposta à nota de culpa, se considerar os respectivos depoimentos patentemente dilatórios ou impertinentes, o que deve fundamentar por escrito.
Não preenche esse requisito a mera afirmação de que a matéria da acusação está suficientemente provada.
(sumário elaborado pela Relatora)

Texto Parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A... intentou no Tribunal do Trabalho de Loures acção declarativa com processo comum contra B..., Ldª, na qual impugna o despedimento disciplinar invocando, além do mais, a nulidade insuprível do procedimento disciplinar por violação do direito à defesa e ao contraditório, já que a R. entendeu não ouvir as testemunhas de defesa por si indicadas na resposta à nota de culpa, por considerar que os factos estavam suficientemente provados.
A R. contestou nos termos que constam de fls. 82/86.
Foi proferido despacho saneador que, conhecendo da invocada questão, declarou, nos termos do artigo 430º nº 2 al. b) do CT, a invalidade do procedimento disciplinar, por não ter sido respeitado o princípio do contraditório nos termos enunciados nos artigos 413º e 414º do mesmo Código e relegou para a decisão final a determinação dos efeitos decorrentes da referida nulidade, seleccionando a matéria de facto assente e a base instrutória.
A R., inconformada, recorreu deste despacho, recurso que foi admitido em separado e com subida imediata.
Termina as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
(...)
A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

Subido o recurso em separado, o M.P. nesta Relação emitiu parecer a fls. 144 no sentido de este tribunal se abster, para já, de conhecer do mesmo e determinar a baixa dos autos à 1ª instância, por nada obstar a que o recurso subisse a final.
Conhecendo desta questão prévia, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que carece de fundamento legal. Com efeito, revogada pelo DL 303/2007, de 24/8, a norma que constava do art. 695º, maxime do respectivo nº 1 e não contendo actualmente o CPC qualquer norma que determine a retenção de recursos autónomos, a conclusão só pode ser a de que os mesmos têm de subir imediatamente, subindo os referidos no nº 1 do art. 691ºA, nos próprios autos e os demais, em separado, como determina o nº 2 deste preceito.
Bem andou pois o Sr. Juiz ao mandar subir o recurso imediatamente e em separado.

O objecto do recurso, como decorre das conclusões da apelante, consiste na reapreciação da nulidade do procedimento disciplinar por violação do princípio do contraditório.

Os factos considerados assentes que relevaram para a decisão da questão são os seguintes :
A. Em 24 de Setembro de 2007 a Ré instaurou processo disciplinar com intenção de despedimento à A., nessa mesma data suspendendo-a das suas funções.
B. Em 17 de Outubro de 2007 a A. recebeu a Nota de Culpa, tendo a A. a ela respondido em 31 de Outubro de 2007.
C. Na sua defesa à nota de culpa apresentada à R., a A. arrolou como testemunhas...
D. A R. não ouviu as testemunhas indicadas, mencionando na decisão final "Não se afigura de qualquer utilidade proceder à audição das testemunhas arroladas pela arguida, já que os factos estão suficientemente provados. Aliás nem a arguida requer a audição das mesmas especificando a que matéria responderiam.".
E. Por carta datada de 14 de Novembro de 2007, a R. comunicou à A. que a "Direcção da B..., fundamentando-se no relatório final, que se remete em anexo uma cópia, e que se dá por reproduzida, deliberou proceder ao seu despedimento com justa causa.”

A expressão em itálico constante da alínea D. foi aditada por este tribunal por, constando do relatório final, para o qual remete a decisão disciplinar, se considerar também relevante.

Apreciando
Dispõe o art. 430º nº 2 do CT na sua versão original (aplicável por ser o que vigorava à data da instauração do procedimento disciplinar e do despedimento) que o procedimento só pode ser declarado inválido se faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa ou não tiver esta sido elaborada dos termos previstos no art. 411º (isto é, por escrito e contendo a descrição circunstanciada dos factos imputados); se não tiver sido respeitado o princípio do contraditório, nos termos enunciados nos art. 413º, 414º e nº 2 do art. 418º (referindo-se este ao procedimento mais simplificado, previsto para as micro-empresas); se a decisão e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos do art. 415º ou do nº 3 do art. 418º.
O respeito pelo princípio do contraditório, tal como previsto nos art. 413º e 414º, implica que ao arguido seja conferido um prazo de 10 dias para, querendo, consultar o procedimento disciplinar e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade. O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, é obrigado a proceder às diligências de prova requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo nesse caso, alegá-lo fundadamente, não sendo, porém, obrigado a proceder à audição de mais de três testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de dez no total, sendo que cabe ao trabalhador assegurar a comparência das mesmas.
No caso, a R. não ouviu as testemunhas indicadas pela A. na resposta à nota de culpa por considerar inútil a audição, uma vez que, em seu entender, os factos estavam suficientemente provados e a arguida nem sequer requerera a audição, especificando a que matéria responderiam.
Quanto ao facto de a A. não ter requerido a audição, limitando-se a arrolar quatro testemunhas, isso era de todo irrelevante, pois a indicação do rol só podia ser interpretado como tendo subjacente o requerimento da respectiva audição. De outro modo, nenhum sentido teria tal indicação.
É verdade que da leitura da resposta à nota de culpa não se vislumbra o que é que cada uma das testemunhas indicadas pode ter a ver ou que conhecimento directo possa ter dos factos constantes da nota de culpa, até para saber sobre que matéria deveria depor. Por outro lado, sendo indiscutível que o trabalhador tem direito de se defender no procedimento disciplinar, o que pode passar pela necessidade de apresentar prova, a lei é bem clara quando indica que esse direito se refere à prova que se mostre pertinente para o esclarecimento da verdade, pelo que seria curial que de algum modo essa pertinência se pudesse perceber da própria resposta à nota de culpa. Mas, por não se perceber isso, não significa que os depoimentos não possam ser realmente pertinentes e relevantes para o esclarecimento dos factos, pelo que, na dúvida, sempre haveria que as ouvir. Quanto a não saber a que matéria cada uma das testemunhas responderia, se entendesse não dever convocar a A. para a inquirição e/ou indagar junto dela a que factos pretendia ouvir cada testemunha, restava-lhe ouvir apenas três das quatro indicadas (e que fossem apresentadas) a toda matéria. Não vale, pois, como fundamento para a recusa da prova o facto de desconhecer a que matéria depunha cada testemunha. A R. apenas podia legitimamente deixar de inquirir as testemunhas desde que fundamentasse por escrito porque julgava impertinentes ou dilatórios os respectivos depoimentos.
A forma manifestamente conclusiva como a R. pretendeu justificar a rejeição da prova requerida pela arguida não satisfaz esse requisito, não é suficiente para fundamentar a rejeição, por não demonstrar minimamente que a inquirição das testemunhas fosse impertinente e dilatória. Embora a R. declarasse que os factos da acusação se encontravam suficientemente provados, não é de excluir que os depoimentos das testemunhas indicadas pela arguida fossem susceptíveis de contrariar ou enfraquecer a prova em que assentava aquele juízo. Se bem que todas as testemunhas arroladas sejam exteriores à empresa - mais precisamente, três delas chefes de diversas lojas da “Agência Abreu” e uma outra da “Cª de Seguros Açoriana”, presume-se que clientes da R. - importa não esquecer que parte dos factos imputados à arguida dizem respeito precisamente a falhas e erros no serviço prestado pela mesma a clientes, que teria gerado reclamações, designadamente o ser pouco afável no contacto com os clientes, pelo que não é evidente que a inquirição das mesmas fosse totalmente impertinente e consequentemente dilatória.
É certo que o procedimento disciplinar não pode ter o grau de exigência que requer um processo judicial, mas exigindo a lei que o empregador só deixe de proceder às diligências de prova requeridas na resposta à nota de culpa se essas forem patentemente dilatórias ou impertinentes e que o fundamente por escrito, há que reconhecer que, no caso, a R. não logrou fazê-lo de forma aceitável. Consequentemente mostra-se violado o princípio do contraditório, não nos merecendo por isso qualquer censura a decisão recorrida ao ter julgado, nos termos do art. 430 nº 2 al. a) do CT, verificada a invalidade do procedimento disciplinar por não ter respeitado o princípio do contraditório, tal como enunciado nos art. 413º e 414º do mesmo código.
Improcedem, pois, os fundamentos do recurso.

Decisão
Pelo que antecede se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 13 de Julho de 2010

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira