COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
PROCESSO DISCIPLINAR
Sumário

- Estamos perante um processo extrajudicial em que a recorrente pretende, através de notificação judicial avulsa, dar conhecimento de certo facto à requerida;
- Não estando em discussão qualquer relação jurídica, não se pode atribuir competência aos tribunais administrativos
(Sumário do Relator)

Texto Integral

A Ordem dos … requereu a notificação judicial avulsa de M do despacho de acusação produzido contra esta sua associada em processo disciplinar contra ela instaurado. Alega ter tentado a notificação na morada conhecida da requerida e esta ter sido devolvida com a indicação de “não reclamado”.
O juiz a quo indeferiu o requerido declarando o tribunal incompetente por se tratar de matéria da competência dos tribunais administrativos. Fundamenta a decisão no facto de a requerente ser uma pessoa colectiva de direito público, com a categoria de Associação Pública, integrada na Administração Autónoma do Estado. O acto requerido consubstancia a manifestação do exercício das suas funções de autoridade. Tudo o que se relacione com poderes sancionatórios sobre os associados de uma qualquer associa­ção pública é substantivamente tema de Direito Administrativo. Acresce que tendo o processo administrativo passado a ser um contencioso de plena jurisdição, nada impede que os tribunais administrativos procedam à notificação judicial avulsa. Desta decisão, vem a presente apelação interposta pela requerente.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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A requerente alega, em resumo:
- A requerente pretendeu notificar o despacho de acusação proferido no processo de inquérito que instaurou à sua associada mas a carta veio devolvida com a indicação “não reclamado”;
- A Direcção Geral de Impostos confirmou a morada da requerida;
- Para salvaguarda do direito de defesa da sua associada, a requerente requereu esta notificação judicial avulsa;
- Em processo semelhante, em que foi declarada a incompetência material dos tribunais comuns, o Tribunal da relação de Lisboa decidiu que “na notificação judicial avulsa não se discute uma relação jurídica administrativa” e que “não é possível afirmar que em causa se acha um litígio nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”;
- A notificação judicial avulsa constitui um acto judicial que não se insere em qualquer processo pendente;
- A competência dos tribunais administrativos supõe que se trate de apreciar a legalidade de actos administrativos, questão que nos presentes autos não se coloca;
- Não está em causa a execução de nenhuma pena ou sanção aplicada pela ora recorrente mas tão só o cumprimento duma diligência formal.
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Concordamos totalmente com as considerações expendidas na decisão sob recurso quanto ao carácter residual da competência dos tribunais comuns e dispensamo-nos de, sobre esta matéria, tecer mais considerações. Também nada temos a opor ao que se refere à natureza da requerente como associação pública que está sujeita ao direito administrativo pelo que, também nesta parte, não teceremos mais comentários.
Passemos, por isso, à questão da competência para este processo. Refira-se, antes de mais, que, por mero lapso, a decisão refere que os tribunais administrativos são competentes por aplicação do disposto no artigo 3º da Lei 15/2002 de 22 de Fevereiro quando certamente que se queria referir o artigo 4º da Lei 13/2002 de 22 de Fevereiro.
A competência dos tribunais administrativos está prevista no já referido artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Quer isto dizer que, para validar a tese defendida na decisão sob recurso, torna-se necessário que a questão a decidir nestes autos se enquadre nalguma das alíneas do referido artigo não bastando afirmar que a requerente é uma associação pública para que os tribunais administrativos sejam com­petentes.
Não estamos perante uma situação de tutela de direitos fundamentais, fiscaliza­ção da legalidade de normas, emanadas de pessoas colectivas de direito público, ou actos materialmente administrativos nem da legalidade de normas ou actos praticados por sujeitos privados no exercício de poderes administrativos. Afastam-se, assim, as alíneas a) a d) do artigo em causa. As alíneas e) e f) não se aplicam porque não está em discussão a validade de actos pré-contratuais de objecto passível de acto administrativo. As alíneas g), h) e i) não se podem aplicar ao caso dos autos porque não estamos perante nenhuma situação de responsabilidade civil extra-contratual. Não se pretende promover a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos nem seta em causa contencioso eleitoral ou a execução de sentenças proferi­das pela jurisdição administrativa e fiscal. Assim, ficam afastadas as alíneas l), m) e n). Resta-nos a alínea j) que não tem aplicação ao caso dos autos porque não está em causa qualquer relação jurídica entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir.
Como se refere no acórdão deste Tribunal da relação citado pela recorrente, não há qualquer conflito de interesses a resolver nem se discute qualquer relação jurídica. Estamos perante um processo extra judicial e a pretensão da recorrente é tão só a de dar conhecimento de certo facto à requerida. Não estando em discussão qualquer relação jurídica, não se pode atribuir competência aos tribunais administrativos.
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Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recor­rida que substituem por outra que reconhece a competência dos tribunais comuns e ordena o prosseguimento dos autos com a realização da requerida notificação.
Sem custas.

Lisboa, 28 de Outubro de 2010

José Albino Caetano Duarte
António Pedro Ferreira de Almeida
Fernando António da Silva Santos