RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
ERRO
Sumário

1. No caso de erro ou falta de pagamento de taxa justiça inicial, não recusando a secretaria o requerimento inicial de uma reclamação de créditos, não deve desde logo ser decidido o desentranhamento do requerimento inicial, antes devendo ser dada a possibilidade ao autor de suprir a irregularidade no prazo de 10 dias.
2. Se não o vier fazer, deverá então ser ordenado o desentranhamento do requerimento inicial, esgotada ficando a faculdade de lançar mão ao mecanismo referenciado do art.º 476, do CPC.
(sumário da Relatora)

Texto Integral

ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

            I – Relatório

1. C, veio interpor recurso do despacho que ordenou o desentranhamento da reclamação de créditos que apresentou, em apenso aos autos de execução em que é executado J e M.
2. Nas suas alegações, formula as seguintes conclusões:
- A decisão de que se recorre resulta, em primeira linha, da errada interpretação dos conteúdos do despachos que a antecedem, facto que permitiu à Mª juíza considerar verificado em 22 de Fevereiro um facto com consequências legais (recusa de recebimento de articulado);
- Tal facto só veio a ocorrer em 19 de Abril, momento em que foi notificado à recorrente a decisão exarada no dia 8 do mesmo mês, essa sim recusando o recebimento do articulado, tendo mesmo ordenado o respectivo desentranhamento;
- Esta errada interpretação conduziu a Mma juíza a indeferir o requerido pelo ora requerente, em 22 de Abril, aquando da junção do comprovativo de pagamento, por considerar excedido o prazo de 10 dias conferido pelo art.º 476, do CPC.
- Com esta decisão denegou a concretização de um direito que, expressamente, aquele normativo confere à parte, no caso à ora recorrente;
- Por força do citado normativo;
- Para além de fundamentar a decisão de que se recorre na errada contagem do já mencionado prazo de 10 dias, a Mma Juíza invocou matéria de direito, apoiando assim a sua decisão nos artigos 150º -A, n.º 2, e 474, alínea f), do CPC,
- Desta forma, e sem prejuízo do já demonstrado erro de interpretação do conteúdo dos anteriores despachos, e consequentemente erro de contagem do prazo, a Mma Juíza levou a cabo uma errada aplicação do direito, pois que aplicou os indicados artigo 150 A, n.º 2 e 474, f), do CPC, em detrimento da norma que, essa sim, caberia ao caso, o art.º 486 A, n.º3 e 5, do mesmo diploma.
- Em suma, com o presente recurso a recorrente pretende:
- Obter a revogação da decisão exarada a 30 de Abril de 2010, por efeito da correcta contagem do prazo de 10 dias para aplicação do disposto no artigo 476 do CPC, com a consequente aceitação do articulado para reclamação de créditos.
- A revogação da mesma decisão por força da correcta aplicação do direito (art.º 486  - A, nº 3 e 5) o que naturalmente, só terá lugar na eventualidade de não colher a revogação com fundamento no indicado em a), hipótese que soo em tese se admite.
         3. Cumpre apreciar e decidir.
*
         II –  Enquadramento facto - jurídico
Presente que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formulado, importando em conformidade decidir as questões[1] nas mesmas colocadas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a apreciar está saber se como pretende a Recorrente, o despacho recorrido enferma de ilegalidade, por preterição de um direito processual da parte, por denegação da aplicação do disposto no art.º 476, do CPC, e por errada determinação da lei aplicável, ao sujeitar  o problema em análise ao regime dos artigos 150 - A, n.º 2, e 474, f) do CPC, em detrimento do 486, n.º3, do mesmo diploma.
Importa para tanto, reter as seguintes ocorrências processuais:
- A ora Recorrente veio apresentar reclamação de créditos, auto liquidando taxa de justiça no montante de 51,00€.
- Prestada a informação que a Reclamante autoliquidara a taxa de justiça de valor inferior, ou seja 51,00€, quando deveria ter autoliquidado 1.224,00€, foi proferido, em 22.02.2010, o seguinte despacho: Notifique o reclamante para, em 10 dias, proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça.
- Com data de 8.04.2010, foi proferido o seguinte despacho: Uma vez que a reclamante C não efectuou o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, o que equivale à falta de junção do documento comprovativo do pagamento e que, por esse motivo, implicava a recusa do recebimento da petição, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 150-A, n.º2 e 474, f), do CPC, determino o desentranhamento da correspondente reclamação de créditos e a sua devolução ao apresentante.
- Datado de 22 de Abril de 2010, a Reclamante, apresentou um requerimento no qual fez constar, notificada do douto despacho de fls…, e penitenciando-se por não o haver cumprido já vem, nos termos do disposto no art.º 476 do CPC, juntar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça em falta, juntando comprovativo do pagamento de 1.173,00€
- Em 30 de Abril de 2010 foi proferido o despacho sob recurso, nos seguintes termos:
O comprovativo do pagamento da totalidade da taxa de justiça deveria ter sido, desde logo, junto à petição inicial.
Não o tendo sido e por a petição não ter sido recusada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 150-A, n.º2 e 474, alínea f), do CPC, a reclamante foi notificada (em 22.02.2010) para proceder ao pagamento do remanescente em falta no prazo de 10 dias.
Por o não ter feito, foi ordenado o desentranhamento da correspondente reclamação.
E só após a notificação deste despacho, veio a reclamante proceder ao pagamento em falta (em 22.04.2010).
Ora, do que fica dito é evidente que se mostram ultrapassados todos os prazos legalmente previstos, pelo que não é admissível o pretendido pela reclamante.
Termos em que, mantém-se na integra o despacho proferido em 8.4.2010 e, em consequência, deve a reclamação de créditos em causa ser desentranhada e devolvida ao apresentante (juntamente com os documentos comprovativos do pagamento da taxa de justiça).
Apreciando.
Como se sabe os processos estão sujeitos a custas, compreendendo estas a taxa de justiça, devendo o documento comprovativo do respectivo pagamento, auto liquidado, ser remetido ao tribunal com a apresentação da petição inicial ou requerimento do autor ou requerente, como no caso sob análise de reclamação de créditos, como resulta do disposto nos artigos 1.º, n.º, 1, e 2, 23.º, 24.º e 14.º n.º1, m), do CCJ, no atendimento dos artigos 26.º e 27.º do DL 34/2008, de 26 de Fevereiro, mas merecendo igualmente acolhimento nos artigos 1.º, 3.º, 6.º e 14.º do RCJ, prevendo-se que a omissão de tal pagamento dê lugar à aplicação das cominações previstas na lei do processo, art.º 28, do CCJ.
Assim, em sede do Código de Processo Civil estatui-se no n.º1 art.º 150-A, que quando a prática de um acto processual exigir nos termos do Código de Custas Judiciais o pagamento de taxa de justiça inicial, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento, referindo-se no n.º2, do mesmo preceito, que sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta da junção do documento comprovativo não implica a recusa da peça processual, devendo contudo a parte proceder à sua junção no prazo de 10 dias subsequentes à prática do acto, sob pena da aplicação da cominação prevista no artigo 486-A, do CPC, tendo em conta, e novamente, a inaplicabilidade da  vigência do art.º 150.º - A, também do CPC, dada pelo DL 34/2008, de 26.02[2].
Temos, deste modo um regime próprio destinado à petição inicial, que se compreende, já que a parte está a introduzir o facto em juízo, e dessa forma deverá reunir no momento em que o faz os requisitos necessários para tanto, prevendo o art.º 474, f) do CPC, que a Secretaria recusa o recebimento da petição inicial quando não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça, podendo contudo o autor juntar o documento comprovativo de tal pagamento, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa do recebimento, ou à notificação da decisão judicial que a tenha confirmado, conforme resulta do art.º 476, igualmente do CPC.
Regime diverso, no concerne à contestação, o que também desde logo se entende tendo em conta a natureza do articulado em causa, mostra-se consignado no art.º 486-A, do CPC, e que passa sobretudo pela imposição sanções pecuniárias devidas pelo não cumprimento tempestivo da obrigação devida, que serão agravadas, e que podem determinar o desentranhamento da peça processual.
No caso sob análise, estamos perante uma reclamação de créditos que constitui um procedimento de natureza declarativa, embora correndo em apenso ao processo de execução, art.º 865, n.º 8, do CPC, existindo por força de uma norma do processo executivo e advindo do seu desenvolvimento normal, o que lhe conferindo uma natureza incidental e subordinada, não descaracteriza o respectivo requerimento inicial, para os termos e efeitos dos artigos 467, n.º3, ex vi art.º 466, n.º1, 474, f) e 476, todos CPC.
Resulta dos autos, também, que na situação em causa não foi omitida a junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, isto é, o pagamento foi satisfeito, embora em termos parciais, porquanto por um quantitativo muito inferior ao devido, tendo a secretaria disso dado conhecimento ao Juiz e em conformidade sendo proferido despacho ordenando a notificação do reclamante para proceder o pagamento do remanescente da taxa de justiça em dívida, que a Recorrente diz lhe ter sido notificado em 10 de Março de 2010.
Conforme já entendemos[3], no caso de erro ou falta de pagamento de taxa justiça inicial, não recusando a secretaria o requerimento inicial, não deve desde logo ser decidido o desentranhamento do requerimento inicial, antes devendo ser dada a possibilidade ao autor de suprir a irregularidade, possibilidade de, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta, sendo que na base deste entendimento está, sobretudo, a procura do equilíbrio e sobretudo da igualdade de situações, permitindo que não sejam coarctados benefícios às partes, tendo em vista o concedido pelo já mencionado art.º 476, do CPC, possibilitando-lhes a apresentação do comprovativo do pagamento devido, perante possíveis condutas omissivas das secretarias.
Caso o não o venha fazer, então sim, deverá ser ordenado o desentranhamento do requerimento inicial, sendo certo que, esgotada fica a faculdade de lançar mão ao mecanismo referenciado do art.º 476, do CPC, no que à junção do documento respeita, reportado como vimos à recusa da petição, mas cujos efeitos já foram salvaguardados previamente com a notificação operada, bem como outros relativos a articulados diversos com imposições de sanções pecuniárias, previstas, para o caso que nos interessa, no art.º 486 –A, do CPC, desde logo em termos estruturais arredados, até sob pena de se configurar uma situação multiplicidade de benefícios geradora de manifestos desequilíbrios, maxime de injustiças na consideração da normalidade estabelecida.
Voltando aos autos, temos que resulta dos mesmos que a Recorrente não deu cumprimento ao ordenado, como a própria refere nas suas alegações, pelo que foi proferido despacho datado de 8.4.2010, mas referenciado pela Apelante como tendo sido notificado em 19 de Abril de 2010, a determinar o desentranhamento do requerimento inicial e a sua devolução ao apresentante, vindo a mesma, em 22 de Abril, juntar o comprovativo do pagamento em falta, e invocando o disposto no art.º 476, do CPC.
Ora, face à situação dos autos, na configuração de requerimento inicial da reclamação de créditos, e afastado assim, estruturalmente, o regime previsto no art.º 486-A, do CPC, ressalta que não tendo tal requerimento sido recusado pela secretaria, pese embora não se mostrasse comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida, foi efectuada a notificação da parte, permitindo, conforme o disposto no art.º 476, do CPC, que fosse junto o comprovativo do remanescente em falta, pelo que não o tendo sido, a consequência necessária seria, como foi, ordenar o desentranhamento do requerimento inicial, por despacho de 8 de Abril de 2010 .
Assim, a notificação operada (em 19 de Abril, como invoca a Recorrente) de tal despacho, e salvaguardados que foram anteriormente, como se viu, os direitos processuais da parte que no caso lhe assistiam, não tem os efeitos agora pretendidos, isto é, de permitir o decurso de um novo prazo de 10 dias, ainda ao abrigo do art.º 476, de modo que se pudesse considerar tempestivo, o pagamento do remanescente efectuado em 22 de Abril.
Deste modo, embora em termos não de todo coincidentes, conclui-se, inexistir fundamento para alterar o decidido, falecendo, as conclusões formuladas pelo Recorrente.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente apelação, confirmando a decisão recorrida.
            Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 9 Novembro de 2010

Ana Resende
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo
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[1] O Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está o mesmo sujeito às razões jurídicas invocadas também pelas partes, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664, do CPC.
[2] Introduzindo um novo n.º 2,  prescrevendo, que a junção de documento comprovativo de pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido nos termos ao Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante.
[3]   Cfr. Agravo 7915/06, de 7.11.06.