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RESPONSABILIDADE CIVIL
CITAÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CRIME
Sumário
I. Tendo a R. mudado de sede e não tendo o A. diligenciado pela citação na nova morada à qual poderia ter acedido quer através do registo comercial quer através da informação lançada no próprio teor da certidão negativa, não pode aceitar-se que a não consumação da notificação tem impacto interruptivo sobre o prazo prescricional. II. Estando alegados factos passíveis de integrarem um crime a título de negligência, punido com pena de prisão até 5 anos, importa averiguar se tais factos se têm ou não por provados de modo a determinar se o prazo prescricional é de 3 (artº 498/1 C.C.) ou de 10 anos (art.ºs 118.º n.º 1 al. b) CPenal). (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam na Relação de Lisboa
Recorrente/A.: L
Recorridos/RR.: "Companhia de Seguros SA” e " G, SA"
Pedido: condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia global de € 55.230,96, correspondente à indemnização por prejuízos que teve na sequência de um incêndio ocorrido num imóvel.
Alegou, em síntese, que no dia 28 de Janeiro de 2005 ocorreu um incêndio na cozinha de um imóvel de sua propriedade, por ruptura da canalização de gás natural; tal incêndio gerou para si diversos prejuízos; a culpa da ruptura é imputável à “G” que não adoptou as medidas necessárias de forma a evitar o sinistro, com prevenção e segurança de forma a detectar o deficiente estado da tubagem de entrada.
As RR. contestaram, tendo a “G” excepcionado a prescrição do direito do A. e sustentando, em suma, que não tem qualquer responsabilidade na produção do incêndio negando que este tivesse tido origem em qualquer fuga de gás; as tubagem do gás são da propriedade do A. e é a este que incumbe a sua boa manutenção, a par de caber ao condomínio a responsabilidade quanto às tubagens de distribuição comum do edifício.
O A. replicou, alegando que a excepção de prescrição invocada deveria ter sido julgada improcedente.
A sentença recorrida julgou improcedente a acção e absolveu as RR. do pedido.
Inconformado com tal decisão, veio o A. interpor este recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que em fase de saneamento julgou que a notificação judicial avulsa efectuada à 2a recorrida não interrompeu a prescrição, bem como, julgou totalmente improcedente a acção interposta pelo apelante, absolvendo as recorridas do pedido formulado nos presentes autos.
B. O ora recorrente não concorda com a douta sentença proferida nomeadamente no que concerne às razões invocadas que serviram de fundamento a essa decisão.
C. Em 23/01/2008, o recorrente através de notificações judiciais avulsas, comunicou às recorridas que iria exercer judicialmente os direitos emergentes do incêndio ocorrido no imóvel de sua propriedade.
D. A 2a recorrida, não foi notificada por ter alterado a sua sede em Novembro de 2007, facto esse que era do desconhecimento do recorrente.
E. Entendeu erradamente o Tribunal a quo que para que exista interrupção da prescrição, nos termos do disposto no art. 323°, nº 2 do Código Civil, é necessário que a mesma se chegue a efectuar.
F. Porquanto, não tendo sido efectuada a notificação judicial da 2ª recorrida por culpa não imputável ao A., a prescrição se tem por interrompida não estabelecendo a lei que seja efectivamente necessário que a mesma venha a ser efectuada.
G. Estabelece o art. 323°, n.º 3 do Código Civil que mesmo que a notificação seja anulada não impede o seu efeito interruptivo.
H. Mais entende o recorrente não lhe ser imputável que a notificação não se tenha efectuado em virtude de não lhe ter sido possível antever que a 2.ª recorrente tivesse alterado a sua sede precisamente cerca de um mês antes de requerida a notificação judicial avulsa.
I. Nestes termos, o Tribunal a quo,ao decidir como decidiu violou o disposto no art. 3230, nº 2 e 3 do Código Civil, devendo a sentença proferida ser alterada julgando-se improcedente a excepção peremptória de prescrição.
J. O recorrente alicerçou o seu pedido no facto de ter existido uma ruptura na canalização de gás natural antes da torneira do contador, ou seja, no tubo de entrada que causou o incêndio no imóvel do recorrente.
K. O Tribunal a quo entendeu não se encontrarem preenchidos os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos, porquanto, a manutenção das canalizações de gás são da responsabilidade do proprietário.
L. Ora, não poderá concordar o recorrente com tal entendimento, porquanto o imóvel de sua propriedade não se enquadra nos edifícios descritos no art.10.º do DL 521/99 de 10/12. M. Foi efectuada no imóvel em 05/12/2000, pela 2ª recorrida, a conversão de gás de cidade para gás natural, tendo sido mantidas as instalações em chumbo já existentes, as quais foram aprovadas pela 2ª recorrida para o fornecimento de gás.
N. O imóvel propriedade do recorrente e as restantes fracções do prédio, não cumpriam os requisitos estabelecidos no mencionado diploma legal, nomeadamente, o facto de o contador não ficar situado no exterior do local de consumo e a inexistência de torneira de corte de abastecimento em todos os fogos.
O. A 2ª recorrida só poderia ter procedido à ligação e abastecimento de gás natural após a confirmação pela mesma da adequação da respectiva instalação, sendo do seu conhecimento que não era permitido para abastecimento de gás natural a instalação de canalizações em chumbo, devido ao perigo de fuga.
P. Aquando da conversão de gás de cidade para gás natural a 2ª recorrida deveria ter alertado para a necessidade de substituição e adequação da canalização, sob pena de ser negado o respectivo abastecimento.
Q. A origem do incêndio esteve na ruptura da canalização de gás, designadamente no tubo de entrada existente antes da torneira do contador, o qual é propriedade da 2a recorrida, é também da responsabilidade da mesma a manutenção da canalização existente até esse mesmo contador.
R. Pelo que, competia à 2ª recorrida a verificação da conformidade da canalização de gás e a respectiva manutenção para que pudesse ser efectuado o abastecimento, sendo-lhe imputável a responsabilidade pelos danos provocados no imóvel do recorrente.
S. Sendo a 2ª recorrida a empresa distribuidora de gás natural no imóvel do recorrente era a mesma quem detinha a direcção efectiva da instalação destinada à condução de gás, na medida em que utilizava essa instalação no seu interesse, que é precisamente a comercialização de gás natural, respondendo nestes termos pelos prejuízos decorrentes da entrega do gás.
T. Tendo a 2ª recorrida transferido a responsabilidade civil perante terceiro para a 1ª recorrida, é a mesma responsável pelos danos ocorridos no imóvel do recorrente nos termos estabelecidos no contrato de seguro.
U. Atenta a matéria de facto alegada pelo recorrente e recorridas, o Tribunal a quo não possuía elementos suficiente para conhecer do mérito da causa, atenta a inaplicabilidade de legislação invocada, pelo que, ao decidir como decidiu violou o disposto nos art. 483° e ss, 509º, nº 1 do Código Civil e 510º e 511º do Código de Processo Civil.
V. Deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser anulada e substituída por outra que julgue improcedente a excepção peremptória de prescrição invocada pela 2ª recorrida bem como ordene a elaboração pelo Tribunal a quo de despacho saneador com a selecção da matéria de facto assente e da base instrutória.
Foram apresentadas contra-alegações, tendo a G concluído assim:
1. Nos presentes autos é peticionado contra a R., ora recorrida, o pagamento de indemnização por danos ocorridos em razão de incêndio alegadamente causado por uma instalação defeituosa de gás, o que carece totalmente de justificação legal.
2. O Tribunal a quo julgou totalmente improcedente o pedido do autor, ora recorrente, em razão (i) da prescrição do seu eventual direito ao ressarcimento por danos e (ii) pela ausência dos pressupostos tendentes à condenação da recorrida por responsabilidade civil.
3. Alegou o recorrente que o prazo prescricional consagrado pelo n.o1 do art. 4830 do cc não teria decorrido em virtude de notificação judicial avulsa da recorrida tendente à sua interrupção, a qual foi requerida pelo recorrente e cuja não efectuação não lhe é imputável, pelo que o seu efeito interruptivo se deverá ter por obtido.
4. Mais, que estariam presentes os requisitos da responsabilidade civil aquiliana, pois as condições das tubagens de gás não cumpriam os parâmetros legais e que obviar a semelhante situação seria responsabilidade da recorrida, por ser esta quem deteria a direcção efectiva da instalação de gás e por não ser aplicável o disposto no DL 521/99.
5. Os factos a que se reportam os presentes autos ocorreram, como refere e bem a douta sentença recorrida, em 28.01.2005, sendo que a presente acção apenas foi apresentada em 22.12.2008. 6. Assim o direito de que o recorrente se pretende arrogar pela presente acção já prescreveu, uma vez que entre a ocorrência do facto danoso que a fundamenta e a apresentação da presente acção decorreram mais de três anos, nos termos do art. 498°, n.º 1 CC.
7. Ao exposto não obsta a notificação judicial avulsa a que o recorrente tentou proceder que não pode produzir os efeitos previstos no artigo 323°, n.º 2 do CC, conforme os pontos seguintes.
8. A recorrida alterou, em 28.11.2007, a morada da sua sede para a rua…..
9. A recorrida procedeu ao respectivo registo na conservatória do registo comercial na mesma data mediante a Ap. …., conforme se pode verificar pela análise da certidão comercial permanente da recorrida disponível no sítio da internet www.portaldaempresrecorrente.pt, mediante a inserção do código de acesso ….
10. Conforme se pode verificar, a alteração da morada da sede da recorrida ocorreu em data anterior à tentativa, por parte do recorrente, de proceder à sua notificação judicial avulsa.
11. E a recorrida diligenciou no sentido de tal alteração ser conhecida por terceiros mediante o registo na conservatória do registo comercial competente e subsequente publicação obrigatória, efectuada em 05.12.2007 em http://www.mj.gov.pt/publicacoes.
12. Nos termos do disposto no artigo 14° do Código do Registo Comercial, os factos relativos a sociedades anónimas, como é o caso da recorrida, sujeitos a registo e publicação obrigatórias, como sucede com a alteração da sede, nos termos do disposto nos artigos 3°, n.º 1, alínea o) e 70°, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do código do registo comercial, produzem efeitos perante terceiros após a respectiva publicação.
13. Pelo exposto, desde 05.12.2007 que a alteração de sede da recorrida é um facto oponível ao recorrente, pelo que o mesmo tinha obrigação de o conhecer, não tendo actuado com a diligência necessária aquando da notificação judicial avulsa que, na sua opinião, teria como efeito a interrupção do prazo de prescrição do direito de que se arroga.
14. Mais, o recorrente foi notificado de certidão negativa da notificação (cfr. doc. 14 junto pelo recorrente na sua petição inicial), a qual indicava a nova morada da recorrida, pelo que o recorrente poderia ter facilmente requerido a repetição da diligência nessa nova morada.
15. Assim se conclui que só por culpa do recorrente não teve a recorrida conhecimento da notificação judicial avulsa em causa, não podendo assim operar o disposto no artigo 323°, n.º 2 do CC.
16. Ainda que assim se não entenda, o que, mais uma vez, não se concede e apenas se considera por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que ainda que se considerasse que o recorrente actuou com a diligência necessária, também não se poderia aplicar ao caso concreto a cominação prevista no artigo 323°, n.º 2 do CC uma vez que este normativo aplica-se aos casos em que a notificação, pese embora tardiamente, ou seja decorridos mais de cinco dias após ter sido requerida, é efectivamente efectuada. 17. In casu, a notificação judicial avulsa da recorrida nunca chegou a ser efectuada, pelo que nunca poderá ser aplicada a cominação prevista no artigo 323°, n.º 2 do CC.
18. É este também o entendimento jurisprudencial prevalecente como decorre do Acórdão do STJ de 03.03.2004, disponível in AD, 517.°-146:
"( ... ) II - a interrupção da prescrição nos termos do artigo 323°, n.º 1 do CC, supõe que, embora mais tarde, a citação ou notificação veio a ter efectivamente lugar, pois de contrário o processo passa à margem do réu”
19. Uma vez que no caso dos presentes autos a notificação judicial avulsa da recorrida tendente à interrupção da prescrição do direito de que o recorrente se arroga nunca veio a ter efectivamente lugar, conclui-se que a mesma não produziu quaisquer efeitos, pelo que o direito do recorrente prescreveu.
20. Mais, ainda que se verificasse que o incêndio em causa nos autos teve a sua origem numa fuga de gás, o que não se concede e apenas se considera por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a instalação de gás quer do edifício, quer da fracção em causa não são nem propriedade nem responsabilidade da recorrida.
21. Com efeito, a instalação de gás no interior da fracção em causa é propriedade do recorrente, e a instalação comum do edifício constitui um bem comum dos condóminos do mesmo, atendendo a que o prédio em causa se encontra constituído em propriedade horizontal.
22. O mesmo decorre inequivocamente do exposto na legislação aplicável, em especial o DL 521/99e a Portaria 362/2000de 20 de Junho.
23. Nos termos do disposto no artigo 13°, n.os 1 e 2 do DL 521/99a manutenção das instalações de gás dos edifícios cabe aos respectivos utentes, cabendo a promoção das inspecções periódicas obrigatórias aos proprietários ou senhorios das fracções onde se encontre a instalação.
24. O mesmo dispõe a Portaria n.º 362/2000 quando no n.º 3 do seu art. 8° consigna “a promoção da inspecção e reparação de defeitos, dentro dos prazos estabelecidos, são da responsabilidade do proprietário, do condomínio ou utente (...)".
25. O único elemento propriedade da recorrida é o contador, conforme n.º 3 do art. 9° do DL 521/99.
26. Pelo que, se a restante instalação não se encontrava em condições, tal facto é da exclusiva responsabilidade do recorrente enquanto proprietário da fracção, da sua inquilina como utente, ou caso se viesse a comprovar alguma anomalia em parte comum do imóvel, do próprio condomínio, mas nunca da recorrida, à qual não podem ser imputadas quaisquer falhas na instalação de gás do edifício e/ou da fracção, e que carece assim de legitimidade passiva nos presentes autos.
27. Para além do que, aquando da conversão da instalação em causa para gás natural, realizada no decurso do ano de 2001, a instalação em causa se encontrava em perfeitas condições, o que justificou a respectiva aprovação, não constituindo a tubagem em chumbo qualquer óbice ao fornecimento de gás natural.
28. Mais, no decurso do ano de 2001 foi efectuada, a pedido da utente, arrendatária do recorrente uma reparação na instalação, tendo a mesma, após tal reparação, sido aprovada por entidade credenciada, facto do conhecimento do recorrente.
29. Pelo exposto, verifica-se que inexiste qualquer facto ilícito praticado pela recorrida que justifique que lhe seja imputada qualquer responsabilidade pelo sinistro ocorrido.
30. Inexistindo facto ilícito, cai pela base qualquer possibilidade de aplicar ao caso concreto o disposto no artigo 4830 do CC, não lhe podendo ser assacadas quaisquer responsabilidades pelos danos sofridos na fracção em causa.
31. Concluindo-se que o presente recurso deverá ser indeferido mantendo-se a douta decisão do Tribunal a quo.
II.1. O thema decidendum centra-se em torno da questão de saber se prescreveu o direito que o A. reclama e se, perante a legislação aplicável, é ou não de elaborar despacho saneador para dilucidação dos pressupostos da responsabilidade civil das RR..
Com interesse para a decisão da causa, estão assentes os seguintes factos:
1. No dia 28 de Janeiro de 2005, pelas 19h59, no 1º andar, fracção C, do prédio sito na….., propriedade do A. ocorreu um incêndio.
2. Este incêndio deflagrou na cozinha desta fracção.
3. Na data referida em 1., e no local mencionado em 2., ocorreu uma ruptura na tubagem visível de condução de gás, ruptura essa ocorrida antes da torneira do respectivo contador.
4. A R. "G" é a fornecedora do gás natural a todo o edifício onde se situa a fracção identificada em 1.
5. Por contrato de seguro titulado pela apólice ….., esta R. transferiu para a R. Seguradora, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes do fornecimento de gás natural.
Este tribunal considera ainda provados os seguintes factos:
1. A presente acção deu entrada em juízo em 23.12.2008.
2. A citação foi efectuada em 16.01.2009 (fls. 94).
3. O A. requereu a notificação judicial avulsa da R. "G" em 23.01.2008 (fls. 86).
4. Foi emitida uma certidão negativa com data de 25.01.2008, com fundamento em que a R. havia mudado a sua sede para as ….. (fls. 90).
II.2 Apreciando:
II.2.1 Quanto à questão da prescrição
A R. G na contestação excepcionou a prescrição sustentando basicamente que os factos a que se reportam os presentes autos, ocorreram em 28.01.2005, sendo certo que a presente acção deu entrada apenas em 22.11.2008. Conclui, por essa razão, que deve ser absolvida do pedido.
O A., na réplica, opõe-se à procedência desta excepção, com fundamento em que em 23.01.2008 requereu a notificação judicial avulsa da R., comunicando-lhe que iria exercer judicialmente os direitos emergentes do incêndio ocorrido na sua habitação; tal notificação foi requerida para a morada constante da correspondência trocada entre as partes desde a ocorrência do incêndio, a qual era coincidente com diversos portais públicos de pesquisa de informação. Conclui, assim, que a não notificação judicial da R. não lhe é imputável, pelo que, nos termos do art.º 323.º/2 CC, o prazo prescricional deve ter-se por interrompido em 28.01.2008 e que além disso, ainda que a notificação venha a ser anulada, não impede o efeito interruptivo, por força do n.º 3 do citado preceito.
Mas, mesmo que assim se não entenda, segundo defende, deverá ser tido em conta que o facto ilícito invocado pelo A. nos presentes autos constitui crime (previsto e punido pelo art.º 272.º/1 e 3, do CP) para o qual a lei prescreve um prazo de prescrição mais longo do que o previsto no art.º 498.º/3, sendo esse o prazo aplicável. Uma vez que a R. foi citada em 16.01.2009, não havia decorrido ainda o mesmo prazo prescricional.
A resolução da questão envolve, pois, a apreciação de duas sub-questões: a primeira respeita à questão de saber se a notificação judicial efectuada pela R. tem ou não a virtualidade de interromper o prazo prescricional e a segunda consiste em saber se o prazo aplicável é de 3 ou de 5 anos.
Quanto à questão da interrupção do prazo prescricional.
Afigura-se-nos que, neste âmbito, não assiste razão ao recorrente, por ser inconsistente o argumento de que a localização da sede da segunda R. continuava em portais públicos como sendo aquela para a qual foi requerida a expedição da notificação judicial avulsa. Na verdade, para consumar a notificação da R., bastar-lhe-ia ter levado em consideração o teor da certidão negativa - cujo fundamento indica expressamente o local aproximado da nova sede da segunda R.. Além disso, como é sabido, nos termos do art.º 14.º do CRegCom, os factos sujeitos a registo, atinentes a sociedades anónimas - aí se incluindo a alteração da sede [art.º 3.º/1 al. o) e 70.º/1 al. a) e n.º 2] - produzem efeitos perante terceiros após a publicação. Por isso, mesmo que fosse necessário, o A. poderia ter consultado os registos.
Ora, sucede que nada disto resulta dos autos, bem pelo contrário, não podendo, por isso o A. valer-se, com razão, do argumento da interrupção do prazo. Ao contrário do que sustenta, é-lhe, pois, imputável a não insistência na notificação da R. na nova sede.
Por conseguinte, não poderá ter-se o prazo por interrompido, caso venha a ser entendido que é este o prazo aplicável.
Quanto à questão de saber se o prazo aplicável é de 3 ou de 5 anos.
Se o prazo prescricional de 3 anos, com referência à data da P.I. estava já esgotado, já outrotanto não acontece com o prazo de 5 anos.
Ora recorrente discorda do veredicto do tribunal também na parte em que julgou inexistirem os fundamentos de responsabilidade civil extracontratual, por não se verificar facto ilícito da parte da segunda R. (e por ter considerado que não foi alegado, de resto, qualquer dos factos que permitiriam essa imputação a uma terceira pessoa), tendo concluído pela "falta [...de] um dos requisitos para que pudesse existir a prática de um crime" - o que amplia, como se vará, o prazo de prescrição do direito de que o A. se arroga.
Desde logo, sustenta o recorrente não ser aplicável a legislação em que o Mmo. juiz a quo estriba a decisão recorrida, particularmente no segmento alusivo à afirmada responsabilidade do proprietário na manutenção das canalizações de gás (art.º 13.º do DL n.º 521/1999, de 10.12, e Portaria n.º 362/2000, de 20.06), com fundamento em que o imóvel em causa, sendo anterior a 1951, não se enquadra nos edifícios descritos no art.º 1.º do DL n.º 521/1999, de 10.12. Refere ainda que todas as fracções do mesmo imóvel "não cumpriam os requisitos estabelecidos no mencionado diploma legal", em virtude de "o contador não ficar situado no exterior do local de consumo, encontrando-se no interior da cozinha [...] e a inexistência de torneira de corte de abastecimento em todos os fogos". Salienta que "sendo da responsabilidade da segunda requerida o abastecimento de gás, o mesmo só pode ser ligado após a confirmação pela mesma da adequação da respectiva instalação, sendo do seu conhecimento que não era permitido para abastecimento de gás natural a instalação de canalizações em chumbo, devido ao perigo de fuga". Nesta sequência, acrescenta que "aquando da conversão de gás de cidade para gás natural a segunda recorrida deveria ter alertado para a a necessidade de substituição e adequação da canalização, sob pena de ser negado o respectivo abastecimento, o que eefectivamente não sucedeu". Por fim, destaca que "a origem do incêndio no [...] imóvel [do recorrente] esteve na ruptura da canalização da gás, designadamente no tubo de entrada existente antes da torneira do contador, o qual é propriedade da segunda recorrida [...sendo] também da responsabilidade da mesma a manutenção da canalização existente até esse mesmo contador".
Por seu turno, a segunda R. impugna que o incêndio tenha tido origem numa fuga de gás, enjeitando qualquer responsabilidade por entender que nem a fracção nem o edifício são da sua propriedade. Sustenta que a legislação aplicável não exclui os prédios anteriores a 1951, apenas não abrangendo, em determinadas situações, os edifícios unifamiliares e as edificações destinadas à actividade industrial. Refere que a responsabilidade da manutenção das instalações de gás incumbe aos respectivos utentes, competindo aos proprietários a promoção das inspecções periódicas obrigatórias (Portaria n.º 362/2000, de 20.06). Destaca que o único elemento propriedade da recorrida é o contador (art.º 9.º n.º 3 do DL n.º 521/1999). Em 2001, aquando da conversão para gás natural, segundo sustenta, a instalação em causa encontrava-se em perfeitas condições, razão por que foi aprovada, não constituindo a tubagem em chumbo qualquer óbice ao fornecimento de gás natural.
Os termos do conflito, tal como emergem da breve síntese que se deixa exposta, levam-nos a crer ter sido prematura a decisão tomada pelo tribunal de primeira instância ao julgar improcedente a acção e ao ter, em consequência, absolvido as RR. do pedido.
Com efeito, está em causa, neste momento, a determinação do prazo prescricional: se o prazo de 3 anos estabelecido pelo art.º 489.º n.º 1 CC, se o fixado pelo n.º 3 do mesmo preceito: "se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável".
O A. sustentou na réplica que o ilícito imputado às RR. integra a previsão do crime de incêndio, explosão e outras condutas especialmente perigosas p. e p. pelo art.º 272.º, crime este imputável a título de negligência. Por conseguinte, trata-se de um crime punido com pena de prisão até 5 anos, ao qual corresponde um prazo de prescrição que, diferentemente do que o A. certamente por lapso alega, é de 10 anos (art.º 118.º n.º 1 al. b) CP).
Ora, o A. argumenta no n.º 3 da petição inicial que a origem do incêndio esteve na "ruptura da canalização de gás natural [...] antes da torneira do contador", e que "a ruptura terá resultado da fissuração pré-existente, tendo o calor produzido pela queima do gás libertado, promovido a fusão localizada no tubo, e a fusão do material fundido da soldadura entre troços do tubo de saída, assim como a fusão parcial do material fundido da ligação do tubo de entrada à valvula".
Ora, o A. apresentou um documento designado por "relatório técnico" elaborado pela "…." no qual se refere que: "a fonte de calor que causou a ignescência da matéria combustível existente na zona de fonte do fogo não foi uma fonte de origem eléctrica [...antes] se ficou a dever a «problema» relacionado com a instalação de gás [...]. Podemos afirmar peremptoriamente que o sinistro se deveu a fuga de gás e que essa fuga se verifica antes da área pertencente em responsabilidade ao proprietário do bem imóvel" (fls. 70 e segs, maxime fls. 73).
Acresce que nos termos do art.º 9.º n.º 7 do DL n.º 521/1999, o contador do gás, "deve ser instalado em caixa fechada de dimensões normalizadas, situada no exterior do local de consumo e com grau de acessibilidade 1, de acordo com o regulamento em vigor sobre a matéria, excepto nos casos de conversão e de reconversão em que tal seja claramente inviável".
Ora, no caso dos autos, há um desvio da localização comum do contador de gás, por ser no exterior do local do consumo. Além disso, aquando da conversão, as características do novo tipo de gás passaram a ser diferentes das do anterior, tanto mais que exigiram tubagens de qualidade também diferente, adequadas a evitar o perigo de fugas e outros problemas. Por isso mesmo, perante o desconhecimento técnico do utente médio, impendia sobre a empresa a obrigação de prestar os esclarecimentos adequados aos utentes. No caso dos autos, esta questão também não está devidamente elucidada, apesar de ter sido questionada pelo A..
Vemos, assim, que estes dados não permitem, ao contrário do decidido pelo Mmo. juiz a quo, uma conclusão clara sobre se será ou não equacionável a responsabilidade criminal da segunda R., antes obrigando a uma investigação que permita, de facto, esclarecer o assunto de forma convincente, mormente no que tange à matéria dos arts.º 2.º e 3.º da p.i..
Consequentemente, afigurando-se prematura a decisão, impõe-se, antes, a instrução de processo para averiguação da matéria de facto acima indicada, sem prejuízo de qualquer outra que, dentro da legislação aplicável se considere pertinente para a boa decisão da causa.
O conhecimento da questão dos pressuspostos da responsabildiade civil depende do apuramento fáctico que tiver lugar, pelo que se relega para momento posterior.
III. Decisão
Assim, e de harmonia com as disposições legais citadas, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, alterando a decisão recorrida, determina-se o prosseguimento dos autos para, após elaboração de base instrutória, se avançar com a instrução e o julgamento da causa, para apuramento da matéria assinalada atinente ao prazo prescricional e aos pressupostos da responsabilidade civil das RR.. Mantem-se a decisão em tudo o mais.
Custas pelo vencido a final.