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EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
TRESPASSE
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Sumário
A excepção de não cumprimento do contrato («exceptio non adimpleti contractus») desenhada no n.º 1 do art. 428.º do Código Civil está umbilicalmente ligada aos contratos de natureza bilateral, ou seja, àqueles em que as prestações ou sinalagmas contratuais são biunívocos ou de sentido cruzado; II. Quando o contrato em apreço não aponte quem deve realizar primeiro a prestação, estamos claramente situados no âmbito de incidência da norma invocada; III. Num tal contexto e desde que as obrigações mantenham entre si uma relação de reciprocidade, cada uma das partes pode exigir a prestação a que tem direito e a outra parte pode opor-lhe uma excepção baseada na injustiça da exigência. (sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
J deduziu oposição à acção executiva para pagamento de quantia certa que contra si foi instaurada por E alegando, para o efeito, que:
Celebrou o contrato de trespasse dado à execução, não tendo pago a última prestação porque a Exequente não cumpriu as suas obrigações contratuais e legais, já que não tinha nem alvará nem licença de utilização do espaço objecto de trespasse; foi pactuado que seria a Exequente a assumir todas as despesas para a concessão do alvará; contactou-a no sentido de solucionar o problema e esta nunca respondeu; em consequência de ter sido compelida pela autoridade administrativa para fazer obras, gastou cerca de 10 000,00 €; para a realização dessas obras, teve de fechar o estabelecimento ao público de Julho a Dezembro de 2003, o que lhe causa 18.000,00 € de prejuízo; não houve um verdadeiro trespasse porque o Executado não podia exercer o ramo de comércio que vinha sendo ilegalmente exercido pela Exequente.
Concluiu dever a oposição ser julgada procedente e «improceder» a execução.
A Exequente contestou, sustentando não ter havido incumprimento da sua parte e impugnando factos alegados. Concluiu dever ser julgada improcedente a oposição e condenado o Oponente como litigante de má fé.
Foi elaborada decisão final na fase de saneamento do processo, que julgou a oposição improcedente e ordenou o prosseguimento da execução.
Foi interposto recurso desta sentença que viria a ser anulada por este Tribunal da Relação, que determinou o que os autos prosseguissem as fases processuais ulteriores com instrução e julgamento.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que manteve o sentido da decisão anterior que havia sido revogada.
O Oponente não se conformou com esta sentença, tendo formulado as seguintes conclusões em sede de recurso:
Celebrou com a Apelada um contrato-promessa de trespasse e posteriormente, a respectiva escritura pública; a cláusula sétima, número dois, constante do contrato-promessa, não é transposta para o contrato definitivo, de forma plena, no que respeita às despesas inerentes com a obtenção da alvará, licenças e autorizações; porém, a verdade é que, na sentença, é reconhecida a obrigação da Apelada de transmitir essa documentação ao Apelante, bem como o facto de que não houve essa transmissão; o Tribunal "a quo" violou, assim, o artigo 428.º, n.º 1, do Código civil, o que se invoca para os devidos efeitos legais, pois este instituto tem plena aplicação no caso "sub júdice", até tendo em conta a fundamentação e a matéria dada como provada.
Peticionou que fosse a sentença alterada no sentido de se julgar procedente a oposição apresentada pelo Recorrente.
A Apelada não respondeu às alegações do Recorrente.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
É a seguinte a questão a avaliar:
· Preenche-se o disposto no n.º 1 do art. 428.º do Código Civil em virtude de a Apelada não ter transmitido ao Apelante a documentação referenciada nas suas alegações?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vêm provados os seguintes factos:
1. A exequente intentou acção executiva contra o oponente, munida do documento de fls. 10 a 13 daqueles autos, intitulado “Trespasse” e datado de 24 de Setembro de 1999, no qual a exequente é identificada como “primeira outorgante” e o executado como “segundo outorgante” e do qual, entre o mais, consta: “(…) a sociedade (…) é legítima proprietária do estabelecimento comercial de restauração designado “S” (…). Que pela presente escritura, em nome da sociedade representada dão de trespasse ao segundo outorgante, a partir desta data, o referido estabelecimento comercial, pelo preço de dezanove milhões noventa e cinco mil duzentos e sessenta e cinco escudos (…), sendo o restante a pagar da forma e prazos seguintes: (…) - Dois milhões seiscentos e noventa e quatro mil cento e dois escudos, em cinco de Julho de 2003; - Que este trespasse abrange a transferência de todas as licenças, alvará e autorizações, instalações, móveis, máquinas e utensílios e demais elementos constitutivos do referido estabelecimento, incluindo o direito ao citado arrendamento (…)”.(documento que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos);
2. O executado não pagou a última prestação, no montante de 13 936,92 €, vencida em 5 de Julho de 2003;
3. A exequente não tinha o alvará e licença de utilização do espaço referido em 1;
4. Para conseguir o alvará o oponente efectuou obras e teve de fechar o estabelecimento entre Julho e Outubro ou Novembro de 2003;
5. À data do acordo referido em 1. as licenças de funcionamento do estabelecimento eram provisórias;
6. Tendo, por isso, a exequente assumido apenas a obrigação de suportar os encargos que adviessem da concessão da licença definitiva, isto é, taxas e emolumentos camarários;
7. A exequente forneceu ao oponente toda a documentação existente relativa ao pedido de alvará e ao licenciamento provisório;
8. Desde Agosto de 1997 que o oponente se encontrava na posse do estabelecimento.
Fundamentação de Direito
A excepção de não cumprimento do contrato «exceptio non adimpleti contractus» desenhada no n.º 1 do art. 428.º do Código Civil está umbilicalmente ligada aos contratos de natureza bilateral, ou seja, àqueles em as prestações ou sinalagmas contratuais são biunívocas ou de sentido cruzado.
É correcta a definição assumida, a este nível, na sentença questionada, sendo também adequada a conclusão pela consideração do pacto dos autos como bilateral. Não se justificam particulares considerações quanto a estes aspectos técnicos, aliás não só não postos em crise como aceites nas alegações de recurso.
Da mesma forma e pelas mesmas razões, seria ocioso e, logo, deslocado abordar, de novo, os contornos do negócio jurídico de trespasse, devidamente enquadrados na sentença e adequadamente considerados como preenchendo-se neste processo.
Aceites estes elementos pressuponentes da análise, admite-se, também, que o contrato em apreço não apontou quem devia realizar primeiro a sua prestação, pelo que estamos claramente situados no contexto de incidência da norma invocada. Nas palavras ajustadas de RODRIGUES BASTOS, Jacinto Fernandes, in «Notas ao Código Civil», volume II, Lisboa, 1988, pág. 217 «não estando determinada a precedência das prestações contratuais, cada uma das partes pode exigir a prestação a que tem direito, mas a outra parte pode opor-lhe uma excepção dilatória, que se baseia na injustiça dessa exigência».
Mais, segundo o mesmo autor, louvando-se em Von Tuhr, «a excepção do contrato incumprido, apesar dos termos gerais em que está formulada, não é aplicável a todas as obrigações derivadas de um contrato bilateral, mas somente às que conservem, entre si, uma relação de reciprocidade». No caso em apreço, é inegável existir tal reciprocidade.
Qual a prestação que alegadamente cabia à Exequente e que, por não ter sido cumprida, determinaria, segundo o Recorrente, a emergência da faculdade de recusar o cumprimento do seu sinalagma?
Tal prestação era, segundo o que consta da alegações, a de transmitir a documentação relativa a licenças, alvarás e autorizações para o Recorrente, sendo ainda da responsabilidade da recorrida o pagamento das despesas inerentes à sua obtenção.
A análise desta alegada omissão deve ser feita face aos factos que, por não terem sido postos em crise, vêm cristalizados da primeira instância.
Ao contrário do invocado, provou-se que a exequente assumiu a obrigação de suportar os encargos que adviessem da concessão da licença definitiva, isto é, taxas e emolumentos camarários e que forneceu ao Oponente toda a documentação existente relativa ao pedido de alvará e ao licenciamento provisório.
Mais, tendo-se patenteado que «desde Agosto de 1997 que o oponente se encontrava na posse do estabelecimento» demonstrou-se também que «o executado não pagou a última prestação, no montante de 13 936,92 €, vencida em 5 de Julho de 2003», i.e., não se consegue estabelecer, sequer, uma relação temporal, e muito menos lógica, face aos factos colhidos, entre a alegada recusa da prestação e o sinalagma que estaria em falta.
Num tal contexto, parece totalmente ajustado ao caso que cumpre ponderar a seguinte afirmação lançada na sentença: «Por outro lado – como elemento auxiliador da interpretação da vontade das partes – resulta também provado que à data do trespasse as licenças de funcionamento do estabelecimento eram provisórias, tendo, por isso, a exequente assumido apenas a obrigação de suportar os encargos que adviessem da concessão da licença definitiva, isto é, taxas e emolumentos camarários, bem como resulta provado que a exequente forneceu ao oponente toda a documentação existente relativa ao pedido de alvará e ao licenciamento provisório, sendo que exequente não tinha o alvará e licença (definitiva) de utilização do espaço. Assim, resulta que a acima referida cláusula foi cumprida pela exequente: transferiu os elementos que tinha, no que respeita à licença e ao alvará» e «(...) da análise do articulado de oposição, não resulta a alegação de um nexo de causalidade entre o alegado incumprimento das obrigações contratuais por parte da exequente e o não pagamento da última prestação do executado».
Perante a apontada rarefacção probatória, é flagrante não assistir razão ao Apelante, no presente recurso.
A sentença recorrida avaliou adequadamente os factos e subsumiu-os convenientemente ao Direito, pelo que merece ser confirmada.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão posta em crise.
Custas pelo Apelante.
Lisboa, 28 de Outubro de 2010
Carlos Manuel Gonçalves de Melo Marinho (Relator)
José Albino Caetano Duarte (1.º Adjunto)
António Pedro Ferreira de Almeida (2.º Adjunto)