REPRESENTAÇÃO LEGAL
REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
REPRESENTAÇÃO SEM PODERES
LEI PESSOAL
LEI ESTRANGEIRA
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PRIVADO
SEDE SOCIAL
CONFLITO DE NORMAS
Sumário

I - «O Direito da sede da administração releva hoje, em princípio, para a definição do estatuto pessoal de todas as pessoas colectivas estaduais de Direito privado» (LUÍS DE LIMA PINHEIRO in “Direito Internacional Privado”, Vol. II, “Direito de Conflitos, Parte Especial”, 3 ed., Outubro de 2009, p. 134.).
II - «Relativamente às pessoas colectivas que se constituem com a intervenção de órgãos públicos, a teoria da sede é (…) uma mera qualificação da teoria da constituição, por força da qual a pessoa colectiva deve ter a sede da administração no país em que se constituiu» (LUÍS DE LIMA PINHEIRO, ibidem). «Como, normalmente, a sede estatutária se situa no país da constituição, isto significa que, relativamente a estas pessoas colectivas, a teoria da sede postula que, em princípio, há coincidência entre o lugar da sede estatutária e o lugar da sede da administração» (LUÍS DE LIMA PINHEIRO in ob. e vol. cit., pp. 134-135).
III - «Isto justifica uma presunção de que a sociedade tem a sede da administração no Estado da sede estatutária» (LUÍS DE LIMA PINHEIRO in ob. e vol. citt., p. 135). «Por força desta presunção, na falta de demonstração de que a sede da administração se situe noutro Estado, é aplicável o Direito da sede estatutária que coincide, como se assinalou, com o Direito da constituição» (LUÍS DE LIMA PINHEIRO, ibidem).
IV - O nº 2 do cit. art. 33º do Cód. Civil procede a um elenco exemplificativo das matérias compreendidas no estatuto pessoal das pessoas colectivas. Além dessas matérias, há ainda a considerar a representação orgânica, contemplada no art. 38º do mesmo diploma, segundo o qual “A representação da pessoa colectiva por intermédio dos seus órgãos é regulada pela respectiva lei pessoal”. A utilidade deste art. 38º está em esclarecer, em caso de dúvida, que a representação orgânica deve ser integrada no conjunto de matérias que compõem a lei pessoal da pessoa colectiva (cfr., neste sentido, FLORBELA DE ALMEIDA PIRES in “Conflito de Leis. Comentário aos artigos 14º a 65º do Código Civil”, 2009, pp. 95-96).
V - Tudo isto para concluir que, como a sociedade “C… de R…” é uma sociedade de direito francês, que tem a sua sede estatutária em França, a forma como ela se vincula perante terceiros é regulada pela sua lei pessoal, ou seja, pela lei francesa.
VI - Da conjugação dos artigos L225-35, L225-51 e L225-56 do Código Comercial Francês resulta que – ao contrário do sustentado pelo Arguido ora Recorrente -, no direito societário francês actualmente vigente, as sociedades anónimas são representadas, nas suas relações com terceiros, ou pelo Presidente do Conselho de Administração ou pelo Director Geral.

Texto Parcial

Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - No 6º Juízo Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum, perante o tribunal singular, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, o Arguido J…
A final, foi decidido julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência:
a) Condenar o arguido J… pela prática de um crime de apropriação ilegítima p.e p. no artº 209º, nº 1 do C.Penal, em autoria material e na forma consumada, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 50,00 (cinquenta euros), num total de € 4500,00 (quatro mil e quinhentos euros).
b) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela Assistente “C…” e, em consequência, condenar o arguido J… a pagar-lhe a quantia de € 106.272,99 (cento e seis mil duzentos e setenta e dois euros e noventa e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos à taxa legal anual de 7% desde 11-07-2001 até ao dia 30-04-2003 (Portaria 263/99 de 12/05) e desde aí até ao presente à taxa legal anual de 4% (Portaria 291/03 de 8/4) e vincendos, à taxa legal em vigor, até integral pagamento.

II – Inconformado, o arguido J… interpôs recurso da referida decisão, formulando as seguintes conclusões:
1. Impugna-se o documento junto a folhas 13, impresso em papel timbrado, indicando “C…” – C… de R…, redigido em língua portuguesa, designado de “procuração”, em nome de uma sociedade que seria denominada “C… - C… de R…”, outorgada em Paris, com uma assinatura ilegível e sem que dela constem os elementos identificativos, quer da Sociedade, quer de quem em sua alegada  representação a outorga!

2. Não existe nenhuma sociedade denominada “C… – C… de R…” como, se pode verificar por consulta aos presentes autos e como se pode verificar pela Certidão, junta a fls. 80 pela “queixosa”, cuja denominação social nela constante é “C… Immobilier”.

3. O referido documento é escrito em língua portuguesa, facto que por si só já suscita alguma admiração, dado que os Administradores do “C… Immobilier” desconheciam a língua portuguesa, conforme confirmado pelo depoimento das testemunhas, Sr. J… P… (cassete 4 de 21/02/2008, Lado A voltas 0000 e todo o Lado A) e Sra. J… C… (cassete 5 de 21/02/2008 Lado A voltas 0000 a 0589); consequentemente, e por falta de menção expressa, suscitam-se dúvidas sobre a própria validade da procuração, que estaria pois dependente da explicitação do seu conteúdo ao outorgante. Neste sentido cita-se Acórdão da Relação de Coimbra, de 31.01.2006, in CJ, 2006, 1.º, p. 18: “(…)IV – Todavia, para que seja válida, importa que a declaração de vontade tenha lugar na presença do advogado, de forma a que este controle  os aspectos  referidos no DL, incluindo a percepção de que o declarante conhece e quer o efeito resultante da declaração ou, então, se a declaração não for feita na sua presença, que ela seja confirmada, tal como aconteceria  se fosse prestada perante notário, mencionando no acto de procuração essas circunstâncias.”

4. A pretensa Procuração, junta aos autos, por não ter sido outorgada em Notário assume assim a natureza de documento particular, para os efeitos do artigo 35.º do CPC, o que implica que a assinatura nela constante só poderia considerar-se como verdadeira se reconhecida notarialmente ou não impugnada.

5. Apesar de incumbir ao apresentante o ónus da prova da autoria da assinatura, quando impugnada, e da questão ter sido sucessivamente suscitada nos presentes autos, não foi, por surpreendente que pareça, até esta data, revelada e provada a identidade e a legitimidade do signatário da Procuração junta a folhas 13.

6. Trata-se assim, de documento anónimo, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 164.º do Código de Processo Penal e 255.º, alínea a) do Código Penal. Neste sentido, cita-se por todos Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª Edição, p. 447, Universidade católica Editora: “5. A declaração é “anónima” quando não está assinada ou marcada de modo a identificar o seu autor, nem o seu autor é identificável por nenhum outro modo. 7. A lei fixa uma proibição de prova no que respeita à declaração anónima, com a excepção do caso de ela ser o “objecto ou elemento do crime”, isto é, o objecto que tiver servido ou estivesse destinado a servir à prática do crime ou que constitua o seu produto, lucro, preço ou recompensa, nos termos conjugados do artigo 178.º e 164.º, n.º2 (também assim, o artigo 240.º, conjugado com o artigo 253.º, n.º2, do CPP Italiano).Trata-se de uma prova proibida cuja nulidade não admite sanação, por se tratar de meio intrinsecamente enganoso artigo 126.º, n.º2, al.ª a). Esta conclusão não é prejudicada pelo novo artigo 246.º, n.º5 (ver a anotação a este artigo).

7. Ou seja, a valoração de documento que, nos termos da lei, é nulo, determina consequentemente a nulidade da própria sentença. Neste sentido, cita-se por todos Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, página 322, da Universidade Católica Portuguesa: “A nulidade da prova proibida prejudica a sentença ou despacho (por exemplo, o despacho instrutório ou o despacho que determina uma medida de coacção) se a prova proibida tiver sido utilizada na fundamentação da decisão, bastando para o efeito que ela seja um dos meios de prova invocados, mesmo que não seja o elemento preponderante para a fundamentação da decisão do tribunal

8. A procuração junta a fls. 13 por ter sido outorgada em França deveria ter sido legalizado nos termos do disposto no art. 540º CPC (legalização de documentos emitidos no estrangeiro) aplicável ex-vi art. 4º do C.P.P.

9. Ao presumir a validade dessa procuração, o Mm. Juiz a quo violou o disposto na lei francesa, aplicável nos termos do art. 33º do C. Civil (lei pessoal) e art. 3º do C. Sociedades Comerciais dado tratar-se de matéria respeitante à capacidade das sociedades.
 
10. Se fosse aplicável a lei portuguesa, sempre dispõe o n.º 4 do art. 409º do Código das Sociedades Comerciais que os administradores obrigam a sociedade, apondo com a sua assinatura a indicação da qualidade em que intervêm, o que também não se verifica.

11. O Mm. Juiz a quo, embora dando razão ao alegado pela defesa, não decide sobre a falta de identificação do subscritor relativamente à procuração junta a fls. 13 por considerar que já não merece qualquer relevância jurídica para os presentes autos.

12. Sendo pois, o citado documento inválido e irregular, nos termos do art. 40º do CPC, e em virtude de ter sido dado sem efeito tudo o praticado pelo mandatário (nos termos do n.º 2 do art. 40 do CPC) por decisão do Acórdão da Relação de Lisboa, proferida no âmbito dos presentes autos, já transitada em julgado, daí resulta necessariamente a caducidade do exercício do direito de queixa e consequente ilegitimidade do Ministério Público para intervir neste processo.

13. Apesar de inadmissível, por contrário à decisão do Tribunal ad quem, supra referida, foi junto aos autos um requerimento aparentemente apresentado pela sociedade C… de R… para “ratificar todo o processado” e um texto que o acompanha denominado de “Procuração”.

14.  Também estes documentos enfermam dos mesmos vícios analisados a propósito da “Procuração”, acima referenciada, nomeadamente, assinatura ilegível, a inexistência de elementos identificativos, quer da Sociedade, quer de quem em sua alegada representação a outorga, a consideração como documento particular e documento anónimo e suas consequências, pelo que violam-se os mesmos preceitos legais, que deverão ser aqui considerados reproduzidos para todos os efeitos, sendo portanto nulos e não produzindo quaisquer efeitos jurídicos.

15. Não foi feita relativamente ao “documento impugnado” qualquer prova de autenticidade da letra da assinatura, nem dos poderes e da capacidade para o acto do “emitente” identificado que o teria outorgado.

16. Limitou-se o “mandatário”, Sr. Dr. B… B…, numa única e fugaz intervenção neste processo, (dado que outra não se conhece), a “informar” que foi o “Sr. J… P… A…” que assinou os documentos em causa.

17. Efectivamente, parece destituída de qualquer fundamento válido notificar-se o beneficiário do acto de ratificação para confirmar a validade de tal acto, como se pugnou no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07-07-2005: “(…)Explicitando: parece-nos que o advogado subscritor da petição inicial da presente providência, logo contratado pelo requerente da mesma e representando os seus interesses, não pode ser o mesmo a traduzir os documentos e a certificar a sua própria tradução.(…) Não podemos deixar de concordar, em absoluto, com o decidido. Na verdade embora não haja norma expressa a impedir a cumulação da função notarial do advogado com a função representativa enquanto mandatário forense. Os princípios éticos e deontológicos que regem o exercício da profissão e bem assim os processuais, impõem uma separação absoluta das funções. A não ser assim, qualquer dia teríamos o mandatário forense a intervir num dado processo , não só na qualidade de advogado, como também de perito, notário/certificador ou mesmo como parte (para prestar depoimento) Haja Pudor!
 
18. A própria Secção do Tribunal, notificada para indicar quem entregou o requerimento de ratificação e procuração e como foram verificados os poderes e capacidade do signatário, informou desconhecer quem entregou o referido documento e não informou como verificou a qualidade e poderes para o acto do outorgante.

19. Nos termos do art. 23º do C.Civil, deveria o Mmº Juiz a quo ter interpretado e averiguado o direito estrangeiro aplicável em vez de se limitar a retirar ilações dos documentos juntos pelas partes, como fez, incorrendo na violação do dever de fundamentação, com a consequentemente nulidade da sentença nos termos dos preceitos legais. Deste modo, sendo juridicamente aplicável, o ordenamento jurídico francês nos termos do art. 33º do C. Civil e art. 3º do C. Sociedades Comerciais, verifica-se na legislação francesa aplicável, designadamente o Código Comercial, que regula nos termos seguintes a forma de obrigar das sociedades Anónimas “Artigo L225 – 51 ( L. n.º 2001 – 420, 15 Maio de 2001) O Presidente do Conselho de Administração representa o Conselho de Administração. Ele organiza e dirige os trabalhos deste, dos quais dá conta à Assembleia Geral. O Presidente do Conselho de Administração zela pelo bom funcionamento dos órgãos da sociedade e assegura, em particular, que os administradores estão em condições de cumprir a sua missão.”, quando na anterior redacção estabelecia “O Presidente do Conselho de Administração assume, sob a sua responsabilidade, a Direcção Geral da sociedade. Ele representa a sociedade nas relações com terceiros.”

20. Resulta, assim claro que, tendo sido eliminada a possibilidade de “ intervenção exclusiva do Presidente do Conselho de Administração”, a sociedade obriga-se, necessariamente, por intervenção do seu Conselho de Administração que é plural!

21. Ora, a “Ratificação” e a “Procuração” emitidas estão subscritas por uma só pessoa singular e não foram juntos aos autos quaisquer documentos que atestassem a validade dessa forma de vinculação, pois os Estatutos da sociedade “C… de R…”, juntos a fls. 3077 e ss. Pela Assistente, foram aprovados em 20 de Dezembro de 2006. e a procuração e a ratificação, a fls. 2313 a 2315, foram assinados em 21 de Janeiro de 2005, pelo que, por terem sido aprovados em data posterior (20/12/2006), não podem comprovar a forma de obrigar a sociedade em vigor à data da assinatura dos referidos documentos.

22. Mesmo que se considerasse, incorrectamente no nosso entendimento, como foi feita na douta Sentença ora recorrida, que bastaria a intervenção do Director Geral para representar a Sociedade, verifica-se pela análise da jurisprudência francesa que tal posição não é unânime nem maioritária: Tribunal da Relação, Secção Criminal, 6 de Maio 1985, n.º 88-90.316, Publicação: Boletim criminal 1985 n.º 170, CITAÇÕES DALLOZ, CÓDIGOS: Código de Processo Penal, Art. 2, Sumário: Embora o art.º 117, alínea n.º 2 da lei de 24 de Julho 1966, atribua ao Director Geral de uma sociedade anónima, os poderes relativamente a terceiros, conferidos ao Presidente do Conselho de Administração pelo art.º 113 desta mesma lei, não podemos concluir que o Director Geral tem poderes para representar a sociedade num processo perante os tribunais, na ausência de uma delegação especial conferida pelo Conselho de Administração ou quando não existe uma cláusula particular dos estatutos; e Tribunal da Relação, Chambre Sociale, 27 de Maio 1992, n.º 88-42.594, Publicação: Boletim 1992 V Nº338 p. 211, Sumário: Embora o art.º 117, alínea n.º 2 da lei de 24 de Julho 1966, atribua ao Director Geral da sociedade, os poderes relativamente a terceiros, conferidos ao Presidente do Conselho de Administração, não podemos concluir que o Director Geral tem poderes para representar a sociedade num processo perante os tribunais, na ausência de uma delegação especial conferida pelo Conselho de Administração ou quando não exista uma cláusula particular dos estatutos. No mesmo sentido, pode-se consultar a posição do “Conseil d’État”, órgão correspondente ao nosso Tribunal Constitucional, transcrita in Code des Sociétés et des marchés financiers, commenté, 24 édition de 2008 da Dalloz.

23. Deveria o Mmº Juiz a quo ter decido, por aplicação dos artigos L225-35, L225-51 do Código Comercial Francês (já juntos aos autos) e em conformidade com a jurisprudência francesa dominante, que o Director Geral não detém os poderes necessários e suficientes para, apenas com a sua assinatura, representar a sociedade, designadamente para constituir e mandatar Advogado para deduzir queixa e pedido de indemnização, ao não o fazer violou o art. 23 e 348 do CCivil e as citadas disposições do Código Comercial Francês.

24. Mesmo que se entendesse, incorrectamente na nossa opinião, por aplicação das normas do Direito Internacional Privado, que a lei aplicável seria a lei local onde seria exercida a representação, resulta claro da disciplina do Código das Sociedades Comerciais, a obrigatoriedade da indicação da qualidade dos Administradores intervenientes (nº4 do artigo 409º do CSC), o que não se verifica.

25. E apesar do Mm.º Juiz a quo pugnar que caberia ao Advogado confirmar os poderes do signatário nos termos do Decreto Lei nº 267/92 de 28 de Novembro, a ratio deste diploma legal não pressupõe tornar válidos, documentos a que faltam os requisitos essenciais da manifestação da vontade, nem que respeitem a ordenamentos jurídicos relativamente aos quais os Advogados intervenientes não estejam legalmente habilitados, como é o caso dos ordenamentos jurídicos estrangeiros, nem os requisitos essenciais de forma nos termos do art. 46º do Código de Notariado, aplicado analogicamente. E por se tratar de um documento particular, impugnado pela parte contrária, a sua validade deveria ter sido provada, o que não se verificou.

26. Não se verificou, assim, a junção aos autos de procuração válida, quer para efeitos de queixa (que foi subscrita pelo alegado mandatário), quer para o processamento subsequente, porque não foi renovado o mandato ou constituído novo mandatário pela sociedade incorporante e não tendo houve ratificação de uma eventual gestão de negócios, no prazo de seis meses, conforme preceituado no Artigo 115º do Código Penal.

27. Nestes termos, sendo certo que não são partes nestes autos, quer a sociedade incorporante, quer a entidade jurídica autónoma F… PARIS, identificada como lesada pela sociedade incorporada, quer a efectiva ordenante da transferência operada, C… Finance, terá de se considerar extinto o Direito de Queixa e irregularmente processados todos os actos subsequentes, nem que seja por mera aplicação da decisão do Acórdão da Relação de Lisboa que deu sem efeito tudo o praticado pelo mandatário da Assistente.

28. Pugnou o Mm. Juiz a quo, na esteira do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pela validade da queixa apresentada pela C… Immobilier, decidindo pela legitimidade do C… de R…, apesar da decisão do tribunal ad quem ter apenas incidido sobre a  questão referente à renovação do mandato.

29. No entanto, o Tribunal a quo não poderia ter deixado de se pronunciar sobre a legitimidade da Assistente, dado que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa não produziu caso julgado quanto a esta matéria e a prova produzida em audiência vai em sentido contrário à legitimidade do Assistente.

30. Uma vez que, segundo o Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Março de 2000 (www.dgsi.pt), “a constituição do queixoso como assistente não determina caso julgado formal, o Mm. Juiz a quo deveria ter-se pronunciado sobre a legitimidade da Assistente na sentença, que constitui a decisão final do processo. Não o tendo feito a sentença é nula, nos termos do art. 379º n.º 1 al. a) por violação do disposto no art. 374º n.º 2 C.P.P. e art. 205º da C.R.P.

31. O C… Immobilier não é titular nem do direito de queixa, nos termos do preceituado no art.º 113º do Código Penal, nem titular do bem jurídico protegido, segundo o disposto no art. 68º CPP, pelo que a sua admissão nos presentes autos quer como assistente quer como lesada é violadora dos princípios basilares do direito penal e processual penal.

32. O bem protegido no tipo legal do crime de apropriação ilegítima, p.e p. no art.º 209º no Código Penal, é o direito de propriedade. É a própria “ofendida”, C… Immobilier (actual C… de R…) que vem indicar na queixa que a credora da quantia transferida é a Compagnie F… I… F… Portugal, S.A.

33. Entende-se que tal alegação configura uma confissão judicial por parte do C… Immobilier, confissão que, nos termos do disposto no art. 358º C. Civil. tem força probatória plena contra o confitente.

34. É manifesto que o Tribunal a quo aplicou erradamente o disposto no art. 49º e 68º CPP. O Mm. Juiz a quo deu como provado no ponto 3) dos factos provados que “a maioria do capital social desta última sociedade – referindo-se à Companhie F… I… F…- era detida pela queixosa C… Immobilier (..)”.

35. A detenção da maioria do capital tem de ser provada por documento escrito, no termos do disposto no art. 364º n.º 1 do Código Civil ex-vi art. 4 do CPP. Nunca foram juntos aos presentes autos quaisquer documentos que atestassem ou comprovassem que a maioria do capital da Companhie F… I… F… era detida pelo C… Immobilier,

36. Segundo o Ac. 76/02 do Tribunal Constitucional, “o art. 68º do CPP estabelece um conceito estrito, imediato e típico de ofendido, (…), mas somente o titular do interesse que constitui o objecto jurídico imediato da infracção. (…) Não se integram no âmbito de conceito de ofendido os titulares de interesses cuja protecção é meramente mediata ou indirecta, ou vítimas de ataques que põem em causa a generalidade dos interesses e não os próprios e específicos daquele que requer a constituição como assistente.”

37. Não pode apresentar queixa nem tem legitimidade para se constituir como assistente, nos crimes particulares ou semipúblicos, a pessoa que seja titular de uma quota de uma sociedade, cujo património foi lesado. (Jurisprudência do Tribunal Constitucional (Ac. 145/2006)). Interpretação diversa do art. 49º e 68º do CPP contraria os princípios constitucionais e a jurisprudência do douto Tribunal Constitucional.

38. O C… Immobilier mesmo que fosse accionista maioritário da Companhie F… I… F…, o que não se provou, apenas seria eventual ofendido mediato e logo estaria precludido o pressuposto essencial da imediação, exigido para efeitos do art. 68.º CPP.

39. A sua legitimidade como ofendida e Assistente também não advém de ter dado a instrução e por débito à F… da transferência da quantia a favor do ora recorrente, pois, para além de não deter o mero gozo ou fruição da coisa supostamente apropriada, os documentos juntos a fls. 404 e 172 pela própria Assistente e o depoimento da testemunha J… P… demonstram exactamente que a transferência foi efectuada por ordem da F… e debitada a esta sociedade.(cassete 4 de 21/02/2008, voltas Lado B 0000 a 0531).

40. A C… Immobilier mais não fez do que denunciar o que em seu entendimento seria um crime, denúncia indevidamente considerada como queixa.

41. Encontra-se, deste modo, afectada a legitimidade do Ministério Público, uma vez que o crime de apropriação ilegítima é um crime semi-público (art. 49º CPP) e sendo a queixa deduzida inexistente, por ter sido deduzida por entidade sem legitimidade, não tem, nem tinha, o Ministério Público, qualquer legitimidade para intervir no processo, nomeadamente deduzindo acusação contra o ora recorrente!

42. E não poderá admitir-se que sua legitimidade processual penal advém da fusão do C… Immobilier no C… de R…, pois como  refere o Acórdão da Relação de Lisboa (RL 200206190035024) numa apreciação unânime dum Recurso Penal, “o artigo 112 alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, ao determinar que a extinção das sociedades fundidas não deixa de transmitir para a sociedade incorporante todos os direitos e obrigações da sociedade extinta, só pode querer reportar-se à transmissibilidade dos direitos e obrigações de natureza civil e nunca à transmissão de responsabilidades contra-ordenacional ou penal”. A ofensa e a responsabilidade por ela, são em face da própria natureza do Direito Penal “intuitus personae” e consequentemente não sub-rogáveis.

43. O Tribunal a quo interpretou assim erradamente a documentação junta e a prova testemunhal produzida, em virtude de, por aplicação do preceituado nos artigos 113º do Código Penal e arts. 49º e 68º do Código Processo Penal, ser manifesto que a Assistente admitida nos presentes autos não detém legitimidade nem para efectuar a queixa nem para se constituir assistente, pelo que o procedimento criminal instaurado contra o arguido, por tratar-se de um crime semi-público, deve ser declarado extinto por falta de legitimidade do Ministério Público e prescrição do direito de queixa.
44. Verificou o ora recorrente que a Assistente não foi notificada para comparecer na audiência de julgamento e nas respectivas sessões de continuação, o que consubstancia a violação do disposto no art. 331º n.º 1 a contrario. A falta de notificação da assistente consubstancia uma nulidade nos termos  do art. 120º n.º 2 al. b) do C.P.P. e não se poderá considerar sanada, uma vez que tal vício não era cognoscível do arguido.

45. Interpretação diversa da alínea b) do n.º 2 do art. 120º do CPP contraria os princípios constitucionais e a jurisprudência do Tribunal Constitucional Ac. 203/2004 “Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 123º, nº. 1 do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de ela impor a arguição, no próprio acto, de irregularidade cometida em audiência de julgamento, perante tribunal singular, independentemente de se apurar da cognoscibilidade do vício pelo arguido, agindo com a diligência devida”

46. Mal andou o Mmº. Juiz quando entendeu estarem reunidos os pressupostos da responsabilidade civil.

47. O recorrente não praticou qualquer facto ilícito dado que sempre considerou que a transferência efectuada constituiu o pagamento parcial de honorários que lhe eram e são devidos.

48. Não deveria o Mmº Juiz a quo ter decidido que a legitimidade para demandar da Assistente advém do interesse directo em agir, nos termos do n.º 3 do art. 26º CPP.

49. No processo penal, a legitimidade das partes civis não decorre do interesse em agir, mas dos danos provados como consequência causal de um facto ilícito.

50. É indiferente se entre o recorrente e a demandante há ou não uma relação material controvertida. A demandante tem é de fundamentar “a escolha do presente meio processual”, isto é, que foi lesada pela prática do crime pelo recorrente.

51. A relação configurada na petição pelo autor não indicia uma relação material controvertida entre a demandante e o arguido. Bastava até e apenas a prova documental junta pela própria Assistente na petição inicial e pela sua própria confissão judicial para se verificar que o C… Immobilier não tem qualquer interesse directo ou indirecto em demandar.

52. Não ficou provado que o C… Immobilier fosse titular de qualquer crédito sobre o arguido decorrente da transferência efectuada ou que tivesse sequer a posse do bem supostamente apropriado. Nem sequer se enquadra na figura de lesada, uma vez que, em primeiro lugar, não ficou provado que era accionista dessa sociedade e, em segundo, não ficou provado que nessa qualidade tenha tido prejuízos, que sempre seria de resto necessariamente proporcional à sua participação.

53. ………………………………………………………………………………………..

135. Para efeitos do disposto no n.º 5 do art.412º do C.P.P., o ora recorrente mantém o interesse em todos os recursos retidos,  que interpôs, juntos a fls. 2505 a 2565 e fls. 3157-3183, que aqui se dão reproduzidos, e que deverão ser julgados com o presente recurso interposto da decisão que põe termo à causa.

Nestes termos e com mui suprimento de V.Ex.as, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e consequentemente revogada a decisão ora recorrida, assim fazendo JUSTIÇA!”

III - Anteriormente à sentença condenatória final, já o Arguido/Recorrente havia interposto os seguintes recursos interlocutórios:
 a) do Despacho (proferido a fls.2446 e ss) que indeferiu a invocada “prescrição do direito de queixa”.
b) do Despacho (proferido a fls.3102 e ss) que indeferiu o requerimento no qual o arguido/recorrente invocava, para além do mais, a ilegitimidade do assistente e do ministério público.
O arguido/Recorrente concluiu as pertinentes motivações destes recursos interlocutórios formulando as seguintes conclusões: 

A) No recurso interposto do Despacho (proferido a fls.2446 e ss) que indeferiu a invocada “prescrição do direito de queixa”
 “ 1. Requereu, o ora Recorrente, o arquivamento dos presentes autos, por prescrição do direito de queixa, tendo em atenção o Douto Acórdão da 9.ª Secção da Relação de Lisboa de 14 de Outubro de 2004, já transitado em julgado, solicitando ainda a apreciação de várias outras questões, designadamente a invalidade da Primeira Procuração junta aos Autos em 2001, a invalidade de um requerimento junto aos autos (por interveniente cuja identidade, até esta data, se desconhece), em que se pretendia a ratificação do processado e a incompetência do Tribunal para proceder a novo julgamento, tudo como melhor se explicita na motivação, atenta a complexidade das questões.
2- Contudo, o Douto Despacho ora recorrido não se pronunciou sobre todas as questões colocadas, tendo apenas apreciado e proferido decisão sobre a questão da prescrição do direito de queixa e da competência do Tribunal.
3- Restringiu assim o Tribunal ora recorrido a apreciação a apenas a algumas do  leque de questões suscitadas, em clara violação do citado artigo 311.º do Código de Processo Penal, em especial do seu n.º 1.
4- Violou também, com tal actuação, os artigos 663.º, 668.º, 716.º, 726.º, 749.º e 762.º, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi”, do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
5- Violou também com tal actuação, o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, interpretado no sentido de decorrer do mesmo, que determinados vícios processuais traduzem violações de direitos fundamentais, ao não se assegurar uma tutela jurisdicional efectiva.
6- Termos em que, o Douto despacho ora recorrido, deverá ser julgado nulo, e de nenhum efeito.
7- O Tribunal ora Recorrido ao restringir, por interpretação, o sentido e alcance da parte decisória do Douto Acórdão da 9ª.Secção da Relação de Lisboa, designadamente na parte em que este deu sem efeito tudo o que foi praticado pelo mandatário,  violou as disposições que regulam o caso julgado.
Viola assim, a decisão ora recorrida, os arts. 672.º e 673.º do Código de Processo Civil, o art.º 115 do Código Penal, o art.º 17.º e 119.º, alínea e) do Código de Processo Penal, e os arts. 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
8 - Efectivamente, resulta claro, no Douto Acórdão da Relação de Lisboa, acima referenciado, que foi dado sem efeito tudo o que foi praticado, nos autos, pelo mandatário “ e consequentemente, de todos os termos subsequentes do processo”, “ devendo ser renovado o mandato para o patrocínio judiciário ou constituído novo patrono ”só assim “prosseguindo, então, os ulteriores termos do processo”. Facto documentado e juridicamente incontroverso é que foi a própria queixa, no ano 2001, subscrita por este mandatário, cujos actos praticados foram todos declarados sem efeito pelo Douto Acórdão referido. Mais determinou como vimos, aquela decisão superior, que a prossecução processual fosse precedida da renovação do mandato ou da constituição de novo patrono, não podendo por isso, em face do decidido, sob pena de violação material do caso julgado, admitir-se uma peça anterior à renovação do mandato, ou à constituição de novo patrono, nos termos decididos, seja, a queixa, integradora da própria legitimidade do Ministério Público, em face da natureza da infracção, declarada que foi sem efeito, por decisão transitada em julgado, por ter integrado os actos praticados pelo mandatário, todos eles declarados sem efeito. Havia assim que apresentar nova queixa, renovado que fosse o mandato ou constituído que fosse novo Patrono, ou sendo possível, ratificar a apresentada. Só que em face do prazo estatuído no artigo 115.º do Código Penal, é evidente que se verifica a extinção do direito de queixa, dado que a existente nos autos foi praticada por aquele mandatário, não tendo sido em tempo ratificada nem tendo sido subscrita qualquer nova queixa pela sociedade ou por quem devidamente a representasse. Refira-se ainda, que nos termos da jurisprudência dão Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 7 de Março de 1995/ Processo: 0078991/ 1ª Secção, o vício consubstanciado na falta de Procuração, é a inexistência.
Mesmo que assim, não se entendesse, numa interpretação restritiva, que o Recorrente não subscreve, em cumprimento do Douto Acórdão e citado, sempre se terá que dar sem efeito “todos os termos subsequentes do processo” (conferir artigo 164º, n.º1 do CPC), isto é todos os actos praticados por todos os intervenientes processuais, que são como é evidente, insusceptíveis de “ratificação” o que inclui o próprio despacho de acusação.
Termos em que, deve o despacho ora recorrido ser revogado e considerado extinto o direito de queixa.
9 - Refira-se ainda, que, embora não se pronunciando expressamente sobre esta matéria, ao aceitar tacitamente a junção de um requerimento aparentemente apresentado pela Sociedade C… de R…, para “ratificar todo o processado”, que sendo nulo e não produzindo quaisquer efeitos dado que, o referido requerimento viola,  quer os artigos 408.º e 409.º do Código das Sociedades Comerciais, quer os artigos L-225-35 e L-225-51 do Código do Comércio Francês, quer dos artigos 365.º do Código Civil e 540.º do Código de Processo Civil, já citados e cuja reprodução se dispensa, o despacho ora recorrido, viola os arts.17.º e 119.º, alínea e) do Código de Processo Penal.
Efectivamente, colocando-se a questão da regularidade e/ou falta do mandato desde o inquérito, em virtude da extinção da sociedade que surgiu como primeira “queixosa” nestes Autos, ter sido extinta em 30 de Agosto de 2002, e a acusação datar de Dezembro do mesmo ano, encontrarmo-nos perante fase processual da competência do Juiz de Instrução, sendo portanto o despacho ora recorrido nulo nos termos da alínea e) do art.º 119.º do Código de Processo Penal.
10 - Ao interpretar o art.º 426.º A do Código de Processo Penal, como atribuindo competência ao Tribunal ora recorrido, para proceder à renovação do julgamento, o Despacho ora recorrido viola o caso julgado, e o referido preceito legal, dado que nem o Acórdão da Relação de Lisboa, 9ª Secção, refere tal diligência a efectuar, e por outro lado, tal julgamento, a realizar-se, sempre caberia ao tribunal, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida, que se encontrar mais próximo
DEVE ASSIM POR DOUTO SUPRIMENTO SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, E CONSIDERADO PRESCRITO O PROCEDIMENTO CRIMINAL, POR EXTINÇÃO DO DIREITO DE QUEIXA, ASSIM SE FAZENDO  JUSTIÇA.”
                      

 B) No recurso interposto do Despacho (proferido a fls.3102 e ss) que indeferiu o requerimento no qual o arguido/recorrente invocava, para além do mais, a ilegitimidade do assistente e do ministério público.
 “ 1. Tanto a ratificação como as procurações, constantes de folhas 17, 2313 a 2315, apenas estão subscritas por uma assinatura, sendo que não se identifica quem é o signatário e se detém ou não poderes para o acto, estando as assinaturas ilegíveis.
2. Em virtude da Assistente, “C… de R…”ser uma sociedade com sede principal e efectiva em França, é aplicável quanto à forma de vinculação a sua lei pessoal, ou seja, a lei francesa.
3. Salvo disposição estatutária em sentido contrário, conforme o preceituado nos artigos L225-35 e L225-51 do Código Comercial Francês, a sociedade só pode ser representada pelo seu Conselho de Administração, que é um órgão plural.
4. Os Estatutos, juntos aos presentes autos a folhas 3077 e ss., para comprovar a forma de obrigar da Assistente foram aprovados em 20/12/2006, data posterior à assinatura da ratificação e da procuração (21/01/2005).
Mantêm-se as dúvidas sobre a identificação e a legitimidade do signatário da ratificação e procuração forense, pelo que se impõe decisão diversa da ora recorrida.
5. As procurações passadas ao advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário não carecem de intervenção notarial, segundo o disposto no DL 267/92, de 28/11.
6. No entanto, não deixam de ser aplicáveis analogicamente as normas previstas no Código do Notariado, nomeadamente, o art. 46º do referido diploma legal, referente ao elementos essenciais que devem constar do corpo da procuração.
7. Tratando-se a outorga de procurações e o reconhecimento de assinaturas, actos próprios dos notários que a lei excepcionalmente atribuiu aos advogados, aplica-se o preceituado no art. 46º do Código de Notariado, relativamente, à identificação dos intervenientes, por si próprios ou seus representantes, e conferência dos poderes para o acto.
8. O preceituado nos artigos 260º n.º 4 e 409º n.º 4 do C.S.C. determina que o representante da sociedade deve obrigatoriamente apor a sua assinatura e a qualidade em que o faz.
9. Nem na primeira procuração, nem na ratificação, nem na nova procuração, constantes de folhas 13, 2313 a 2315, foi indicada a identidade e os poderes para o acto dos signatários, desconhecendo-se quem seja.
10. Tais faltas consubstanciam uma violação do disposto nos artigos 260º n.º 4 e 409º n.º 4 do C.S.C., assim como, uma irregularidade que o arguido vem suscitando em vários requerimentos desde o início dos presentes autos
Nestes termos, o Mm.º Juiz a quo interpretou erradamente o previsto no artigo único do DL 267/92, de 18/11, ao considerar que não se aplica o art. 46º do Código do Notariado.
11. A Assistente, “C… de R…”, não é parte legítima nos presentes autos, dado que não, é nem titular do direito de queixa, nos termos do art. 113º CP, nem ofendida para efeitos do art. 68º do CPP.
12. O bem jurídico protegido no tipo legal do crime de apropriação ilegítima, p. e p. no art. 209º CP é o direito de propriedade, logo, o portador do bem jurídico é o proprietário da coisa apropriada.
13. Ficou acordado entre a Companhie F… I… F…, detentora da maioria das acções da Companhie F… I… F… Portugal SA, aquando da venda das acções desta última, com a P…, sociedade adquirente, que os créditos fiscais recuperados reverteriam a favor da Compagnie F… I… F… ..
14. A haver interesse em agir seria desta última, credora do crédito recuperado, ou da C… Finance, que efectivamente transferiu a quantia.
15. Ambas as sociedades referidas no ponto anterior não são intervenientes nos presentes autos, nem efectuaram qualquer queixa ou manifestaram vontade de deduzir contra o arguido procedimento criminal.
16. Está cabalmente demonstrado pelos documentos juntos a folhas 404 e 172, que a ordem de transferência foi efectuada pela F…, tendo-lhe sido o montante transferido debitado na sua conta pelo C… Immobilier.
17. Consequentemente, não tinha o Ministério Público legitimidade para promover o procedimento criminal contra o arguido e deduzir acusação pública.
Nestes termos, o Mm.º juiz a quo interpretou erradamente a documentação junta por ter admitido a queixa deduzida pelo C… Immobilier (actual C… de R…) e a sua constituição como Assistente, em violação do disposto nos artigos 113º do Código Penal e 68º do Código de Processo Penal.
Deste modo, o procedimento criminal instaurado contra o arguido, por tratar-se de um crime semi-público, deve ser declarado extinto por falta de legitimidade do Ministério Público.
18. No douto acórdão, proferido pelos Digníssimos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, deu-se sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário e consequentemente, de todos os termos do processo, incluindo a audiência de julgamento, devendo ser renovado o patrocínio ou constituído novo patrono, prosseguindo, então, os ulteriores termos do processo. 
19. Não poderia o Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no art. 40º n.º 2 do Código de Processo Civil, fixar prazo para ratificação do processado e junção de nova procuração.
20.O Tribunal ad quem aplicou a sanção prevista no art. 40º do CPC.
21. A decisão postulada no douto acórdão não foi impugnada, pelo que constituí caso julgado.
22. Mesmo após ser proferido pelo Tribunal a quo despacho que aceitou a ratificação do processado, o Tribunal ad quem não aceitou apreciar as restantes questão impugnadas pelo arguido, (cujo conhecimento ficou prejudicado pelo deferimento da ilegitimidade da C… Immobilier, em virtude de se extinto por fusão com o C… de R…), suscitadas no âmbito do recurso, em que foi proferido esse acórdão. 
23. Deverão, no mínimo, ser novamente praticados todos os actos posteriores a essa extinção como a constituição de assistente, a acusação, o pedido de indemnização civil, a contestação do arguido, a audiência de discussão e julgamento, a sentença e todos os demais actos adstritos aos termos do processo.
24. Nesse sentido, e mesmo admitindo-se os articulados já juntos aos presentes autos, o Mm.º Juiz a quo deverá proferir despacho nos termos do disposto nos art. 311º e 312º do CPP, uma vez que subsistem questões prévias e incidentais que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
Pelo exposto, o Tribunal a quo interpretou erradamente a decisão do Tribunal ad quem ao admitir  a ratificação do processado e da nova procuração.
25. No douto despacho de folhas 2881 e ss., o Mm.º Juiz a quo mandou notificar o Ilustre Advogado, Senhor Dr. P… P…, para vir aos presentes autos esclarecer quem assinou a documentação de fls. 2313 a 2315, em nome da “C… de R…”
26. Quem efectivamente respondeu à notificação foi o Ilustre Advogado, Senhor Dr. B… B…
27. Considera-se que o Senhor Dr. P… P… foi notificado pessoalmente e não em representação da Assistente, pelo que o requerimento junto a folhas 2892 não poderá ser admitido.

Nestes termos, decidiu mal o Mm.º Juiz a quo ao admitir o requerimento junto pelo Ilustre Advogado, Sr. Dr. B… B….
28. Nas procurações juntas pela Assistente foram mandatados todos os sócios da sociedade C… A…, P. P… & Associados.
29. Todos os requerimentos juntos pela Assistente foram, até certa data, impressos em folha timbrada com o logótipo da referida sociedade de Advogados.
30.   Nos termos do n.º 6 do art. 5º da Lei 229/2004, de 10/12, as procurações forenses devem indicar obrigatoriamente a sociedade de que o advogado ou os advogados constituídos façam parte.
31. Segundo o preceituado no n.º 3 do mesmo preceito legal, os advogados só podem fazer parte de uma única sociedade de advogados e devem consagrar a esta toda a sua actividade profissional.
32. Os Estatutos da referida Sociedade de Advogados estabelecem que os sócios devem consagrar a esta toda a sua actividade.
33. Conforme legalmente disposto e o estabelecido nos Estatutos da Sociedade de Advogados presume-se que a Assistente mandatou a Sociedade de Advogados, C… A…., P. P… & Associados, e não os sócios per si.
34. O Sr. Dr. P… P… cedeu a quota que detinha e cessou todas as suas funções nessa sociedade em 30/09/2006.
35. O Sr. Dr. P… P…, ao ceder a sua quota e cessar a sua actividade jurídica nessa sociedade, deixou de ter legitimidade para representar a admitida Assistente nos presentes autos.
36. Os últimos requerimentos juntos ao processo são já elaborados em papel timbrado de outra sociedade com a denominação de PPR&A, sem que tenha sido junta nova procuração a favor desta e cumprido o disposto no n.º 6 do art. 5º da Lei 229/2004, de 10/12.
37. Desconhece-se, para efeitos do previsto nos art. 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados e art. 33º e ss do Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10/12, referente à responsabilidade civil dos advogados e sociedades de advogados, quem representa a sociedade.
Pelo exposto, o Tribunal a quo interpretou erradamente o preceituado no art. 5º da Lei 229/2004, de 10/12, por não entender que fazendo os mandatários parte de uma sociedade de advogados é a esta que é conferido o mandato.
38. O tipo de ilícito, em causa, pressupõe a apropriação de coisas móveis.
39. Segundo o preceituado no art. 19º Código de Processo Penal, é competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação.
40. No crime de apropriação ilegítima, tal como no crime de abuso de confiança, a conduta, prevista no n.º 1 e 2 do art.º 209º do CP, traduz-se por um acto de apropriação, no sentido de preenchimento do tipo.
41. A apropriação traduz-se sempre na inversão do título da posse ou detenção.
42. No crime de abuso de confiança e no de apropriação ilegítima, a apropriação é a acção que revela, externa e materialmente, a inversão do título da posse ou detenção e que constitui o momento essencialmente relevante para a integração dos elementos e para a consumação do crime. A intenção que existia anteriormente à inversão do título da posse é tipicamente irrelevante (vide Ac. STJ de 10/11/2004, www.dgsi.pt)
43. Uma das mais frequentes e mais concludentes manifestações externas de apropriação é a recusa de restituição da coisa.
44. A admitir-se a prática pelo arguido de um crime de apropriação ilegítima, a eventual consumação apenas poderia ter ocorrido quando o arguido, em resposta à carta enviada pela C… Immobilier para a sua residência, confirmou a esta, também, por carta, ser credor da F… Portugal SA e da própria C… Immobilier, confirmando a compensação entre os seus créditos e os débitos, conforme documento junto aos autos a folhas 1362 e ss.
45. Apenas desta carta e dos documentos anexos, a folhas 1362 e ss., se pode inferir a eventual inversão do título da posse ocorreu nesse momento.
46. Tendo o ora Recorrente enviado a respectiva carta da sua residência, sita na Avenida dos B…, n.º 000, freguesia da Parede, concelho de Cascais, conclui-se que a suposta consumação do crime teria ocorrido na Parede.
47. Não há qualquer dúvida sobre o local onde se consumou ou se teria consumado, a existir, o crime. 
48. Por aplicação do disposto no art. 19º do Código Penal, o Tribunal territorialmente competente é o Tribunal Judicial de Cascais e não o 6.º Juízo Criminal de Lisboa.
Mal andou, pois, o Mm.º Juiz quando decidiu que existiam dúvidas quanto ao momento em que ocorreu a inversão do título da posse, que consubstancia o momento da consumação do crime de apropriação ilegítima, caso exista crime.
Da documentação, junta aos autos a folha 1362 e ss, é evidente que esse momento teria ocorrido com o envio da carta do ora recorrente, (se existir crime), na qual o mesmo invoca a compensação.
Pelo exposto, e face aos documentos juntos, decidiu mal o Mm.º Juiz a quo ao aplicar o disposto no art. 19º n.º 4 do CPP., pelo que deveria ter remetido os presentes autos para o tribunal territorialmente competente, o Tribunal Judicial de Cascais.
49. Considerando a decisão do douto acórdão proferido pelo Tribunal ad quem, deveria o Mm.º Juiz a quo ter-se pronunciado nos termos do disposto no art. 311º e 312º do CPP.
50. Todas as questões suscitadas pelo ora Recorrente são questões que obstam ao conhecimento do mérito da causa, pelo que deveriam ser apreciadas antes do início da audiência de julgamento, nos termos do n.º 1 do art. 311º, 312º e 313º do CPP.
51. Até por razões de economia processual e por imposição legal, uma vez que a incompetência só pode ser deduzida até ao início da audiência de julgamento.
Pelo exposto, não deveriam ter sido, portanto, considerados comos incidentes anómalos, nem o ora recorrente deveria ter sido condenado em custas em virtude do indeferimento destes.
Nestes termos e com o mui suprimento de V.Ex.as, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e consequentemente revogado o despacho ora recorrido, assim fazendo JUSTIÇA!”
                  
O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu às motivações de recurso apresentadas pelo Arguido Recorrente, pugnando pela improcedência dos mesmos recursos.
Nesta instância, aquando da vista a que se refere o art. 416º do Código de Processo Penal, o MINISTÉRIO PÚBLICO limitou-se a apor o seu visto.
III – Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art. 419º do CPP, cumpre agora apreciar e decidir.

FACTOS  CONSIDERADOS  PROVADOS  NA SENTENÇA RECORRIDA
São os seguintes os factos que a sentença recorrida indica como estando provados:
“ 1)     Entre Junho de 1993 e Julho de 1999, o arguido foi administrador da “Compagnie F… I… F… Portugal, S.A.”, actualmente, “S… Portugal-Sociedade Imobiliária, S.A”.
2)   A maioria do capital social de tal sociedade era detido pela “Compagnie F… I… F…, S.A.”, até 25-06-1999.
3)   A maioria do capital social desta última sociedade era detida pela queixosa C… Immobilier, cujo objecto era gestão de activos imobiliários, sociedade esta ulteriormente incorporada na ora assistente “C… de R…, conforme deliberação da Assembleia Geral Extraordinária desta datada de 31-07-2002.
4)   Em Julho de 1999, após cessar funções como administrador da “Compagnie F… I… F… Portugal, S.A.”, o arguido, incumbido para o efeito, continuou a acompanhar pelo menos dois assuntos relativos à “Compagnie F… I… F… Portugal, S.A”.
5)   Um relativo à recuperação de um crédito fiscal e um outro relacionado com um processo arbitral, estando o arguido devidamente mandatado, quanto a este último processo arbitral, através de procuração que para o efeito lhe foi passada e entregue pela “Compagnie F… I… F…, S.A.”.
6)   A 27 de Junho de 2000 o arguido solicitou através de fax dirigido ao ex-administrador da queixosa, J… P…, actual Director Operacional da assistente, o pagamento de Esc. 377.000$00 (€ 1.880, 47) a título de adiantamento de honorários devidos por serviço prestado no dossier da recuperação do crédito fiscal.
7)   Tal quantia foi-lhe paga com data-valor de 17 de Julho de 2000.
8)   A 7 de Dezembro de 2000 o arguido informou a queixosa, através de fax, que havia recuperado o crédito fiscal no montante de Esc. 22.575.821$00 (€ 112.607, 72).
9)   Em tal comunicação juntou nota de honorários em que solicitou o pagamento, a tal título e a título de despesas, da quantia de Esc. 1.270.000$00 (€ 6.334, 73).
10) A 22 de Dezembro de 2000 a queixosa, por falta de atenção e cuidado dos seus serviços financeiros, em vez dos Esc. 1.270.000$00 (€ 6.334, 73), deu ordem de transferência bancária da quantia de Esc. 22.575.821$00 (€ 112.607,72) para a conta bancária do arguido.
11) Por força das despesas bancárias efectuadas em virtude de tal transferência foi efectivamente creditado na conta do arguido a quantia de Esc. 22.553.712$00 (€ 112.497, 44), sendo a entidade ordenadora da transferência indicada a “C… Finance”, entidade que efectuou os pagamentos da queixosa a pedido desta.
12) A queixosa ordenou inadvertidamente a transferência para o património do arguido de montante igual àquele, deduzidas as taxas legais aplicáveis, que de acordo com a comunicação do arguido, havia sido transferido para o património da sociedade queixosa.
13) Entretanto, por fax datado de 17-12-2000 o arguido enviou à C… Immobilier, outra nota de honorários relativa ao supra aludido processo de arbitragem no montante de Esc. 970.000$00. Solicita ainda uma provisão de honorários no valor de Esc. 570.000$00.
14) Com data-valor de 16-01-2001, foi efectuada uma transferência bancária ordenada pela C… Immobilier, no valor de Esc. 607.500$00 (€ 3030, 20), a favor do arguido.
15) No início de Julho de 2001 a sociedade queixosa apercebeu-se do lapso dos seus serviços financeiros que levou à transferência indevida da quantia de Esc. 22.575.821 $00 (€ 112.607, 72) para a conta bancária do denunciado.
16) A partir de tal mês de Julho foram feitos vários pedidos ao arguido para restituir a quantia de 21.305.821$00 (€ 106.272, 99) que indevidamente foi transferida para a sua conta bancária, que corresponde à quantia indevidamente transferida, depois de devidamente subtraída do montante dos honorários de Esc. 1.270.000$00 peticionados.
17) Na verdade nunca pelo arguido havia sido comunicado à assistente a recepção de tal quantia que não lhe era devida.
18) Assim e no dia 11 de Julho de 2001 foi enviado um fax, pela C… Immobilier ao arguido, expondo tal situação e solicitando uma resposta urgente.
19) No dia 17-07-2001 o arguido respondeu a tal fax informando que se encontrava de férias e solicitando que lhe fosse comunicada a quantia exacta reclamada pela Assistente, e que lhe fossem indicadas as quantias que lhe foram pagas desde a constituição da “Compagnie F… I… F… Portugal, S.A.”.
20) Ao fax do arguido respondeu a assistente em 17 de Julho de 2001, por fax erradamente datado de 16 de Julho de 2001, informando o ora arguido sobre a quantia exacta reclamada — Esc. 21.305.820$00 (€ 106.272, 98) — e afirmando que a questão em análise se prendia com a devolução de tal quantia e não com as quantias que lhe haviam sido pagas pela Assistente desde 1993.
21) No dia 24 de Julho de 2001, o arguido enviou um novo fax à assistente, acompanhado de cópia de uma carta que à mesma enviou nessa data com a epígrafe “Assunto: Pagamento de Prestação de Serviços”, onde o mesmo descrevia em cerca de três páginas todas as tarefas que pretensamente desenvolvera, alegadamente em nome pessoal, para a “Compagnie F… I… F… Portugal, S.A.”, desde 1993, atribuindo a tais tarefas o valor de Esc. 57.000.000$00, pelo que, segundo alegava, “os montantes até à data liquidados mostram-se não só devidos, como correctamente pagos”.
22) Entendeu e entende a assistente que tais montantes não são devidos, pois na sua perspectiva as intervenções do arguido em serviços prestados pelo CREDIT L… PORTUGAL à “Compagnie F… I… F… Portugal, S.A.”, entre 1993 e 1999, foram pagas por esta sociedade àquela instituição bancária, que então era a entidade patronal do mesmo como o foi até 1998, e que os administradores da “Compagnie F… I… F… Portugal, S.A.”, como foi o caso do arguido entre 24-06-93 e 14-07-1999, não eram remunerados.
23) Nunca o arguido até àquele momento havia reclamado, justificado ou titulado por qualquer nota de honorários ou factura tais serviços.
24) A Assistente enviou ao mesmo um novo fax em 27 de Julho de 2001, no qual afirmava:
- o seu desagrado e surpresa com o conteúdo do fax que o Dr. J… lhe enviara em 24 de Julho de 2001;
- que o Dr. J… não respondera às questões que lhe haviam sido colocadas;
- que a quantia que havia sido transferida por erro para a conta do Dr. J… era muito superior à que o mesmo havia solicitado;
- Que a “Compagnie F… I… F…, S.A.” não tinha por pagar nenhuma factura do arguido;
- pelo contrário, a mesma era credora do Dr. J… na quantia de Esc.: 21.305.820$00 (valor inferior em Esc.1$00 ao valor real da quantia abusivamente detida pelo Dr. J…);
- que a confiança entre a “Compagnie F… I… F…, S.A.”, e o Dr. J… estava definitivamente rompida;
- que o Dr. J… deveria cessar as suas intervenções em nome da “Compagnie F… I… F…, S.A.”, que nesta altura, se limitavam a um processo de arbitragem, e que o seu dossier fora transmitido aos Advogados da “Compagnie F… I… F… Portugal, S.A.”, em Lisboa.
25) Por carta  enviada em 13-08-2001 os mandatários da assistente interpelaram o arguido solicitando que este os contactasse para a devolução da quantia  de Esc. 21.305.821$00.
26) Em 17-08-2001, o arguido respondeu a tal carta referindo não lhe ser possível tomar em consideração a mesma, sem que lhe fosse enviado o competente instrumento do mandato.
27) Por carta enviada em 14-09-2001 ao arguido, acompanhada de mandato, solicitaram  os mandatários da assistente nos mesmos termos referidos em 25).
28) Em Outubro de 2001 foi comunicada ao arguido a revogação do mandato que lhe havia sido conferido pela F… Compagnie F… I…, SA, comunicação datada de 22-10-2001.
29) No dia 31 de Outubro de 2001, o arguido enviou à assistente uma carta registada com aviso de recepção, que intitulou de “Compensação”, na qual, insistindo deter um crédito sobre a mesma, no valor de Esc. 27.500.000$00 (resultante da subtracção da quantia de Esc. 29.500.000$00 — em que quantifica os seus débitos para com a Assistente — aos Esc. 57.000.000$00 — em que quantifica os serviços pretensamente prestados à mesma), solicitava o respectivo pagamento no prazo de 7 dias.
30) A Assistente em 6 de Novembro de 2001, também através de carta registada com aviso de recepção, impugna mais uma vez a existência de qualquer crédito do Dr. J… sobre a mesma, reiterando que é aquele quem lhe deve a quantia de Esc. 21.305.821$00.
31) O  arguido recusou sempre assim a entrega da quantia que lhe foi pedida e que correspondia aos Esc. 22.575.821$00 acima referidos, com desconto da quantia de 1.270.000$00 relativos a honorários e despesas devidos pelo pagamento do «dossier» da recuperação do crédito fiscal.
32) O  arguido ficou com a quantia de Esc. 21.305.821$00 (€ 106.272, 99) que indevidamente foi transferido para a sua conta bancária do Banco E… , com o NIB n.° 000000000000000000000, sabendo que não podia ficar com tal montante e que ao mesmo não tinha direito, o que sucedeu apenas por descuido dos serviços financeiros da sociedade queixosa, que por falta de atenção processaram ordem de transferência bancária de Esc. 22.575.821$00 (€ 112.607, 72) em vez de Esc. 1.270.000$00 (€ 6.334, 73).
33) Agiu consciente e deliberadamente com plena liberdade de actuação bem sabendo que o seu comportamento era proibido por lei;
34) O arguido é casado e tem 3 filhos menores a seu cargo. É advogado, jurista e Director adjunto da instituição de crédito “F…”. Aufere € 4600, 00 mensais pelas funções desempenhadas na “F…” e € 1000, 00 por outras actividades (não tem exclusividade de funções na “F…”).
35) É tido por pessoa conceituada e séria a nível pessoal e profissional por colegas de trabalho e amigos.
36) O arguido não tem antecedentes criminais conhecidos.”

FACTOS  CONSIDERADOS  NÃO  PROVADOS
“Com interesse para a decisão da causa, dos factos descritos na acusação, pedido de indemnização civil e respectivas contestações não se provaram todos os factos contrários ou para além  dos “supra” dados como provados, designadamente:
-      O arguido considerou que a soma transferida pela C… Finance se tratava de provisão para despesas e honorários a levar em consideração a final na apresentação das contas, considerando-se possuidor precário da mesma até ver reconhecida pelo direito a sua pretensão;
-      O arguido não se negou a restituir ou a reparar a queixosa;
-      Entendeu o arguido que tal quantia era uma provisão dos serviços já prestados e a prestar em execução dos mandatos específicos conferidos;
-      O arguido havia pedido um valor superior em diversos contactos com o Senhor J… P…;
-      O arguido contactou o Senhor P… em 27-12-2000, informando-o que havia recebido tal quantia para regularização parcial dos honorários que lhe eram devidos;
-      Foi sempre intenção do arguido , através de um encontro de contas, demonstrar a validade dos seus créditos e a prova de uma obrigação válida e vencida
(a demais factualidade vertida no pedido de indemnização civil e contestações não se tomou posição por entender que a mesma não reveste interesse para a decisão da causa pois se reconduz à qualificação da qualidade em que o arguido prestou serviços - outros serviços - se eram ou não devidos honorários por tais serviços, sendo que esta acção não se reconduz a uma acção de fixação de honorários, sendo tal matéria irrelevante para a decisão da causa, como infra se demonstrará, em matéria de convicção do tribunal) ”


A MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO
PROFERIDA PELO TRIBUNAL “A QUO
………………………………………………………………………………..
O OBJECTO DO RECURSO DO ARGUIDO
Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer (Cfr., neste sentido, o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág 263); SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES (in “Recursos em Processo Penal”, p. 48); GERMANO MARQUES DA SILVA (in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, p. 335); JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES (in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387); e ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pp. 362-363) («São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões [da respectiva motivação] que o tribunal [ad quem] tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).
As questões essenciais suscitadas pelo Recorrente (nas conclusões da sua motivação) são as seguintes:
I. QUESTÕES PRÉVIAS:
A. Da irregularidade da procuração constante de fls. 13.
         B. Da Invalidade do Requerimento junto aos autos a fls. 2313 e 2315.
                        C. Da questão da ilegitimidade da Assistente, da Inexistência da queixa e Ilegitimidade do MP.
                        D. Falta de notificação da Assistente.
                        E. Questão Prévia Cível: da requerida remessa das partes para os meios comuns com  a suspensão da instância penal até ser proferida decisão final sobre as pretensões jurídico-civis.
                        F.  Da ilegitimidade activa para demandar.
                        G. Da inquirição da testemunhada Sr. Dr. P… U….
II. SE A SENTENÇA RECORRIDA É NULA, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NAS DISPOSIÇÕES COMBINADAS DOS ARTS 379°, Nº 1, ALÍNEAS A) E C), E 374°, Nº 2, DO CÓD. PROC. PENAL.
III. SE A SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRIDA PADECE DE INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA.
IV. SE A SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRIDA PADECE DE ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA.
V. SE A SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRIDA VALOROU INCORRECTAMENTE AS PROVAS PRODUZIDAS, VIOLANDO O PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DE PROVA (ART. 127º DO C.P.P.).
VI. SE A SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRIDA INCORRE EM VÁRIOS ERROS DE DIREITO QUE VIOLAM O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE CRIMINAL ( ART. 29º, Nº3 DA C.R.P.).
VII. SE OS FACTOS PROVADOS FORAM ERRÓNEAMENTE QUALIFICADOS, DO PONTO DE VISTA JURÍDICO.

MÉRITO DOS RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS

A) O DESPACHO QUE INDEFERIU O REQUERIMENTO NO QUAL SE INVOCAVA A PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE QUEIXA E A INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL RECORRIDO.

O Despacho ora sob censura foi do seguinte teor
“ 1. Quanto à invocada "prescrição do direito de queixa".
   A parte decisória da douta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa consiste no seguinte:
"Face ao exposto, e conhecendo da questão prévia da insuficiência ou irregularidade da procuração da sociedade incorporante, concede-se provimento ao recurso, dando sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, e consequentemente, de todos os termos subsequentes do processo, incluindo a audiência de julgamento, devendo ser renovado o mandato para o patrocínio judiciário ou constituído novo patrono, prosseguindo, então, os ulteriores termos do processo. "
A interpretação da decisão em causa, terá que ser realizada, além do mais, pela leitura da fundamentação do Acórdão.
No que toca à questão da validade ou não da queixa apresentada, o Acórdão não podia ser mais claro.
Com efeito, pode ler-se a fls. 22/23 da decisão da Relação:
«Adiantamos, desde já, que nesta parte, não assiste razão ao recorrente.
Na verdade, conforme dispõe o art. 113°, n°l do Cód. Penal, tratando-se de crime semi-público, tem legitimidade para apresentar queixa crime o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.
E a ofendida, com a conduta ilícita do arguido, é a assistente Sociedade C… Immobilier. Esta Sociedade apresentou a queixa que deu origem aos presentes autos em 24/10/2001. Posteriormente foi incorporada na Sociedade "C… de R…" por meio de fusão conforme documentos juntos aos autos, nomeadamente "Traitê de Fusion" e a dois anúncios de tal fusão publicados no jornal "Special des Societes" e a acta da Assembleia Geral Extraordinária da Sociedade Incorporante. Assim, todo o património, direitos e obrigações da C… Immobilier foi transmitido com uma universalidade para a S…C… de R…  por efeito de fusão por incorporação da primeira na segunda.
Resulta assim, que a Assistente desde a data em que foi operada a fusão obteve todos os poderes para intentar ou defender quaisquer acções em curso, como prescreve o art. 236°, n°3 do Código Civil Francês.
O procedimento criminal nos presentes autos iniciou-se com a queixa crime atempadamente apresentada pela C…  Immobilier, que foi depois incorporada na Sociedade "C… de R…», assistindo assim legitimidade, derivada da integração do património – direitos e obrigações – resultantes da incorporação da primeira na segunda.»
Perante, tal fundamentação, não nos restam dúvidas de que a queixa não enferma dos vícios apontados pela ilustre Defesa, sendo certo que tal questão foi já tratada em sede do recurso já decidido.
Pelo exposto, indefere-se a invocada "prescrição do direito de queixa".
Custas deste incidente anómalo pelo arguido, com taxa de justiça fixada em 4 UC's (art. 84º d Cód. Custas Judiciais).
                           II. Quanto à invocada incompetência do presente tribunal.
Conforme se depreende da parte decisória do Acórdão da Relação de Lisboa, acima já transcrita, determinou-se efectivamente a renovação do julgamento.
Contudo, tal renovação do julgamento, não foi determinada com base em nenhum dos vícios previstos no art. 410º, nº2 do Cód. Proc. Penal, ou seja a "repetição" do julgamento não foi determinada com base em qualquer questão de facto, de fundamentação de facto ou erro notório na apreciação da prova.
Não é assim aplicável o disposto nos arts. 426º e 426-A do Cód. Proc. Penal, invocados pela Defesa.
Inexiste assim a invocada incompetência deste tribunal para realizar o julgamento.
Pelo exposto, indefere-se a invocada incompetência deste tribunal para realizar o julgamento.
Custas deste incidente anómalo pelo arguido, com taxa de justiça fixada e 1 UC (art. 84º do Cód. Custas Judiciais)”.
Na tese do arguido/Recorrente, desde que o Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Outubro de 2004 deu sem efeito tudo o que fora praticado, nos autos, pelo mandatário admitido a intervir na audiência de julgamento com procuração passada a seu favor pela sociedade incorporada “C… Imobilier” e consequentemente, todos os termos subsequentes do processo, incluindo a audiência de julgamento, “devendo ser renovado o mandato para o patrocínio judiciário ou constituído novo patrono”, só então prosseguindo os ulteriores termos do processo, tendo a própria queixa-crime sido, no ano 2001, subscrita por este mesmo mandatário, cujos actos praticados foram todos declarados sem efeito pelo referido Acórdão, não poderia, em face do decidido - sob pena de violação material do caso julgado - admitir-se como válida uma peça anterior à renovação do mandato, ou à constituição de novo patrono, nos termos decididos, como é a queixa-crime, integradora da própria legitimidade do Ministério Público, em face da natureza da infracção, declarada que foi sem efeito, por decisão transitada em julgado, por ter integrado os actos praticados pelo mandatário, todos eles declarados sem efeito, pelo que havia que apresentar nova queixa, renovado que fosse o mandato ou constituído que fosse novo Patrono, ou (sendo possível) que ratificar a apresentada.
Só que, em face do prazo estatuído no artigo 115.º do Código Penal, encontrar-se-ia extinto o direito de queixa, dado que a existente nos autos foi praticada por aquele mandatário, não tendo sido em tempo ratificada nem tendo sido subscrita qualquer nova queixa pela sociedade ou por quem devidamente a representasse.
E, ainda que assim se não entendesse, sempre se teria que dar sem efeito “todos os termos subsequentes do processo” (cfr. artigo 164º, n.º1 do CPC), isto é, todos os actos praticados por todos os intervenientes processuais, que são como é evidente, insusceptíveis de “ratificação” o que inclui o próprio despacho de acusação.
Quid juris?
O cit. Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Outubro de 2004, tendo embora dado sem efeito tudo o que fora praticado, nos autos, pelo mandatário admitido a intervir na audiência de julgamento com procuração passada a seu favor pela sociedade incorporada “C… Imobilier” – e, consequentemente, todos os termos subsequentes do processo, incluindo a audiência de julgamento, “devendo ser renovado o mandato para o patrocínio judiciário ou constituído novo patrono”, só então prosseguindo os ulteriores termos do processo -, denegou a tese – já então propugnada pelo Arguido ora Recorrente – segundo a qual a queixa-crime oportunamente apresentada pela “C…Immobillier” não teria sido apresentada pela verdadeira ofendida (que seria uma outra entidade jurídica – a “F… Paris”).
Isto porque – segundo entendeu aquele aresto – a ofendida, com a conduta ilícita do Arguido, é, efectivamente, a Assistente Sociedade C… Immobilier – a qual apresentou (em 24/10/2001) a queixa que originou o presente processo. Ora, como esta sociedade foi (em 2002) incorporada, por fusão, na Sociedade “C… de R…”, tendo todo o seu património, direitos e obrigações sido transferidos, como uma universalidade, para  “C… de R…”, esta – desde a data em que se operou a referida fusão – obteve todos os poderes para intentar ou defender quaisquer acções em curso, nos termos do art. 236º, nº 3, do Código Civil Francês.
Assim, tendo o procedimento criminal sido iniciado com a queixa-crime atempadamente apresentada pela Sociedade C… Immobilier – que, posteriormente, foi incorporada, por fusão, na Sociedade “C… de R…” -, o referido Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Outubro de 2004 reconheceu a esta sociedade legitimidade para o exercício da acção penal, derivada da integração no seu património de todos os direitos e obrigações encabeçados pela Sociedade C… Immobilier.
A esta luz, o entendimento – ora propugnado pelo Arguido/Recorrente – segundo o qual, renovado que fosse o mandato ou constituído que fosse novo Patrono, por parte da sociedade incorporante, teria de ser apresentada nova queixa ou (sendo possível) de ser ratificada a queixa oportunamente apresentada – viola, ostensivamente, o caso julgado formal constituído pelo cit. Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Outubro de 2004.
Na verdade, entre os actos praticados pelo mandatário constituído da sociedade incorporada (por fusão) na Sociedade “C… de R…”, que aquele aresto considerou sem efeito, não figura a queixa-crime apresentada por aquele causídico, em 24/10/2001, em nome da sua constituinte “C…Immobillier”. Isto porque aquele Acórdão apenas anulou os actos processuais praticados pelo referido causídico posteriormente à fusão (operada em 30/8/2002) da sua constituinte “C…Immobillier” na Sociedade “C… de R…”, designadamente, a Audiência de Julgamento na qual ele interveio.
Consequentemente, não se impõe a apresentação duma nova queixa-crime, por parte da sociedade incorporante, nem se faz mister que a queixa-crime atempadamente apresentada (em 24/10/2001) pela sociedade incorporada seja agora ratificada pelos legais representantes da sociedade que incorporou (por fusão) aquela.
Alega ainda o Recorrente, que face ao teor do acórdão da Relação de 14/10/2004, o Tribunal recorrido era incompetente para proceder ao julgamento nos presentes autos.
Neste item, também, não assiste razão ao Recorrente.
No mencionado acórdão da Relação pode ler-se: “Face ao exposto, e conhecendo da questão prévia da "insuficiência" ou "irregularidade" da procuração da sociedade incorporante, concede-se provimento ao recurso, dando sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, e consequentemente, de todos os termos subsequentes do processo, incluindo a audiência de julgamento, devendo ser renovado o mandato para o patrocínio judiciário ou constituído novo patrono, prosseguindo, então, os ulteriores termos do processo.”
Na verdade, a decisão do Tribunal recorrido sobre a qual recaiu a decisão acima transcrita, não foi determinada pela existência dos vícios referidos nas alíneas do nº 2 do art. 410º do C.P.P., razão pela qual, não foi ordenado o reenvio do processo para novo julgamento, não tendo assim lugar, in casu, a aplicação do preceituado no art. 426º-A do C.P.P.
Donde que o presente recurso interlocutório improcede, quanto a todas as questões nele suscitadas.

B) O DESPACHO QUE INDEFERIU O REQUERIMENTO NO QUAL O ARGUIDO/RECORRENTE INVOCAVA A ILEGITIMIDADE DO ASSISTENTE E DO MINISTÉRIO PÚBLICO, A INEXISTÊNCIA DE CRIME, A REMISSÃO DO PROCESSO PARA INQUÉRITO OU A PROLAÇÃO DE NOVO DESPACHO NOS TERMOS DO ART.311º E 313º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E A INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL DO TRIBUNAL RECORRIDO.
                      
                     O Despacho ora sob censura foi do seguinte teor
“ Fls. 2920 a 2928.
Veio a ilustre Defesa apresentar um requerimento onde conclui pedindo para:
1) Ser informado sobre a identidade e qualidade de quem veio na outorga da ratificação, junta a fls... (fls. 2313 a 2315), e como foi verificada essa qualidade.
2) Ser declarada a Assistente e o Ministério Público como partes ilegítimas;
3) Ser encerrado o procedimento criminal contra o arguido por inexistência de crime, ou
4) A remissão do processo para Inquérito por terem sido dado sem efeitos todos os termos do processo após a extinção da Assistente, C… Imobilier, ou
5) Proferido novo despacho que nos termos do art. 311° e 313° do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade do despacho proferido.
II. Em momento posterior, a fls. 2948 a 2974  veio a Defesa apresentar requerimento, onde conclui com o seguinte:
1) Não deverá ser admitido o requerimento junto, subscrito pelo Ilustre Advogado Sr. Dr. B…B…;
 2) Deverá notificar-se novamente o Ilustre Advogado Sr. Dr. P… P…  para vir aos autos informar quem assinou, em que qualidade e se certificou os poderes do mesmo, dado que à data da junção da documentação, junta a fls. 2313 a 2315, era sócio da Sociedade de Advogados, C… A…, P. P… & Associados;
3) Deverá ordenar-se o desentranhamento do documento e respectivo anexo, juntos a fls. 2313 a 2315, por desconhecer-se quem o entregou, quem o subscreveu, em que qualidade e com que poderes para o acto;
4) Face à ausência de qualquer intervenção nos presentes autos, desde de Setembro de2006, deverá notificar-se a sociedade C… A…, F… L… e Associados – Sociedade de Advogados RL, para vir aos autos informar se é mandatária da Assistente ou se renunciou ao mandato;
5) Deverá notificar-se a Assistente, “C… de R…”, para vir informar a quem conferiu poderes forenses no âmbito dos presentes autos: se é representada pela sociedade, C… A…, F… L… e Associados – Sociedade de Advogados RL, ou se por outra sociedade, devendo, neste caso, ser notificada para proceder à regularização do mandato, conferindo poderes forenses a essa sociedade de Advogados.
III. Afls. 2993 a 2996 veio a Defesa apresentar novo requerimento, onde conclui com o seguinte:
1) deverão os autos ser remetidos para o Tribunal Judicial de Cascais, por incompetência territorial do 6° Juízo Criminal de Lisboa, nos termos do art. 19° Código Penal e art. 32°, n°2 alínea b) ex vi art. 119° alínea e) ambos do Código Penal.
*
Por despacho de fls. 2998 determinou-se seguinte:
"Uma vez que da documentação de fls. 1495, 1504 e 1508, resulta que a sociedade incorporante, que deve considerar-se a actual titular dos interesses a tutelar, designa-se "C… de R…", não se compreende como os aludidos requerimentos têm sido interpostos em nome de "C…  lmmobilier – C… de R…".
A ilustre Defesa, já levantou inúmeras questões neste âmbito, pondo nomeadamente em causa a procuração junta aos autos e a ratificação do processado declarada a fls. 2314 e 2315.
Haverá pois, que esclarecer de forma definitiva as dúvidas suscitadas, antes de proferir decisão sobre as questões levantadas pela ilustre Defesa.
Nestes termos, notifique-se o Sr. Dr. P... P..., para:
- Juntar no prazo de 10 dias, certidão de registo comercial da sociedade "C… de R…” donde conste a  sua designação completa e a forma de obrigar a sociedade.
- Esclarecer, no mesmo prazo, porque tem apresentado requerimentos em nome de “C… Immobilier – C… de R…”, em vez de "C… de R…".
*
Em suprimento do despacho proferido, veio o Sr. Dr. P… P… esclarecer, por requerimento de fls. 3025 e 3026, que por mero lapso, o signatário e bem assim o seu colega B… B…, apresentou por vezes requerimentos em nome de "C… Immobilier – C… de R…", em vez de "C… de R…", porquanto aproveitaram-se de requerimentos previamente elaborados, usando o cabeçalho dos mesmos onde constava a identificação da Assistente como "C… lmmobilier – C… de R…".
Mais juntou certidão de registo comercial referente à "C… de R…" e respectiva tradução ( fls. 3031 a 3042. fls. 3074 a 3087).
A assistente pugnou pela improcedência de todas as questões suscitadas pela Defesa.
                                                                             *
Cumpre apreciar e decidir.
Quanto à primeira questão suscitada pela Ex.ma Defesa, descrita supra em 1. 1), conforme resulta do despacho de fls. 2938, a Defesa foi informada de fls. 2881, 2882, 2885 e 2892, tendo assim sido informada que a Secção deste tribunal desconhece quem entregou a procuração forense com ratificação do processado constantes de fls. 2313 a 2315, mas que o Sr. Dr. B… B… informa que foi o Sr. J…-P… A… quem assinou os documentos em causa.
Resulta ainda do documento a fls. 2290 que o Sr. J…-P… A… era Presidente Director Geral da assistente "C… de R…".
Mais resulta do documento a fls. 3077 e ss. — "Estatutos” da sociedade assistente "C… de R…” que de acordo com o preceituado no ponto 12.2, "O Director-geral detém os mais vastos poderes para actuar em qualquer circunstância em nome da sociedade. (...) Representando a sociedade perante terceiros.”
Neste âmbito, tendo em conta os esclarecimentos prestados pelo Sr. Dr. B… B…, ilustre Advogado que consta da procuração forense constante de fls. 2314-1315, e os documentos aludidos, se dúvidas houvesse sobre a legitimidade do signatário da procuração e ratificação do processado em causa tais dúvidas encontram-se inteiramente dissipadas, não se vislumbrando que os documentos em causa enfermem de qualquer vício.
Mais se adianta nesta sede, perante as dúvidas que se nos levantaram, expressas no despacho de fls. 2998, que o tribunal considera-se esclarecido quanto às mesmas, sendo certo que a assistente é indubitavelmente a “C… de R…", conforme já resultava largamente expresso nos autos, designadamente do douto Acórdão da Relação de Lisboa constante de fls. 2237 e ss., legalmente representada em juízo pelos ilustres B…, tratando os requerimentos interpostos em nome da "C… Immobilier — C… de R…", de meros lapsos materiais no que toca à real designação da assistente conforme esclarecido a fls. 3025 e 3026, lapsos materiais estes que apenas dão direito a rectificação conforme previsto no art. 249° do Código Civil, devendo-se considerar realizada tal rectificação com os aludidos esclarecimentos e o presente despacho.
Acrescenta-se ainda que conforme fixado no art. único do DL. 267/92 de 28/11, as "procurações passadas ao advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto."
Assim sendo, ao contrário do alegado pela Ex.ma Defesa, a procuração em causa não carece de intervenção notarial, não sendo assim aplicável o art. 46° do Cód. do Notariado.
Nestes termos, indefere-se o requerido nesta sede pela Ex.ma Defesa, declarando-se, desde já, que os documentos de fls. 2313 a 2315, não enfermam de quaisquer vícios ao abrigo do art. 365° do Código Civil ou de qualquer outro dispositivo legal, que possam pôr em causa a sua validade ou a validade da presente instância. 
Quanto à segunda questão suscitada no ponto I. 2), ou seja, da ilegitimidade do assistente e do Ministério Público, nesta parte concorda-se, como aliás já se deixou consignado no despacho de fls. 2498 a 2501, que foi objecto de recurso já admitido, com a fundamentação do douto acórdão da Relação de Lisboa, onde se consignou:
“... a ofendida, com a conduta ilícita do arguido, é a assistente Sociedade C… Immobilier. Esta Sociedade , apresento a queixa que deu origem aos presentes autos em 24/10/2001. Posteriormente foi incorporada na Sociedade "C… de R…" por meio de fusão conforme documentos juntos aos autos, nomeadamente "Traitê de Fusion" e a dois anúncios de tal fusão publicados no jornal "Specia desl Societes " e a acta da ssembleia Geral Extraordinária da Sociedade Incorporante. Assim, todo o património, direitos e obrigações da C… Immobilier foi transmitido com uma universalidade para a C… "C… de R…»  por efeito de fusão por incorporação da primeira na segunda.
Resulta assim, que a Assistente desde a data em que foi operada a fusão obteve todos os poderes para intentar ou defender quaisquer acções em curso, como prescreve o art. 236°, n°3 do Código Civil Francês.
O procedimento criminal nos presentes autos iniciou-se com a queixa crime atempadamente apresentada pela C… Immobilier, que foi depois incorporada na Sociedade "C… de R…” assistindo assim legitimidade, derivada da integração do património -- direitos e obrigações – resultantes da incorporação da primeira na segunda."
Ora decorre deste douto raciocínio, que parte legítima nestes autos é a Sociedade "C… de R…”, que em harmonia com o decidido pela Relação de Lisboa, juntou nova procuração forense com ratificação do processado, a fls. 2313 a 2315, não se vislumbrando assim qualquer ilegitimidade conforme invocado pela Ex.ma Defesa.
Nestes termos, indefere-se a invocada ilegitimidade.
Quanto a este incidente anómalo, condena-se a Defesa em taxa de justiça fixada em 2 UC (art. 84º do Código das Custas Judiciais)
Quanto à terceira questão suscitada em I. 3), ou seja, o encerramento do procedimento criminal por inexistência de crime.
Alega o arguido, em síntese, que a questão subjacente aos autos trata de uma questão meramente cível de de determinação de honorários devidos, que está a ser incorrectamente debatida em processo penal.
Esta questão apenas poderá ser decidida em sede de Sentença, após a repetição do julgamento determinada pelo douto Acórdão da Relação de Lisboa, pelo que relega-se para tal momento a apreciação desta questão.
Quanto a este incidente anómalo, condena-se a Defesa em taxa de justiça fixada em 2 UC (art. 84° do Código das Custas Judiciais)
Quanto às questões suscitadas em quarto e quinto lugar, ou seja pontos I. 4) e 5), requerimento de remissão do processo para Inquérito por terem sido dado sem efeitos todos os termos do processo após a extinção da Assistente, C… Imobilier, ou, a prolação de novo despacho nos termos do art. 311° e 313° do Código de Processo Penal.
Estes requerimentos apoiam-se numa interpretação da parte decisória do Acórdão da Relação de Lisboa, que se passa a citar:
“Face ao exposto, e conhecendo da questão prévia da "insuficiência" ou "irregularidade" da procuração da sociedade incorporante, concede-se provimento ao recurso, dando sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, e, consequentemente, de todos os termos subsequentes do processo incluindo a audiência de julgamento, devendo ser renovado o mandato para o patrocínio judiciário ou constituído novo patrono, prosseguindo, então, os ulteriores termos do processo ".
Ao contrário da Ex.ma Defesa que considera que o teor da decisão conduz à necessidade da repetição do próprio inquérito, julga-se que a interpretação da decisão em causa terá que ser realizada, além do mais, pela leitura da sua fundamentação.
Nesta parte, recorde-se que o douto acórdão deixa consignado o seguinte (fls. 24):
“Assim sendo e atento o disposto no art. 123 ° n°1 do CPP. a não regularização do mandato implica que seja considerado sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, e consequentemente, de todos os termos subsequentes do processo, incluindo a audiência de julgamento, dando-se pois, provimento ao recurso, ficando prejudicado o conhecimento de todas as demais questões invocadas, pelo recorrente, no presente recurso."
Faz  no entanto menção, no parágrafo imediatamente anterior, do seguinte:
"Ora, nos termos do artigo ,40° do C.P.P. a "insuficiência" ou "irregularidade" da procuração podem em qualquer altura ser arguidas e suscitadas oficiosamente pelo Tribunal"
Aludindo o Acórdão ao art. 40° do Código de Processo Civil, este tribunal, lançando mão do dispositivo previsto no número 2 do mesmo normativo, após esclarecer quem seria o legal representante da "C… de R…", fixou um prazo para a junção de nova procuração e ratificação do processado, tendo sido tal despacho cumprido conforme resulta de fls. 2302 a 2319, tendo sido considerada suprida a irregularidade apontada.
Nestes termos, por considerar-se sanada a "insuficiência" ou "irregularidade" do mandato, com a junção de nova procuração e ratificação do processado anterior, não deve ser repetido, salvo melhor opinião, o inquérito já realizado, sendo certo, como expressamente refere o Acórdão e acima se aflorou, que não existem quaisquer questões de ilegitimidade a serem resolvidas.
Também não faz sentido, salvo melhor opinião, proferir novo despacho ao abrigo dos arts. 311º e 312° do Código de Processo Penal, porquanto foram sanadas as aludidas irregularidades, sendo certo que a Ex.ma Defesa já apresentou a sua contestação.
Deve sim, ser repetida a audiência de julgamento, como expressamente refere o douto Acórdão em apreço, com vista à prolação de nova Sentença.
Nestes termos indefere-se também aqui os requerimentos da Ex.ma Defesa.
Quamto a este incidente anómalo, condena-se a Defesa em taxa de justiça fixada em 2 UC (art. 84° do Código das custas judiciais)
Quanto ao supra descrito ponto II. 1).
Nesta sede, alega a ilustre Defesa que não deve ser admitido um requerimento apresentado pelo Sr. Dr. B… B….
Neste âmbito não vislumbramos qualquer fundamento legal para o pretendido.
Com efeito, o Sr. Dr. B… B…, Advogado, consta expressamente da procuração junta pela assistente "C… de R…", que conforme vimos supra, não enferma de quaisquer vícios que possam pôr em causa a sua validade, a que acresce, neste ponto de forma redundante, admite-se, que o Sr. Dr. P… P…, Advogado também descrito na procuração forense em causa, apresentou substabelecimento a favor do Sr. Dr. B… B… a fls. 2890.
Assim sendo, a assistente considera-se representada, para efeitos judiciais, pelos aludidos causídicos, não se vislumbrando assim fundamento legal para não aceitar os requerimentos por si apresentados no interesse da mandante.
Nestes termos, indefere-se o requerido pela Ex.ma Defesa.
Quanto a este incidente anómalo, condena-se a Defesa em taxa de justiça fixada em 2 UC (art. 84° do Código das Custas Judiciais)
Quanto ao suma descrito pontos II. 2) , 3), 4) e 5).
Neste âmbito também  não vislumbramos qualquer fundamento legal para o pretendido.
Com efeito, conforme já se aludiu, o Sr. Dr. P… P… é mandatário judicial da assistente "C… de R…", conforme resulta claramente do documento de fls. 2314-2315, não sendo mandatário qualquer sociedade de advogados, nomeadamente a C… A…, F… L… e Associados - Sociedade de Advogados RL, conforme pretende a ilustre Defesa.
Basta a mera leitura da procuração em causa, para se perceber, de forma clara, que não foi mandatada nenhuma sociedade de advogados, mas sim os ilustres causídicos aí descritos.
Julga-se que não tem qualquer relevância jurídica o facto de alguns requerimentos apresentados pelos mandatários judiciais da assistente, utilizarem ou não papel timbrado de determinada Sociedade de Advogados.
Indefere-se assim o requerimento nesta sede pela Ex.ma Defesa.
Quanto a este incidente anómalo, condena-se a Defesa em taxa de justiça fixada em 2 UC (art. 84° do Código das Custas Judiciais).
Quanto ao incidente de incompetência territorial suscitada pela ilustre Defesa.
Conforme o despacho de acusação de fls. 492 e ss., é imputado ao arguido a prática de um crime de apropriação ilegítima de coisa alheia entrada na sua posse por efeito de erro, previsto no art. 209°, n°1 do Código Penal.
Alega  nesta sede a Defesa que o crime, a verificar-se, apenas se consumou com uma carta enviada pelo arguido a partir da sua residência, momento em que se terá verificado a inversão do titulo da posse quanto ao dinheiro em causa (112.607 Euros).
Conforme a acusação o dinheiro em causa foi transferida para a conta do arguido, relativo ao Banco E…, com o nib 00000000000000000000000.
A fls. 3053 consta uma cópia da carta a que se alude a Defesa, com endereço do arguido sito na Parede, que aliás, já constava de fls. 661, junto em sede de contestação.
Não se pode, contudo, apenas pela análise de tal carta, inferir que a alegada inversão do título da posse sobre o numerário em causa apenas ocorreu com o envio da mencionada carta.
Com efeito, a carta em causa apenas refere que "Na sequência de interpelações dirigidas a V. Exas em 24 de Julho e 14 de Setembro (de que se anexam cópias), venho por este meio confirmar a compensação, nos termos legais, entre os meus créditos sobre V. Exas (57.000.000$00) e os meus débitos a favor de V. Ex.as (29.500.000$00), cujo pagamento agradeço que seja efectuado no prazo de 7 dias contados da recepção da presente carta ".
Do descrito na carta não se pode retirar, por si só, que a eventual intenção do arguido inverter o título da posse sobre a quantia monetária em causa apenas se deu naquele momento.
Assim sendo, havendo dúvidas sobre o local onde se consumou a prática de crime relacionado com áreas diversas, é competente para conhecer do mérito do mesmo, o tribunal de qualquer das áreas, preferindo o daquela onde primeiro tiver havido notícia do crime (art. 19°, n°4 do Código de Processo Penal). 
Ora, foi em Lisboa que primeiramente foi dada notícia do alegado crime, conforme queixa apresentada nos autos, sendo assim este 6° Juízo Criminal de Lisboa, 2a Secção, competente.
Nestes termos, indefere-se a invocada incompetência territorial do presente tribunal.
Quanto à junção documental requerida pela ilustre Defesa no ponto D) do requerimento de fls. 3008 e 3009:
Após ouvir a assistente e o Ministério Público, na audiência de julgamento designada para o dia de amanhã, tribunal proferirá despacho sobre o requerido.
Notifique-se.”
Na tese do arguido/Recorrente, tanto a ratificação do processado como as procurações, constantes de folhas 2313 a 2315, não são válidas, porquanto apenas estão subscritas por uma assinatura, não se identificando quem é o signatário e se o mesmo detém ou não poderes para o acto, estando as assinaturas ilegíveis, sendo certo que, como a Assistente, “C… de R…”, é uma sociedade com sede principal e efectiva em França, é aplicável quanto à forma de vinculação a sua lei pessoal, ou seja, a lei francesa, nos termos da qual, salvo disposição estatutária em sentido contrário, a sociedade só pode ser representada pelo seu Conselho de Administração, que é um órgão plural (cfr. o preceituado nos artigos L225-35 e L225-51 do Código Comercial Francês).
                         Quid juris?
A sociedade “C… de R…” é uma sociedade de direito francês, com sede principal e efectiva em França.
O art. 33º, nº 1, do Código Civil determina que a pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da administração.
No que toca às sociedades comerciais, o art. 3º-1 do Código das Sociedades Comerciais aprovado pelo Decreto-Lei nº 262/86, de 2 de Setembro, ao estatuir que “As sociedades comerciais têm como lei pessoal a lei do Estado onde se encontre situada a sede principal e efectiva da administração”, aplica a estas pessoas colectivas de direito privado as regras gerais do cit. art. 33º do Cód. Civil. «Portanto, o Direito da sede da administração releva hoje, em princípio, para a definição do estatuto pessoal de todas as pessoas colectivas estaduais de Direito privado» (LUÍS DE LIMA PINHEIRO in “Direito Internacional Privado”, Vol. II, “Direito de Conflitos, Parte Especial”, 3 ed., Outubro de 2009, p. 134.).
«Relativamente às pessoas colectivas que se constituem com a intervenção de órgãos públicos, a teoria da sede é (…) uma mera qualificação da teoria da constituição, por força da qual a pessoa colectiva deve ter a sede da administração no país em que se constituiu» (LUÍS DE LIMA PINHEIRO, ibidem). «Como, normalmente, a sede estatutária se situa no país da constituição, isto significa que, relativamente a estas pessoas colectivas, a teoria da sede postula que, em princípio, há coincidência entre o lugar da sede estatutária e o lugar da sede da administração» (LUÍS DE LIMA PINHEIRO in ob. e vol. citt., pp. 134-135).
«Isto justifica uma presunção de que a sociedade tem a sede da administração no Estado da sede estatutária» (LUÍS DE LIMA PINHEIRO in ob. e vol. citt., p. 135). «Por força desta presunção, na falta de demonstração de que a sede da administração se situe noutro Estado, é aplicável o Direito da sede estatutária que coincide, como se assinalou, com o Direito da constituição» (LUÍS DE LIMA PINHEIRO, ibidem).
O nº 2 do cit. art. 33º do Cód. Civil procede a um elenco exemplificativo das matérias compreendidas no estatuto pessoal das pessoas colectivas. Além dessas matérias, há ainda a considerar a representação orgânica, contemplada no art. 38º do mesmo diploma, segundo o qual “A representação da pessoa colectiva por intermédio dos seus órgãos é regulada pela respectiva lei pessoal”.
A utilidade deste art. 38º está em esclarecer, em caso de dúvida, que a representação orgânica deve ser integrada no conjunto de matérias que compõem a lei pessoal da pessoa colectiva (cfr., neste sentido, FLORBELA DE ALMEIDA PIRES in “Conflito de Leis. Comentário aos artigos 14º a 65º do Código Civil”, 2009, pp. 95-96).
Tudo isto para concluir que, como a sociedade “C… de R…” é uma sociedade de direito francês, que tem a sua sede estatutária em França, a forma como ela se vincula perante terceiros é regulada pela sua lei pessoal, ou seja, pela lei francesa.
O que nos remete para o disposto nos artigos L225-35[1], L225-51[2] e L225-56[3] do Código Comercial Francês.
Da conjugação destas três disposições resulta que – ao contrário do sustentado pelo Arguido ora Recorrente -, no direito societário francês actualmente vigente, as sociedades anónimas são representadas, nas suas relações com terceiros, ou pelo Presidente do Conselho de Administração ou pelo Director Geral.
Por outro lado, no caso específico da sociedade ora Assistente “C… de R…”, resulta expressamente dos seus Estatutos – cfr. o documento junto a fls. 3077 e ss. – que , de acordo com o preceituado no ponto 12.2, "O Director-geral detém os mais vastos poderes para actuar em qualquer circunstância em nome da sociedade. (...) Representando a sociedade perante terceiros.”
É certo que – como obtempera o Arguido/Recorrente - os Estatutos da sociedade Assistente juntos aos presentes autos a folhas 3077 e ss., para comprovar a forma de obrigar daquela apenas foram aprovados em 20/12/2006, data posterior à assinatura da ratificação e da procuração cuja validade está posta em crise (21/01/2005).
De todo o modo, perante o Direito substantivo francês supletivamente aplicável ao caso, sempre se teria de concluir que o Director-Geral da sociedade ora Assistente “C… de R…” representa a sociedade perante terceiros, mesmo na ausência de uma delegação especial conferida pelo Conselho de Administração ou quando não exista uma cláusula particular dos estatutos conferindo-lhe esses poderes representativos, estando, portanto, já desactualizada a jurisprudência em sentido contrário invocada pelo Arguido/Recorrente (Tribunal da Relação, Secção Criminal, 6 de Maio 1985, n.º 88-90.316, Publicação: Boletim criminal 1985 n.º 170; e Tribunal da Relação, Chambre Sociale, 27 de Maio 1992, n.º 88-42.594, Publicação: Boletim 1992 V Nº338 p. 211), produzida à sombra duma lei comercial substantiva anterior à Reforma introduzida pelo Decreto nº 2002-803 de 3 de Maio de 2002 [sobre a aplicação da terceira parte da Lei nº 2001-420 de 15 Maio de 2001, relativa às Novas Regulamentações Económicas].
Ainda assim, no caso dos autos, está por demonstrar que o subscritor da declaração de ratificação e da procuração juntas aos autos em 1 de Fevereiro de 2005 (respectivamente, a fls. 2313 e 2314-2315) seja, efectivamente, o Director-Geral da sociedade ora Assistente “C… de R…”.
Na verdade, nem naquela Declaração de ratificação, nem na referida procuração, quem as subscreve jamais se arroga sequer a qualidade de Director-Geral da sociedade “C… de R…”.
É certo que – como se notou no Despacho ora sob censura – a procuração em questão, sendo uma procuração forense, não carecia de intervenção notarial, por isso que, nos termos art. único do Dec.-Lei nº 267/92 de 28-XII, “as procurações forenses passadas ao advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos seus mandantes, dos necessários poderes para o acto”.
Simplesmente, para que uma procuração forense passada pelo legal representante duma sociedade comercial seja válida, «importa que a declaração de vontade tenha lugar na presença do advogado, de forma a que este controle os aspectos referidos no DL [nº 267/92 de 28-XII], incluindo a percepção de que o declarante conhece e quer o efeito resultante da declaração ou, então, se a declaração não for feita na sua presença, que ela seja confirmada, tal como aconteceria se fosse prestada perante notário, mencionando no acto de procuração essas circunstâncias» (Acórdão da Rel. de Coimbra de 31/1/2006, proferido no Proc. nº 3438/05 e relatado pelo Desembargador RUI BARREIROS, publicado in Col. Jur., Ano XXXI-2006, tomo I, pág. 18).
Ademais, «se alguém outorga em procuração forense, enquanto mandante, em nome de uma sociedade, invocando a qualidade de gerente da mesma, será ao advogado que caberá indagar, quer da assunção daquela qualidade de gerente, quer da capacidade para vincular aquela sociedade, mas tal não permite que, na procuração passada a favor daquele, o referido gerente, directa ou indirectamente, deixe de assumir essa mesma qualidade enquanto susceptível de, como princípio, obrigar a sociedade» (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24/4/2007, proferido no Proc. nº 1606/2007 e relatado pelo Desembargador LUCAS MARTINS, cujo sumário consta da Base de dados da DATAJURIS).
Assim, do texto da procuração sempre terá de constar, para além da identificação completa da pessoa colectiva, o nome, a qualidade e os poderes daquele que se arroga representante da sociedade que, alegadamente, confere o mandato judicial a favor do advogado. A comprovação da qualidade e poderes, de quem assina a procuração em representação de ente colectivo, é que – após a entrada em vigor do cit. art. único do Dec.-Lei nº 267/92 de 28-XII - deixou de ser exigida perante notário, competindo a mesma ao Advogado constituído como mandatário.
A esta luz, forçoso se torna concluir que, no caso dos autos, dada a total omissão, no texto de ambos os instrumentos, de qualquer menção à qualidade de Director-Geral da sociedade Assistente “C… de R…”, por parte do respectivo subscritor (quem quer que ele fosse), nem a declaração de ratificação nem a procuração juntas aos autos em 1 de Fevereiro de 2005 (a fls. 2313 e 2314-2315, respectivamente) são válidas.
Irreleva, neste âmbito, que um dos Advogados a favor de quem foi passada a aludida procuração (o Sr. Dr. B…  B…) tenha, posteriormente, vindo aos autos prestar uma informação segundo a qual os documentos em causa teriam sido assinados pelo Sr. J…-P… A… – o qual (como resulta do documento junto a fls. 2290) era Presidente Director Geral da assistente "C… de R…".
Efectivamente, uma tal informação – cujo valor probatório é nulo, porque o seu Autor não é notário e, portanto, as declarações que ele presta não gozam da força probatória plena conferida pelo art. 371º-1 do Código Civil aos documentos autênticos - não supre a falta de invocação da qualidade de Director Geral da aludida sociedade por parte da pessoa singular que apôs a sua assinatura apócrifa nos referidos instrumentos (Declaração de Ratificação e Procuração forense).
Assim sendo, a declaração de ratificação e a procuração juntas aos autos em 1 de Fevereiro de 2005 (a fls. 2313 e 2314-2315, respectivamente) são, efectivamente, inválidas, pelo que o presente recurso interlocutório procede, quanto à questão da validade ou invalidade daqueles instrumentos – o que consequência que – tal como se decidiu no já referido Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Outubro de 2004 – tenha de ser dado sem efeito tudo o que foi praticado, nos autos, pelos mandatários admitidos a intervir na audiência de julgamento a coberto da inválida procuração forense constante de fls. 2314-2315 e, consequentemente, todos os termos subsequentes do processo, incluindo a 2ª audiência de julgamento, “devendo ser renovado o mandato para o patrocínio judiciário ou constituído novo patrono”, só então prosseguindo os ulteriores termos do processo.
A procedência deste recurso interlocutório prejudica a apreciação do recurso interposto da decisão final, enquanto torna despicienda a apreciação de todas e cada uma das questões suscitadas na respectiva motivação.

                                         DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes da 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em:
 a) negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelo Arguido do despacho proferido a fls. 2446 e ss.;
b) conceder provimento ao recurso interposto pelo Arguido do despacho proferido a fls. 3102 e ss e, consequentemente, dar sem efeito tudo o que foi praticado, nos autos, pelos mandatários admitidos a intervir na 2ª audiência de julgamento a coberto da inválida procuração forense constante de fls. 2314-2315 e, consequentemente, todos os termos subsequentes do processo, incluindo a 2ª audiência de julgamento, devendo ser renovado o mandato para o patrocínio judiciário ou constituído novo patrono, por parte da Assistente “C… de R…”, só depois disso podendo prosseguir os ulteriores termos do processo.
Sem custas.

Lisboa,  20 de Julho de 2010

Margarida Bacelar
José Simões de Carvalho
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[1] Article L225-35
“Le conseil d'administration détermine les orientations de l'activité de la société et veille à leur mise en oeuvre. Sous réserve des pouvoirs expressément attribués aux assemblées d'actionnaires et dans la limite de l'objet social, il se saisit de toute question intéressant la bonne marche de la société et règle par ses délibérations les affaires qui la concernent.
Dans les rapports avec les tiers, la société est engagée même par les actes du conseil d'administration qui ne relèvent pas de l'objet social, à moins qu'elle ne prouve que le tiers savait que l'acte dépassait cet objet ou qu'il ne pouvait l'ignorer compte tenu des circonstances, étant exclu que la seule publication des statuts suffise à constituer cette preuve”.
[2] Article L225-51-1
“La direction générale de la société est assumée, sous sa responsabilité, soit par le président du conseil d'administration, soit par une autre personne physique nommée par le conseil d'administration et portant le titre de directeur général.
Dans les conditions définies par les statuts, le conseil d'administration choisit entre les deux modalités d'exercice de la direction générale visées au premier alinéa. Les actionnaires et les tiers sont informés de ce choix dans des conditions définies par décret en Conseil d'Etat.
Lorsque la direction générale de la société est assumée par le président du conseil d'administration, les dispositions de la présente sous-section relatives au directeur général lui sont applicables.”
[3] Article L225-56
“I. - Le directeur général est investi des pouvoirs les plus étendus pour agir en toute circonstance au nom de la société. Il exerce ces pouvoirs dans la limite de l'objet social et sous réserve de ceux que la loi attribue expressément aux assemblées d'actionnaires et au conseil d'administration.
Il représente la société dans ses rapports avec les tiers. La société est engagée même par les actes du directeur général qui ne relèvent pas de l'objet social, à moins qu'elle ne prouve que le tiers savait que l'acte dépassait cet objet ou qu'il ne pouvait l'ignorer compte tenu des circonstances, étant exclu que la seule publication des statuts suffise à constituer cette preuve.
Les dispositions des statuts ou les décisions du conseil d'administration limitant les pouvoirs du directeur général sont inopposables aux tiers”.