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DIREITO DE PERSONALIDADE
RESERVA DA VIDA PRIVADA
ALCOOLÉMIA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário
I O autor ao ingerir bebidas alcoólicas e apresentar uma taxa de alcoolemia de 0,83 gr/l, ao serviço da ré, desrespeitou as ordens e instruções do seu empregador que considera sob a influência do álcool os trabalhadores com taxa de alcoolemia superior a 0,50gr/I no sangue, por poder colocar em perigo a segurança no trabalho ou a criação de risco de produção de danos nos equipamentos ou mercadorias, atento aos efeitos que a embriaguez provoca na atenção e nos reflexos. II O consumo de álcool insere-se no domínio da esfera privada de cada indivíduo, todavia, quando esse consumo possa representar uma fonte potencial de perigo para o próprio trabalhador, seus colegas e terceiros, podendo perturbar a execução do contrato de trabalho, ele deverá ser limitado em nome da defesa dos direitos fundamentais destes últimos. III No caso, as imposições aos limites de alcoolemia por parte da entidade empregadora resultam, por um lado, da circunstância de se tratar de uma empresa de cervejas, o que implica, desde logo, uma proximidade muito grande com bebidas alcoólicas, propiciando o seu consumo e, por outro, do posto de trabalho do recorrente que, como auxiliar de armazém, tem de efectuar cargas, descargas e arrumação de mercadorias, assim como movimentar viaturas da ré dentro das suas instalações, o que exige sobriedade, de forma a que não sejam postas em causa a segurança e a integridade das pessoas que ali trabalham e dos equipamentos e mercadorias nela envolvidos, não se podendo considerar que aqueles limites violem o disposto no art.º16 do CT. IV O autor, além de conhecer perfeitamente as instruções decorrentes da referida ordem de serviço, já havia sido punido, por duas vezes, pela prática de infracção idêntica, com grau de álcool elevado (1,07g/I e 1,08g11), configurando o seu comportamento, na situação em apreço, justa causa de despedimento. (sumário elaborado pela Relatora)
Texto Parcial
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
A…, residente..., intenta contra: Empresa de Cervejas da Madeira, Ldª, com sede ao Pizo, Parque Industrial da Zona Oeste, Apartado nº 39, Câmara de Lobos, a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho. Pede que a acção seja julgada procedente que o despedimento seja declarado ilícito, pela falta de justa causa, tendo o autor direito à reintegração e consequente pagamento dos salários vencidos e vincendos até decisão final, reservando-se ainda o autor para o exercício do direito de opção pela indemnização.
Para o efeito alega que entrou ao serviço da ré em 02/05/1984, tendo recentemente a categoria profissional de auxiliar de armazém, auferindo a retribuição mensal de €727,93; em 09/07/07, a ré, após processo disciplinar, despediu-o ilicitamente por não ter havido justa causa.
Na contestação a ré alega, em síntese, que a conduta do autor se traduziu numa violação grave dos seus deveres laborais, por desobediência às ordens expressas emanadas pela ré quanto à proibição da prestação de trabalho sob o efeito do álcool, desrespeitando as regras de segurança no local de trabalho, comportamento reiterado que, pela sua gravidade e consequências, tornou impossível a subsistência da relação de trabalho.
Realizada a audiência de discussão e julgamento o autor declarou optar pela indemnização por antiguidade.
Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Nestes termos e com tais fundamentos decide este Tribunal julgar a presente acção declarativa com processo comum improcedente e, em consequência absolver a Ré dos pedidos.”
O autor inconformado interpôs recurso, tendo nas suas alegações proferido as seguir transcritas, Conclusões: (...)
Não houve contra-alegações.
O Exmº Procurador-geral-adjunto deu parecer no sentido da confirmação do decidido.
Colhidos os vistos legais
Cumpre apreciar e decidir I. Tal como resulta das conclusões do recurso interposto, a questão suscitada prende-se com a justa causa de despedimento, que se baseou no consumo indevido de álcool, que o recorrente entende violar o direito à reserva da sua vida privada, consignado no art.º16 do Código do Trabalho.
II. Fundamentos de facto
Foram considerados provados os seguintes factos
1. - O Autor foi admitido ao serviço da Ré, em 02/05/1984, tendo-lhe sido recentemente atribuída a categoria profissional de "Auxiliar de Armazém" e paga a retribuição mensal ilíquida de € 957,86.
2. - Em 09/07/2007, após instauração de processo disciplinar, a Ré despediu o Autor invocando justa causa, conforme relatório final e decisão e juntos a fls. 64 a 75 dos autos.
3. - Como "Auxiliar de Armazém" cabia ao Autor efectuar cargas, descargas e arrumação de mercadoria, assim como movimentar viaturas da Ré dentro das suas instalações, como forma de proporcionar melhores condições para aquelas cargas e descargas.
4. - No dia 26/04/07, pelas 17.26 horas, quando se encontrava ao serviço, o Autor foi sujeito a um teste de alcoolemia efectuado por um enfermeiro da Ré, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,83 gr/I.
5. - À data da realização do supra referido teste de alcoolémia o Autor já tinha registo anterior de uma taxa de álcool no sangue de 1,07 gr/I, que lhe fora detectada em 27/02/2006, quando se encontrava ao serviço da Ré, facto por via do qual lhe foi instaurado um processo disciplinar, na sequência do qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de 5 dias de suspensão, bem como outro registo anterior de uma taxa de álcool no sangue de 1,08 gr/l, que lhe fora detectada em 07/06/2006, quando se encontrava ao serviço da ré, facto por via do qual lhe foi instaurado outro processo disciplinar, na sequência do qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de 10 dias de suspensão, com perda de retribuição e antiguidade.
6. - À data da entrada em juízo da contestação o Autor encontrava-se a trabalhar para a sociedade "F...” com sede no... ,concelho do Funchal, exercendo as funções de pintor de automóveis sob a autoridade e por conta desta.
7. - De acordo com as regras em vigor na Ré, constantes da ordem de serviço nº 14/06/2006 e que o Autor conhecia, não é permitido aos seus trabalhadores apresentarem-se ou manterem-se ao serviço com uma taxa de álcool no sangue superior a 0,50 gr/I, aferida mediante o teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, a efectuar pela utilização do alcoolímetro modelo "Alcotest 7410".
8. - O Autor sabia que não lhe era permitido apresentar-se ou manter-se ao serviço com uma taxa de álcool no sangue superior a 0,50 gr/I e que, fazendo-o, incorria em infracção disciplinar.
III. Fundamentos de direito
Tal como acima se referiu, a questão essencial a apreciar no presente recurso é relativa à justa causa de despedimento. O recorrente alega, em síntese, que no momento que lhe foi detectada uma taxa de alcoolemia de 0,83/g. executava as suas tarefas de forma absolutamente normal, sem que tivesse dado azo a qualquer crítica por parte da ré, não tendo causado quaisquer prejuízos nem prejudicado o exercício das suas tarefas, tendo apenas sido despedido com o fundamento de que tinha violado uma ordem a que não devia, porém, obediência, por tal ordem invadir inadmissivelmente a esfera da vida privada do trabalhador, o que não é concebível atento ao disposto no art.°16 do Código do Trabalho então em vigor.
Importa assim apurar se os comportamentos imputados ao autor constituem justa causa de despedimento.
O conceito de justa causa consignado no art.º396 do CT/2003, que dispõe, no seu n.º1: “O comportamento culposos do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento.”
A justa causa é um conceito indeterminado pois não facultando uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo aponta para modelos de decisão a elaborar em concreto e, constituindo a mais grave das sanções disciplinares, visa o sancionamento da conduta do trabalhador que pela sua gravidade objectiva e pela imputação subjectiva torna impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe.
O aludido conceito de justa causa de despedimento, de harmonia com o entendimento generalizado na doutrina e na jurisprudência, compreende 3 elementos:
a) Comportamento culposo do trabalhador;
b) Comportamento grave e de consequências danosas;
c) Nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral
Não basta pois um comportamento culposo é também necessário que ele seja grave em si mesmo e nas suas consequências, gravidade que deverá ser apreciada em termos objectivos e concretos, no âmbito da organização e ambiente da empresa, e não com base naquilo que o empresário subjectivamente considere como tal, assim como o determina o n.º2 do art.º396 do CT, ao estabelecer: “ para apreciação da justa causa deve o tribunal atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes”
Finalmente, esse comportamento culposo e grave do trabalhador apenas constituirá justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade da subsistência da relação laboral, o que sucederá sempre que a ruptura da relação laboral seja irremediável na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de ser aplicada, perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador.
Sublinhe-se ainda que estes 3 elementos, culpa, gravidade e nexo de causalidade entre eles e a impossibilidade da subsistência da relação laboral, devem ser apreciados em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou um empregador normal em face do caso concreto e segundo critérios de objectividade e razoabilidade, vide, jurisprudência sobre esta matéria, a título de exemplo, Ac. do STJ de 28.1.1998 in AD, 436º – 558 e de 12.5.1999, CJ 2º Tomo – pág. 276 e segts
Analisemos agora os factos apurados:
- A Ré emitiu em 14/06/06 uma ordem de serviço, que o Autor conhecia, em que determina que não é permitido aos seus trabalhadores apresentarem-se ou manterem-se ao serviço com uma taxa de álcool no sangue superior a 0,50gr/l, sendo a alcoolemia determinada mediante o teste de álcool no sangue através do ar expirado, a efectuar pela utilização do alcoolímetro modelo " Alcotest 7410".
- Como " auxiliar de armazém" cabia ao autor efectuar cargas, descargas e arrumação de mercadorias, assim como movimentar viaturas da ré dentro das suas instalações, o que exige sobriedade, de forma a que não sejam postas em causa a segurança e a integridade das pessoas que ali trabalham e dos equipamentos e mercadorias nela envolvidos.
- No dia 26/04/07, pelas 17.26 horas, quando se encontrava ao serviço, o autor foi sujeito a um teste de alcoolemia efectuado por um enfermeiro da ré, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,83 gr/I.
- À data da realização do supra referido teste de alcoolemia o autor já tinha registo anterior de uma taxa de álcool no sangue de 1,07 gr/I, que lhe fora detectada em 27/02/2006, quando se encontrava ao serviço da ré, facto por via do qual lhe foi instaurado um processo disciplinar, na sequência do qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de 5 dias de suspensão, bem como outro registo anterior de uma taxa de álcool no sangue de 1,08 gr/l, que lhe fora detectada em 07/06/2006, quando se encontrava ao serviço da ré, facto por via do qual lhe foi instaurado outro processo disciplinar, na sequência do qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de 10 dias de suspensão, com perda de retribuição e antiguidade
Assim, no caso, o autor ao ingerir bebidas alcoólicas e apresentar uma taxa de alcoolemia de 0,83 gr/l, ao serviço da ré, desrespeitou as ordens e instruções do seu empregador que considera que, sob a influência do álcool, os trabalhadores com taxas de alcoolemia superior a 0,50gr/I no sangue, podem colocar em perigo a segurança no trabalho ou a criação de risco de produção de danos nos equipamentos ou mercadorias, atento aos efeitos que a embriaguez provoca na atenção e nos reflexos.
O autor além de conhecer perfeitamente as instruções decorrentes da referida ordem de serviço, já havia sido punido, por duas vezes, pela prática de infracção idêntica, com grau de álcool elevado (1,07g/I e 1,08g11). O que é demonstrativo que a aplicação daquelas sanções ao autor não teve qualquer efeito preventivo ou dissuasor, nem serviu de suficiente advertência contra a prática de idênticos comportamentos, revelando aquele desinteresse repetido pelo cumprimento das obrigações das instruções ou regras de execução do trabalho, que corresponde à quebra do dever de zelo e diligência e obediência.
Todavia, o recorrente veio, em sede de recurso, reforçar a argumentação sobre a ilegitimidade da ordem em causa, por considerar que a mesma ao limitar os seus trabalhadores apresentarem-se ou manterem-se ao serviço com uma taxa de álcool no sangue superior a 0,50gr/l. invade, inadmissivelmente, a esfera da vida privada daqueles, violando o disposto no art.°16 do Código do Trabalho.
A ordem de serviço é um acto unilateral da empresa empregadora, legitimado no seu poder de direcção e organização que lhe é reconhecido enquanto empregador no âmbito de uma relação de subordinação jurídica, tornando-se eficaz logo que os seus destinatários, os trabalhadores, dela tenham conhecimento, o que normalmente sucede através da publicitação que dela é feita no seio da empresa.
No caso em apreço, está em causa a legalidade do seu conteúdo, que o recorrente entende violar a esfera da vida privada do trabalhador, protegida no art.º16 do CT.
O referido normativo, sob a epigrafe Reserva da intimidade da vida privada”, estabelece no seu n.º1 que: “ o empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada”.
O n.º2 concretiza o âmbito desse direito ao consignar que o direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima pessoal das partes, nomeadamente relacionadas com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.
O Código de Trabalho de 2003 inclui, pela primeira vez na lei laboral, alguns preceitos que respeitam aos direitos de personalidade, tanto do empregador, como do trabalhador (art.ºs15 a 21), reforçando a noção de que a pessoa é simultaneamente cidadão e trabalhador subordinado ou empregador. Com efeito, o trabalhador mantém intactos os seus direitos como cidadão a que não renuncia pelo contrato de trabalho, ou seja, “a cidadania não fica à porta da empresa” nas expressivas palavra de Juan Escribano Gutierrez, citado pelo Professor Júlio Gomes, no seu “Manuel de Direito do Trabalho” Vol. I, no capítulo sobre os direitos de personalidade, págs. 265 a 384, páginas que, concentrando inúmeras referências ao direito comparado, nos serviram de reflexão, ver ainda, de Guilherme Machado Dray, “Direitos de Personalidade”, com especial relevo na parte relativa ao Código do Trabalho, Almedina 2006, pág. 61 e sgts.
Por outro lado, o desenvolvimento da informática, a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, o incremento da utilização de técnicas de captação de imagens, armazenamento de imagens e de dados pessoais, bem como a utilização da ciência médica para efeitos de realização de testes ou exames destinados a despistar doenças infecto-contagiosas ou o consumo drogas e de álcool por parte do trabalhador, tornaram-se no mundo laboral uma constante, justificando igualmente a inserção dos direitos de personalidade na legislação laboral. E embora compreenda um regime especial, na medida em que procura adaptar-se às especificidades próprias do direito do trabalho, não pode ser visto como um regime autónomo ou independente da tutela constitucional ou civil dos direitos de personalidade, face à harmonia e unidade de todo o sistema jurídico.
Mas esta inserção configura ainda uma visão mais actual porque mais integradora, em que os direitos de personalidade, designadamente, do trabalhador, não constituem limites aos poderes do empregador mas resultam de uma correcta compreensão da execução do contrato de trabalho de acordo com a boa-fé dos contraentes, o que implica o respeito pela personalidade e pela individualidade da contraparte, com a sua vida privada e pessoal, a sua liberdade de expressão, a sua integridade física e moral.
Importa, contudo, realçar que os direitos fundamentais do trabalhador encontrarão naturais limitações decorrentes dos interesses da empresa e da coexistência e eventual confronto com os direitos fundamentais dos colegas e do próprio empregador, devendo as restrições a levar acabo nesse confronto serem adequadas, proporcionais e fundamentadas. Nessas circunstâncias importa ponderar os direitos fundamentais, tanto os direitos individuais do trabalhador, como os bens patrimoniais do empregador, como o bem comum no sentido da protecção da saúde e da segurança de terceiros; sendo que em matéria de direito de personalidade, somente, os direitos à integridade moral e física das pessoas são direitos absolutos – art.º25 da Constituição.
Assim sendo, o art.º16 do CT deve ser interpretado como uma norma condicionada aos demais direitos fundamentais em função das circunstâncias do caso concreto. Sobre as limitações ao direito à reserva da intimidade da vida privada, ainda que sobre o direito à não intromissão no sigilo bancário, ver acórdão do STJ de 17.12.2009 (relator Conselheiro Hélder Roque), no site da dgsi, onde expressamente se consigna que: “O direito à protecção da vida privada está inserido no âmbito da tutela dos direitos de personalidade e, por isso, no confronto de outros direitos fundamentais igualmente tutelados…trata-se de direitos condicionais em que não existe uma proibição absoluta…”. Há pois que fazer a ponderação dos direitos em confronto na situação em causa.
Como se referiu, a reserva da intimidade da vida privada, que é o direito em causa nos autos, não é uniforme nem absoluta e, tal como decorre do n.º2 do art.º80 do CCivil, a sua extensão deve ser definida consoante a natureza do caso e as condições das pessoas, sendo pois legitima a adopção de diferentes concretizações em função, nomeadamente, da actividade laboral e do grau de subordinação do trabalhador; por exemplo, no regime do contrato de praticante desportivo, resulta expressa a obrigatoriedade de o trabalhador fora e dentro do local de trabalho pautar a vida privada de forma a preservar a sua condição física, obrigando-o ainda submeter-se aos exames e tratamentos clínicos necessários à prática desportiva (art.º13 da Lei n.º28/98 de 26.06), trata-se assim de uma limitação ao direito de reserva da intimidade da vida privada do trabalhador, face à natureza da relação laboral.
Na verdade, o consumo de álcool insere-se no domínio da esfera privada de cada indivíduo, todavia, quando esse consumo possa representar uma fonte potencial de perigo para o próprio trabalhador, seus colegas e terceiros, podendo perturbar a execução do contrato de trabalho, ele deverá ser limitado em nome da defesa dos direitos fundamentais destes últimos; exemplo paradigmático das restrições ao consumo de álcool, por razões de segurança, é o das limitações legais impostas na condução rodoviária.
É sabido que o consumo de álcool pode levar à perturbação das capacidades de coordenação dos movimentos, de reacção e concentração, o que poderá ser muito grave quando, por exemplo, se trabalhe em ou com máquinas. Nesse sentido, os próprios art.ºs18 e 19 do CT, que tutelam o direito à integridade física e moral do trabalhador e empregador, consignam limitações aos seus direitos individuais, quando se pretenda a protecção e segurança dos mesmos ou de terceiros.
Ora, no caso, as imposições aos limites de alcoolemia resultam, por um lado, da circunstância de se tratar de uma empresa de cervejas, o que implica, desde logo, uma proximidade muito grande com bebidas alcoólicas, propiciando o seu consumo e, por outro, do posto de trabalho do recorrente que, como auxiliar de armazém, tem de efectuar cargas, descargas e arrumação de mercadorias, assim como movimentar viaturas da ré dentro das suas instalações, o que exige sobriedade de forma a que não sejam postas em causa a segurança e a integridade das pessoas que ali trabalham e dos equipamentos e mercadorias nela envolvidos.
Assim, atendendo ao circunstancialismo descrito, afigura-se-nos devidamente justificada a determinação constante da ordem de serviço da ré em limitar alcoolemia do recorrente, sem que tenha havido qualquer violação ao disposto no art.º16 do CT.
Face ao exposto, o autor, ao desrespeitar de forma grave e reiterada os limites de alcoolemia impostos pela recorrida, violou os deveres a que aludem as alíneas a), d) e h) do art.º12 do C.T., quebrando de forma definitiva a relação de confiança subjacente à manutenção do contrato de trabalho, cuja continuidade representaria uma inexigível e injusta imposição à ré, tal como foi decidido na sentença recorrida.
IV. Decisão Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo recorrente.