Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
EMPREITEIRO
SUBEMPREITADA
COMISSÃO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
ACTIVIDADE PERIGOSA
Sumário
1. Entre o empreiteiro e o subempreiteiro não existe qualquer relação de comissão. 2. Por sua vez, o artigo 800.º do CC, dada a sua inserção sistemática, parece confinar-se ao domínio da responsabilidade contratual, valendo portanto no âmbito das relações entre o empreiteiro e o dono da obra, podendo este demandar aquele com fundamento na responsabilidade do subempreiteiro, não podendo, porém, o âmbito do referido normativo ser extrapolado do seu alcance contratual, por forma a com ela tutelar interesses de terceiro perante o empreiteiro. 3. Uma terceira via é, em casos de responsabilidade por danos causados por actividades perigosas, nos termos do nº 2 do artigo 493º. do CC, reconhecer que recai sobre o empreiteiro um especial dever de vigilância sobre a execução da subempreitada, que não uma mera faculdade ou direito de fiscalização da obra, como a que assiste ao dono da obra em relação ao empreiteiro. 4. Nessa medida, sobre o empreiteiro impenderá a obrigação de fiscalização técnica e funcional do subempreiteiro, tanto mais que, como é frequente acontecer, a execução da obra depende de subempreitadas parciais, em que se mostra necessária a respectiva coordenação técnica por parte do empreiteiro. 5. A actividade pode ser perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, o que deverá ser aferido no contexto das circunstâncias de cada caso. 6. O derrube de sobreiros com utilização de uma retro-escavadora junto de linhas de uma rede eléctrica coloca especiais exigências técnicas, em particular, no modo como a operação é levada a cabo, devendo prever-se as hipóteses de vir a ser atingida durante o abatimento e serem tomadas todas as providências para que tal não aconteça, pelo que se deve considerar actividade perigosa. (sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. C., S.A., intentou a presente acção, sob a forma de processo ordinário, contra:
- F., sociedade comercial de direito inglês, (1ª R.),
- FP…. (2ª R.),
- S…, S.A. (3ª R.),
- E…, S.A. (4ª R.)
- SE (5ª R.),
em que pede a condenação solidária das R.R. a pagar-lhe a quantia de € 45.309,93, acrescida de juros vencidos, à taxa de 12%, desde a citação, alegando, em síntese, o seguinte:
- em 23 Setembro de 2002, quando decorria uma obra no terreno contíguo àquele em que estão implantadas as suas instalações industriais, onde se fabricam embalagens metálicas destinadas à indústria alimentar, que a A. fabrica e comercializa, ocorreu um corte de energia eléctrica, que durante sete horas e vinte minutos – entre as 11.10 horas e as 18.30 horas –, originando a paragem total da laboração nessas instalações;
- Nesse mesmo dia, a A. teve conhecimento que tal corte teve origem no derrube de cabos eléctricos nas instalações contíguas às suas, onde decorriam os trabalhos de construção do empreendimento comercial denominado Empreendimento Comercial do … ou “…”, cuja construção estava a ser levada a cabo pelo consórcio SE…, sendo a dona da obra a F…;
- A A. enviou, de imediato, um fax à consultora de seguros das R.R. F…, apontando-lhes os elevados prejuízos e lucros cessantes decorrentes de tal paralisação, que considerava da responsabilidade daquelas, tudo tendo feito de modo a ver os seus prejuízos ressarcidos, mas sem êxito;
- A “F…, 1ª R., a quem deu conta do ocorrido, comunicou-lhe que o terreno em questão era propriedade da FP…, S.A., 2ª R., e que a situação se encontrava, no momento, sob o controlo dos empreiteiros que tinham a seu cargo os trabalhos;
- Pese embora as diligências que encetou, nunca foi enviado às suas instalações, como pediu, um técnico para que, em conjunto, pudessem elaborar um memorando dos prejuízos, o que acabou por ser feito pela A.;
- A EDP…, a quem sempre pôs a par de todas as diligências que foi fazendo para resolução da questão, enviou-lhe, em Novembro do mesmo ano, uma carta onde identifica como responsáveis pelo corte de energia, o consórcio SE, 5ª R., descrevendo as causas como “abatimento de sobreiro sobre a linha de média tensão na sequência da construção do empreendimento”;
- Não foram, pois, tomados os especiais deveres de cuidado no abatimento do sobreiro, tendo em conta que o trabalho estava a ser executado numa área em que existiam cabos eléctricos;
- Os prejuízos em causa ascendem à quantia peticionada, correspondendo: € 33.857,72 a perda de produção, perda de matérias-primas, no valor de € 6.962,48, um variador de velocidade danificado, no valor de € 1.498,91; e € 2.990,82 de horas extras para recuperação;
- Estão assim reunidos os pressupostos da responsabilidade civil, devendo as R.R. responder por tais prejuízos e, se essa responsabilidade estiver transferida para seguradora, deverão juntar a respectiva apólice e requerer o respectivo incidente de chamamento se assim o entenderem.
2. As 3ª e 4ª R.R. apresentaram contestação conjunta, em que admitem a ocorrência, sustentando que:
- O corte do obreiro foi levado a cabo pelo subempreiteiro M… – T, Ld.ª, o qual para efeito utilizou uma retro-escavadora com os cuidados devidos;
- os valores peticionados são exagerados e que a A. pretende ser indemnizada de prejuízos que não sofreu, nomeadamente, ao quantificar o que deixou de produzir, para depois peticionar horas extras para recuperar a perda de produção;
- A A. confessa assim ter recuperado a produção por recurso a trabalho extraordinário, mostrando-se por isso inconsistente a sua tese ao peticionar € 34.000,00 pela perda da produção;
Concluem no sentido de não se encontrarem reunidos os pressupostos da responsabilidade civil, dado que a A. não alegou factos que consubstanciem essa responsabilidade.
3. As 3ª e 4ª R.R. requereram ainda o chamamento à demanda da Seguradora X…, para quem tinham transferido toda e qualquer responsabilidade decorrente da execução da obra, bem como a intervenção de M…- , Ld.ª, por ter sido quem abateu o sobreiro, para a hipótese de, a ser condenadas, lhes assistir direito de regresso.
4. Por despacho proferido a fls. 439 a 446 foi admitida a intervenção principal provocada da Seguradora X e deferido o chamamento, a título de intervenção provocada acessória, da sociedade M… –, Ld.ª.
5. Por sua vez, as 1ª e 2ª R.R. contestaram, aderindo à contestação acima referida, mas excepcionarem a respectiva legitimidade, sustentando que:
- A 1.ª R. é apenas detentora parcial e minoritária da 2.ª R., sendo esta a dona da obra “…”, pelo que não tem qualquer relação directa com o empreendimento em referência;
- A 2ª R. conferiu à sociedade FM, Ld.ª um mandato sem representação para que esta prosseguisse todos os actos necessários à construção do “O …;
- Nessa qualidade, a 2ª R. contratou a construção em referência com a S… e E…, membros do consórcio, tendo ficado acordado que a responsabilidade por quaisquer perdas e/ou danos causados a terceiros em consequência dos trabalhos de construção, sem prejuízo do eventual direito de regresso que possam ter contra alguém, lhes cabe a elas enquanto construtoras;
Concluem assim que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada pelo ocorrido.
6. As chamadas contestaram a acção, sendo que:
6.1. A subempreiteira M… impugnou os factos, alegando que:
- Embora aceite a ocorrência, tomou todas as providências necessárias para que o evento danoso não se desse, de acordo com as normas técnicas específicas da actividade, não lhe sendo possível prever o que aconteceu;
- A sua conduta não merece censura, não estando reunidos os pressupostos da responsabilidade civil delituosa;
- Mesmo que assim não se entenda, tem a sua responsabilidade civil transferida para a Comp.ª de Seguros …, contrato que se encontrava em vigor aquando do evento, terminando por requerer a intervenção provocada acessória desta seguradora, chamamento que foi deferido (fls. 564/565);
6.2. A chamada Companhia de Seguros X veio alegar que:
- A indemnização peticionada faz parte da cláusula de exclusões absolutas constante do contrato de seguro que foi celebrado com as R.R. S… e E…, pelo que não lhe cabe indemnizar a Autora ou reembolsar as seguradas, dado que o risco dos danos indirectos, perdas de exploração ou lucros cessantes causados a terceiros não cabem no âmbito do seguro;
6.3. Por sua vez, a Comp.ª de Seguros F… veio invocar as condições particulares acordadas com M…, dizendo que se encontram excluídas da cobertura da apólice, lucros cessantes, paralisações, imobilizações, interrupção total ou parcial de actividade ou laboração e daí que não possa ser responsabilizada por qualquer indemnização que venha constituir encargo desta.
7. Esta apresentou articulado contrariando a tese da Seguradora e pugnando pela improcedência da excepção por aquela deduzida.
8. A A. deduziu réplica a responder às excepções de ilegitimidade deduzidas pelas 1ª e 2ª R.R., e reiterando o petitório.
9. Foi proferido despacho saneador a julgar procedentes as excepções de ilegitimidade arguidas pelas duas primeiras R.R., sendo consideradas partes ilegítimas e absolvidas da instância, após o que foi seleccionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória.
10. Realizada a audiência final e decidida a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 863 a 865, foi, por fim, proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente com a consequente absolvição das R.R..
11. Inconformada com essa decisão, a A. apelou dela, formulando as seguintes conclusões: 1ª - O presente recurso está circunscrito à matéria de direito, nomeadamente à imputação da responsabilidade civil extracontratual; 2ª – A decisão sob recurso ofendeu o caso julgado formal, ao contrariar a decisão que admitiu os incidentes de intervenção deduzidos pelas terceira e quarta rés, e que considerou que a interveniente subempreiteira não tinha legitimidade para intervir como parte principal, pois considerar que a autora deveria ter chamado a subempreiteira a intervir como parte principal, é contrariar decisão anterior tomada no mesmo processo que considerou que a subempreiteira não tinha legitimidade para intervir como parte principal; 3ª – A decisão sob recurso ignorou por completo os termos do contrato de empreitada, nomeadamente o disposto na sua cláusula 30.ª, e que permitiram que em sede de despacho proferido em audiência preliminar fossem as rés donas da obra consideradas partes ilegítimas, tendo sido considerado que mesmo que viesse a provar-se ser a responsabilidade da subempreiteira, sempre responderia a empreiteira nos termos do disposto no art.º 500.º do CC; 4ª – Nessa medida, também é contrariado o despacho proferido em audiência preliminar, também transitado em julgado; 5ª – No caso dos autos, o contrato de subempreitada está descaracterizado quanto à sua faceta da autonomia, uma vez que o funcionário da subempreiteira agia sob as ordens e direcção do encarregado geral da obra, sendo que em termos gerais essa autonomia é sempre mitigada; 6ª – Os contratos têm de ser caracterizados caso a caso, de acordo com a interpretação da vontade dos outorgantes, e com os elementos recolhidos no decorrer da execução do contrato; 7ª – No caso dos autos, é seguro estar o contrato de subempreitada descaracterizado quanto à sua autonomia, sendo possível a aplicação do disposto no art.º 500.º do CC, não só face a essa descaracterização, como face à clausula 30.ª do contrato de empreitada; 8ª – Ainda que se entendesse não ser possível a aplicação do disposto no art.º 500.º do CC, no que não se concede, sempre a sentença teria podido considerar o empreiteiro responsável face ao art.º 800.º do Código Civil, por este tirar vantagens económicas da actuação do subempreiteiro; 9 ª - A sentença violou o disposto no art. 672.º do CPC, e fez incorrecta interpretação e aplicação ao caso dos autos do disposto nos art. 500.º e 800.º do CC.
Pede a apelante que seja revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que julgue a acção procedente.
11. As apeladas apresentaram contra-alegações, em que sustentam a manutenção do decidido, formulando as seguintes conclusões: a) - A aplicação do direito, numa sentença, pressupõe a delimitação das parcelas da realidade a subsumir na norma jurídica, isto é, o apuramento dos factos da causa que sejam relevantes para o preenchimento das respectivas previsões normativas; b) - O Juiz não está sujeito à interpretação e aplicação das normas jurídicas feita anteriormente no processo pois só terminada a produção de prova pode o Juiz, conclusivamente, aplicar o Direito aos factos apurados; c) - No momento em que foi proferido o despacho de admissão da intervenção acessória provocada da subempreiteira ainda não tinha sido apurada a sua responsabilidade pelos danos causados, a qual veio determinar, por si só, a necessidade de intervenção a título principal da Subempreiteira; d) - A anterior decisão transitada em julgado não é absolutamente vinculativa dentro do processo; a sentença é um exame crítico onde cabe a correcção da intervenção do tribunal, não sendo admissível o entendimento de que o juiz fica preso a todas as soluções que as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa ter inicialmente admitido; e) Como refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 210/ 2000, de 5 de Abril, que confirma a decisão recorrida, "o STJ interpretou e aplicou os artigos 672.° e 675.°, 2, do CPC, no sentido de que o trânsito em julgado da decisão que julga legítimas as partes não obsta a que se profira no mesmo processo nova decisão declarando a ilegitimidade, ou pelo menos retirando consequências jurídicas dessa ilegitimidade", pelo que nunca ofenderia esta decisão o caso julgado formal; f) - A Recorrente nunca se opôs à intervenção requerida e não acautelou a possibilidade de se entender, como sucedeu, que a responsabilidade pelos danos sofridos cabia à subempreiteira, nunca tendo requerido a intervenção principal provocada da subempreiteira, como lhe competia; g) - O juiz só poderia considerar a existência de uma relação comitente/comissário na relação contratual empreiteiro/ subempreiteiro após provados os exactos termos da conexão existente in casu; h) - É na sentença que, fixada a matéria de facto, se determina a aplicabilidade do direito, procedendo-se ao enquadramento jurídico dos factos, a fim de, alcançada a norma ou normas correspondentes, fazer a sua interpretação e aplicação ao caso concreto; i) A sentença “sub judice” não impede a Recorrente de demandar a subempreiteira, numa acção autónoma, para dela obter o ressarcimento pelos danos sofridos; j) - No âmbito da responsabilidade civil extra-contratual recai sobre o lesado o ónus de prova da culpa, que não se presume; não obstante, a lei consagra excepções a este princípio, prevendo situações de culpa presumida; k) - O artigo 493.°, 2 do CC consagra uma presunção legal de culpa de que quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas o lesante só poderá exonerar-se de responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar, à luz da normal diligência do bonus pater famílias; l) - O derrube de sobreiros, num espaço vasto e inabitado, não contém só por si a probabilidade de ocorrência de danos, pelo que não se pode considerar actividade perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, nos termos e para os efeitos do n.° 2 do artigo 493° do CC; m) - A presunção legal a que alude o n.° 2 do artigo 493° do CC respeita em exclusivo à culpa, como pressuposto autónomo de responsabilidade, cabendo ao lesado a prova dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, que no caso concreto da empreiteira não se encontram verificados (art. 342°, n.° 1 do CC); n) - No âmbito da subempreitada, para que a empreiteira respondesse pelos prejuízos causados à Recorrente era necessário que relativamente a ela também estivessem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, o que no caso concreto não acontece; a empreiteira não procedeu ao corte e derrube das árvores, tendo-se limitado a subcontratar a subempreiteira para o efeito, não configurando tal acto a prática de qualquer facto ilícito violador dos direitos da Recorrente; o) - A empreiteira só será, solidariamente, responsável pelos actos do subempreiteiro, quando se aleguem e provem factos que tipifiquem uma relação de comissão; p) - Entre o empreiteiro e o subempreiteiro, tal como entre aquele e o dono da obra, não existe qualquer relação do tipo comitente comissário, já que a comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar instruções a este, pois só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do comitente pelos actos do comissário; q) - No caso em apreço, o subempreiteiro agiu sempre sob sua própria direcção, autonomamente, dirigindo e executando o trabalho para o qual foi contratado, não estando sujeito a ordens ou instruções do empreiteiro; r) - Por falta de uma relação de dependência não pode considerar-se o subempreiteiro comissário do empreiteiro - da mesma forma que o dono da obra não é responsável pela actuação do empreiteiro - sendo inaplicável à relação entre ambos a regra da responsabilidade pelo risco, consagrada no artigo 500.° do CC; s) - O empreiteiro não tem qualquer dever de vigilância sobre o subempreiteiro e o simples poder de fiscalização não significa o exercício da autoridade e direcção, limitando-se o empreiteiro a verificar se a obra está a ser feita em conformidade com o solicitado em termos de resultado final; t) - O facto de as partes no Contrato de Empreitada terem previsto a responsabilidade do empreiteiro, ao abrigo do artigo 500.° do CC, pelos danos causados por terceiros contratados no âmbito dos trabalhos aí previstos, não determina, per si, a aplicabilidade deste regime ao caso concreto; u) - O contrato de empreitada não configura um contrato a favor de terceiros, nem qualquer outra excepção legal, porquanto, nos ter-mos do disposto no n.° 2 do artigo 406.° do CC, este apenas produz efeitos entre as partes, pelo que nunca poderia a Recorrente vir reti-rar eficácia do mesmo, em seu beneficio; v) - Os prejuízos da Recorrente decorrentes de uma acção de terceiros terão de ser apreciados à luz do instituto da responsabilidade civil extra-contratual, não procedendo a tese da responsabilidade da Empreiteira ao abrigo do artigo 500.° do CC; w) - Nunca poderá considerar-se a empreiteira responsável face ao disposto no artigo 800.° do CC, pois esta é uma norma de imputação de responsabilidade que pressupõe uma relação obrigacional entre o credor e o devedor e, no caso concreto, a Recorrente assume-se como uma terceira ao contrato de empreitada e de subempreitada.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - Delimitação do objecto dos recursos
Face ao teor das conclusões recursórias da apelante, em função das quais se traça o objecto do recurso, nos termos dos artigos 684.º, nº 3, e 690.º, nº 1 e 2, do CPC, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Dec.-Lei nº 303/2007, de 24-8, as questões a resolver são unicamente de direito e consistem em saber se é imputável às 3ª a 5ª R.R. a responsabilidade extracontratual pelo corte de energia que provocou os prejuízos à A. derivados da consequente suspensão de laboração da sua unidade industrial, nomeadamente no quadro do disposto nos artigos 500.º e 800.º do CC.
III – Fundamentação
1. Factualidade dada como assente pela na 1ª Instância
Vem dada como assente na 1ª Instância a seguinte factualidade:
1.1. O prédio misto denominado Pinhal da …, sito em …, encontra-se inscrito, a parte rústica, no artigo 26.º secção C e a parte urbana no artigo ..., da respectiva matriz predial e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, e nela inscrito a favor da sociedade “FP, S.A.”, por compra a “B…- Sociedade de …, Ldª.” - alínea A) dos Factos Assentes (FA);
1.2. Por escritura pública outorgada em 18 de Novembro de 1999, exarada a fls. 60 e fls. 61 do Livro de Notas 100-M do Cartório Notarial de …, foi constituída a sociedade “FP…, S.A.”, com sede em …, na freguesia e concelho de …, tendo por objecto a promoção, desenvolvimento e gestão de projectos imobiliários, implementação, gestão e exploração de áreas comerciais, de lazer ou desportivas, arrendamento e compra e venda de imóveis e desenvolvimento de todas as actividades com estas relacionadas – al. B) dos FA;
1.3. Por escrito datado de 01 de Abril de 2003, “FP…, S.A.”, e “FM…, Ldª.”, celebraram entre si um contrato que denominaram de “mandato”, a primeira na qualidade de mandante e a segunda na qualidade de mandatária, acordando entre si que “o mandatário irá agir, em nome do mandante no que respeita à construção do Centro... e, neste âmbito, o mandatário será responsável pela gestão do processo de construção e por todas as questões com ele relacionadas, nomeadamente as relacionadas com as empresas de construção e desenvolvimento do projecto e estudos prévios conducentes à aprovação arquitectónica do centro.” – al. C) dos FA;
1.4. Por escrito datado de 30 de Abril de 2003, foi celebrado entre “FM…, Ldª.”, na qualidade de dono da obra, e “SE A.C.E”., na qualidade de empreiteiro, “SE, S.A.” e “E… , S.A.”, sociedades que constituem o empreiteiro, um contrato denominado “Contrato de Projecto e Construção”, mediante o qual o empreiteiro se obrigou à execução e conclusão do projecto e empreitada de construção, bem como à reparação de quaisquer deficiências que possam surgir, do … Resort de … – al. D) dos FA;
1.5. Tal contrato integrou os trabalhos preliminares efectuados e previstos no contrato denominado “Contrato primeira fase” e que havia sido celebrado em 19 de Setembro de 2002 - – al. E) dos FA;
1.6. A “SE…, S.A.”, e a “E…, S.A.” transferiram para a “I... Comércio e Indústria” a sua responsabilidade pela empreitada de concepção e construção do parque de estacionamento subterrâneo, como primeira fase do complexo lúdico-comercial de …, mediante o contrato de seguro, titulado pela apólice n.º …, com a franquia de € 2.500,00, relativa a danos materiais a terceiros em geral e a franquia de 10% do valor do sinistro, com o mínimo de € 5.000,00 e máximo de € 10.000,00, relativamente a perdas e danos a estruturas existentes, edifícios, terrenos vizinhos e infra-estruturas – al. F) dos FA;
1.7. No n.º 1 da clausula 3.ª da secção II das condições gerais da apólice, identificada sob a epígrafe “exclusões absolutas”, consta que: No âmbito do presente contrato, não ficam garantidos em caso algum, mesmo que se tenha verificado a ocorrência de qualquer risco garantido pela presente apólice, as perdas, danos ou responsabilidades, custos e despesas de qualquer natureza, directa ou indirectamente causados por, ou resultantes de, ou em conexão com: 1.13 - Prejuízos devidos a penalidades contratuais ou extracontratuais, perda de contratos, deficiente rendimento ou incapacidade para o fim previsto, LUCROS CESSANTES, PERDAS DE EXPLO-RAÇÃO OU OUTRAS PERDAS INDIRECTAS»
– al. G) dos FA;
1.8. No dia 23 de Setembro de 2002 decorria no prédio identificado no ponto 1.1 a construção do empreendimento comercial do B…, mais conhecido por “Outlet …” – al. H) dos FA;
1.9. Tal prédio é contíguo a um outro onde estão implantadas umas instalações fabris – al. I) dos FA;
1.10. Na referida data, na área onde decorria a obra referida no ponto 1.8, em que se insere a instalação fabril identificada no ponto 1.9, ocorreu um corte de energia eléctrica no período compreendido entre as 11h10m e as 18h30m – al. J) dos FA;
1.11. O corte de energia foi causado na sequência da utilização da máquina retro-escavadora, de marca F…, matrícula … – al. L) dos FA;
1.12. Nessa data, os referidos trabalhos eram executados pela sociedade “M… - Terraplanagens, Ld.ª” que havia sido subcontratada, em regime de subempreitada, pelo consórcio SE…, constituído pelas 3ª e 4ª e R.R. ” – al. M) dos FA;
1.13. À data, a sociedade “M…, havia transferido para a Seguradora “F…, S.A.” a responsabilidade civil pelos danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros pela utilização da máquina retro-escavadora marca F… matrícula …, mediante a apólice n.º … – al. N) dos FA;
1.14. Da cláusula 2.ª, al. j), das condições particulares da apólice de seguro supra referida consta que “Sem prejuízo das Exclusões da garantia constantes nas Condições Gerais ou Especiais consideram-se igualmente excluídos da garantia….. lucros cessantes, paralisações, imobilizações, in-terrupção total ou parcial de actividade ou laboração” – al. O) dos FA;
1.15. A A. é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico e comercialização de embalagens metálicas destinadas à indústria alimentar – al. P) dos FA;
1.16. A actividade comercial da A. é desenvolvida na fábrica referida no ponto 1.9, sita no Sítio das … – al. Q) dos FA;
1.17. O corte de energia mencionado no ponto 1.10 causou a paragem total da laboração da fábrica supra mencionada – resposta (resp.) ao art. 1º da base instrutória (b.i.);
1.18. As máquinas utilizadas nas instalações fabris referidas, na produção das embalagens metálicas funcionam com recurso à energia eléctrica – resp. ao art. 2º da b.i.;
1.9. A referida produção parou em virtude do corte de energia eléctrica – resp. ao art. 3º da b.i.;
1.20. O encarregado do consórcio “SE…” ordenou aos funcionários da sociedade “M…- ” o arranque de 30 sobreiros no espaço das futuras instalações do F… – resp. ao art. 4º da b.i.;
1.21. O manobrador da máquina referida no ponto 1.11 arrancou os sobreiros na presença do supra referido encarregado da obra – resp. ao art. 5º da b.i.;
1.22. O corte de energia ficou a dever-se ao abatimento de um sobreiro que ao cair originou que a linha média de tensão fosse atingida por uma tranca fina desse sobreiro – resp. aos arts. 6º e 7º da b.i.;
1.23. A linha de média tensão apenas balançou, o que foi suficiente para provocar um curto-circuito – resp. ao art. 8º da b.i.;
1.24. Em virtude do referido corte de energia eléctrica, a A. deixou de produzir as seguintes embalagens: a) - na Linha 3, 110.000 latas 3 P Salsichas, no valor de € 1.841,74; b) - b) - na linha n.º 4, 120.000 latas dia, 99, no valor de € 3.659,84; c) - na linha n.º 5, 40.000 latas de 5 Kgs, no valor de € 4.138,83 – resp. ao art. 10º da b.i.;
1.25. Em virtude do corte de energia eléctrica, a A. deixou de produzir as seguintes cápsulas: a) - na linha Cl, 1.350.000 cápsulas, no valor de € 1.785,44; b) - na linha C2, 1.350.000 cápsulas, no valor de € 1.785,44; c) - na linha C3, 750.000 cápsulas, no valor de € 991,91 – resp. ao art. 11º da b.i.;
1.26. Nos embutidos deixou de produzir: a) - E.3 RR - 115.35.000 corpos, no valor de € 785,02; b) – Ah1 Esb. 1/4 Club, 200.000 esboços, no valor de € 1.679,81; c) - AH2 Corpos Club, 140.000 corpos, no valor de € 1.646,03; d) - AH3 Corpos Club, 140.000 corpos, no valor de € 1.646,03; e) - AH4 Corpos Club - RO 142, 40.000 corpos, no valor de € 944,72; f) - AH5 Corpos Club - RO 125 D, 40.000 corpos, no valor de € 874,20; g) - Grupo 2, Corpos RR - 90, 40.000 corpos, no valor de € 651,18; h) - Minster 1, Tampos e-o C, 140.000 tampos, no valor de € 1.803,87; i) - Minster 4, Tampos e-o C, 50.000 tampos, no valor de € 760,54; j) - Minster 6, Tampos 1/4 Club, 60.000 tampos, no valor de € 912,65; l) - Minster 7, Tampos ¼ Din, 70.000 tampos, no valor de € 1.108,48; m) - Minster 8, Tampos ¼ C, 80.000 tampos, no valor de € 1058,92 – resp. ao art. 12º da b.i.;
1.27. Na litografia, deixou de produzir: a) - na linha n.º 2, 28.000 passes, no valor de € 988,96; b) - na linha n.º 3, 18.000 passes, no valor de € 1.201,32; c) - na linha n.º 7, 20.000 passes, no valor de € 1.334,80; d) - na linha n.º 1, 28.000 passes, no valor de € 988,96 – resp. ao art.13º da b.i.;
1.28. Na Deita deixaram de ser produzidos 60.000 cortes, no valor de € 1.269,00 – resp. ao art. 14º da b.i.;
1.29. Foram desperdiçadas mais de 1170 folhas de flandres 870x 755x0,22 que se encontravam em curso de ilustração na marca “Bumbie Bee - H sauce, no valor de € 1.405,06 – resp. ao art. 15º da b.i.;
1.30. No momento em que se deu o corte. as folhas encontravam-se com 2 vernizes no interior, 1 verniz na fixação exterior e 6 cores – resp. ao art. 16º da b.i.;
1.31. Na estufa da linha 2, encontravam-se 1.100 folhas de flandres 819x1026x0,20 em curso de envernizamento, no valor de € 1.137,07 – resp. ao art. 17º da b.i.;
1.32. No momento em que se deu o corte de energia, a folha encontrava-se com 1 verniz interior T-87, e 1 verniz exterior – resp. ao art. 18º da b.i.;
1.33. Na estufa da linha 3, encontravam-se 1.089 folhas de alumínio 819x966x0,23, em curso de litografia, na marca Liter-Tomate, no valor de € 1.999,59 – resp. ao art. 19º da b.i.;
1.34. No momento em que sucedeu o corte de energia, a folha encontrava-se com um verniz no interior, 1 esmalte no exterior e duas cores – resp. ao art. 20º da b.i.;
1.35. Na estufa da linha 7, encontravam-se 1.264 folhas de alumínio 748x826x0,23 em curso na litografia na marca “Gravilia”, no valor de € 1.907,55 – resp. ao art. 21º da b.i.;
1.36. No momento em que sucedeu o corte de energia, a folha encontrava-se com um verniz interior, um verniz de fixação, 2 tintas brancas e 4 cores – resp. ao art. 22º da b.i.;
1.37. Ficaram cativas várias quantidades de tampos nas estufas de três linhas: a) - Minster 7, 600 tampos 1/4 Dinley, custo zero; b) - Minster 8, 600 tampos ¼ Club, custo zero; c) - A Haar 1, 18.000 tampos ¼ Club alu “Bom petisco”, no valor de € 513,22 – resp. ao art. 23º da b.i.;
1.38. Na sequência do corte de energia, ficou danificado um variador de velocidade Harker Summer, cuja substituição importou em € 1.498,91, sem IVA – resp. ao art. 24º da b.i.;
1.39. Para recuperar a perda de produção, a A. laborou horas extra, inclusive aos sábados, e que foram as seguintes: a) - na linha Deita - 16 horas; b) - na litografia 2 - 8 horas; c) - na litografia 3 - 8 horas; d) - na litografia 7 - 8 horas; e) - nos minsters 4 - 8 horas; f) - nos minsters 6 - 8 horas; g) - nos minsters 7 - 8 horas; h) - nos minsters 8 - 8 horas; i) - na A. Haar 2 - 8 horas; j) - no grupo 2 - 8 horas – resp. ao art. 25º da b.i.;
1.40. Na litografia 1, a A. laborou 8 horas em regime de horas extra – resp. ao art. 26º da b.i.;
1.41. O custo de laboração em horas extra custaram à A. € 2.990,82 – resp. ao art. 27º da b.i..
2. Do mérito da apelação
2.1. Enquadramento preliminar
Com a presente acção visa a A. obter a condenação solidária das 3ª a 5ª R.R. no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos decorrentes de uma interrupção da laboração da unidade fabril daquela, identificada nos pontos 1.9 e 1.10 da factualidade provada, ocorrida em 23 de Setembro de 2002. A referida interrupção teria sido provocada por um curto-circuito de uma linha de média tensão, ao ser atingida pelo derrube de um sobreiro, no decurso de trabalhos efectuados pela interveniente acessória sociedade “M…-Terraplanagens”, que os executava no âmbito de um contrato de subempreitada firmado como o consórcio SE…, constituído pelas 3ª e 4ª e R.R. S…, S.A. ” e “E…, S.A.”, na decorrência de um contrato de empreitada celebrado entre aquele consórcio e as 1ª e 2ª R.R. tendo por objecto a execução do projecto mencionado no ponto 1.4. da factualidade provada.
Sucede que, no que aqui releva, as 2ª e 3ª R.R. chamaram, a título de intervenção principal passiva, a Companhia de Seguros X…, para quem teriam transferido a sua responsabilidade civil, nos termos do contrato de seguro referido no ponto 1.6 da factualidade provada. Além disso, as mesmas R.R. chamaram à acção, a título de intervenção acessória a sociedade subempreiteira “M…”, que, por sua vez, fez também intervir a respectiva seguradora “F…, S.A.”.
No despacho saneador, foi apreciada procedentemente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva suscitada pelas 1ª e 2ª R.R., enquanto donas da obra, tendo, por isso, sido absolvidas da instância mediante decisão já transitada em julgado.
Assim, a pretensão da A. contra as 3ª, 4ª e 5ª R.R. inscreve-se no âmbito da responsabilidade extracontratual, nos termos dos artigos 483.º e seguintes do CC.
Na sentença recorrida, foi perfilhado o entendimento de que o acto de derrube do sobreiro efectuado pela sociedade subempreiteira “M…-Terraplanagens”, ora interveniente acessória, se traduzia numa actividade perigosa, nos termos do nº 2 do artigo 493.º do CC, mas que, dada a autonomia entre os contratos de empreitada e de subempreitada, não era imputável ao consórcio empreiteiro a responsabilidade da subempreiteira naquele derrube, mormente no âmbito dos artigos 500.º e 800.º do CC, já que o primeiro pressupõe a existência de uma relação de comissão, enquanto que o segundo supõe uma relação contratual de subordinação, o que não acontecia entre empreiteiro e subempreiteiro na relação perante terceiros. Nessa linha, conclui o tribunal a quo pela improcedência da acção, absolvendo as R.R, do pedido.
Todavia, a apelante sustenta que aquela decisão viola o caso julgado formal do despacho que admitiu os incidentes de intervenção de terceiros deduzidos pelas 3ª e 4ª R.R., na medida em que considerou que à chamada sociedade “M…-Terraplanagens” não assistia legitimidade para intervir como parte principal, mas quando muito como parte acessória daquelas R.R.. Insiste ainda a apelante na aplicação do disposto nos artigos 500.º e 800.º do CC, em termos de imputar a responsabilidade pelos danos em causa às 3ª a 5ª R.R..
Por seu lado, as apeladas rejeitam o referido alcance de caso julgado, bem como a aplicação ao caso dos sobreditos normativos e, além disso, sustentam que não estamos perante uma actividade perigosa que imponha um especial dever de vigilância ao empreiteiro pelos actos do subempreiteira.
Vejamos cada uma dessas questões.
2.2. Do alcance do caso julgado formal do despacho que admitiu a intervenção de terceiros
Ora, da fundamentação do despacho proferido a fls. 439/446, já transitado em julgado, que admitiu a intervenção acessória da sociedade Ma… – Terraplanagens, Ld.ª, consta o argumento de que, não tendo a subempreiteira chamada legitimidade para intervir enquanto parte principal, poderia ainda assim ser chamada para auxiliar as R.R. na defesa relativamente à discussão das questões susceptíveis de se repercutirem na acção de regresso ou de indemnização invocada como fundamento do chama-mento.
Resta saber se tal considerando produz o efeito de caso julgado pre-tendido pela apelante.
Diz o artigo 672.º do CPC que: Os despachos … que recaiam unicamente sobre a relação proces-sual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por sua natureza não admitirem recurso de agravo. E, quanto aos limites gerais do caso julgado da conjugação dos artigos 671º., nº 1, e 673.º do mesmo Código, aplicáveis com as devidas adaptações às decisões formais, decorre que o caso julgado se constitui nos precisos termos em que se julga, devendo ter-se em conta os seus elementos identificativos, como sejam os sujeitos, o fundamento e o efeito pretendido, nos termos estabelecidos no artigo 498.º do CPC.
Também é sabido que o caso julgado se forma, nuclearmente, sobre a decisão e não sobre os respectivos fundamentos, que apenas funcionam como seu limite objectivo.
No caso vertente, o despacho que admitiu a intervenção acessória da chamada M…– Terraplanagens, Ld.ª, é de natureza meramente processual, pelo que não produz quaisquer efeitos no plano da relação material controvertida objecto da acção. Por outro lado, os fundamentos desse despacho que apelam (ou laboram) a determinada qualificação da relação material controvertida não só não tem autonomia, nesse particular, como jamais podem extrapolar da esfera adjectiva da respectiva decisão, não vinculando portanto o juiz do processo no enquadramento a fazer em sede de apreciação do mérito da causa.
Termos em que improcedem as razões da apelante nesta parte.
2.3. Quanto à responsabilidade extracontratual imputada às 3ª a 5ª R.R.
Como se refere na sentença recorrida, a jurisprudência têm-se dividido quanto a saber se o empreiteiro responde perante terceiros pelos actos ilícitos do subempreiteiro, destacando-se aqui duas linhas de orientação. Segundo um entendimento, só o subempreiteiro responde perante terceiros pelos actos por ele praticados, uma vez que, face à autonomia jurídica entre os contratos de empreitada e de subempreitada, não existe uma relação de comissão entre o empreiteiro e o subempreiteiro, nos termos e para os efeitos do artigo 500.º do CC, em que se possa estribar a responsabilidade objectiva do primeiro pelos actos da responsabilidade do segundo. De acordo com outra orientação, o empreiteiro pode responder objectivamente pelos actos do subempreiteiro perante terceiro, nos termos do artigo 800.º do CC, na medida em que utiliza este como auxiliar no cumprimento da obrigação de realização da obra, extraindo vantagens económico-financeiras dessa actividade, sem a qual por vezes nem poderia aceitar a própria empreitada.
Ora, se tem sido pacífica a orientação de que entre o empreiteiro e o subempreiteiro não existe qualquer relação de comissão, o mesmo se não dirá quanto à aplicação do disposto no citado artigo 800.º do CC. Com efeito, esta disposição legal, dada a sua inserção sistemática, parece confinar-se ao domínio da responsabilidade contratual, valendo portanto no âmbito das relações entre o empreiteiro e o dono da obra, podendo este demandar aquele com fundamento na responsabilidade do subempreiteiro. Porém, extrapolar do alcance contratual do artigo 800.º do CC para o domínio da responsabilidade extracontratual, por forma a com ela tutelar interesses de terceiro perante o empreiteiro, encontra o obstáculo de se estar a apelar a uma responsabilidade aquiliana objectiva não expressamente prevista na lei, em clara contravenção do preceituado no nº 2 do artigo 483.º do CC.
Mas fora destes quadros normativos existe ainda uma terceira via, que vem sendo também adoptada pela jurisprudência do STJ[1], segundo a qual, em casos de responsabilidade por danos causados por actividades perigosas, nos termos do nº 2 do artigo 493º. do CC, reconhece recair sobre o empreiteiro um especial dever de vigilância sobre a execução da subempreitada, que não uma mera faculdade ou direito de fiscalização da obra, como a que assiste ao dono da obra em relação ao empreiteiro. Nessa medida, sobre o empreiteiro impenderia a obrigação de fiscalização técnica e funcional do subempreiteiro, tanto mais que, como é frequente acontecer, a execução da obra depende de subempreitadas parciais, em que se mostra necessária a respectiva coordenação técnica por parte do empreiteiro. De resto, a autonomia técnica do empreiteiro perante o dono da obra, em abono da qual assiste a este apenas a mera faculdade de fiscalização, não se verifica, em regra, nas relações entre o empreiteiro e o ou os seus subempreiteiros.
Afigura-se pois ser esta a solução mais adequada a aplicar ao tipo de casos como o dos presentes autos, e a que este tribunal de recurso pode lançar mão na qualificação dos factos provados, ao abrigo do disposto no artigo 664.º do CPC, mesmo que assim não tenha sido equacionado pela apelante.
Aqui chegados, importa agora saber se a factualidade provada consente uma caracterização do evento relevante como actividade perigosa, à semelhança do que fora considerado na sentença recorrida, a exigir do empreiteiro um dever de vigilância especial, em que a culpa é presumida, salvo se aquele fizer prova de ter empregue todas as diligências ao seu alcance exigidas pelas circunstâncias do caso com o fim de prevenir o risco de dano, nos termos do nº 2 do artigo 493.º do CC.
Segundo o referido normativo a actividade relevante pode ser perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, o que deverá ser aferido no contexto das circunstâncias de cada caso.
No caso dos autos não se pode dizer, sem mais, que o derrube de sobreiros consista numa actividade perigosa, mesmo quando para tal seja utilizada um retro-escavadora. Porém, o derrube de sobreiros com utilização de uma retro-escavadora junto de linhas de uma rede eléctrica coloca especiais exigências técnicas, em particular, no modo como a operação é levada a cabo, devendo prever-se as hipóteses de vir a ser atingida durante o abatimento e serem tomadas todas as providências para que tal não aconteça.
Com relevo para esta apreciação, respiga-se da factualidade assente o seguinte:
a) - O corte de energia foi causado na sequência da utilização da máquina retro-escavadora, de marca F…, matrícula … – ponto 1.11 da factualidade provada;
b) - Nessa data, os referidos trabalhos eram executados pela sociedade “M… -, Ld.ª” que havia sido subcontratada, em regime de subempreitada, pelo consórcio SE…, constituído pelas 3ª e 4ª e R.R. “S…, S.A.” e “E…, S.A.” – ponto 1.12 da factualidade provada;
c) - O encarregado do consórcio “SE…” ordenou aos funcionários da sociedade “M” o arranque de 30 sobreiros no espaço das futuras instalações do F… – ponto 1.20 da factualidade provada;
d) - O manobrador da máquina referida no ponto 1.11 arrancou os sobreiros na presença do supra referido encarregado da obra – ponto 1.21 da factualidade provada;
e) - O corte de energia ficou a dever-se ao abatimento de um sobreiro que ao cair originou que a linha média de tensão fosse atingida por uma tranca fina desse sobreiro – ponto 1.22 da factualidade provada;
e) - A linha de média tensão apenas balançou, o que foi suficiente para provocar um curto-circuito – ponto 1.23 da factualidade provada.
Desta factualidade decorre claramente que os trabalhos foram executados por funcionários da subempreiteira por ordem e na presença do encarregado do consórcio empreiteiro (als. c e d) e foi nesse contexto circunstancial que ocorreu o abatimento de um sobreiro, originando que a linha de média tensão fosse atingida por uma tranca fina desse sobreiro, fazendo-a balançar de modo a provocar o curto circuito.
Neste quadro factual, afigura-se que havia por parte do consórcio empreiteiro um especial dever de vigilância e controlo sobre as operações então em curso e que a presença do encarregado do consórcio proporcionava o exercício efectivo desse controlo. Por outro lado, as R.R. não provaram que tivessem sido adoptadas as providências necessárias a evitar o sucedido, tanto mais que não ficou provado que esse facto não fosse previsível, como se alcança da resposta negativa ao artigo 9º da base instrutória.
Nesta conformidade, é imputável ao consórcio empreiteiro a responsabilidade pelos danos sofridos pela A. decorrentes da interrupção da corrente eléctrica que provocou a suspensão da laboração da unidade fabril da A., nos termos do citado artigo 493º, nº 2, do CC.
2.4. Do montante indemnizatório
Relativamente aos danos, dos pontos 1.24 a 1.41 da factualidade provada constam os danos causados pela interrupção da corrente eléctrica na unidade fabril da A., em relação aos quais não foi deduzida qualquer impugnação no âmbito deste recurso, tendo-se assim por verificada a existência desse danos e estabelecido o respectivo nexo de imputação objectiva.
Os mencionados danos ascendem ao montante global de € 45.309,93, a que acrescem juros de mora desde a citação das R.R., nos termos da 2ª parte do nº 3 do artigo 805.º do CC, à taxa supletiva para os créditos de que sejam titulares empresas comerciais prevista nos artigo 102º, § 3, do Cod. Comercial e sucessivamente em vigor.
De referir que não está aqui em causa condenar a seguradora das 3ª e 4ª R.R., uma vez que estas, na intervenção principal deduzida, não requereram a condenação daquela interveniente na satisfação do regresso que lhes pudesse vir a assistir.
IV - Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, decidem revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, julgar a acção procedente, condenando, solidariamente, as 3ª, 4ª e 5ª R.R. a pagar à A. a quantia de € 45.309,93 (quarenta e cinco mil trezentos e nove euros e noventa e três cêntimos) correspondente à soma dos montantes referi-dos nos pontos 1.24 a 1.41, acrescida de juros de mora desde a citação até ao seu integral pagamento, à taxa supletiva especial para os créditos de que são titulares empresas comerciais acima mencionada.
As custas da acção ficam a cargo daquelas R.R., sendo as devidas até ao despacho saneador apenas na proporção de metade, dada a condenação da A. nas custas relativas à absolvição da instância das 1ª e 2ª R.R. (fls. 697).
As custas da apelação são inteiramente a cargo das R.R. apeladas.
Lisboa, 21 de Setembro de 2010
Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho
---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Vide entre outros, o ac. do STJ, de 14/4/2005, no âmbito do processo 04B3741 e o ac. do mesmo Tribunal, de 25-3-2010, relatado pelo Exmº Juiz Cons. Lopes do Rego, no processo 428/1999.P1.S1, publicado na Internet http://www.dgsi.pt/jstj.