INVENTÁRIO
PARTILHA
RELAÇÃO DE BENS
ERRO MATERIAL
Sumário

1. O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, é rectificável se ostensivo.
2. As declarações prestadas pelo cabeça de casal, bem como a relação de bens pelo mesmo fornecida, enquadram e delimitam o âmbito do inventário.
3. Verificando-se que a relação de bens apresentada se coaduna com as declarações prestadas pelo cabeça de casal e tendo sido afastada a discussão da titularidade dos bens no âmbito da conferência de interessados, não se evidencia a existência de erro material evidente que afecte não só a partilha, mas todos os demais termos do inventário
(sumário da Relatora)

Texto Integral

ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

            I - Relatório

            1. I,  cabeça de casal dos presentes autos de inventário, requeridos por R e J, veio interpor recurso da sentença homologatória da partilha.
2. Nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
· A sentença que foi notificada à Cabeça de casal homologa a partilha constante de fls. 213 e 214, adjudicando a cada interessado o respectivo quinhão.
· A Cabeça de casal, conforme consta dos autos, encontra-se doente, pouco ou nada acompanhando o presente processo, devido ao seu débil estado de saúde.
· Não obstante, ao ver a sentença e depois da mesma lhe ter sido explicada, verificou que o presente processo labora, quase desde o seu início, num erro material, absolutamente fundamental para a boa decisão da causa.
· O mesmo está relacionado com a relação de bens apresentada.
· Nesse documento é apresentado o património do de cujus à data do seu falecimento.
· Mas ao invés de no mesmo já estar excluída a meação atribuída à sua mulher, ora Cabeça de casal,
·  A relação de bens configura a totalidade do património do de cujus à data do seu falecimento.
· Quando, na verdade, apenas deveria incluir o valor correspondente a metade do até agora indicado.
· Tal apenas foi verificado agora pela Cabeça de casal, bastante confusa devido ao seu estado de saúde.
· Tendo sido, por tal facto, apresentado um requerimento ao processo onde se explanavam os factos e se concluía requerendo a reposição da verdade material.
· Designadamente a correcção da relação de bens apresentada.
· Bem como a dos documentos subsequentes quanto ao património a partilhar, designadamente o mapa de partilha homologado.
· Tal não foi entendido pelo Mm. Juiz a quo.
· Aliás, no despacho que dá resposta ao requerimento acima mencionado, datado de 15.01.2010, refere o Mm.Juiz a quo que Esta mesma questão foi levantada na própria conferência de interessados, tendo-se entendido, então, como agora, que os bens a partilhar eram os que constavam das relações de bens e que esses bens pertenciam ao autor da herança.
· Sucede que, nessa altura, por impossibilidade de saúde, a Cabeça de casal não pode estar presente e todas as partes processuais laboraram num erro de facto, conforme agora se comprova.
· A Cabeça de casal e o de cujus eram casados no regime de comunhão de adquiridos.
· Pela aplicação das regras de tal regime de casamento, a Cabeça de casal tem direito à sua meação.
· E por meação entende-se a metade do património do de cujus aquando do seu falecimento.
· Pelo que apenas poderia ser partilhado metade de tal património.
· Estas são as regras aplicáveis a este regime de casamento, que são imperativas.
· E que por um erro de facto nas declarações da Cabeça de casal, na relação de bens e documentos subsequentes, não estão a ser aplicadas.
· Tal teve consequências óbvias, designadamente quanto às verbas 7, 8 e 9 da relação de bens, que são contas bancárias que estavam na titularidade da cabeça do casal e do de cujus.
· Pelo que pelo menos metade das referidas contas nem poderia ser alvo de meação ou de partilha.
· Uma vez que já pertencia à Cabeça de casal.
· E tal é independente de qualquer regime de bens.
· Tomando como exemplo a verba n.º 9, que corresponde a um depósito à ordem solidário, com dois titulares (J/I) que apresentava o saldo de 24.438,69€.
· Toda esta situação é trágica, afronta de forma violenta a realidade dos factos e prejudica, de forma inapelável, a Cabeça de casal.
· Cujos direitos deverão prevalecer sobre interpretações positivas do nosso regime legal processual civil.
· É um flagrante erro material que inquina todo o processo e a verdade dos factos.
· Permite a lei, nos termos do art.º 667, do CPC, a rectificação dos claros erros materiais que ora se descrevem.
· Nos termos do art.º 249, do CC que tem por epígrafe, Erro de cálculo ou de escrita, “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.
· Este é um princípio geral do direito cujo âmbito de aplicação extrapola o âmbito de do diploma no qual se encontra inserido.
· Por outras palavras, tem aplicação, inclusive, no âmbito no direito processual civil.
· Devendo pois o Acórdão contemplar tal rectificação, nos termos exactos prescritos pelo já referido no art.º 249, bem como pelo art.º 667, do CPC.
· Deve a sentença ser revogada e substituída por Acórdão que obrigue à rectificação da relação de bens, e consequente elaboração de novo mapa de partilha, que abranja apenas metade do património do de cujus à data do óbito, respeitando-se o direito à meação por parte do cônjuge, procedendo-se à rectificação da dita relação de bens, nos termos exactos prescritos pelo já referido art.º 249, do CC, bem como pelo art.º 667, do CPC.
3. Nas contra-alegações apresentadas, vieram os interessados R e J, pronunciar-se no sentido da manutenção do decidido.
4. Cumpre apreciar e decidir.
*
         II – Enquadramento facto-jurídico.      
            Como se sabe, o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, importando em conformidade decidir as questões[1]  nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, com excepção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, vejam-se os artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, 660.º, n.º 2, e 713.º, todos do CPC.
No seu necessário atendimento, e com vista à sua apreciação, relevam as seguintes ocorrências processuais
1. Os Recorridos, R e J, vieram, na sequência de arrolamento, requerer a instauração de inventário contra à Recorrente, I alegando:
- em 26 de Dezembro de 2000 faleceu JF, casado que foi com a Requerida e pai dos Requerentes;
- não lograram obter a partilha extra judicial;
- a Requerida encontra-se na posse de alguns bens da herança, agindo como seus fossem, o que levou à interposição de procedimento cautelar, que veio a ser atendido.
            2. Nomeada a Requerida, como Cabeça de casal, citada, veio a mesma prestar declarações.
3.  Foi apresentada a relação de bens de fls. 16, tendo a cabeça de casa constituído Mandatário judicial, com poderes especiais.
4. Os Interessados vieram reclamar da omissão de uma conta bancária cujo único titular era o falecido, e três objectos de ouro, bens próprios do falecido, que foi indeferida, quanto a estes últimos.
5. Designado dia para conferência de interessados, após suspensão da instância requerida pelas partes com vista à obtenção de acordo, vieram os Interessados R e J a fls. 180, apresentar um requerimento, invocando a existência de questão que podia influir na partilha, nos seguintes termos:
- nos autos de providência cautelar de arrolamento requereram que fossem arrolados os bens constantes da relação de bens, porque eram bens próprios do de cujus;
- é uma questão que deve ser decidida a fim de ser efectuada a correcta partilha dos bens da herança;
- as peças de ouro que se encontram na posse da Cabeça de casal, e constam da relação de bens, são as que couberam em partilha extrajudicial da herança de E, mãe do inventariado.
- a quantia recebida pelo falecido com a venda do imóvel integrante do acervo hereditário da sua mãe E (6.500.000$00) foi depositada numa conta no Banco P, de que o mesmo era o único titular, e na qual havia já havia depositado a quantia de 500.000$00, relativa também a quinhão hereditário de sua mãe.
- em 30 de Agosto de 2000, foi o montante de 7.024.178$00 (34.986,57€) transferido da mencionada conta bancária para outra no Banco E, e em 25 Setembro de 2000, constituídas duas aplicações, sendo o de cujus 1º titular, e o s interessados, 2º e 3ºs titulares. Em 27 de Novembro, a Cabeça de casal e o JF abriram a conta no Banco E, e para ela transferiram as quantias provenientes das contas existentes no mesmo banco.
- a origem dos bens constantes de todas as verbas da relação de bens é a partilha extrajudicial realizada após o falecimento da E, mãe do de cujus, constituindo bens próprios do de cujus, pois tendo o mesmo sido casado com a Cabeça de casal no regime de comunhão de adquiridos, lhe advieram, depois do casamento, por sucessão.
6. A Cabeça de casal veio responder, dizendo que a relação de bens já se encontrava fixada, nos termos dos artigos 1438, e segs do CPC, requerendo o desentranhamento do requerimento apresentado.
7. Foi proferido o despacho de fls. 195, indeferindo o requerido, no qual se consignou:
(…) Refira-se desde logo que, encontrando-se os autos na fase da conferência de interessados e já tendo sido decididas as reclamações apresentadas (sendo que esta questão se coloca desde o início), entende-se ser extemporânea a reclamação ora apresentada.
Mas ainda que assim não se entenda, é de salientar que a questão dos bens relacionados serem bens próprios ou não do inventariado é irrelevante para a partilha, considerando que a cabeça de casal é herdeira por ser cônjuge, independentemente do regime de bens do respectivo casamento. Na verdade, o regime de bens do casamento só tem interesse para a determinação da meação do cônjuge sobrevivo, mas não para definir os bens a partilhar pois estes são todos os que integram o património do inventariado, à data do seu óbito. Caso contrário, chegar-se-ia à conclusão que o cônjuge que case em regime de separação de bens nunca será herdeiro do outro cônjuge, o que é manifestamente contrário à lei (…).
8. Na conferência de interessados, na qual esteve presente o ilustre Mandatário da Cabeça de casal, com poderes especiais, houve acordo quanto à composição dos quinhões.
9. Consignou-se no despacho determinativo da partilha:
(…) concordando-se com a forma da partilha proposta pelos interessados a fls. 205 e seguintes, determina-se que a partilha se efectue da seguinte forma: Somam-se os valores das verbas, n.º1, a n.º 10, inclusive, abate-se o passivo e o resultado divide-se em três partes iguais. O preenchimento dos quinhões far-se-á conforme o acordado na conferência de interessados, apurando-se o valor das tornas devidas.
10. Foi organizado o mapa de partilha, posto em reclamação, e proferida sentença homologatória.
11. Notificada veio a Cabeça de casal requerer:
- aclaração da sentença, com o respectivo esclarecimento da mesma, concretizando sem tendo em atenção os documentos juntos aos autos, a partilha diz respeito ou não a 50% dos bens nela relacionados;
- aclaração da mesma no sentido de se tomou em consideração a contitularidade das contas que constituem as verbas, n.º 7, 8 e 9.
- a não se entender que apenas abrange metade do património do de cujus à data do óbito, requerer a rectificação da declaração;
- se assim não se entender, requer-se a emenda da partilha por erro de facto na descrição e qualificação dos bens, solicitando que a parte contrária manifesta a sua concordância ou discordância.
12. Os interessados R e J vieram responder, pronunciando-se em termos do indeferimento do requerido, mais dizendo não estarem de acordo com a emenda à partilha.
13. Foi proferido o despacho de fls. 270, no qual se consignou:
(…) No caso concreto, entende-se que a sentença não padece de qualquer erro material, considerando que a sentença de fls. 218 homologou a partilha constante do mapa de partilha de fls. 213, partilha essa que teve por base os bens relacionados na relação de bens pertencentes, na sua totalidade ao autor da herança, tal como decorre do despacho de forma a partilha de fls. 209 (o qual foi notificado à cabeça de casal e não mereceu qualquer reparo por parte da cabeça de casal e do mapa da partilha de fls. 213 (não tendo sido apresentada qualquer reclamação quanto à mesma). Esta mesma questão foi levantada na própria conferência de interessados, tendo-se entendido então, como agora, que os bens a partilhar eram os que constavam da relação de bens e que esses pertenciam ao autor da herança, não tendo então a cabeça de casal feito qualquer referência a um seu eventual direito de propriedade sobre tais quantias. Em face do exposto, entende-se que a sentença não padece de qualquer erro que padeça de ser corrigido, pelo que se indefere a requerida reclamação. No que respeita à emenda da partilha, não dando os requerentes o seu acordo para a mesma e face à redacção dos artigos 1386 e 1387, do CPC, nada há a ordenar quanto a esta matéria. (…)
Aqui chegados, importa analisar as questões suscitadas pela Recorrente e que se prende, essencialmente, com o facto de o processo, quase desde o início, assentar num erro material, essencial para a boa decisão da causa, e que está relacionado com a relação de bens. Com efeito, e segundo invoca, no mesmo devia estar já excluída a meação atribuída à Recorrente, enquanto cônjuge sobrevivente, sendo que, pelo contrário, contempla todo o património à data do óbito do autor da sucessão, quando apenas deveria conter metade, o que apenas foi verificado agora pela Cabeça de casal, bastante confusa, devido ao seu estado de saúde.
 Por um erro de facto nas declarações da Cabeça de casal, na relação de bens e documentos subsequentes não estão a ser aplicadas as regras imperativas do regime de bens de comunhão de adquiridos, o que teve consequências, nomeadamente quanto às contas bancárias que estavam na titularidade do de cujus e da Recorrente, porquanto, metade dessas verbas não podiam ser objecto de partilha.   
            Pretende, assim a Recorrente, que se configura um flagrante erro material, que inquina todo o processo, permitindo a lei a rectificação dos claros erros materiais ora descritos, nos termos do disposto no art.º 667, do CPC, mais apelando para o disposto no art.º 249, do CC.
            Apreciando.
            Considerando-se[2] o alcance geral, em termos de aplicabilidade, não só às declarações negociais de vontade, com vista a produção de efeitos estritamente civis, mas também visando operar efeitos processuais, do disposto no art.º 249,do CC, consagra-se nesta disposição legal, que o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação, isto é, se o lapso ou erro, ostensivamente se evidenciar do contexto da declaração, ou das circunstâncias que a rodearam.
            De igual modo, no concerne à possibilidade de rectificação de erros materiais, prevista no art.º 667, do CPC, menciona-se erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, casos que poderão ser corrigidos, impondo-se que do próprio conteúdo da decisão, ou dos termos que a precederam se depreenda, de forma clara, que foi escrito, algo diferente do que se pretendia escrever, numa evidência material, marcadamente distinta do erro de julgamento, sem prejuízo do seu maior ou menor acerto, em que não existe divergência, manifesta, entre a vontade declarada e a real.
            Vejamos.
Os presentes autos de inventário, visam, sobretudo, pôr termo à comunhão hereditária, decorrente do fenómeno sucessório, traduzindo-se efectivamente no chamamento de determinadas pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais do falecido, e assim permitindo que os bens que àquele pertenciam sejam atribuídos aos interessados, reconhecidos como tal, art.º 1326, n.º1, do CPC.
            Para tanto, deve  o cabeça de casal relacionar todos os bens da herança, tendo presente que o objecto da sucessão abrange todos os bens, direitos e obrigações do seu autor, que não forem meramente pessoais, ou exceptuados por disposição do mesmo ou da lei, como resulta da formulação negativa dada pelo art.º 2025, do CC, na observância do disposto no art.º 1345 do CPC, com a indicação, por meio de verbas, acompanhada dos elementos necessários à sua identificação e ao apuramento da sua situação jurídica, desse modo feita assim a destrinça acerca da sua proveniência e respectiva natureza.
            No âmbito das declarações prestadas como cabeça de casal, e que não suscitam quaisquer dúvidas[3], a Recorrente foi casada com o Inventariado, sob o regime de comunhão de adquiridos, como resulta do disposto no art.º 1717, do CC, pelo que, como se sabe, pode haver bens comuns e bens próprios de cada cônjuge, não se comunicando os bens levados para o casal, nem os adquiridos a título gratuito.
 Assim, entende-se[4], na devida articulação dos artigos 1722, 1723, 1726 e 1729, que serão próprios, os bens que os cônjuges levem para o casamento, os que advierem a cada cônjuge por sucessão ou doação, os adquiridos na constância do matrimónio por direito próprio anterior, os sub-rogados no lugar dos bens próprios, os adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e, noutra parte, com dinheiro ou bens comuns, se aquela for a prestação mais valiosa, bens indivisos adquiridos, em parte, por um dos cônjuges, que deles já tinha uma outra parte, bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios e que não possam considerar-se como frutos destes, bens considerados próprios por natureza, por vontade dos nubentes, ou por disposição da lei.
Por sua vez, e face ao disposto nos artigos 1724 e 1726, do CC, são comuns, o produto do trabalho dos cônjuges, os bens adquiridos na constância do matrimónio, a título oneroso, frutos e rendimentos dos bens próprios e o valor das benfeitorias úteis feitas nestes bens, os móveis, salvo prova em contrário, os bens sub-rogados no lugar dos bens comuns, e ainda os bens adquiridos em parte com o dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e, noutra parte, com dinheiro ou bens comuns, se esta for a parte mais valiosa.
Constituindo os bens comuns uma massa patrimonial a que lei concede certo grau de autonomia tendo em vista a sua especial afectação, pertencendo aos dois cônjuges, em bloco[5],  atribui a lei, sendo nulas as estipulações em contrário, a cada um, o direito a metade do património comum, do activo e do passivo, art.º 1730, n.º1, do CC, como quota ideal, de modo semelhante ao direito dos herdeiros que recai sobre o conjunto da herança, na medida que a cada um apenas assiste o direito a uma parte ideal da mesma e não a bens certos e determinados, sendo que o domínio e a posse sobre estes só se efectivam após a realização da partilha.
Sendo inquestionável a qualidade de herdeiro do cônjuge sobrevivo como decorre do disposto nos artigos 2131, 2132, 2133, n.º1, a), do CC, o mesmo terá assim, igualmente, direito à meação, se tiver vigorado o regime de bens de comunhão de adquiridos no casamento, desde que, claro está, existam bens comuns do casal, que como tal deverão ser relacionados, sendo que quanto ao valor destes será achada a meação do cônjuge sobrevivo, correspondente a metade, e ao mesmo atribuída, enquanto que a outra metade (a meação do inventariado), será repartida pelos herdeiros, ou então somada ao valor dos bens próprios do inventariado (se existentes), e também dividida.
            Patente se torna a relevância das declarações prestadas pelo cabeça de casal, bem como a relação de bens pelo mesmo fornecido aos autos, na medida em que enquadram e delimitam o âmbito do inventário, pese embora a existência de vários mecanismos legais que permitem o respectivo controle e rectificação com vista à procura da sempre almejada verdade material e realização da Justiça.
            Voltando aos autos, verifica-se que nas declarações prestada pela Cabeça de casal, ora recorrente, ficou expressamente consignado, Que não existem bens comuns a partilhar, (…)  inventariado recebeu por óbito da mãe, E, falecida em 25 de Agosto 1998, metade de um imóvel, posteriormente foi vendido pelo valor de 13.000.000$00, cabendo-lhe 6.500.000$00, e 500.000$00 em numerário – o que perfaz a quantia de 7.000.000$00. Tendo constituído um depósito, neste montante em seu nome e dos dois filhos. Em 27 de Novembro de 2000, este depósito foi transferido para uma conta no Banco E– conjunta do inventariado e da cabeça de casal. Após o óbito do inventariado os requerentes comunicaram ao referido banco o óbito, tendo a requerente sido informada que só podia dispor da quantia de 3.500.000$00, tendo a mesma nessa altura constituído contas em seu nome, no valor desse montante que foi objecto de arrolamento[6]. (…) para além dos bens constantes no arrolamento existem ainda como bens próprios do inventariado um par de brincos (de viúva) com aro em ouro, dois relógios de pulso (avariados) e uma pulseira em prata.
            Subsequentemente veio a Cabeça de casal apresentar a relação de bens, de todos que deveriam figurar no inventário, conforme consta de fls. 15, junta a fls. 16 e seguintes, subscrita pela sua Ilustre Mandatária, e na qual foram relacionados os objectos discriminados (verbas 1 a 6 ) - Um fio de ouro, uma pulseira, um par de botões de punho, um fio de prata, uma medalha de prata e um relógio de pulso), e as contas no Banco ... (verbas 7 a 9) - Depósitos à ordem, solidários, com dois titulares, o Falecido e a Recorrente, n.º…., …., e ….., que apresentavam o saldo, respectivamente, à data do óbito de, 16.303$00 (81,32€), 1.892.000$00 (9.437,26€) e 5.100.000$00 (25.438,69€), requerendo depois a inclusão do saldo bancário de uma outra conta no Banco C, do Inventariado, no montante de 206.061$00 (1.027,83€ - verba, n.º 10), tal como resulta da relação de bens constante de fls. 75, elaborada nos termos do art.º 1349, n.º 5, do CPC.
            Na realidade, e continuando, se a relação de bens apresentada se coaduna com as declarações prestadas pela Cabeça de casal, compreendendo-se nessa medida a forma como surgem relacionados os bens que constituem o acervo hereditário, verifica-se que a mesma, no âmbito da conferência de interessados, opôs-se a que pudessem ser discutidas questões prendendo-se com a titularidade dos bens a partilhar, sendo certo que não se evidencia que a Recorrente não pudesse percepcionar, ao longo do processado, das respectivas consequências do declarado e atendido, nomeadamente, quando ouvida, até porque representada por Ilustres Mandatários.
Assim, tendo em conta o exposto e compulsando até com o posicionamento dos demais interessados defendidos quer em sede do procedimento cautelar, quer nos presentes autos de inventário, ao contrário do que parece pretender a Recorrente, a desconsideração do seu direito à meação, não surge nos presente autos sem qualquer base que o fundamente, decorrente de qualquer lapso material, facilmente apreensível no contexto das declarações produzidas, e desse modo cognoscível, podendo ser corrigido em conformidade, nem para tal se mostra suficiente o atendimento da existência de regime de contas de depósitos à ordem solidárias[7].
Com efeito, o regime desta modalidade de conta visa, sobretudo, facilitar a sua movimentação, em atenção às relações de confiança que é suposto existirem entre os respectivos titulares, no concerne, pelo menos, à movimentação do saldo da conta, e nessa medida protegendo os depositantes, enquanto credores[8], pelo que se do ponto de vista das relações com o banco, qualquer dos titulares da conta solidária a pode movimentar, tanto a débito, como a crédito, isso não significa que a quantia depositada lhe pertença, sendo certo que o seu direito de crédito à prestação bancária não se confunde com a propriedade sobre aquela, que assim pode ser de modo diverso configurada, e livremente reclamada, por quem se arrogue à mesma.
Ora, no caso sob análise, e no atendimento dos elementos fácticos constantes dos autos e veiculados pelas partes, maxime pela Cabeça de casal, não se patenteia uma incompatibilidade lógica e material entre o declarado em termos do acervo a partilhar e o relacionamento das verbas 7, 8, e 9, respeitantes às contas acima referenciadas, demonstrativa da existência de um erro material que por demais evidente, pudesse ser suprido, no concerne à relação de bens, importando na alteração dos demais termos processuais.
Falecem, assim, e na totalidade, as conclusões formuladas pela Recorrente.
           
*
           
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença sob recurso.
Custas pela Apelante.
*

Lisboa, 9 de Novembro de 2010

Ana Resende
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo
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[1] O Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está o mesmo sujeito às razões jurídicas invocadas também pelas partes, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664, do CPC.
[2] Cfr. RLJ, 111.º, pag. 383.
[3] Nos autos de arrolamento em apenso encontra-se junto o assento de casamento entre JF, entretanto falecido, e I, ora Recorrente, em 17 de Setembro de 1984, civil, sem convenção antenupcial.
[4] Seguindo-se, aqui de perto Francisco Pereira Coelho e Guilherme Oliveira in Curso de Direito de Família, Vol. I., pag. 555 e segs.
[5] Cfr. Autores acima indicados, a fls. 550 e seguintes.
[6] Os agora Recorridos vieram requerer o arrolamento da quantia de 3.500.000$00, depositada nas contas bancária do Banco E, de que é titular a Recorrente, o saldo da conta bancária de foi titular o Falecido no Banco P, e um fio de ouro, uma pulseira em ouro, um par de botões de punho, um fio de prata, uma medalha de prata, um relógio de pulso, um fio de ouro, uma pulseira de ouro, um anel de ouro. Na decisão proferida foi julgada procedente a providência cautelar e ordenado o arrolamento da conta bancária titulada pela Recorrente, sediada no Banco E, até ao montante de 3.500.000$00, bem como dos objectos referenciados.
[7] Contituladas, solidárias ou disjuntas, isto é, que cada um dos contitulares pode exigir, de forma isolada, disjunta, a totalidade da quantia depositada ou realizar as várias operações de movimentação da conta
[8] Cfr. Ac. STJ de 12.11.2009, in www.dgsi.pt.