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CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
HABILITAÇÕES LITERÁRIAS
Sumário
I - Tem de considerar-se que o contrato de trabalho de nadador-salvador caducou, nos termos do art.º 113.º n.º 2 se, posteriormente à celebração do contrato, a carteira profissional do trabalhador caducou e o trabalhador, submetido ao necessário exame para revalidação dessa carteira profissional, obteve a classificação de "Inapto" no Curso de Formação de Nadadores Salvadores, por ter sido eliminado na prova de natação. II - Se o trabalhador não se encontra em condições de executar a funções para que foi contratado, o contrato caduca, porquanto não existe normativo legal que imponha, nestes casos, uma modificação objectiva do contrato em função da limitação do trabalhador (sumário elaborado pelo Relator)
Texto Parcial
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
A... intentou em 28.10.2008, a presente acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, contra
"B... ", Instituição de Utilidade Pública,
pedindo que o Tribunal declare a ilicitude do despedimento e que a Ré seja condenada no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e numa indemnização a calcular nos termos do art.º 436.º, n.º1 do Cód. Trabalho, caso não opte pela reintegração e numa indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no montante de € 3 500,00, tudo acrescido de juros desde a citação até efectivo pagamento.
Fundou o seu pedido na seguinte ordem de razões:
- foi admitido ao serviço da Ré em 01.08.01, para desempenhar as funções inerentes à categoria de Chefe de Banheiro, mediante a retribuição mensal de € 740,86;
- em 08.05.08 a Ré comunicou ao Autor a suspensão do contrato invocando a caducidade do cartão de identificação de Nadador Salvador, concedendo-lhe um prazo para obter nova validação do cartão que o habilitasse nas suas funções;
- o autor realizou o curso tendo sido considerado inapto e, por tal facto a Ré, em 15.07.08, comunicou-lhe a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente de prestar o seu trabalho o que, em seu entender, não acontece.
- o Autor sempre poderia ser reclassificado em qualquer outra categoria, até porque, realizava outras funções para além da de nadador salvador e que o comportamento da Ré causou-lhe vários prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.
A Ré veio contestou, alegando, em síntese, a caducidade do respectivo contrato dado que o Autor não revalidou/renovou as suas habilitações para poder exercer as suas funções de Nadador-Salvador, tendo suspendido o contrato de trabalho em Maio de 2008 com vista a que o Autor obtivesse a habilitação legal; a manutenção do contrato seria pactuar com a ilegalidade e sobretudo, com a insegurança dos banhistas; a Ré não tem obrigação de requalificar ou reclassificar o Autor em qualquer outra categoria profissional porque nunca exerceu qualquer outra actividade com carácter habitual por conta da Ré.
Pugna desde modo pela improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos formulados.
Teve lugar a realização da audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal fixado a matéria de facto, a qual não sofreu reclamação.
O autor optou pela indemnização.
Foi proferida sentença que julgou improcedente a acção absolvendo a ré de todos os pedidos.
Inconformado com a sentença, veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(...)
Termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que considere verificada a improcedência da caducidade, e em consequência condene a recorrida no pedido formulado pelo autor.
O Réu contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer nos termos legais.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.
O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Assim, a questão essencial a que cumpre dar resposta no presente recurso consiste em saber se o contrato de trabalho não cessou por caducidade mas por despedimento ilícito.
II - FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos considerados provados são os seguintes:
1. - O Autor é portador de cartão de identificação n9 ... de nadador-salvador, emitido pela Marinha Portuguesa, Instituto de Socorros a Náufragos, em 27 de Março de 1999 e válido até 27 de Março de 2002.
2. - O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 1 de Agosto de 2001 para, sob a sua autoridade e direcção desempenhar as funções de nadador-salvador, mediante a retribuição mensal de € 740,86.
3. - Em 12 de Março de 2008 a Ré notificou o Autor para " no prazo de cinco dias (.) apresentar prova das habilitações necessárias para o exercício das funções para que foi contratado - Nadador-Salvador - e de as mesmas se encontram válidas (.) conforme teor do documento de fls.46, aqui dado por inteiramente reproduzido.
4. - Em 8 de Maio de 2008, foi pela Ré comunicado ao autor, a suspensão do seu contrato de trabalho, com os fundamentos constantes do documento junto aos autos a fls.15, aqui dado por inteiramente reproduzido, tendo requerido que o A., no prazo da suspensão, obtivesse nova validação do cartão.
5. - O Autor, em 5 de Junho de 2008, fez testes de Admissão ao Curso de Formação de Nadadores Salvadores nº ... da responsabilidade do Instituto de Socorros a Náufragos, tendo obtido a classificação de " Inapto".
6. - Em 20 de Junho de 2008, o Autor comunica à Ré que foi considerado "Inapto" manifestando disponibilidade para sofrer uma requalificação profissional.
7. - Em 15 de Julho de 2008, a Ré comunicou ao Autor que para o exercício das funções de nadador-salvador é necessária a frequência de cursos e a revalidação da licença, tendo sido entregue uma declaração emitida pela Capitania do Porto do Funchal na qual atesta que o Autor obteve a classificação de "Inapto".
Mais lhe comunicou que se verificava uma impossibilidade superveniente de prestar o seu trabalho, o contrato de trabalho cessou, por caducidade.
8. - As funções de coordenação, organização e disciplina dos nadadores-salvadores são exercidas pelo Patrão-Mor da Ré
III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A questão que vem suscitada no presente recurso consiste em saber se, tendo a entidade empregadora comunicado ao autor a cessação do contrato de trabalho por caducidade uma vez que foi considerado “Inapto” no Curso de Formação de Nadadores Salvadores da responsabilidade do Instituto de Socorros a Náufragos, tal comunicação deve ser tida como despedimento ilícito.
Ao caso dos autos é aplicável, conforme consta da sentença recorrida, o Código do Trabalho (CT) na redacção original, ou seja, na redacção introduzida pela Lei n.º 99/2003 de 28.07.
Nos termos do art.º 384.º do CT o contrato de trabalho pode cessar por:
a) Caducidade;
b) Revogação;
c) Resolução;
d) Denúncia
E o art.º 387.º do mesmo diploma estabelece que o contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
a) Verificando-se o seu termo;
b) Em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
c) Com a reforma do trabalhador por velhice ou invalidez.
O n.º 1 do art.º 113.º do CT culmina de nulo o contrato de trabalho celebrado para o exercício de actividade que esteja condicionado à posse de carteira profissional ou título com valor legal equivalente, se a parte contratante não possuir esse título profissional.
O n.º 2 do art.º 113.º do C.T estabelece que se posteriormente à celebração do contrato, por decisão que já não admite recurso, a carteira profissional ou título com valor equivalente, vier a ser retirado ao trabalhador, o contrato caduca logo que as partes disso sejam notificadas pela entidade competente.
Este normativo configura uma situação de caducidade do contrato, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do trabalhador. (Vide, Ac. da Relação de Lisboa, de 22.10.08, em www, dgsi.pt)
Conforme resulta do art.º 387.º do CT, e vem descrito na sentença ora em crise, para que se verifique a cessação do contrato dce trabalho por caducidade, é necessário que a impossibilidade seja:
a) - Superveniente, isto é que surja um impedimento à continuação do vínculo laboral, que não exista nem era previsível no momento da celebração do contrato;
b) - Absoluta, no sentido de total, quando o trabalhador ou a entidade empregadora não estejam em condições de, respectivamente, prestar ou prestar sequer parte do trabalho, não bastando, por isso, a simples dificuldade ou onerosidade excessiva para qualquer das partes;
c) - Definitiva, por, face a uma evolução normal e previsível, não ser mais viável a prestação ou o recebimento do trabalho.
Como escreve Abílio Neto, Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 12?-ed, 1992, p.526: " no que toca especificamente ao contrato de trabalho, nem toda e qualquer impossibilidade, seja para o trabalhador prestar o seu trabalho, seja para a entidade empregadora o receber, constitui causa determinante da caducidade: esta só ocorrerá se essa impossibilidade for, simultaneamente, absoluta e definitiva. Será superveniente, quando a causa determinante só se verificar depois da constituição do vínculo laborai, e não quando já existisse à data em que o mesmo se constituiu; será absoluta, quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade patrona/ não estejam em condições de, respectivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho; será definitiva, quando, face a uma evolução normal e previsível, nunca mais seja viável a prestação ou o recebimento
Rodrigues da Silva, in A Aplicação do Direito na Jurisdição do Trabalho, p.169) adverte: "a tendência do contrato de trabalho para a conservação ou perdurabilidade exige do intérprete um redobrado rigor na qualificação da aptidão extintiva do evento que é causa da caducidade".
O Ac. do STJ de 27/10/99 (in www.dgsi.pt) refere que a impossibilidade será absoluta, quando não se trate de uma simples dificuldade ou onerosidade da prestação ou da aceitação desta, mesmo que extraordinária ou excessiva mas quando se verifique que a entidade empregadora está verdadeiramente impedida de receber o trabalhador. E será definitiva quando não for temporária ou transitória, ou seja, como escreveu o Dr. Vaz Serra, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 47, p.19, citando Ennecerus-Lehmann, " não só quando de antemão, se exclui com segurança toda a previsão de que desapareça o obstáculo que se opôs à prestação mas também quando o seu desaparecimento só pode ter lugar em virtude de um facto cuja probabilidade é tão remota que, racionalmente, não é de esperar que se realize. O que equivale a dizer que se considera definitiva a impossibilidade quando possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar"
Para Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, p.792, a impossibilidade é absoluta quando traduza uma efectiva invalidade, à luz de critérios normais de valorização da prestação e é definitiva por oposição a temporária".
Dito isto, vejamos a situação relatada nos autos.
Estamos perante uma declarada caducidade do contrato de trabalho comunicada pela ré ao autor porquanto, tendo sido admitido e desempenhado as funções de nadador-salvador, deixou de ter título válido para exercer essas funções.
Tal como consta da sentença – que, adiantemo-lo desde já, fez criteriosa aplicação da lei e, por isso, aqui se acolhem os seus fundamentos - o art.º 2.º al. f) da Lei 44/04 de 19.08 define nadador-salvador como "a pessoa singular habilitada com curso de nadador salvador, pela Escola de Autoridade Marítima e certificado pelo Instituto de Socorros a Náufragos, com a função de vigilância, socorro, salvamento e assistência aos banhistas"
O DL n.º 118/08, de 10/7 que aprova o regime jurídico da actividade de nadador-salvador e o respectivo Estatuto, do qual faz parte integrante, no seu n.º 3 do art.º 2.º estabelece que: " o acesso ao exercício da actividade de nadador-salvador está condicionado à realização de exame específico a realizar pelo Instituto de Socorros a Náufragos (/SN)" [Cfr. n°s 1 e 2 do mesmo artigo e 3.º al.g)]
E o art.º 11.º do mesmo diploma legal, dispõe nos seus n.ºs 2 e 3 o seguinte:
" 2 - O nadador-salvador em actividade está sujeito a provas de aptidão técnica de três em três anos realizadas pelo ISN de acordo com exame especifico. 3 - A não aprovação no exame a que se refere o número anterior determina a imediata suspensão da actividade de nadador-salvador, e, caso o nadador-salvador não se proponha, a suas expensas, a nova prova de aptidão técnica no prazo de 15 dias, implica a repetição do curso de nadador-salvador':
Perante este quadro normativo, vejamos, agora, os factos assentes.
Ao tempo da celebração do contrato estabelecido entre ambas as partes, isto é, em 1 de Agosto de 2001, o Autor era portador de cartão de identificação n.º... de nadador-salvador, emitido pela Marinha Portuguesa, Instituto de Socorros a Náufragos, em 27 de Março de 1999 e válido até 27 de Março de 2002. (factos sob 1. e 2.)
Em 12 de Março de 2008, a Ré notificou o Autor para, no prazo de cinco dias, fazer prova das habilitações necessárias para o exercício de Nadador-Salvador (facto sob 3) – tal como o exigem o art.º o art.º 2.º al. f) da Lei 44/04 de 19.08 e os art.ºs 2.º n.º 3 e 11.º n.ºs 2 e 3 do DL 118/08.
Na ausência de qualquer resposta por parte o Autor, a Ré em 8 de Maio de 2008 comunicou-lhe a suspensão do contrato de trabalho ao abrigo do disposto no art.º 330º, nº1 do C.T. e concedeu-lhe um prazo de dois meses com vista à frequência de curso e revalidação da licença. (facto sob 4.)
Em 15 de Julho de 2008, a Ré comunicou, por carta, ao Autor que a Capitania do Porto do Funchal, a 19 de Junho de 2008, a tinha informado que o Autor obteve a classificação de "Inapto" no Curso de Formação de Nadadores Salvadores, por ter sido eliminado na prova de natação que decorreu no dia 5 de Junho de 2008.
Mais lhe comunicou que, perante esse circunstancialismo, se verificava uma impossibilidade superveniente de o Autor prestar o seu trabalho o que determinava a caducidade do seu contrato de trabalho (facto sob 7.)
E fê-lo cumprindo o estabelecido no n.º 2 do art.º 113.º do C.T que estabelece que se posteriormente à celebração do contrato, por decisão que já não admite recurso, a carteira profissional ou título com valor equivalente, vier a ser retirado ao trabalhador, o contrato caduca logo que as partes disso sejam notificadas pela entidade competente.
Ora, perante o resultado do exame no Curso de Formação de Nadadores Salvadores, onde foi julgado “Inapto” para o exercício da função por ter sido eliminado na prova de natação, temos forçosamente de concluir pela caducidade do contrato de trabalho não só por não ter título para tal, não podendo exercer a profissão por impossibilidade jurídica, – e daí a aplicação do n.º 2 do art.º 113.º do CT – como porque, do resultado do exame se mostra à evidência que o trabalhador está também impossibilitado materialmente de exercer essa mesma profissão de nadador-salvador tendo em conta que foi eliminado na prova de natação.
Sustenta o Autor que sempre poderia ser reclassificado em qualquer outra categoria profissional existente na empresa da Ré.
Ora, conforme se refere na sentença, “por força do contrato de trabalho que celebraram, as funções que o Autor estava obrigado a prestar àRé eram as de nadador-salvador. (vide, supra, 3.2.) E, se o Autor não se encontra em condições de as executar, o contrato caduca, porquanto não existe normativo legal que imponha, nestes casos, uma modificação objectiva do contrato em função da limitação do trabalhador”.
Improcedem, deste modo, as conclusões de recurso, sendo de manter a sentença recorrida, que fez correcta aplicação do direito aos factos provados, não violando qualquer das normas referidas pela recorrente.
IV - DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se inteiramente a sentença impugnada.
Custas em ambas as instâncias pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário