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TAXA DE JUSTIÇA
PETIÇÃO INICIAL
DESENTRANHAMENTO
ACIDENTE DE TRABALHO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário
I. Nos casos de falta de pagamento da taxa de justiça ou de falta de junção do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário, em que a secretaria não recusa a petição e conclui o processo ao juiz, não deve este ordenar logo o desentranhamento da petição, sem antes permitir ao Autor a regularização a instância, através da junção dos referidos elementos em falta, o que lhe é permitido nos termos gerais do art. 265º nº 1 e 2 do CPC. II. Muito menos se justifica que se declare logo extinta a instância, sobretudo num processo em que está em causa a definição de direitos emergentes de acidente de trabalho, que a lei considera serem de natureza indisponível – artº 35º da Lei nº 100/97 de 13.09. III. Mais curial seria, caso o Autor não juntasse os elementos em falta após a notificação para o efeito, ordenar a suspensão da instância, nos termos previstos no nº 4 do art. 119º do CPT. (sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
A... intentou, em 30.04.2010, acção especial emergente de acidente de trabalho contra a sua entidade patronal B... e a Companhia de Seguros Açoreana, SA, pedindo a condenação das Rés nas indemnizações, pensões e demais prestações decorrentes do acidente de trabalho que ao serviço da 1ª Ré sofreu no dia 4.07.2008.
A secretaria concluiu, de imediato, o processo à Mº juiz com “informando que o autor/sinistrado não juntou aos autos o DUC com o pagamento de taxa de justiça inicial, assim como não juntou o documento da concessão do apoio judiciário”.
A Mª Juiz proferiu, de imediato, o seguinte despacho:
“Compulsados os autos, constata-se que o autor não procedeu à prévia liquidação da taxa de justiça inicial devida pela propositura da acção nem comprovativo de lhe ter sido concedido apoio judiciário na modalidade de isenção de pagamento da mesma.
Não tendo liquidado a taxa de justiça devida, incumbe a este tribunal suprir tal irregularidade, ordenando-se a devolução da petição inicial ao apresentante, nos termos conjugados dos artigos 13.°, 14.° do Regulamento das Custas Processuais, 150.° A, 467.° n.os 3 a 6 e 474.° alínea f), todos do Cód. Proc. Civil (cfr., neste sentido, os Acórdãos do TRC de 09.10.2007 e do TRL de 17.04.2008 in www.dgsi.pt).
Sem a petição inicial, falta aos autos o articulado que define o objecto da acção e, consequentemente, a instância deve ser julgada extinta por impossibilidade legal superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 287.° alínea e) do Cód. Proc. Civil.
Pelo exposto, decide-se :
a) ordenar o desentranhamento da petição inicial e respectivos documentos e sua devolução ao autor, após trânsito em julgado do presente despacho;
b) julgar, em consequência, extinta a instância, por impossibilidade legal superveniente da lide.
Custas pelo autor - artigo 446.° n.os 1 e 2 do Cód. Proc. Civil. Registe e notifique.”
O Autor, inconformado, interpôs recurso deste despacho e termina a sua alegação com as seguintes conclusões:
(...) Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso e, por conseguinte, deve o douto despacho recorrido ser revogado, e substituído por outro que ordene a notificação do A. para, no prazo que lhe for concedido, comprovar o pagamento da taxa de justiça inicial ou a concessão de apoio judiciário.
Admitido o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação, tendo o Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Factos assentes:
1 – A... no dia 4.07.2008 sofreu um acidente quando trabalhava sob as ordens e direcção de, mediante a retribuição total anual de €34.985,00, sendo que a entidade patronal B... havia transferido para a Companhia de Seguros, Açoreana SA , a sua responsabilidade infortunística, mas apenas pela retribuição anual de € 6020,00.
2 – Na tentativa de conciliação a que se procedeu no final da fase administrativa do processo, não houve acordo em virtude das Rés não aceitarem o nexo de causalidade entre as lesões consideradas pelo perito medito e o acidente, nem a incapacidade atribuída.
2 - Em 30.04.2010, por via electrónica, o sinistrado A..., através de mandatário judicial, fez dar entrada da petição inicial contra a entidade patronal B... e a Companhia de Seguros, Açoreana SA seguradora de uma acção emergente de acidente de trabalho, mas não juntou o documento comprovativo da taxa de justiça inicial nem da concessão do apoio judiciário.
3– A secretaria concluiu, de imediato, o processo à Mª Juiz que proferiu o despacho recorrido ordenando a desentranhamento da petição inicial e a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
Fundamentação de direito
À data da instauração da presente acção, estava em vigor o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Dec.-Lei nº 34/2008, de 26/2), que também introduziu alterações ao Código de Processo Civil, aplicáveis ao presente caso, ex vi art. 1ª nº 2 al. a) do CPT.
O artº 14º, nº 1 do citado Regulamento das Custas Processuais, dispõe que “o pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento.”
No que concerne à petição inicial, o art.º 467º-n.º3 do Código de Processo Civil dispõe que o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário, sob pena de recusa da petição pela secretaria, nos termos do art.º 474º-alínea.f) do Código de Processo Civil, excepto no caso previsto no nº 5 do art. 467º (onde se permite que ocorrendo uma razão de urgência deve o autor apresentar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido).
Ora, no caso “sub judice”, o A. não juntou com a petição inicial, documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário.
Assim, devia a secretaria ter recusado o recebimento da petição inicial apresentada pelo A., indicando o fundamento da rejeição. E desta decisão caberia reclamação para o juiz e do respectivo despacho caberia sempre recurso para a Relação, de acordo com o disposto no art. 475º do CPC.
Porém, o art. 476º do CPC, estabelece o seguinte: “o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 474.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa do recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo”.
Da conjugação destas normas decorre com meridiana clareza que a apresentação da petição inicial deve ser acompanhada do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça ou do documento da concessão do apoio judiciário, salvo os casos previstos no nº 5 do art. 467º do CPC, nomeadamente naqueles em ocorre razão da urgência, em que basta que o Autor apresente documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, embora ainda não concedido, sob pena de recusa de recebimento da petição, a efectuar em primeira linha pela secretaria e, em sede de reclamação, pelo juiz do processo.
No presente caso, porém, a secretaria não recusou a petição antes concluiu o processo ao Mº Juiz que proferiu despacho a ordenar o desentranhamento da petição inicial e a julgar extinta a instância, por impossibilidade legal superveniente da lide.
Não nos parece aceitável tão drástica decisão, quer no que se refere ao desentranhamento da petição, quer mesmo no que respeita à declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
No que se refere ao desentranhamento da petição, tem a jurisprudência vindo a defender que nos casos de falta de pagamento da taxa de justiça ou de falta de junção do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário, em que a secretaria não recusa a petição e conclui o processo ao juiz, não deve este ordenar logo o desentranhamento da petição, sem antes permitir ao Autor a regularização a instância, através da junção dos referidos elementos em falta, o que lhe é permitido nos termos gerais do art. 265º nº 1 e 2 do CPC.
É que se nos termos do disposto no art. 476º do CPC a instância fica regularizada, se dentro do referido prazo de 10 dias for apresentado o documento em falta, não é razoável ordenar-se o desentranhamento da petição, para, dez dias volvidos, tudo ficar na mesma, com a junção do documento inicialmente em falta, pois isso representaria a prática de um acto inútil, que é reprovada pelo art. 137º do CPC.
Neste sentido podem ver-se os acórdãos publicados em www.dgsi.pt, nomeadamente nos Acs. da R. L. de 16/11/2006 proferidos nos processos nº 6366/2006-2 e 9227/2006-6, de 12.07.2007 em www.dgsi.pt, nos quais se defendeu que, não tendo a secretaria recusado a petição inicial desacompanhada do comprovativo do pagamento do preparo inicial ou concessão de apoio judiciário, não deve o juiz, seja qual for a fase processual em que a acção se encontre, mandar logo desentranhar essa petição, mas antes, dar oportunidade à parte respectiva de, no prazo a designar, efectuar o pagamento desse preparo em falta.
No mesmo sentido podem ver-se os Acórdãos da Relação de Coimbra de 13.010.2009; da Relação do Porto de 23/05/2006 e de 09/10/2006, todos publicados em www.dgsi.pt., defendendo-se no primeiro deles que o deficiente pagamento da taxa de justiça inicial ou a sua inexistência não detectada pela secretaria, não dá ao Juiz a possibilidade de indeferimento liminar, antes deve notificar o faltoso para suprir a falta em prazo a fixar.
Por outro lado, também não se vislumbra fundamento para a instância ter sido julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide. Dentro da lógica do processo, se a secretaria não recusou uma petição que devia ter recusado e se o juiz com o seu despacho vai suprir tal omissão parece que o seu teor não poderá ser diferente do de mandar desentranhar a mesma petição. Não parecendo haver cabimento para qualquer extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide nos termos do art. 287º, al. e) do CPC.
Com efeito, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide pode verificar-se ou por extinção do sujeito ou por extinção do objecto. Como diz Rodrigues Bastos «a relação processual tem como elementos os seus sujeitos (partes) e o seu objecto (pedido e causa de pedir). Se, por facto posterior ao início da instância (propositura da acção), desaparecer uma das partes e não for juridicamente admissível a sua substituição, por ser estritamente pessoal o direito substancial por ela invocado ou que lhe era atribuído, ou se a coisa de que, por exemplo, se pede a entrega, perecer e for infungível, ou se a causa de pedir se extinguir por qualquer outro motivo estranho à composição da lide, a relação jurídica processual, desprovida de um dos seus elementos vitais, sucumbe, porque se tomou impossível, ou porque já é inútil a decisão final sobre a demanda» ([1]).
E a consequência da extinção da instância é a de cessarem todos os efeitos de natureza processual e de natureza substantiva decorrentes da pendência da acção ([2]).
Na situação em apreço não ocorre qualquer situação susceptível de justificar a declaração da inutilidade superveniente da lide, designadamente por extinção do seu objecto. Aliás, no presente caso, está em causa a definição de direitos emergentes de acidente de trabalho que a lei considerada de natureza indisponível – artº 35º da Lei nº 100/97 de 13.09 – pelo que atenta a natureza desses direitos não se verifica a inutilidade superveniente da lide e, consequentemente, a extinção da instância.
Mais curial seria, caso o Autor não juntasse os elementos em falta após a notificação para o efeito, ordenar a suspensão da instância, nos termos previstos no nº 4 do art. 119 do CPT, (neste sentido vejam-se os acórdãos desta Relação de 12.07.2007 e de 22.10.2009, disponíves em www.dgsi.pt).
Procedem, assim, as conclusões do recurso sendo de revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que ordene a notificação do Recorrente para, em prazo a fixar, juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do apoio judiciário.
Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que ordene a notificação do Recorrente para, em prazo a fixar, juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do apoio judiciário.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Setembro de 2010
Seara Paixão
Ferreira Marques
Maria João Romba
---------------------------------------------------------------------------------------- [1] “Notas ao Código do Processo Civil”, II, 59. [2] Vd. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pg. 261.