Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
EXECUÇÃO
PENHORA
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL
Sumário
O salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como “mínimo dos mínimos”, não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo. Daí que o acórdão n.º 96/2004, em processo de fiscalização concreta ao abrigo da alínea a) do n.º1, do art.º 70, da LTC, o Tribunal julgou inconstitucional, sempre por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, a norma que resulta da conjugação do disposto da alínea a) do n.º1 e do n.º 2 do art.º 824, do Código de Processo Civil (na redacção emergente da reforma de 1995/96), na parte que permite a penhora de uma parcela do salário do executado, que não seja titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda e na medida em que priva o executado da disponibilidade de rendimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
C moveu a presente acção executiva para pagamento de quantia certa contra M e V, identificados nos autos.
A fls 672 veio a exequente requerer a penhora de 1/3 das remunerações mensais ilíquidas que o executado Vítor aufere como gerente da sociedade denominada “V Ldª
A penhora foi ordenada (fls. 675)
A referida sociedade junta a fls. 684 recibo de vencimento do executado, onde se constata que o vencimento líquido é de € 450 mensais
A exequente insiste na realização da penhora
*
A fls. 687 foi, então, proferido o seguinte despacho:
“Fls. 683-684 e 686: …dado o limite da penhorabilidade apontado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 177/2002, publicado no DR. , 1-A nº 150/2002 de 2-07, determino o levantamento da penhora sobre o vencimento”
************
É este despacho que o exequente impugna formulando estas conclusões:
1-O Mmº. Juiz fez errada interpretação da Lei e do Acórdão do Tribunal Constitucional n° 177/2002, de 2/07/02 proferido no processo 546/2001, violando a letra e o espírito do mesmo;
2-Na verdade, o Mmº Juiz "a quo" não terá tido em conta que o Acórdão reporta apenas à alínea b) do n° 1 do artigo 824° do CPC nada dele se inferindo a sua aplicação à alínea a).
3-As remunerações nomeadas à penhora são, de montante superior ao salário mínimo nacional, logo penhoráveis em 1/3.
4-O Sr. Juiz apenas excepcionalmente pode isentar de penhora na totalidade os rendimentos. Ora, no caso dos autos não há facto que possa ser considerado como de excepção, pois inexiste facto fortuito, de força maior ou de carácter acidental que possa por si justificar a alteração posterior das circunstâncias, designadamente para efeitos de pagamento de encargos assumidos;
5-Ao verificar-se a isenção pretendida, colocar-se-ia o executado na posição de se eximir de forma inexplicável ao pagamento de uma dívida.
Termos em que deverá ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que ordene a penhora das remunerações nos termos da nomeação, assim se fazendo
************
Não foram apresentadas contra-alegações
*********************
Os factos com interesse para a decisão da causa
Os constantes do relatório
***************
Cumpre apreciar
Os presentes autos de execução deram entrada em juízo antes de Setembro de 2003 ;assim, não é aplicável a este processo o regime instituído na execução pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 8.3 (artigos 21.º n.º 1 e 23.º do Dec.-Lei n.º 38/2003), pelo que será a redacção do CPC a ele anterior que, nada sendo dito em contrário, será levada em consideração.
O art.º 821.º n.º 1 do CPC declara que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda. Por sua vez no art.º 601.º do Código Civil estipula-se que “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.”
Assim, a regra é a da penhorabilidade dos bens do devedor, havendo que cuidar, porém, das excepções legalmente previstas ou admissíveis.
Entre essas excepções contam-se as previstas na lei do processo, mais precisamente nos artigos 822.º e seguintes do CPC.
Aqui a lei enuncia bens absoluta ou totalmente impenhoráveis (art.º 822.º), bens relativamente impenhoráveis (art.º 823.º) e bens parcialmentepenhoráveis (art.º 824.º).
Confrontado com a nomeação à penhora de bens que estejam abrangidos por qualquer uma dessas situações de impenhorabilidade, o juiz deve indeferir a apreensão do bem nomeado, porque lhe cumpre obstar a que se cometa uma ilegalidade (Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 1.º, 3.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1985, pág. 395).
O nº3 do artigo 824.º do CPC constituiu uma novidade, introduzida pela reforma do processo civil de 1995/1996. O preâmbulo do Dec.-Lei n.º 329-A/95 (em que não se tem em conta o advérbio “excepcionalmente”, que foi introduzido no texto legal pelo Dec.-Lei nº 180/96) refere-se-lhe, realçando que assim “são atribuídos ao juiz amplos poderes para, em concreto, determinar a parte penhorável das quantias e pensões de índole social percebidas à real situação económica do executado e seu agregado familiar, podendo mesmo determinar a isenção total de penhora quando o considere justificado.”
O tribunal “a quo” decidiu não ordenar a penhora de 1/3 das remunerações mensais ilíquidas que o executado V aufere como gerente da sociedade denominada “V Ldª, em função do montante líquido que este aufere €450 invocando para o efeito a doutrina do acórdão n.º 177/2002 do Tribunal Constitucional, de 23.4.2002, publicado no D.R. I-A, de 02.7.2002, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, “da norma que resulta da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil, na parte em que permite a penhora até um terço das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros benspenhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de direito e que resulta das disposições conjugadas do artigo 1.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63.º da Constituição.” Todavia, pelo acórdão n.º 96/2004, em processo de fiscalização concreta ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o Tribunal julgou inconstitucional, sempre por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil (na redacção emergente da reforma de 1995/96), na parte em que permite a penhora de uma parcela do salário do executado, que não seja titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, e na medida em que priva o executado da disponibilidade de rendimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional.[1]
O salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o ‘mínimo dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo
Em tais hipóteses, o encurtamento através da penhora, mesmo de uma parte dessas pensões – parte essa que em outras circunstâncias seria perfeitamente razoável, como no caso de pensões de valor bem acimadosalário mínimo nacional –, constitui um sacrifício excessivo e desproporcionadododireitodo na medida que este vê o seu nível de subsistência básico descer abaixodo mínimo considerado necessário para uma existência com a dignidade humana que a Constituição garante.
Nestes termos, dúvidas não existem que nem andou o Exmo Sr. Juiz, ainda que com fundamentação diversa.
Concluindo: O salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como “mínimo dos mínimos”, não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo.
Daí que o acórdão n.º 96/2004, em processo de fiscalização concreta ao abrigo da alínea a) do n.º1, do art.º 70, da LTC, o Tribunal julgou inconstitucional, sempre por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, a norma que resulta da conjugação do disposto da alínea a) do n.º1 e do n.º 2 do art.º 824, do Código de Processo Civil (na redacção emergente da reforma de 1995/96), na parte que permite a penhora de uma parcela do salário do executado, que não seja titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda e na medida em que priva o executado da disponibilidade de rendimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional.
Acordam em negar provimento ao agravo, pelo que o despacho impugnado é confirmado.
Custas pelo agravante.
Lisboa, 18 de Novembro de 2010
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes
Octávia Viegas
----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Tem ainda interesse lembrar que, pelo acórdão n.º 62/02 (Diário da República, II Série, de 11 de Março de 2001), se decidiu “julgar inconstitucionais, por violação do princípio da Dignidade Humana contido no princípio do Estado de Direito, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 1.º e 63.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República, os artigos 821.º, n.º 1 e 824.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual são penhoráveis as quantias percebidas a título de rendimento mínimo garantido”. Também neste acórdão se entendeu que, “conforme resulta dos citados Acórdãos n.ºs 349/91 e 411/93, o que é relevante, no confronto com os artigos 13.º e 62.º da Constituição, para concluir pela legitimidade constitucional da impenhorabilidade é a circunstância de a prestação de segurança social em causa não exceder o mínimo adequado e necessário a uma sobrevivência condigna”.